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    Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

      ISSN 1808-5210

    Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.10 no.1 Camaragibe ene./mar. 2010

     

    ARTIGO DE CASO CLÍNICO

     

    Hiperplasia condilar associada à recidiva de deformidade dentofacial

     

    Condylar hyperplasia associated with relapse of a dentofacial deformity

     

     

    Flávio Cerqueira CavalléroI; Lécio Pitombeira PintoII; Eduardo Rutra Lima ColaresI; Eveline TurattiIII

    IEx Residente do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial do Hospital Batista Memorial de Fortaleza – CE
    IIPós-Doc em CTBMF / Preceptor do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial do Hospital Batista Memorial de Fortaleza – CE
    IIIDoutora em Odontologia / Professora Adjunta do curso de Odontologia da Universidade de Fortaleza

    Endereço para correspondência

     

     


    RESUMO

    O diagnóstico prévio de patologias envolvendo a articulação temporomandibular é de extrema importância para o planejamento das cirurgias ortognáticas. Em caso de patologias da articulação temporomandibular que não sejam diagnosticadas ou sejam ignoradas, é esperada a piora do quadro clínico de disfunção temporomandibular ou a recidiva da deformidade dentoesquelética após a cirurgia ortognática. A hiperplasia condilar causa o aumento do tamanho do côndilo mandibular, que se repercute por toda a mandíbula, com consequente deformidade dentofacial. O tratamento da hiperplasia condilar consiste na remoção da área do côndilo, responsável por este crescimento excessivo e posterior correção da deformidade facial remanescente. O objetivo deste trabalho é o de relatar um caso clínico de recidiva da assimetria facial devido à falha no diagnóstico e ao tratamento da hiperplasia condilar, ressaltando a importância da articulação temporomandibular na cirurgia ortognática.

    Descritores: Transtornos da Articulação Temporomandibular. Assimetria Facial. Recidiva. Osteoma. Osteocondroma.


    ABSTRACT

    The prior diagnosis of pathological conditions of the temporomandibular joint is extremely important for the planning of orthognathic surgery. If such conditions are ignored or not diagnosed, the worsening of the clinical features or postoperative relapse of the dentofacial deformity are to be expected. Condylar dsyplasia leads to an increase in the size of the mandibular condyle with repercussions for the entire jaw and resulting dentofacial deformity. The treatment of condylar hyperplasia consists in the resection of the area of the condyle responsible for this excessive growth and subsequent correction of the remaining facial deformity. The aim of this paper is to report a clinical case of relapse of facial asymmetry due to a failure to diagnose and treat condylar hyperplasia, emphasizing the importance of the temporomandibular joint in orthognathic surgery.

    Keywords: Temporomandibular Joint Disorders. Facial Asymmetry. Recurrence. Osteoma. Osteochondroma.


     

     

    INTRODUÇÃO

    Existe uma estreita relação entre as deformidades faciais e as patologias da articulação temporomandibular (ATM)1. Condições, como hiperplasia condilar (HC), osteoma, osteocondroma, reabsorção condilar idiopática e deslocamento anterior do disco, têm sido mal diagnosticadas ou ignoradas durante o exame e planejamento para a cirurgia ortognática. Nesses casos, recidivas da deformidade19, 21, 22 e/ou piora da sintomatologia da disfunção temporomandibular (DTM)19,23 são condições relatadas na literatura com graves consequências para os pacientes e profissionais.

    A HC é uma má formação óssea não neoplásica, que causa o aumento do côndilo em todas as suas dimensões, provocando alterações na oclusão, no crescimento mandibular e mesmo maxilar, com consequente deformidade dentoesquelética. Geralmente se apresenta como uma assimetria facial pela prevalência unilateral do crescimento 3, 11, 12, 19 e, quando aparece na forma bilateral, normalmente encontramos má oclusão Classe III, associada com mordida cruzada anterior e discrepância maxilomandibular de até vinte milímetros em pacientes jovens.

    A HC pode ser classificada em ativa, quando o crescimento ainda está em desenvolvimento, alterando a oclusão e acentuando a assimetria facial, ou inativa, quando este já parou, não havendo mais mudanças na morfologia e dimensões do processo condilar11, 21. Como se trata de uma condição estável, da qual não se espera mais crescimento, o tratamento da HC inativa é realizado com vistas à correção da deformidade dentoesquelética residual3, 11.

