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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas
versão impressa ISSN 0004-5276
Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.69 no.3 Sao Paulo Jul./Set. 2015
Artigo original (Autor convidado)
Fluoretação da água: significados e lei da obrigatoriedade na visão de lideranças em saúde
Public water supply fluoridation and mandatory water fluoridation according to health sector leaders
Regina Glaucia Lucena Aguiar FerreiraI; Paulo Capel NarvaiII
I Doutora em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo - Professora adjunto da Universidade Federal do Ceará
II Doutor e livre-docente pela Universidade de São Paulo - Professor titular do Departamento de Prática de Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo
RESUMO
Desde meados do século XX, estudos epidemiológicos registram declínios nas prevalências da cárie dentária em países industrializados, bem como em alguns países em desenvolvimento. Tal fenômeno tem sido atribuído, em grande parte, à utilização de produtos fluorados, seja por métodos tópicos, seja por meio da fluoretação das águas de abastecimento público. Objetivos - Identificar e analisar o significado da fluoretação da água de abastecimento público, e a sua obrigatoriedade legal no Brasil, para lideranças em saúde, com enfoque nos possíveis benefícios/malefícios e mecanismos de vigilância e controle. Método - Pesquisa descritiva, com abordagem qualitativa, utilizando- se como técnica de processamento de depoimentos o Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). A população de estudo foi constituída pelos delegados à 13ª Conferência Nacional de Saúde, sendo a amostra definida por conveniência e composta por 310 delegados: 56 na etapa municipal, em Fortaleza (Ceará), 143 na estadual (Ceará) e 111 na nacional. Os dados foram coletados por meio de questionários semiestruturados. Resultados - Constatou-se que há lacunas de conhecimento e um entendimento equivocado a respeito do papel do flúor na água. Conclusão - Os participantes da pesquisa indicaram a necessidade de terem acesso a mais e melhor informação, para poder participar e reivindicar dos órgãos do Estado, em especial os relacionados com vigilância sanitária, com vistas a assegurar aos brasileiros água de boa qualidade.
Descritores: água potável; fluoretação; vigilância sanitária; cárie dentária; participação social
ABSTRACT
Since the mid-twentieth century, epidemiological studies have shown a decline in the prevalence of dental caries in industrialised countries as well as in some developing countries. This phenomenon has been attributed in large part to the use of fluoridated products, either by topical methods, or through the fluoridation of public water supplies. Goals - To identify and analyse the significance of the fluoridation of public water supplies, and its legal obligation in Brazil, for health sector leaders, focusing on the potential benefits/harm and monitoring and control mechanisms. Method - Descriptive research with a qualitative approach, using Collective Subject Discourse (CSD) as a testimonial processing technique. The study population was comprised of delegates to the 13th National Health Conference, and the sample is defined for convenience and composed of 310 delegates: 56 on the municipal stage, in Fortaleza (CE), 143 on the state stage (Ceará) and 111 on the National stage. Data was collected through semi-structured questionnaires. Results - It was found that there are gaps in knowledge and a misunderstanding regarding the role of fluoride in water. Conclusion -The survey participants indicated the need to have access to more and better information, to be able to participate and claim from government agencies, especially those related to health surveillance, in order to ensure Brazilian water quality.
Descriptors: drinking water; fluoridation; health surveillance; dental caries; social participation
RELEVÂNCIA CLÍNICA
Muitos profissionais da área odontológica têm insegurança quanto aos benefícios e riscos da fluoretação da água de abastecimento público e muitos desconhecem as ações de vigilância sanitária exercida sobre essa tecnologia de Saúde Pública.
INTRODUÇÃO
A cárie dentária ainda é um problema de saúde pública em todo o mundo e também no Brasil. Seu tratamento tem custo elevado, acarreta sofrimento e dor ao indivíduo e impacto na qualidade de vida.1 No Brasil, a cárie atinge, de modo desigual, pessoas de todas as faixas etárias e níveis socioeconômicos.2 As medidas de prevenção da doença que apresentam amplo alcance populacional e que devem ser utilizadas nas estratégias populacionais de Saúde Pública envolvem o uso de fluoretos. Estes devem ser adicionados, de modo controlado, aos dentifrícios e à água de abastecimento público, quando esta for hipofluorada, ou seja, quando os teores naturalmente existentes forem insuficientes para produzir o efeito preventivo.
