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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial
versão On-line ISSN 1808-5210
Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.10 no.1 Camaragibe Jan./Mar. 2010
ARTIGO DE CASO CLÍNICO
Actinomicose cervicofacial: relato de caso clínico
Cervicofacial actinomycosis: a case report
Gleicy Gabriela Vitória Spínola CarneiroI; Adna Conceição BarrosI; Larissa Dantas FracassiI; Viviane Almeida SarmentoII; Jener Gonçalves de FariasIII
IMestranda em Odontologia pela Faculdade de Odontologia da Universidade Federal da Bahia
IIDoutora em Estomatologia (PUC/RS), Professora Adjunta da UFBA
IIIDoutor em Estomatologia (UFPB/UFBA), Professor Adjunto da UEFS
RESUMO
A actinomicose é uma infecção bacteriana pouco frequente, causada por microorganismos do gênero Actinomyces. Apesar de suas características clínicas peculiares, pode assemelhar-se ou mascarar outros processos infecciosos, o que dificulta seu diagnóstico e compromete o êxito terapêutico. Paciente J.S.O., feminino, 42 anos apresentou-se com aumento de volume palpável em tecido mole na hemiface direita, estendendo-se da região temporal até a cervical. Os achados clínicos e laboratoriais não foram suficientes para o diagnóstico definitivo. O presente artigo tem como objetivo relatar um caso clínico de infecção por actinomicose cervicofacial, descrevendo e discutindo. O caso clínico de actinomicose cervicofacial relatado aqui enfatiza a importância clínica desta entidade e a necessidade de diagnóstico precoce no sentido de promover uma melhor qualidade de vida aos pacientes afetados.
Descritores: Actinomicose/diagnóstico. Actinomyces. Infecção. Controle de Infecções.
ABSTRACT
Actynomycosis is an uncommon infection caused by oral bacteria of the genus Actinomyces. Despite its typical clinical signs, it can resemble or masquerade as other infectious conditions, making diagnosis more difficult and adversely affecting a successful outcome of treatment. A 42-year-old female presented with a palpable increased volume of soft tissue in her right hemiface extending from the temporal to the cervical region. The clinical and laboratory findings were insufficient for a definitive diagnosis. The purpose of the present article is to report a case of cervicofacial actinomycosis, describing and discussing its methods of diagnosis, clinical course and treatment. This clinical case of cervicofacial actinomycosis reported here emphasizes the importance of this condition and the need for an early diagnosis with a view to improving the quality of life of patients affected.
Keywords: Actinomycosis/diagnosis. Actinomyces. Infection. Infection Control.
INTRODUÇÃO
A actinomicose é uma infecção bacteriana rara, causada pelo microorganismo do gênero Actinomyces. Este é composto por um grupo heterogêneo de bactérias anaeróbias, Gram positivas, não ácido-resistentes, de aparência filamentosa 2,9.
Os actinomicetos são componentes da microbiota bucal humana normal, embora, sob certas circunstâncias, possam se tornar patogênicos 1. Dentre os patogênicos, a espécie Actinomyces israelli é a mais comum, porém já se têm descrito muitas outras, como: A. naeslundii; A. odontolyticus; A. viscosus; A. meyeri; assim como o Propionibacterium propionicum 13.
A infecção usualmente pode apresentar-se em três diferentes localizações: cervicofacial, abdominopélvica e pulmonar 10,8,6,5. A localização cervicofacial é a mais comum 12, podendo acometer as regiões: perimandibular, laterocervical, glândulas salivares maiores, assoalho de boca, masséter, espaço parafaringeano e maxilar superior. Entre os fatores predisponentes da actinomicose cervicofacial, destacam-se exodontias prévias; presença de cárie dentária; presença de cistos de origem inflamatória; ingestão de corpos estranhos, ou ainda, causas idiopáticas 13.
A actinomicose pode apresentar-se clinicamente como uma infecção aguda, de rápida progressão ou como uma lesão crônica que se dissemina lentamente, com formação de fibrose. A lesão caracteriza-se pela presença de uma massa endurecida, circundada por parede fibrosa com área de abscesso central e secreção purulenta 1. A secreção purulenta tende a se concentrar nos tecidos, difunde-se através dos tecidos moles, drenando, por vezes, através de múltiplas fístulas. A secreção pode ou não ter grandes partículas amareladas que representam colônias de bactérias, denominadas de grânulos sulfúricos 12.
O diagnóstico diferencial de actinomicose é geralmente difícil, pois seu começo é insidioso, e seus sintomas confundem-se com os da celulite generalizada, outras infecções comuns de tecido subcutâneo, ou até mesmo, neoplasias. O diagnóstico consiste em caracterizar grânulos sulfurosos no material (tecido ou exudato) de uma lesão suspeita, realizar a análise histopatológica por cultura do tecido biopsiado 14.
