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Revista Brasileira de Odontologia

versão On-line ISSN 1984-3747versão impressa ISSN 0034-7272

Rev. Bras. Odontol. vol.72 no.1-2 Rio de Janeiro Jan./Jun. 2015

 

ARTIGO ORIGINAL

 

A saúde bucal na estratégia de saúde da família: como prosseguir?

 

Oral health in the family health strategy: how to proceed?

 

 

Kelly Maria Silva Moreira I

I Especialista em Estratégia em Saúde da Família e em Odontopediatria Mestranda em Odontologia da FO de Piracicaba - FOP/Unicamp


Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Considerando-se a importância de instituir um planejamento mais adequado e desenvolvimento eficaz das ações na Saúde Bucal de Várzea da Palma-MG, este estudo objetivou analisar a condição bucal de 380 escolares (5-6 anos de idade) e subsidiar ações em prol da qualidade dos serviços. Observou-se que 47,5% dos escolares não apresentavam doença cárie. Ao considerar-se somente o primeiro molar permanente (70,0% erupcionados), a presença de cárie foi menor (27,6%). Os resultados sugerem que atividades de promoção da saúde geraram mudanças positivas, no entanto, as metas da OMS-2010 não foram atingidas. Com finalidade de aumentar a resolubilidade destas ações, procurar-se-á promover educação em saúde, por meio de métodos mais descontraídos e includentes, como a orientação direta associada a recursos audiovisuais.

Palavras-chave: saúde bucal; estratégia saúde da família; educação em saúde.


ABSTRACT

Considering the importance of establishing more adequate planning and effective development of the actions in the oral health of Várzea da Palma-MG, this study aimed to analyze the oral condition of 380 students (5-6 years old) and support actions in favor of quality of services. It was observed that 47.5% of the children did not present dental caries. When considered first permanent molars only (70.0% erupted), the presence of caries was lower (27.6%). The results suggest that health promotion activities generated positive changes, however, the goals of the WHO-2010 were not met. In order to increase solvability of these actions, health education will be promoted, through more relaxed and inclusive methods, such as direct guidance associated with audio visual resources.

Keywords: oral health; family health strategy; health education.


 

 

Introdução

Transcorridas quase duas décadas do processo de institucionalização do Sistema Único de Saúde (SUS), o mesmo apresenta ainda grandes limitações e dificuldades. Nesse sentido, novas formas de organização e modelos alternativos surgiram. Os processos de descentralização e municipalização das ações são fortes exemplos de mudanças 1.

O processo de descentralização ampliou o contato do SUS com a realidade social, política e administrativa do país. Tornou-se mais complexo, colocando o município frente a desafios que buscam superar a fragmentação das políticas e programas de saúde por meio da organização de uma rede regionalizada e hierarquizada de ações e serviços e da qualificação da gestão 2. Inserida neste processo histórico e com a edição da Norma Operacional Básica do SUS, nº 01 de 1996 (NOB-96), a Atenção Básica foi gradualmente fortalecendo e constituindo-se como porta de entrada no SUS.

A Estratégia de Saúde da Família (ESF) surgiu, portanto, como uma proposta de reorganização efetiva deste modelo assistencial, uma vez que elege como ponto central o estabelecimento de vínculos e corresponsabilidade entre profissionais e população 3. O trabalho é desenvolvido de forma inter e multidisciplinar, sendo que cada Equipe de Saúde da Família (ESF) assume responsabilidade integral sobre sua população. A família passa a ser foco da atenção, entendida a partir do seu ambiente de vivência 4. Assim, são realizadas atividades direcionadas a diferentes realidades, a partir do diagnóstico situacional 1.

No Brasil, o modelo teve início em 1994, em Minas Gerais, com a inclusão da Equipe de Saúde Bucal (ESB) na Estratégia de Saúde da Família em 2004, quando o Ministério da Saúde publicou as Diretrizes da Política da Saúde Bucal, que tratam da reorganização da atenção em todos os níveis, estabelecendo uma concepção de saúde centrada no cuidado, em ações programáticas e intersetoriais 5.