    Para o tratamento da HC ativa, faz-se necessário que a cirurgia da ATM seja realizada antes da cirurgia para correção da deformidade facial. A cirurgia da ATM é realizada pela técnica de condilectomia alta, com a ressecção de 3 a 5 mm da cabeça do côndilo, para se remover área onde se encontra a zona proliferativa, responsável pelo crescimento condilar, impedindo, assim, que mais crescimento ocorra3, 10, 11, 19, 21. O remanescente condilar deve ser remodelado para simular um novo côndilo, e o disco articular, estabilizado em sua posição anatômica, através de ancoragem óssea 19, 21.

    O objetivo deste trabalho é o de relatar um caso clínico de tratamento cirúrgico de recidiva da assimetria facial após a paciente ter sido submetida à osteotomia de corpo mandibular, sem ter sido diagnosticada e tratada adequadamente de sua hiperplasia condilar, destacando-se a necessidade do correto diagnóstico e tratamento das patologias da ATM para a estabilidade dos resultados e controle da DTM.

     

    RELATO DE CASO

    Paciente T.M.G.B, gênero feminino, 26 anos, caucasiana apresentou-se ao serviço de CTBMF do Hospital Batista Memorial de Fortaleza/CE, com queixa de "rosto torto". Relatou que, em 1992, aos 13 anos de idade percebeu o problema pela primeira vez, tendo, no ano seguinte, sido submetida à cirurgia de osteotomia de corpo de mandíbula para correção de laterognatia. Dois anos após essa cirurgia, a recidiva do desvio mandibular já era evidente. Decepcionada com o resultado cirúrgico, a paciente realizou tratamento ortodôntico compensatório por oito anos que apresentou instabilidade devido ao constante crescimento mandibular. A paciente foi, então, reencaminhada à Cirurgia Buco-Maxilo-Facial.

    Ao exame clínico, percebeu-se a assimetria facial associada à laterognatia para o lado esquerdo, hemiface direita mais plana em relação à hemiface esquerda mais volumosa, aumento da altura da mandíbula no lado direito (Figura 1), mordida cruzada posterior do lado esquerdo (Figura 2). A abertura bucal máxima era de 63 mm, porém se observava estalido na ATM esquerda, quando a abertura bucal alcançava 40 mm. Ao exame por imagens, através da radiografia panorâmica e ressonância magnética, foi observado,no lado direito, aumento do volume do côndilo com alongamento do seu pescoço (Figura 3) e deslocamento posterior do disco articular. No lado esquerdo, observava-se deslocamento anterior do disco articular com facetamento da sua superfície anterior (Figura 4). O diagnóstico de deslocamento bilateral dos discos articulares e as hipóteses diagnósticas de Hiperplasia Condilar, Osteoma e Osteocondroma para o côndilo direito foram estabelecidos.

     

     

     

     

     

     

     

     

    O tratamento eleito consistiu na descompensação e preparo ortodôntico dos arcos dentários, condilectomia do lado direito, além de reposicionamento e ancoragem bilateral dos discos articulares através de âncoras Mitek 9 (Johnson&Johnson) (Figura 5), seguindo-se de osteotomia Le Fort I para correção da deformidade dentofacial residual.

     

     

    O exame anatomopatológico da peça cirúrgica apresentou fragmento de tecido ósseo maduro na periferia, disposto em trabéculas, e, no interior, com uma grande quantidade de osso esponjoso, exuberante presença de tecido medular compatível com hiperplasia condilar.

    Atualmente a paciente encontra-se no vigésimo quarto mês pós operatório, apresentando estabilidade dos resultados alcançados, com boa oclusão (Figura 6) e simetria facial (Figura 7), sem ruídos ou dor relacionada com a região das ATMs e dos músculos mastigatórios e abertura bucal de 51mm.

     

     

     

     

    DISCUSSÃO

    As ATMs são a base do tratamento orto-cirúrgico. Considerando que as patologias da ATM podem originar deformidades dentofaciais, o tratamento orto-cirúrgico de pacientes portadores de tais patologias deve obrigatoriamente incluir as articulações para se obterem resultados previsíveis16, 19. O diagnóstico preciso do transtorno articular e seu respectivo tratamento são fundamentais para se alcançarem resultados estáveis em longo prazo.

