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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

versão impressa ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.67 no.4 Sao Paulo  2013

 

ARTIGO ORIGINAL

 

A Odontologia Hospitalar no serviço público do Estado de São Paulo

 

Hospital dentistry in the public service of the State of São Paulo

 

 

Adriana Cristina Oliva CostaI; Nathalie Pepe Medeiros de RezendeII; Fabiana Martins e MartinsIII; Paulo Sérgio da Silva SantosIV; Marina H. C. GallottiniV; Karem López OrtegaVI

I Doutora em Odontologia Preventiva e Social pela Faculdade de Odontologia de Araçatuba da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (Unesp) e Cirurgiã-Dentista da rede pública de Mendonça/SP
II Doutora em Patologia Bucal pela Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (Fousp) e Professora do Curso de Especialização em Odontologia para Pacientes Especiais da Fundação Fousp
III Doutora em Patologia Bucal pela Fousp e Professora do Curso de Especialização da Fundação Fousp
IV Doutor em Patologia Bucal pela Fousp e Professor da Disciplina de Estomatologia da FOB-USP
V Doutora em Patologia Bucal pela Fousp e Professora Titular da Disciplina de Patologia Bucal da Fousp
VI Doutora em Patologia Bucal pela Fousp e Professora da Disciplina de Patologia Bucal da Fousp

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O projeto "Sorria mais São Paulo", recentemente lançado pelo Governo do Estado, prevê, em uma de suas vertentes, a instituição da "Odontologia Hospitalar " e, visando a integralidade da atenção à saúde, incluiu o Cirurgião-Dentista (CD) à equipe hospitalar. O objetivo deste estudo foi mapear os atuais serviços de Odontologia na Rede Hospitalar Pública do Estado de São Paulo. Para tanto, foi consultado o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). A rede pública conta com 199 hospitais, sendo apenas 20% dos municípios contemplados. O Departamento Regional de Saúde I apresenta a maior concentração desses estabelecimentos (37). A esfera administrativa da maioria dos hospitais é privada (87,4%) e 66,3% são de gestão municipal, sendo que 17% atendem exclusivamente ao SUS. Existem 859 CDs contratados, porém mais da metade desses profissionais possuem perfil de atuação diferente do proposto pelo programa de "Odontologia Hospitalar". Em relação à jornada de trabalho, 58% trabalham menos de 20 horas semanais e pelo menos metade do tempo desses profissionais é destinado ao atendimento ambulatorial de pacientes. 58,20% dos CDs possuem vínculo de "autônomo", e 40,39% das contratações são intermediadas por entidades filantrópicas. Ao avaliar os CDs que possuem o perfil designado no programa "Odontologia Hospitalar", verifica-se que a relação leito/CD é de 87,57:1. Com CDs com uma carga horária pequena e dividida entre o atendimento ambulatorial e hospitalar, parece apropriado tanto à estruturação de novos serviços como o aumento de contratações específicas para suprir a demanda crescente desse profissional de saúde em hospitais.

Descritores: odontologia; unidade hospitalar de odontologia; assistência odontológica para pessoas com deficiências; assistência odontológica para doentes crônicos; equipe hospitalar de odontologia.


ABSTRACT

The Sao Paulo state government recently began a project known as "Sorria Mais São Paulo" ("Smile More São Paulo"), which, among other measures, instituted a Hospital Dentistry Program within the state's public healthcare system. In an attempt to be more comprehensive, the state government has added dental surgeons (DSs) to hospital staff. The goal of this study was to chart the dentistry services available in Sao Paulo's public healthcare system. To do so, Brazil's National Health Establishment Registry (CNES) was consulted. The state's public healthcare network includes 199 hospitals, though only 20% of the state's cities are covered. The largest concentration of establishments (37) are in the DRS I region. In these hospitals, the administrative sectors are often private (87.4%), 66.3% are under city management, and 17% are exclusively public hospitals. Though 859 DSs have been hired, more than half of them perform tasks that were not proposed by the Program, 58% work fewer than 20 hours per week, and more than half of their time is spent on ambulatory care services. Of these DSs, 58.20% are considered "independent contractors," and 40.39% of their hirings are initiated by philanthropic entities. When one considers only the DSs that perform the tasks of the Program, the ratio of hospitalized patients to doctors is 87.57:1. With DSs working few hours and dividing their time between surgery and ambulatory care, it seems that the state needs to develop new services and increase hirings in order to meet the demand for these healthcare professionals.