Uma vez que esta estratégia vem mostrando resultados promissores e busca-se a ampliação e consequente integralidade nas ações de saúde 6,7, os levantamentos epidemiológicos são ferramentas importantes, visando contribuir com os serviços de saúde bucal, por meio da produção de informações mais detalhadas da realidade, instituindo medidas direcionadas e com maiores perspectivas de resolutividade. Por isso, a avaliação e monitoramento das atividades odontológicas foram instituídos pelas portarias GM/MS nº 3925 de 1998 e GM/MS nº 476 de 1999, que regulamentam o processo de acompanhamento da atenção básica 8,9.

O planejamento em saúde cria a possibilidade de se compreender melhor a realidade, os principais problemas e necessidades da população. Sendo assim, este estudo tem como objetivo analisar a condição bucal de escolares (5 e 6 anos de idade) e assim subsidiar ações que visam maior qualidade dos serviços, dando início aos vários planejamentos com sistema de monitoramento e avaliação das atividades na saúde bucal.

 

Material e Método

A saúde do município estudado é organizada por meio da Estratégia de Saúde da Família, com cobertura odontológica de 100% da sua população. São 13 ESF, com 11 ESB, que desenvolvem um trabalho multidisciplinar e contínuo. Conta também com um Centro de Especialidades Odontológicas.

As medidas preventivas básicas instituídas na Saúde Bucal são as determinadas pela OMS:

- autocuidado de higiene bucal (escovação adequada);

- aplicação tópica de flúor feita por profissionais treinados;

- utilização de cremes dentais (dentifrícios);

- fluoretação da água de consumo público, das caixas d´água de escolas, creches e outros estabelecimentos;

- fluoretação do leite, do sal de cozinha, entre outras experiências;

- dieta alimentar balanceada, reduzindo os alimentos compostos por açúcares entre as refeições (conhecido, no meio odontológico, como "convívio inteligente com o açúcar").

Dentre as atividades realizadas pelas Equipes de Saúde da Família (ESF) estão as de promoção de saúde e prevenção de doenças. Inserida neste aspecto as Equipes de Saúde Bucal (ESB) desenvolvem o projeto de escovação supervisionada dos alunos das escolas públicas, e, por ser a idade de 5 a 6 anos, uma fase de grande risco para o desenvolvimento de lesão cariosa no primeiro molar permanente, em que a promoção de saúde deve ser prioritária, optou-se por enfocá-la neste estudo 10.

Os cirurgiões-dentistas realizam anualmente um levantamento clínico de todos os escolares cadastrados neste projeto. As informações são, então, arquivadas no banco de dados da Secretaria Municipal de Saúde. Especificamente no ano passado realizou-se um levantamento com ênfase na idade escolhida para esta pesquisa, baseado nas metas da OMS 2010 (5-6 anos: 90% livres de cárie), já com a finalidade de novas intervenções em saúde para redução das doenças bucais. Assim sendo, utilizar-se-á, para este estudo, a base de dados de 2009, a qual contém os exames de 380 crianças em 12 escolas. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética Local, sob o protocolo de nº 01/2009.

Previamente ao exame diagnóstico, realizado com um espelho clínico e sob luz ambiente, todos escolares foram supervisionados na escovação dentária pelos Agentes Comunitários de Saúde (ACS), que já fazem isso semanalmente na sede de cada escola, referenciada de acordo com a área adstrita. A ficha utilizada constou do nome da escola, bairro, nome e idade do escolar e algumas descrições em relação à saúde bucal: presença e quantidade de dentes cariados e situação dos primeiros molares permanentes (presença/ausência; cariados/hígidos). Os dados foram sumarizados e a análise estatística descritiva foi realizada.

 

Resultados e Discussão

Com base nos dados encontrados (Banco de Dados - 2009), percebe-se que a cárie dentária continua sendo um grande problema. Mostra-se frequente nos grupos menos favorecidos, merecendo mais uma vez destaque nas atividades desenvolvidas pela Saúde Pública, na faixa etária pesquisada (Tabela 1).

Do total de escolares deste estudo, 47,50% não apresentavam doença cárie em dentes permanentes ou decíduos (Gráfico 1). O preconizado pela OMS é de 90% de crianças de 5 a 6 anos de idade livres de cárie, sendo assim, precisamos instituir medidas ainda mais eficazes na redução desta doença.