    Assim, perante uma deformidade dentofacial, é importante a avaliação criteriosa da ATM. Uma avaliação inicial dessa articulação pode ser feita através do exame clínico e da análise da radiografia panorâmica. O exame físico permite a avaliação dos ruídos articulares, dor e alterações dos movimentos excursivos da mandíbula (limitações e desvios)4, 8, 13, 14,18. Radiograficamente, devemos analisar a simetria entre os côndilos, alterações em sua morfologia, seu posicionamento em relação ao osso temporal, padrão do trabeculado ósseo, presença de lesões, etc2,18. Se houver dúvida quanto à presença de desordem da ATM, outros exames por imagem devem ser realizados. A ressonância magnética (RM) é considerada o padrão ouro para se avaliar a relação entre o disco, a fossa articular e o côndilo mandibular2, 8, 14, 15, 17.

    Muitos pacientes portadores de deslocamento do disco articular, que não serão operados com cirurgia ortognática, não apresentarão sinais de DTM, como dor e desconforto articular4, porém a cirurgia ortognática pode promover alterações na relação do côndilo mandibular com a fossa articular e aumentar a compressão na zona bilaminar23. Se esses pacientes apresentarem deslocamento do disco articular ao exame de RM e alguma sintomatologia de DTM, mesmo que apenas um leve ruído ou desconforto articular, há uma grande chance de este quadro se exacerbar para dores severas e limitações funcionais após a cirurgia ortognática, se o tratamento adequado da ATM não for realizado15, 23. Todo paciente candidato a uma cirurgia ortognática, deve anteriormente ser submetido ao exame criterioso e correto diagnóstico da ATM.

    Alguns tumores do côndilo mandibular se assemelham muito com a HC. Geralmente o diagnóstico de HC é determinado através dos achados clínicos e radiográficos. As principais características clínicas da HC incluem sua prevalência em idade puberal21 e radiograficamente se apresenta como um aumento do volume do côndilo em todas as dimensões, sem alterar o padrão de seu trabeculado ósseo11. Porém, às vezes, é difícil diferenciar a HC de outras patologias, principalmente do osteoma e osteocondroma do côndilo mandibular6, 7, 10, 20, 21. Essa dificuldade ocorre, porque todas essas entidades patológicas apresentam um quadro clínico semelhante, com aumento do tamanho do côndilo mandibular que repercute por toda a mandíbula, alterando a relação oclusal e a simetria facial5-7, 20, 21. Não sendo possível distinguir essas entidades apenas com o exame clínico, os exames por imagem assumem grande importância para a elaboração do diagnóstico. Entretanto, esses tumores podem se apresentar radiograficamente sem crescimento exofítico e sem modificar significativamente o trabeculado e a densidade óssea20. Dessa maneira, muitas vezes o diagnóstico definitivo só é estabelecido pela análise anatomopatológica7, 20. Portanto, caso persista a dúvida entre um tumor ou HC, opta-se pela condilectomia mais abrangente, evitando-se recidivas e necessidade de futuras reoperações 7, 20.

     

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    Há uma relação direta entre os transtornos da ATM e as deformidades faciais.

    O diagnóstico preciso do transtorno articular e seu respectivo tratamento são fundamentais para se alcançarem resultados estáveis em longo prazo. Por isso, todo paciente que irá se submeter a uma cirurgia ortognática deve anteriormente ser submetido ao exame minucioso da ATM.

    Caso persista a dúvida entre um tumor ou HC, é prudente optar pela condilectomia mais abrangente, isto é, como se fosse um tumor, evitando-se futuras reoperações.

     

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    Endereço para correspondência
    Eveline Turatti
    Universidade de Fortaleza - Faculdade de Odontologia
    Av. Washington Soares, 1321 Edson Queiroz
    CEP: 60811-341 - Fortaleza/CE - Brasil
    Caixa-Postal: 1258
    Telefone: (85) 34773200

    Recebido em 03/03/2009
    Aprovado em 23/04/2009