Descriptors: dental service, hospital dental care for disabled; dental care for chronically Ill; dental staff, hospital dentistry.


 

 

RELEVÂNCIA CLÍNICA

É de fundamental importância mapear os atuais serviços de Odontologia na Rede Hospitalar Pública do Estado de São Paulo, uma vez que este estudo poderá não só servir de subsídio norteador para a gestão de recursos humanos, mas também de melhoria na qualidade da atenção à saúde e, ainda, para a estruturação de políticas de saúde pública.

 

INTRODUÇÃO

A Odontologia pode ser entendida como uma das áreas da saúde que atua sobre o sistema estomatognático, com ações preventivas, curativas e reabilitadoras, visando à integralidade do ser humano1. Sob essa ótica, para que se possa proporcionar atenção à saúde de forma integral, o contexto do atendimento multiprofissional, bem como a interdisciplinaridade devem ser condições sine qua non para a efetivação das políticas de saúde em todos os níveis de atenção2.

Reconhecida pela maior parte da população como uma profissão de caráter individual, a odontologia brasileira deu um de seus passos mais importantes, rumo à sua participação definitiva no tratamento multidisciplinar de pacientes, com a regulamentação das especialidades de cirurgia bucomaxilofacial3, em 1975, e de estomatologia, em 1992, pelo Conselho Federal de Odontologia4.

A inclusão dessas especialidades concedeu ao paciente a possibilidade de aumentar o nível de atenção dispensado à sua saúde em ambiente hospitalar. Mas, com o passar do tempo, a Odontologia que se praticava nesse ambiente foi sendo associada, quase que instintivamente, apenas a procedimentos cirúrgicos de alta e média complexidade5.

Em 2001, o reconhecimento da especialidade de Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais (OPNE) contemplou o atendimento odontológico clínico (de natureza generalista) e transdisciplinar, ambulatorial e hospitalar de pacientes que apresentassem condições incapacitantes, temporárias ou definitivas em seu sistema biológico e/ou psicológico e/ou social 6,7. Com isso, um novo paradigma começou a ser incorporado acerca da saúde bucal em âmbito hospitalar, visando à integralidade da atenção à saúde.

A execução desse atendimento odontológico de caráter generalista (incluídos os tratamentos dentais e periodontais propriamente ditos), que recentemente ficou conhecido como Odontologia Hospitalar (OH)8, mostrou-se uma arma coadjuvante eficaz no tratamento de pacientes hospitalizados. Diversas pesquisas têm demonstrado sua importância na melhora da condição sistêmica do paciente, na redução de infecções oportunistas, diminuição dos índices de morbidade e mortalidade, bem como na viabilização da redução significativa de custos ao sistema de saúde público e privado9,10,11,12,13,14,15.

Sensível a essas evidências e devido à demanda crescente por esse tipo de tratamento, o Governo do Estado de São Paulo instituiu em 2012, dentro do programa "Sorria Mais São Paulo", a vertente denominada de "Odontologia Hospitalar"16, a qual é definida como: "o conjunto de ações preventivas, diagnósticas, terapêuticas e paliativas em saúde bucal, executadas em ambiente hospitalar em consonância com a missão do hospital e inseridas no contexto de atuação da equipe multidisciplinar"17.

Vale lembrar que foi possível observar que o trabalho do Cirurgião-Dentista, integrado à equipe multiprofissional no ambiente hospitalar, apresentou resultados positivos; é o que demonstra os dados preliminares18 do projeto-piloto desse programa, realizado em 2011, no Hospital Estadual Mário Covas em Santo André.

Segundo a Secretaria Estadual de Saúde17, para atuar nesse campo, o perfil do profissional deve ser o Cirurgião-Dentista clínico geral, com especialidade em pacientes especiais e/ou experiência comprovada em atendimento hospitalar.

Dessa forma, esse profissional atuará em enfermaria e nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI), nos tratamentos oncológicos, neurológicos, pacientes com discrasias sanguíneas, transplantados, com doenças infectocontagiosas, pacientes internados e pacientes não internados, que sejam portadores de doenças crônicas, atendidas regularmente nas unidades hospitalares18.

Ainda que a iniciativa do Governo do Estado seja inovadora, a atuação do CD em nível hospitalar já podia ser identificada alguns anos antes do lançamento oficial desse projeto. Portanto, convém salientar que o objetivo deste trabalho foi mapear os atuais serviços de Odontologia na Rede Hospitalar Pública do Estado de São Paulo.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Para realizar o presente estudo, foi consultada a base de dados do Ministério da Saúde, operacionalizando-se o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES)19 no período de novembro a dezembro de 2012. Na aba "relatórios", foram acessados dados sobre os estabelecimentos de saúde, que estivessem classificados como "Hospitais", e os dados sobre CDs cadastrados nesses estabelecimentos.