Nos Estados Unidos, país pioneiro na utilização dos fluoretos para prevenir cárie e onde essa tecnologia se desenvolveu e se firmou como adequada e segura ao uso em Saúde Pública, a medida foi considerada pelas autoridades sanitárias e pesquisadores como uma das dez maiores conquistas do país, nesse campo, no século XX.3 Estudos bem delineados e amplamente monitorados, têm demonstrado, desde meados do século XX, a eficácia e a segurança do método,4-6 reiterada por centros de pesquisa que acompanham, por meio de criteriosas revisões sistemáticas, a evidência científica de sua efetividade e segurança para a saúde humana4.
Freire et al. 7 (2013) registraram e quantificaram a associação entre a prevalência de cárie nas crianças e indicadores de acesso à água de abastecimento fluoretada nos municípios, constatando a necessidade da ampliação dessa estratégia, corroborando, dessa forma, outros estudos, que também comprovaram a necessidade da expansão da medida nos dias atuais.8,9
Segundo Narvai6 (2000), a continuidade do uso do flúor em ações de saúde pública requer medidas precisas de vigilância sanitária para prevenir a fluorose dentária, mesmo quando esta se manifesta em nível populacional com amplo predomínio de formas sem significado clínico ou estrutural relevante no esmalte dentário e que sequer implica comprometimento estético dos dentes. No tocante à água de abastecimento público, este autor enfatiza a necessidade do heterocontrole, que conceitua como "o princípio segundo o qual se um bem ou serviço qualquer implica risco ou representa fator de proteção para a saúde pública então, além do controle do produtor sobre o processo de produção, distribuição e consumo, deve haver controle por parte das instituições do Estado".
A descoberta de que é tópico o mecanismo de ação dos fluoretos conferiu importância aos veículos capazes de disponibilizá-los por essa via. Estes são representados pelos dentifrícios, que até os anos 1960 tinham papel meramente cosmético e que, ao conterem atualmente em sua composição um potente agente preventivo, tornaram-se um produto de interesse estratégico para as políticas públicas de saúde.6 Outras possibilidades de utilizar compostos contendo fluoretos para uso local são representadas pelas soluções para bochechos, pelos géis e por vernizes fluoretados. Os bochechos fluoretados, muito difundidos em programas escolares, alcançam índices de redução de 30% da incidência de cárie dentária entre os 6 e 14 anos de idade, em contextos epidemiológicos de moderada e alta prevalência da doença. Os efeitos preventivos, no entanto, desaparecem, gradativamente, com a sua interrupção.10
Embora estejam disponíveis diversos veículos para o uso de fluoretos na prevenção da cárie dentária, a Organização Mundial da Saúde1 e o Ministério da Saúde do Brasil8 indicam a prioridade, por seu amplo alcance populacional, ao emprego de fluoretos em dentifrícios e na água de abastecimento público. Essas duas vias vêm sendo utilizadas no Brasil. A fluoretação das águas desde 1954 e os cremes dentais desde meados dos anos 1980.6
No caso brasileiro, embora a fluoretação tenha sido adotada pela primeira vez em 19536, apenas duas décadas depois, no auge do período histórico em que não havia democracia no País, foi aprovada a lei (Lei nº 6.050/1974) tornando a medida obrigatória nos locais onde exista Estação de Tratamento de Água – ETA11. O contexto histórico de aprovação da lei (ditadura militar) tem levado, ocasionalmente, a legítimas indagações sobre o que a população pensa sobre a lei e a fluoretação das águas nos dias atuais, sob regime democrático consolidado, cogitando-se até mesmo sua revogação.
Neste estudo descreve-se a percepção dos delegados à 13ª Conferência Nacional de Saúde sobre os benefícios e malefícios do uso do flúor na água de abastecimento e os mecanismos de vigilância e controle sobre esta medida, bem como a sua opinião sobre a obrigatoriedade legal de se fluoretar a água no Brasil.
