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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

versão impressa ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.66 no.4 Sao Paulo Out./Dez. 2012

 

RELATO DE CASO CLÍNICO

 

Fratura tardia de mandíbula decorrente de exodontia de terceiro molar: relato de caso

 

Late mandibular fracture after third molar extraction: case report

 

 

Fabiana Tami IshiiI; Renata Matalon NegreirosII; Basílio de Almeida MilaniIII; Henrique Camargo BauerIV; Waldyr Antonio JorgeV

IGraduada pela Faculdade de Odontologia da USP (Fousp), estudante do curso de especialização em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial (CTBMF) - Fundecto/Fousp
IIMestre em Ciências Odontológicas pelo Departamento de Odontologia Social da Fousp, professora assistente do curso de especialização em CTBMF - Fundecto/Fousp
IIIMestre em Ciências Odontológicas, Departamento de Clínica Integrada da Fousp, professor assistente do curso de especialização em CTMBF - Fundecto/Fousp
IVMestre em Ciências Odontológicas, Departamento de Clinica Integrada da Fousp, professor assistente curso de especialização em CTMBF - Fundecto/Fousp
VProfessor livre docente e titular do Departamento de Clínica Integrada da Fousp, coordenador do curso de especialização em CTMBF - Fundecto/Fousp

Autor para correspondência:

 

 


RESUMO

A fratura tardia de mandíbula associada à exodontia de terceiro molar inferior é uma complicação rara e ocorre normalmente após duas a três semanas do ato cirúrgico durante a mastigação. Vários fatores influenciam o risco da fratura, dentre os quais podemos citar: idade, gênero, grau de impacção, angulação e volume do elemento dental, presença de tumores, cistos ou lesões ósseas, associados ao elemento dental, e doenças sistêmicas. A melhor forma de tratamento da fratura consiste em tratamento cirúrgico, porém, em alguns casos pode ser realizado o tratamento conservador. O objetivo deste trabalho é relatar um caso clínico de fratura tardia de mandíbula associada à exodontia de terceiro molar inferior, abordando seus fatores de risco e tratamento.

Descritores: complicações pós-operatórias; dente molar; fraturas mandibulares; extração dentária


ABSTRACT

Late mandibular angle fracture associated with third molar extraction is a rare complication and normally occurs two or three weeks after surgery during mastication. There are several factors that influences the risk of fracture, age, gender, impaction degree, dental volume and its angulation, presence of tumors, cysts or bone lesions and systemic disease. The surgical approach is the best although in some cases conservative treatment can be useful. The aim of this paper is to report a clinical case of late mandibular fracture associated with inferior third molar extraction, its risk factors and treatment.

Descriptors: postoperative complications; molar, third; mandibular fractures; tooth extraction


 

 

RELEVÂNCIA CLÍNICA

Informar os Cirurgiões-Dentistas para que saibam como conduzir este tipo de complicação em exodontia de terceiro molar inferior, assim como, saber preveni-la em casos de risco aumentado.

 

INTRODUÇÃO

A exodontia de terceiros molares é uma das cirurgias mais executadas pelo cirurgião bucomaxilofacial1,2,3,4,5,6,7,8. Como todo procedimento cirúrgico, pode envolver complicações sendo uma delas a fratura de mandíbula2,7.

A fratura de mandíbula associada à exodontia de terceiro molar é uma complicação rara que pode ocorrer no trans ou pósoperatório. Quando ocorre no pós-operatório é considerada uma fratura tardia1,2,4,7,9,10,11. A incidência da fratura tardia pode variar de 4,6 a 7,5 casos em 1.0004,7,10. Ocorre normalmente após duas semanas do ato cirúrgico4,5,7,10,11,12 e durante a mastigação2, pois nesse período ainda não ocorreu a completa formação óssea na região abordada e o paciente já não apresenta o desconforto pósoperatório, conseguindo mastigar alimentos mais rígidos4,6,10.

Na maioria dos casos, a fratura apresenta traço simples, pouco deslocamento dos segmentos ósseos e localiza-se na região de ângulo mandibular, que é uma área de baixa resistência à fratura devido a sua área seccional mais fina em relação à área dos dentes e que apresenta o terceiro molar impactado2,6,10,12.

Vários fatores influenciam no risco de fratura de mandíbula após exodontia de terceiro molar, dentre os quais podemos citar: idade2,4,5,6,7,8,11,12, gênero1,4,7,8,11, grau de impacção4,5,7, angulação e volume do elemento dental4,5, presença de tumores, cistos ou lesões ósseas associados ao elemento dental2,4,5,7,8 e doenças sistêmicas8,10.

Pacientes com idade acima de 40 anos, têm maior risco de fratura2,4,7,10,11 devido à diminuição da elasticidade óssea e hipercementose do dente impactado, que acarretam em maior osteotomia para exodontia, proporcionando maior fragilidade óssea na região1,4,8,9.