Com relação aos hospitais, extraíram-se informações referentes ao Departamento Regional de Saúde (DRS) e município ao qual pertenciam, tipo de hospital (escola ou filantrópico), tipo de unidade (hospital geral ou especializado), número de leitos, esfera administrativa, gestão, convênio e presença e quantidade de CDs no corpo clínico.

O perfil dos CDs que atuam em unidades da Rede Hospitalar do Estado de São Paulo (RHESP) do SUS foi construído com as seguintes informações coletadas: tipo de hospital em que o CD trabalha, DRS, CBO (Código Brasileiro de Ocupação), jornada de trabalho semanal em horas (em ambulatório, em hospital e administrativa), função, tipo de vínculo e tipo de contratação.

Os dados extraídos do CNES foram lançados em uma planilha de dados do Excel e avaliados com auxílio de um software de epidemiologia, o EPIINFOTM, versão 3.5.2 de 2010.

 

RESULTADOS

Embora exista uma grande diversidade de tipos de estabelecimentos de saúde, de acordo com os dados do CNES 2012, no que se refere a hospitais, esses dados demonstram que há 891 estabelecimentos hospitalares cadastrados no Estado de São Paulo. A rede pública de atenção hospitalar está composta de 199 unidades com 37.395 leitos. Destas unidades, 22,1% (44) estão cadastradas como "Hospital Escola" (HE), apresentando um total de 15.971 leitos, e 77,9% (155) estão cadastradas como "Hospital Filantrópico" (HF), contando com 21.395 leitos.

A distribuição geográfica dos municípios que atualmente estão envolvidos na composição dessa rede hospitalar apresenta-se heterogênea. Nota-se que apenas 20,15% (130) municípios do Estado de São Paulo integram essa rede. Os HE estão presentes em 22 municípios, e os HF encontram-se em 117 dos municípios. Salienta-se que, em certos municípios, existem tanto HE como HF.

Entre os municípios que possuem hospitais cadastrados no CNES, 80% (104) possuem 1 hospital, 10% (13) possuem 2 hospitais e 10% (13) possuem 3 ou mais hospitais. Alguns municípios detêm uma maior concentração de hospitais, destacando-se São Paulo, com 23 hospitais, Campinas com 8 e Sorocaba com 6 hospitais. Marília e Ribeirão Preto aparecem com 4 hospitais e Bauru, Campos do Jordão, Guarulhos, Jaú, Santos, São Bernardo do Campo, São José do Rio Preto e Tupã com 3 hospitais.

O Gráfico 1 apresenta o número de hospitais existentes por DRS. Os DRSs exibem características distintas entre si, no que se refere ao número de hospitais existentes. Como exemplo, pode ser citado o DRS de Registro, que apresenta um único hospital (HF) enquanto que, em outros, há uma grande concentração de unidades hospitalares. Tal evento pode ser notado no DRS I (Grande São Paulo), seguido do DRS VII Campinas e DRS XVI Sorocaba.

Quanto à esfera administrativa, 4% (8) são de esfera municipal, 8,5% (17) estadual e 87,4% (174) privada, sendo que 66,3% (132) são de gestão municipal e 33,7% (67) gestão estadual. Muito embora a rede hospitalar em estudo esteja organizada para a atenção pública no Sistema Único de Saúde (SUS), notou-se que 33 (17%) dos hospitais são de atendimento exclusivo aos usuários do SUS, 112 (56%) dos hospitais atendem usuários do SUS e de planos de saúde e 54 (27%) estão voltados ao atendimento público e privado particular.

A maioria dos hospitais existentes, ou seja, 87,9% (175) são hospitais gerais e destes, 139 são HF e 36 são HE. Dentre os hospitais especializados, 8 (4%) são de oncologia, 2 (1%) de cardiologia, 2 (1%) de reabilitação de anomalias craniofaciais, 2 (1%) de ortopedia, 1 (0,5%) de psiquiatria, 1 (0,5%) de oftalmologia e 5 (2,5%) são maternidades. Em 3 (1,5%) hospitais, cadastrados no CNES como "especializados", não consta o tipo de especialidade.