O tratamento da actinomicose consiste de debridamento cirúrgico da lesão e terapia antibiótica por tempo prolongado 1.
Este trabalho tem como objetivo o de relatar um caso clínico de actinomicose cervicofacial e apontar seus métodos de diagnóstico, evolução clínica e tratamento.
RELATO DE CASO CLÍNICO
Paciente J.S.O., feminino, 42 anos, compareceu ao ambulatório do Serviço de Cirurgia Buco-Maxilo-Facial e Estomatologia do Hospital Santa Casa de Misericórdia (São Félix-BA), com queixa de "inchaço" no rosto. Durante a anamnese, foi constatado que a paciente era portadora de deficiência mental, o que dificultou o relato da história natural da doença, incluindo possíveis fatores desencadeantes, sintomatologia e evolução.
Ao exame físico extrabucal, foi observado aumento de volume palpável em tecido mole na hemiface direita, de consistência mole com flutuações (Figura 1), estendendo-se da região temporal até a cervical. Além disso, constatou-se presença de múltiplas fístulas com drenagem espontânea de secreção purulenta (Figura 2).
Ao exame intrabucal, pôde-se perceber as precárias condições dentárias e periodontais, com inúmeras lesões de cárie, algumas bastante extensas, inflamação gengival, cálculo e ausência de vários dentes.
Diante dos achados clínicos, as hipóteses de diagnóstico foram actinomicose cérvico-facial. Foram solicitados exames laboratoriais de rotina, radiografia panorâmica da face e ultrassonografia.
Após sete dias, a paciente retornou com os exames solicitados. Foram encontrados padrões de normalidade nos exames laboratoriais de rotina. Logo, os achados destes foram inespecíficos para o diagnóstico de infecção. Na radiografia panorâmica, observou-se a presença de várias lesões de cárie, algumas com comprometimento pulpar, reabsorção óssea periodontal e ausências dentárias (Figura 3). No exame de ultrassonografia da hemiface direita, foram observadas imagens hipoecoicas, homogêneas, nodulares, fusiformes, bem delimitadas, isoladas, localizadas em cadeia cervical anterior, sugestivos de linfonodos reacionais.
Devido as poucas evidências de infecção nos exames laboratoriais e possível suspeita de tumor na região afetada, também foi solicitada a tomografia computadorizada. Nesse exame, utilizando cortes axiais e coronais, observou-se aumento de volume em tecidos moles, estendendo-se do espaço mastigatório até a região temporal à direita (Figura 4). No espaço mastigatório, o coeficiente de atenuação era de 6,7 UH compatível com edema.
A tumefação aumentou progressivamente, no período de uma semana, principalmente na região periauricular. Essa região foi escolhida para intervenção devido ao aumento de volume e à presença de flutuações, sendo realizada drenagem da secreção e obtenção de tecido (tecido de granulação e secreção purulenta) para análise histopatológica, além da colocação de um dreno flexível, do tipo Pen Rose. O tratamento medicamentoso constou do uso de 2g de Ampicilina endovenosa, 30 minutos antes da drenagem e manutenção durante o período de internamento de 1 g de ampicilina endovenosa de 8 em 8 horas; após alta hospitalar amoxicilina, via oral, 500 mg de 8 em 8 horas, por 15 dias, o que não foi realizado pela paciente devido as suas restrições psíquicas.
Na análise dos cortes histológicos, foram utilizadas colorações de Hematoxilina & Eosina e colorações especiais. O PAS (ácido periódico de Schiff) evidenciou hifas delgadas periféricas às estruturas vesiculares também PAS positivas (Figura 5). Pela coloração do Grocott, observou-se área central com grande quantidade de colônias emaranhadas e enegrecidas. Além disso, presença de vesículas periféricas degeneradas com discretas colorações acastanhadas (Figura 6). E, por último, a coloração pelo Fite-Faraco demonstrou porção central do grão formado por hifas negativas e periferia das vesículas negativas. Os achados histopatológicos de processo inflamatório crônico com microabscessos, tecido de granulação e presença de grãos. Os achados histopatológicos foram sugestivos de micetoma actinomicótico. A analise microbiológica do material da lesão, para confirmação etiológica, demonstrou resultado inespecífico.
A partir dos resultados histopatológicos obtidos, instituiu-se um protocolo terapêutico, penicilina benzatina 10.000.000 UI, injetável, por semana, durante quatro meses. A paciente seguiu a terapia recomendada, apresentando regressão do processo infeccioso e melhora do aspecto físico no período observado (Figura 7).