Quanto ao gênero, está relacionado com a força de mastigação. Homens tendem a ter maior força durante a mastigação em relação às mulheres2,7,8,10,11,12. Por isso, têm maior risco de fratura de mandíbula5. Nos pacientes dentados totais, o risco é ainda maior1,2,4,7,9,10,12.

O grau de impacção, angulação e volume do terceiro molar também são fatores importantes. Quanto maior a impacção e angulação do elemento dental, maior será a osteotomia necessária para a exodontia4,8,10,11,12. Dentes posição III C, segundo a classificação de Pell e Gregory2, ou seja, localizados completamente dentro do ramo mandibular e com superfícies oclusais abaixo da linha cervical do segundo molar, e dentes distoangulados13, segundo a classificação de Winter, têm maior risco de fratura pois ambos requerem maior osteotomia. Nos casos de exodontia de terceiros molares com grande volume, a quantidade óssea remanescente na região é pequena, causando maior fragilidade4.

Lesões ósseas pré-existentes como cistos, tumores ou pericoronarite recorrente podem fragilizar a mandíbula e predispor a fratura4,8,9. Doenças sistêmicas como a osteoporose, diminuem significantemente a densidade óssea, sendo também outro fator importante9.

O diagnóstico da fratura é realizado através de exames de imagem, como a radiografia panorâmica e presença de sinais e sintomas como dor à movimentação, crepitação óssea, edema e equimose8, alteração oclusal, mobilidade da mandíbula e sangramento local12. Em alguns casos há dificuldade em constatar o traço da fratura somente pela radiografia panorâmica, pois possui pouco deslocamento e é área de sobreposição. Podem ser utilizados outros exames de imagem como a tomografia computadorizada para confirmação do diagnóstico2,6,8,11.

O relato do barulho de estalo percebido pelo paciente é muitas vezes o primeiro sinal da fratura de mandíbula após exodontia de terceiro molar1,11, acompanhado de dor e aumento de volume, mesmo quando na análise radiográfica não forem detectadas alterações no contorno sugestivas de fratura4,6.

O tratamento da fratura de mandíbula após exodontia de terceiro molar é o mesmo realizado em casos de fratura de mandíbula por trauma2,11 e segue o princípio básico de redução e fixação8,10. Tem como objetivo restaurar o contorno mandibular, oclusão dental e função temporomandibular8. Está indicado, para este tipo de fratura, o tratamento conservador ou tratamento cirúrgico6,11,13.

O objetivo deste trabalho é relatar um caso clínico de fratura tardia de mandíbula associada à exodontia de terceiro molar, abordando seus fatores de risco e tratamento.

 

CASO CLÍNICO

Paciente do gênero masculino, 48 anos de idade, ASA I, leucoderma veio encaminhado para o curso de especialização de CTBMF da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo, para avaliação da necessidade de exodontia de dente 38. Após ter realizado exames de imagem, detectou-se imagem radiolúcida associada ao dente sugestiva de lesão cística (Figura 1) O paciente não apresentava sintomatologia dolorosa. No exame extraoral não apresentava alterações. No exame intra-oral apresentava higiene oral regular, boa abertura de boca e sem indícios de lesão em tecido mole.

Foi realizada a exodontia do dente 38 e biópsia excisional da lesão. Durante a osteotomia extensa houve a fratura da cortical vestibular do alvéolo. O paciente foi orientado em relação aos cuidados pós-operatórios de rotina. Após sete dias, foi removida a sutura e observou-se processo normal de cicatrização com edema discreto e flácido. O laudo do exame anatomo-patológico foi compatível com cisto ósseo de Stafne.

O cisto de Stafne consiste em um defeito de desenvolvimento contendo uma porção da glândula submandibular. Tem predileção por pacientes do gênero masculino de meia idade e idosos. Apresenta-se como uma concavidade focal de osso cortical na superfície lingual da mandíbula, normalmente em região posterior entre molares e o ângulo, podendo ser unilateral ou bilateral. Radiograficamente consiste em lesão radiolúcida circunscrita com borda esclerótia14.

Após 15 dias da cirurgia, o paciente retornou relatando ter ouvido barulho de estalo durante a mastigação. Apresentava edema e alteração oclusal. Foi realizada radiografia panorâmica e diagnosticada a fratura de ângulo mandibular esquerdo.

Foram apresentadas as possibilidades de tratamento ao paciente e ele optou pelo tratamento conservador. Então foi feito o bloqueio maxilo mandibular (BMM) com fio de aço e barra de Erich (Figura 2) e manteve-se assim por 45 dias. Foi feita avaliação semanal durante esse período e após nova radiografia detectou-se a consolidação da fratura. Foi removido o BMM e feito acompanhamento radiográfico após dois anos (Figura 3) e seis anos (Figura 4).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Segundo a maioria dos autores, a fratura tardia ocorre nas primeiras duas semanas do ato cirúrgico4,5,7,10,11,12, assim como no caso clínico apresentado. Alguns autores afirmam ocorrência até nas primeiras quatro semanas1,4,8. Somente nos casos relatados por Wagner (2007) e Kao (2010) as fraturas ocorreram na quinta semana pós-operatória.