MATERIAIS E MÉTODOS
Trata-se de pesquisa qualitativa, com fundamento na teoria das representações sociais. Para ter acesso a lideranças sociais da área de saúde, tendo em vista o objetivo central do estudo, considerou-se que, no contexto brasileiro, os delegados às várias etapas (municipal, estadual e nacional) de uma Conferência Nacional de Saúde são indivíduos com excelente possibilidade de se constituírem em sujeitos de pesquisa acordes à pretensão da investigação, uma vez que são atores sociais qualificados, pois lideram segmentos sociais com interesse em saúde. Provêm de várias partes do Brasil e participam de processos decisórios sobre saúde e o sistema de saúde no País. Ademais, vários desses delegados integram conselhos de saúde, em nível municipal e estadual. Especificamente, foram obtidas as percepções dos delegados à 13ª Conferência Nacional de Saúde (13ª CNS) sobre o significado da fluoretação da água de abastecimento público e sua obrigatoriedade no Brasil. Para este fim foram utilizados questionários semiestruturados, aplicados de modo presencial, durante as três etapas da 13ª CNS: a municipal de Fortaleza, a estadual do Ceará e a nacional, em Brasília. Esses eventos aconteceram, respectivamente, em agosto, outubro e novembro de 2007, meses em que os dados foram coletados.
Embora os questionários fossem abrangentes, contemplando vários aspectos dos usos de fluoretos em saúde pública, a análise empreendida neste estudo enfatiza as percepções dos delegados sobre os possíveis benefícios e malefícios dos fluoretos, os mecanismos de sua vigilância e controle e a possibilidade de revogação da lei 6050/1974, que institui a obrigatoriedade da medida, onde houver estação de tratamento de água.
A população de estudo, definida por conveniência em virtude do objeto e da problematização, foi composta de 310 delegados, de ambos os sexos, distribuídos da seguinte maneira: 56 da etapa municipal (Fortaleza), 143 da etapa estadual (Ceará) e 111 da nacional (Brasília). O critério de eleição para inclusão foi ter participado da conferência na condição de delegado. O projeto de pesquisa que deu origem ao presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo sob o Parecer de Nº 1723/07.
Para se obter as opiniões dos delegados, quatro perguntas foram formuladas:
1. Em sua opinião, o flúor pode trazer benefícios para o ser humano? Por quê?
2. Em sua opinião, o flúor pode trazer malefícios para o ser humano? Por quê?
3. Hoje, os governos são obrigados por lei a controlar o nível de flúor nas águas de abastecimento público. Onde o nível é insuficiente, o produto deve ser adicionado. Está sendo discutido no Congresso Nacional um projeto de lei para acabar com isso, para desobrigar o governo dessa responsabilidade. Qual a sua opinião?
4. Você acha que existe, já ouviu falar ou conhece algum mecanismo, algum jeito de controlar a quantidade de flúor nos produtos utilizados pelo ser humano?
Para organização e sistematização dos dados, sob a forma discursiva, foi utilizada a técnica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), a qual consiste em um conjunto de procedimentos de tabulação e organização de dados discursivos provenientes de depoimentos orais ou não. Essa técnica envolve, basicamente, a seleção das expressões- chave de cada discurso, constituídas por segmentos contínuos ou descontínuos de discursos que revelam o principal conteúdo discursivo; a identificação da ideia central (IC) de cada uma dessas expressões-chave; e o agrupamento das expressões-chave referentes às ideias centrais semelhantes ou complementares, formando um discurso-síntese: o discurso do sujeito coletivo.12
Para a presente análise os DSC foram construídos a partir de agregações dos discursos dos delegados (gestores/prestadores de serviço, trabalhadores e usuários), podendo-se observar, assim, similaridades e antagonismos. A análise do discurso foi a estratégia metodológica adotada, a qual leva em consideração a cultura, o contexto e as intenções dos sujeitos, revelando sua visão da sociedade, da natureza, da historicidade, das relações, das condições de produção e reprodução social.13
RESULTADOS
Os seguintes DSC emergiram das respostas dos delegados às quatro questões que lhes foram propostas:
Benefícios da fluoretação
Ideia central: o flúor melhora a qualidade da água
"Acho que melhora a qualidade da água, porque ajuda a eliminar bactérias. Bem utilizado, na quantidade certa, a água fica mais potável, de boa qualidade. Também previne o efeito colateral do cloro".