Entre os 199 hospitais cadastrados no CNES, 68,8% (137) possuem CDs integrando a equipe de profissionais. Em números brutos, os HFs possuem uma quantidade maior de CDs (99) do que os HEs (38). Mas quando se leva em conta a quantidade percentual, 86,36% dos HE possuem CDs contra 63,87% dos HF.

Existem 859 CDs cadastrados com distintos CBOs, integrando a equipe de profissionais desses estabelecimentos. Os CDs com CBO de clínico geral (n=421; 49%) e CBO de traumatologista bucomaxilofacial (n=280; 32,6%) são os que apresentam maior porcentagem nos hospitais que integram a rede de assistência hospitalar pública de São Paulo. Os demais CDs, (n=158; 18,39%), ocupam tipos de CBO, como: reabilitador oral (1); odontogeriatra (1); patologista bucal (1); implantodontista (5); OPNE (6); saúde coletiva (7); dentística (7); odontologista Legal (8); protesista (10); periodontista (10); estomatologista (10); endodontista (10); radiologista (12); protesiólogo bucomaxilofacial (14); odontopediatra (20); ortopedista/ortodontista (34).

O Quadro 1 apresenta a quantidade de CDs, número de leitos (de acordo com o tipo de unidade hospitalar) e a relação leito por Cirurgião-Dentista e, no Quadro 2, evidencia-se a quantidade de CDs em cada DRS.

No panorama geral da rede hospitalar há 37.395 leitos para um total de 859 CDs cadastrados, o que leva a uma proporção de 43,53 leitos para cada Cirurgião-Dentista (leito/CD). No entanto, ao observar essa relação por tipo de unidade, verifica-se que, nos Hospitais Maternidade e de Oftalmologia, ela não pode ser mensurada, uma vez que uma das variáveis (leito ou Cirurgião-Dentista) não existe. Por outro lado, nota-se que os hospitais especializados em oncologia e em reabilitação de anomalias craniofaciais apresentam, respectivamente, 28,11 leitos/CD e 1,74 leito/CD, sendo que tais relações são significantemente diferenciadas das demais apontadas no Quadro 1.

Convém observar que do total de CDs que integram a equipe de profissionais dos HE ou HF citados anteriormente, apenas 0,69% são especialistas em OPNE e 49% são clínicos gerais. Também é oportuno esclarecer que apenas essas duas categorias de Cirurgiões-Dentistas são considerados como as que preenchem os requisitos do projeto de do Governo do Estado de São Paulo. Se somar essas duas categorias existentes, nota-se que há 427 profissionais para um total de 37.395 leitos em toda a rede, o que implica em uma relação de 87,57 leitos por Cirurgião-Dentista.

No que se refere à carga horária, aproximadamente 58% (502) enquadram-se no intervalo de 1 a 19 horas de trabalho por semana (Tabela 1). Ainda que não estejam discriminadas nessa tabela as cargas horárias específicas de cada profissional, as cargas horárias de 60 e 40 horas semanais são ocupadas por profissionais residentes/ estagiários dos Hospitais Escolas.

Um dado que chama a atenção neste estudo está relacionado à jornada de trabalho e à carga horária destinada para cada tipo de atividade (ambulatorial, hospitalar e administrativa). Observa-se que 14,55% não possuem nenhuma carga horária de trabalho registrada para desenvolver atividade ambulatorial e 26,30% não desenvolvem atividade hospitalar (Tabela 2).

No Gráfico 2, é possível identificar como estão distribuídas as atividades dos CDs que apresentam carga horária inferior a 20 horas semanais.

Ao verificar o tipo de vínculo dos 859 profissionais, 58,20% (500) possuíam o vínculo de autônomo, 20,83% (179) de servidor público, 8,84% (76) de celetista, 4,07% (35) de residência/estágio e 8,03% (69) outros.

Já ao verificar o tipo de contratação, do total de profissionais, 40,39% (347) a contratação é intermediada por entidade filantrópica, 19,79% (170) por emprego público, 13,96% (120) contratações com o registro de profissional autônomo, 1,86% (16) por cooperativa, 1,86% (16) por Organização Social, 2,91% (25) por empresa privada, 4,07% (35) a residência/estágio, além de constar outros tipos de contratação 15,13% (130).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

De acordo com os resultados do último censo demográfico realizado em 2010, a população brasileira é de 190.732.694 habitantes, distribuídos em 5.645 municípios brasileiros. O Estado de São Paulo concentra 41.252.160 (21,6%) habitantes em 645 municípios paulistas e estes compõem os 17 DRSs estabelecidos pela Secretaria do Estado da Saúde20,21.