A mastigação foi a principal causa de fratura de mandíbula após exodontia de terceiro molar relatada pelos autores2,6,8,10,12, sendo assim, é importante orientar o paciente que apresenta os fatores de risco para a fratura em relação a dieta. Casos com necessidade de ampla osteotomia vestibular, pouca quantidade óssea na porção basal mandibular, dentes lingualizados e presença de lesões osteolíticas associadas recomenda-se manter dieta pastosa por período estendido que pode variar de três10 a quatro semanas1,4,12, segundo a literatura.

No caso clínico apresentado, o paciente apresentava todos os fatores de risco para fratura tardia de mandíbula após exodontia de terceiro molar descritos em literatura, como idade acima de 40 anos, gênero masculino, ausência de somente dois elementos dentais (dentes 18 e 46), presença de terceiro molar inferior incluso com classificação de Pell e Gregory III C, horizontal com lesão cística associada. Talvez, esta complicação poderia ter sido prevenida se a recomendação da dieta pastosa tivesse sido estendida.

Somente no estudo de Al Belasy (2009), realizado com 560 pacientes com mais de 25 anos de idade e sem patologias associadas, submetidos à exodontia de terceiros molares, os resultados foram contraditórios. Segundo ele, a mastigação não afetou o risco de fratura tardia após exodontia de terceiro molar.

Segundo Kao (2010), ainda não há relatos associando fratura tardia de mandíbula após exodontia de terceiro molar inferior na literatura com cisto ósseo de Stafne, sendo que as lesões mais relatadas são cisto dentígero e radicular. Porém, no caso clínico apresentado por ele, a fratura estava associada ao cisto ósseo de Stafne, como em nosso caso. No estudo de Krimmel (2000), metade das fraturas ocorridas, apresentavam lesões císticas associadas e maior parte dos casos analisados por Grau-Manclús (2011) estava relacionada a cistos ou espessamento de capuz pericoronário de terceiros molares impactados.

O desenvolvimento de lesões ósseas associadas a um terceiro molar é baixo. Porém, quanto maior o tempo de impacção do dente, maior o risco de desenvolvimento de cistos. Além disso, com o tempo há maior retenção do elemento dental, diminuição da densidade óssea, contribuindo para o aumento da fragilidade da mandíbula e do risco de fratura6. Por isso, prefere-se indicar a exodontia em pacientes com menos de 25 anos, pois após essa idade a incidência de complicações é maior3.

Para tratar a fratura de mandíbula está indicado o tratamento conservador ou tratamento cirúrgico6,11,13. Porém, com o advento das técnicas de fixação interna rígida, o tratamento cirúrgico da fratura através do uso de placas tem sido o tratamento de escolha13 e é superior em relação ao conservador, por proporcionar uma redução mais estável e tem a vantagem de remoção do BMM logo após a fixação óssea ainda no transoperatório. Assim o paciente pode manter boa higiene bucal, fonética, nutrição adequada no pós-operatório imediato, previne a restrição funcional da ATM e diminuição de complicações relacionadas ao reparo ósseo15.

O tratamento conservador consiste na realização de BMM que pode ser feito através de diversas técnicas descritas por Ivy, Gilmer e utilização de barra de Erich13,16,17 e é mantido por 45 dias. Pode ser realizado também o bloqueio esquelético, através do uso de parafusos. É indicado nos casos em que o paciente apresenta comorbidade, que contra indique o tratamento cirúrgico.

No caso aqui relatado, foi instituído o tratamento conservador por decisão do próprio paciente, após exposição das vantagens e desvantagens de cada forma de tratamento. Apesar de não ser a primeira opção, o uso de BMM tem suas indicações e apresenta bons resultados clínicos.

 

CONCLUSÃO

É importante identificar os casos de risco de fratura tardia no pré e pós-operatório e orientar o paciente no pós-operatório quanto a dieta pastosa por período prolongado como forma de prevenção da fratura tardia.

A melhor forma de tratamento da fratura tardia é a cirúrgica, porém em casos de co-morbidade pode ser realizado tratamento conservador.

 

APLICAÇÃO CLÍNICA

Auxiliar o Cirurgião-Dentista na identificação de casos em que há maior risco de fratura tardia decorrente de exodontia de terceiro molar, assim como em seu diagnóstico e na orientação em relação a melhor forma tratamento.

Termo de consentimento livre e esclarecido assinado pelo paciente e enviado à Revista

 

REFERÊNCIAS

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Autor para correspondência:
Fabiana Tami Ishii
Rua Três Rios, 123 – Bom Retiro
01123-001
– São Paulo - SP – Brasil
e-mail: fabitami@hotmail.com

Recebido em: mar/2012
Aprovado em: jun/2012