 

 

 

Cerca de 70,0% das crianças já possuíam pelo menos um primeiro molar permanente na cavidade bucal. Dessas, 76,4% não foram identificadas com cárie dentária. Ao verificar-se a presença de cárie dentária exclusivamente nos primeiros molares permanentes, a taxa foi menor (27,6%) do que quando se incluíram todos os dentes na análise (52,5%). Acredita-se que a escovação supervisionada esteja contribuindo para a aquisição de hábitos saudáveis ao longo do tempo e consequente redução na ocorrência de lesões cariosas.

Nos últimos anos, têm-se observado alterações nas características socioeconômicas da população brasileira, tais como a piora na distribuição de renda, com consequente diminuição do poder aquisitivo da classe média. Paralelamente, em relação à assistência à saúde, houve um estrangulamento dos serviços públicos, pelo aumento da demanda, piora das condições de atendimento e um crescimento das empresas de medicina de grupo 11.

O acesso à saúde está ligado às condições de vida, nutrição, habitação, poder aquisitivo e educação, englobando a acessibilidade aos serviços, que extrapola a dimensão geográfica, abrangendo também o aspecto econômico, relativo aos gastos diretos ou indiretos do usuário com o serviço, o cultural, que envolve normas e técnicas adequadas aos hábitos da população e o aspecto funcional, pela oferta de serviços adequados às necessidades da população 12.

O ESF caracteriza-se como uma estratégia que possibilita a integração e promove a organização das atividades em um território definido, com o propósito de propiciar o enfrentamento e resolução dos problemas identificados. A atenção desse programa não é exclusiva ao grupo mulher/ criança, visto que se propõe a trabalhar com o princípio da vigilância sanitária à saúde. A ESF apresenta uma característica de atuação inter e multidisciplinar, bem como de responsabilidade integral sobre a população que reside na área de abrangência de suas unidades de saúde. O mesmo deve ser entendido como um modelo substituto da rede básica tradicional 13. A ESF chegou com o intuito de reorganizar a atenção e reafirmar os compromissos dos profissionais junto aos usuários e demais parceiros. A dinâmica do trabalho em equipe, agrupando valores, possibilita uma assistência com justiça social e humanização. O enfoque na família estimula a criação de vínculos e a valorização do autocuidado.

Por sua vez, a organização do trabalho das ESB propõe que a implantação se dê em três momentos e engloba atividades de planejamento e atividades clínicas. É provável que seja possível pautar todas as ações através do planejamento estratégico 14. A escovação supervisionada e a motivação são atividades clínicas utilizadas para inserir ou mudar hábitos de higiene bucal em pré-escolares, pois os mesmos estão em fase de aprendizado, descobrindo-se e conhecendo suas sensações 15.

A saúde bucal tem melhorado, sendo as hipóteses explicativas mais plausíveis a elevação no acesso à água e ao creme dental fluorados e às mudanças nos programas de saúde bucal coletiva. No entanto, a cárie continua polarizada e a redução das disparidades socioeconômicas e medidas de saúde pública dirigidas aos grupos mais vulneráveis ainda permanecem como um desafio para todos os que programam as políticas de saúde no Brasil 16. Visto que a escovação supervisionada já é realizada com eficácia, deve continuar fazendo parte do planejamento das atividades destinada à melhoria da saúde bucal dos escolares.

Entre os diversos métodos de motivação em relação à higiene bucal, vários estão sendo utilizados, como a orientação direta, filmes, dispositivos e folhetos educativos. O método de orientação direta, associada à projeção de filmes, foi o mais aceito pelos escolares e, dado que o mesmo auxilia na mudança de comportamento, melhora o ato da escovação e sua frequência e aumenta a preocupação com a higiene bucal, será a estratégia de escolha para a população estudada.

Portanto, considerando que a ocorrência de cárie dentária em Várzea da Palma está, em alguns grupos, dentro do preconizado pelo Ministério da Saúde e salientando que o município acompanha a evolução do SUS, com 100% de cobertura da ESF, pode se considerar que os métodos de prevenção e promoção de saúde bucal estão sendo realizados de forma satisfatória, no entanto, precisam ser aprimorados e diversificados, utilizando os meios descritos anteriormente. Sabe-se que um paciente bem motivado pode alcançar excelentes resultados em termos da melhoria de saúde bucal, principalmente se comparados a pacientes que não passaram por um processo de orientação e motivação.