O modelo de atenção à saúde do SUS está pautado na regionalização e hierarquização das ações e serviços de saúde por níveis de complexidade. Assim, considerando a rede hospitalar no Brasil, o Estado de São Paulo tem apresentado merecido destaque no que se diz respeito à estruturação e organização de sua rede.

Com este trabalho, foi possível verificar que o Estado de São Paulo mantém contratualizações com hospitais escola e filantrópico, com o cunho de estruturar a rede e, consequentemente, assegurar o direito à saúde aos usuários do SUS.

Sem dúvida, os HE têm importância fundamental para o desenvolvimento do SUS em diversas áreas, como a de referência assistencial de alta complexidade, pólos formadores de recursos humanos, desenvolvimento de pesquisas, técnicas e procedimentos para a saúde pública e incorporação de novas tecnologias que colaborem para a melhoria das condições de saúde da população22.

Por outro lado, os HF assumem um papel estratégico para o SUS, já que são os únicos prestadores de serviços hospitalares em número importante de municípios do interior, e também como prestadores de serviços de maior complexidade hospitalar em capitais e cidades de maior porte23.

O Estado de São Paulo possui uma das melhores redes de atenção hospitalar do país24. No presente trabalho, é possível notar que a esfera administrativa da maioria dos hospitais é privada (87,4%) e 66,3% são de gestão municipal, sendo que apenas 17% atendem exclusivamente ao SUS. Talvez tenha sido essa descentralização de gestão e administração, promovida pelo governo do Estado de São Paulo, que tenha contribuído para posicionar o serviço hospitalar do estado como um dos melhores do país.

Entretanto, apesar de ser uma das melhores redes hospitalares do país, nota-se que, ainda, há muito para ser feito. Quando sua distribuição geográfica é avaliada, percebe-se o quanto se apresenta heterogênea, visto que envolve em sua composição apenas cerca de 20% dos municípios paulistas. Melhor dizendo, a maior concentração de hospitais está basicamente alocada em DRSs que incluem a maior concentração populacional e maior renda per capta25 do estado, como o DRS I - Grande São Paulo.

Não se pode esquecer que a instituição da Odontologia Hospitalar, também, deve ser encarada como um esforço em melhorar a qualidade da atenção dispensada à saúde integral de pacientes hospitalizados. No Estado de São Paulo, verifica-se que quase 70% da rede hospitalar avaliada no CNES já possui, em seu quadro clínico, CDs integrados à equipe multiprofissional de assistência, totalizando 859 profissionais contratados. Esses números são expressivos e sua avaliação individualizada pode induzir à inexatidão na interpretação dos dados, levando a crer que o serviço de OH já estaria estruturado e que, talvez, fossem necessários poucos profissionais para compor os quadros do serviço hospitalar do Estado de São Paulo. Ressaltando, ainda, que mais da metade desses profissionais possuem especialidades que, apesar de não estarem descritas formalmente no projeto "Odontologia Hospitalar", podem, eventualmente, colaborar de alguma forma com essa prática clínica.

Um olhar mais aprofundado revela que apenas 427 desses profissionais têm caráter generalista (os clínicos gerais e os especialistas em OPNE), como prevê o projeto do Governo do Estado na descrição do perfil desejável para esse profissional. Observa-se, também, que pelo menos metade do tempo desses profissionais é destinado ao atendimento ambulatorial e que quase 60% possuem uma carga horária inferior a 20 horas semanais. Então, a relação leitos/CDs que, inicialmente avalia-se como de 87,57:1, pode ser ainda maior e ultrapassar a casa da centena.

Os resultados referentes à jornada de trabalho semanal, por exemplo, também causam espanto e convida a refletir qual seria a carga horária ideal para o profissional desenvolver tais atividades. O profissional que trabalha menos que 20 horas semanais, desenvolvendo atividade ambulatorial no ambiente hospitalar teria, por exemplo, tempo suficiente para executar um preparo de boca no período pré-quimioterapia/radioterapia de quantos pacientes com neoplasias malignas? Esse mesmo profissional teria tempo hábil, com apenas metade de sua carga horária sendo de caráter hospitalar, para visitar pacientes em leitos e avaliar a cavidade bucal quanto à presença de focos infecciosos e outras lesões nos pacientes internados? Poderíamos dizer que atenção humanizada pode ser estabelecida em apenas poucos minutos de atuação junto ao paciente de UTI?