Quanto à proservação do caso, após a resolução do quadro infeccioso, a paciente recebeu alta. Em se tratando de uma paciente portadora de deficiência mental, moradora de outro município e de baixo recurso econômico, talvez isso tenha contribuído para que ela não retornasse para o Centro de Diagnóstico.
DISCUSSÃO
O actinomyces é um microorganismo presente na microbiota bucal humana, e sua patogenicidade é relativamente rara, entretanto pode desenvolver-se como uma infecção progressiva, quando o meio se torna propício, causado por lesões teciduais por trauma ou cirurgias 12. Alguns autores afirmam que diabetes, imunossupressão e neoplasias malignas contribuem para o desenvolvimento da doença 1. A osteorradionecrose também foi citada como uma condição que resulta numa maior susceptibilidade a infecções por Actinomyces 3. No presente caso, observaram-se lesões intrabucais que potencialmente poderiam estabelecer uma "porta de entrada", seja através do periodonto, via pulpar ou alveolar, para o Actinomyces.
As lesões actinomicóticas usualmente apresentam múltiplos abscessos que drenam exsudato purulento com microcolônias de bactérias de coloração amarelada, tendo aspecto de "grânulos de enxofre" e podem ser observadas na cultura e no tecido 12,9. Porém macroscopicamente os grânulos sulfúricos podem não ser evidentes no conteúdo drenado, conforme foi observado neste caso 13.
Nesta paciente, foi observada linfoadenopatia cervical associada. O envolvimento ganglionar é incomum na actinomicose, porque usualmente o actinomyces não obedece à drenagem linfática e vascular, exceto quando os linfonodos forem envolvidos pelo processo, o que pode ajudar a diferenciar a actinomicose de patologias primárias malignas dos linfonodos 10,12.
Infiltrado inflamatório agudo com presença de linfócitos e histiócitos, colônias de bactérias filamentosas e radiadas, circundados por leucócitos polimorfonucleares neutrófilos são os achados histopatológicos comumente encontrados 13. No presente relato, o material coletado foi submetido ao exame histopatológico no qual a combinação dos achados morfológicos e hispatológicos sugeriu o diagnóstico de micetoma actinomicótico, porém foi solicitada cultura da lesão para confirmação etiológica.
Sabe-se, porém, que as técnicas de cultura podem não ser conclusivas, pois ocorrem contaminações com outros microorganismos 13, como ocorreu no caso aqui relatado. Outros métodos de diagnóstico, como PCR (Reação em Cadeia da Polimerase), são mais sensíveis para a detecção do actinomyces 3. O PCR não foi solicitado, pois essa paciente foi acompanhada em um serviço de saúde pública que não dispunha desse recurso.
Os achados imaginológicos associados aos dados clínicos conduziram à hipótese diagnóstica de actinomicose e ao planejamento cirúrgico. Apesar de não terem sido conclusivos para o diagnóstico definitivo de actinomicose, esses exames contribuíram para descartar outras possíveis patologias, como processos infecciosos comuns e alterações tumorais 15.
Dentre os diferentes tipos de actinomicose, é importante ressaltar que a actinomicose cervicofacial é a mais comum: 50 a 70 % dos casos relatados na literatura 2. Os locais acometidos podem ser mucosa bucal 1, região periapical 7,4, superfície de implantes dentários 11, glândulas salivares maiores 2 e tecidos ósseos desvitalizados após irradiação 3.
O tratamento da actinomicose consiste no debridamento cirúrgico da lesão associada à antibioticoterapia prolongada. Os Actinomyces são susceptíveis a diversos antibióticos, como penicilinas, clorafenicol, tetraciclinas, eritromicina, clindamicina, esteptomicina e cefalosporina 2. A terapia de escolha foi a ampicilina, por via endovenosa, nos primeiros momentos pós-cirúrgicos e amoxicilina após alta hospitalar. A medicação por via oral não foi utilizada devido às restrições psíquicas da paciente. A partir dos resultados histopatológicos, foi instituída a penicilina benzatina 10.000.000 UI, semanalmente, por quatro meses.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A actinomicose cervicofacial é um processo infeccioso relativamente incomum, de difícil diagnóstico, que requer confirmação histopatológica e realização de testes de cultura apropriados. O conhecimento e a instituição da terapia adequada são imprescindíveis para resolução do quadro infeccioso, reafirmando que a associação do tratamento cirúrgico e antibioticoterapia prolongada é a conduta mais adequada.
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Endereço para correspondência
Gleicy Gabriela V. S. Carneiro
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Rua Adenil Falcão, 1836 - Brasília
CEP: 44062-160 Feira de Santana Bahia
Recebido em 04/02/2009
Aprovado em 24/04/2009