A limitação desta da pesquisa relaciona-se com o grande número de cirurgiões-dentistas para os exames, no entanto, refletem a realidade e contribuem para o planejamento, uma vez que mesmo ao alterar os profissionais, consegue-se anualmente dar continuidade às ações, sem discrepâncias relevantes de resultados de exames.

 

Conclusão

As atividades de promoção da saúde geraram mudanças positivas ao longo do tempo, no entanto, as metas da OMS- 2010 não foram atingidas. Com a finalidade de aumentar a resolubilidade destas ações e assim obter maior participação dos escolares, despertando atenção, procurar-se-á transmitir o conhecimento utilizando métodos ainda mais descontraídos e includentes, como a orientação direta associada a recursos audiovisuais.

 

Referências

1. FARIA, HP, COELHO, IB, WERNECK, MA, et al. Módulo 2: Modelo assistencial e atenção básica à saúde - Unidade didática I: organização do processo de trabalho na atenção básica à saúde. Belo Horizonte: UFMG; 2008; p. 1-65.         [ Links ]

2. RIVERA, FJU, ARTMANN, E. Planejamento e gestão em saúde flexibilidade metológica e agir comunicativo. Ciência e Saúde Coletiva 1999,4 (2):355-65.

3. BRASIL. Ministério da Saúde. Norma Operacional da Assistência à Saúde – NOAS SUS 01/02. Brasília: Diário Oficial da União; 2002.

4. BRASIL. Ministério da Saúde. Cadernos Saúde da Família, nº 1. Saúde da Família: uma estratégia para reorientação do modelo assistencial. Brasília: Ministério da Saúde; 1997.

5. BRASIL. Ministério da Educação. Resolução n° 7/2004. Brasília: Diário da União; 2004.

6. CORDÓN, JA. Saúde bucal e a municipalização da saúde. Saúde em Debate 1991,32:60-5.

7. GARRAFA, V. Saúde bucal e cidadania. Saúde em Debate. 1993,41:50-7.

8. BRASIL. Ministério da Saúde. Manual para Organização da Atenção Básica. Portaria GM/MS nº 3.925/98. Brasília: Diário da União; 1999.

9. BRASIL. Ministério da Saúde. Alta Complexidade. Portaria nº 476/1999. Brasília: Diário da União; 1999.

10. NORDI, PP, GATTO, SM, MILORI, AS et al. Atenção preventiva antecipada para o primeiro molar permanente. RGO 1994,42(4):204-6.

11. WATANABE, MGC, AGOSTINHO, AM, MOREIRA A. Aspectos socioeconômicos dos pacientes atendidos nas clínicas da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto – USP. Rev Odontol Univ São Paulo. 1997;11 (2):147-51.

12. UNGLERT, CVS. Territorialização em sistemas de saúde. In: MENDES, EV. Distrito Sanitário. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: ABRASCO. 1995. p. 221-35.

13. FORTUNA, CM, MISHIMA, SM, MATUMOTO, S, et al. O trabalho de equipe no Programa de Saúde da Família: reflexões a partir de conceitos do processo grupal e de grupos operativos. Rev Latino-Am Enfermagem 2005;13(2):262-8.

14. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde Bucal. Cadernos de Atenção Básica, nº 17: Normas e Manuais Técnicos. Brasília: Ministério da Saúde; 2006.

15. PETRY, PC, PRETTO, SM. Educação e motivação em saúde bucal. In: KRINGER, L. Promoção de saúde bucal – ABOPREV. 2. ed. São Paulo: Artes Médicas; 1997. p. 365-70.

16. NARVAI, PC, FRAZÃO, P, RONCALLI, AG, et al. Cárie dentária no Brasil: declínio, iniquidade e exclusão social. Rev Panam Salud Publica 2006;19(6):385-93.

 

Endereço para correspondência:
Kelly Maria Silva Moreira
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Recebido em 06/08/2014
Aprovado em 09/09/2014