Diante de tais questionamentos, cabe ressaltar que, na atuação em UTI18, a presença frequente do Cirurgião-Dentista da equipe de OH é necessária. A avaliação dos pacientes nas primeiras 24h de internação na UTI é primordial com o objetivo de realizar busca ativa com relação à presença de infecções bucais, uma vez que a higiene bucal deficiente nesses pacientes propicia a colonização do biofilme bucal por microorganismos patogênicos, especialmente por patógenos respiratórios, o que pode aumentar o risco de desenvolvimento de pneumonia nosocomial ou pneumonia associada à ventilação (PAV).

Assim, rótulos estabelecidos culturalmente, perfil profissional adequado, contratação de profissionais, o trabalho multiprofissional e intersetorial, jornada de trabalho ambulatorial e hospitalar adequada, acúmulo de função, a distribuição geográfica adequada dos profissionais nos hospitais da rede, além da legitimidade do exercício da odontologia em ambiente hospitalar são fatores impulsionadores para a organização e bom funcionamento da assistência nos hospitais públicos.

É preciso insistir no fato de que o Cirurgião-Dentista, em ambiente hospitalar, deverá estar focado no cuidado ao paciente cuja doença sistêmica possa ser fator de risco para agravamento e ou instalação de doença bucal, ou cuja doença bucal possa ser fator de risco para agravamento e ou instalação de complicação sistêmica17. Tal afirmação faz com que haja uma reflexão sobre que novos conceitos devem ser inseridos no que se refere à atuação desse profissional.

É conveniente assinalar que, ainda hoje, o ambiente hospitalar é rotulado de ser o espaço específico para a atuação do Cirurgião-Dentista, especialista em cirurgia e traumatologia bucomaxilofacial, ou para realizar somente procedimentos em pacientes que necessitem de tratamento odontológico sob anestesia geral. Entretanto, deve-se esclarecer que tais rótulos foram criados por preconceitos advindos da cultura hospitalar, estabelecida entre a população direta ou indiretamente envolvida no serviço26 e também pela inoperância do Sistema de Saúde. Por essa razão, é necessário superar tais rótulos e procurar incutir o princípio e integralidade na atenção em saúde e que o ambiente hospitalar seja, também, um espaço para a atuação de equipes multidisciplinares.

É plausível reiterar que a atuação do Cirurgião-Dentista que irá exercer a OH jamais terá o cunho de se sobrepor à atuação do Cirurgião-Dentista bucomaxilofacial enquanto especialidade cirúrgica, mesmo porque, segundo Aranega e colaboradores27, tal especialidade foi estabelecida dentro dos hospitais, o que é considerado um marco inicial na inserção da Odontologia nesse ambiente, servindo como um elo entre hospital e a Odontologia.

Vale ratificar que vários estudos28,29 enfocam a importância das intervenções do Cirurgião-Dentista no processo de recuperação do paciente, acometido por uma determinada doença no ambiente hospitalar. De igual forma, inúmeros outros estudos científicos demonstram a importância da atuação do CD no âmbito hospitalar30, bem como também apontam as necessidades que os enfermos possuem, de receber, nesse ambiente, cuidados odontológicos, que interferirão em sua qualidade de vida. Por tudo isso, é fundamental evidenciar que o perfil do CD para atuar nesse segmento, necessariamente está ligado ao seu conhecimento sobre o atendimento odontológico clínico (de natureza generalista) de pacientes que apresentam necessidades de cuidados especiais em virtude de sua condição sistêmica.

 

CONCLUSÃO

O atual cenário da Rede Hospitalar do SUS no Estado de São Paulo, no que se refere à OH, ainda está em estruturação. É possível verificar que devem ser executados ajustes na distribuição de CDs que atuam em nível hospitalar. Com poucos CDs com uma carga horária pequena e dividida entre atendimento ambulatorial e hospitalar, parece apropriado tanto a estruturação de novos serviços como o aumento de contratações específicas para suprir a demanda crescente deste profissional de saúde em nível hospitalar.

 

APLICAÇÃO CLÍNICA

Este estudo poderá servir de subsídio norteador para gestão de recursos humanos e melhoria na qualidade da atenção à saúde em nível hospitalar quanto à implementação e estruturação dos serviços de Odontologia Hospitalar.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Karem López Ortega
Depto. De Patologia Bucal
Av. Prof. Lineu Prestes, 2227
Cidade Universitária - São Paulo - SP
05508-000
Brasil

e-mail:
klortega@usp.br

 

Recebido em: out/2013
Aprovado em: nov/2013