Ideia central: o flúor melhora a saúde bucal
"Na dosagem certa, é um dos mais importantes meios de prevenção da cárie, principalmente nas crianças e para quem não tem acesso a outras formas de cuidado de saúde bucal. Elimina microrganismos, protege e fortalece os dentes. Não é bom perder os dentes. Bom é ter dentes saudáveis, fortes e o fim dos desdentados no nosso país. Onde a água é fluoretada direito, as cáries são diminuídas, desde que seja bem orientado pelos profissionais, dentro da dosagem correta, sem exagero. O governo, se prevenir, vai gastar menos".
Ideia central: o flúor evita doenças
"Evita contaminação, infecções e certas doenças. Combate a osteoporose e é vermífugo. Ele ajuda o organismo a reter componentes essenciais para nossas funções vitais e previne várias doenças também. Se previne doenças, só trará benefícios. Acho que coisas piores ingerimos, ouvimos e vemos; o flúor, se não mata, cura".
Malefícios da fluoretação
Ideia central: o flúor em excesso pode trazer malefícios
"Depende da quantidade utilizada. É um produto que, se usado em excesso, traz danos, como fluorose dentária, manchas, intoxicações, problemas estomacais, câncer de intestino, levando a possibilidade de alterações metabólicas degenerativas. Pode também causar deficiência de cálcio e isso prejudica a saúde na fase adulta. Em dosagens necessárias e adequadas, não faz mal. É importante o controle correto de seus níveis. Nada é perfeito, tem sempre seus pontos positivos e negativos. Todo produto tem seus benefícios, mas também tem seu lado negativo, depende da dosagem".
Revogação da lei da obrigatoriedade
Ideia central: a favor da revogação da lei 6050
"Bom, a água não precisa ser com flúor, basta apenas o creme dental. Diferente do cloro, o flúor não chega a ser indispensável. Que seja desobrigado o governo dessa responsabilidade e que os agentes de saúde sejam capacitados a passar para as comunidades."
Ideia central: contra a revogação da Lei 6.050
"É um absurdo esse PL. Acho francamente que esse é um retrocesso, pois se é dever do Estado proporcionar uma saúde de qualidade para todos, isso implica diretamente no oferecimento de abastecimento de água de qualidade. Como país emergente, o Brasil necessita olhar com mais atenção, principalmente aquele segmento populacional desfavorecido. A população de baixa renda não tem acesso a serviços odontológicos. Há uma boa faixa da população que desconhece a importância do cloro e flúor para sua saúde. A prevenção é a maior arma. Já é comprovado que a aplicação do flúor reduz o índice de cárie. Pelo nível de conscientização da nossa população, cabe ao governo fazer o controle e adicionar o flúor, porque muitas pessoas não saberão usar esse elemento, não adquirirão ou pela impossibilidade financeira, ou por desleixo, trazendo consequências danosas. Esse projeto de lei só agravaria tal realidade! Devemos entrar em contato com pessoas representantes no Congresso para que a matéria seja rejeitada. Acho que o governo deve manter a obrigatoriedade. É de responsabilidade do governo monitorar e tomar providências para que se melhore a qualidade de vida da população, evitando doença e trabalhando com prevenção. Acho que seja de total responsabilidade do governo o gerenciamento sobre a qualidade da água de seus municípios. Esse PL não pode passar, vai de encontro aos princípios e normas técnicas da odontologia preventiva e às normas do SUS, uma vez que desprestigia a promoção da saúde e prevenção da cárie dental. O projeto de lei surge de uma forte influência dos países europeus que não usam flúor na água, desconsiderando as questões loco-regionais e culturais do povo brasileiro. Considero errada essa decisão, pois prejudicará, principalmente, a população menos favorecida. É necessário que o governo detenha esse poder, pois a fluoretação é um meio barato e consegue atingir indistintamente toda a população. Enquanto a população não conseguir ter autonomia na prevenção e tratamento da cárie dentária, esta continua sendo a melhor forma de prevenção desta patologia tida como problema de saúde pública. Este assunto nem sequer deveria ser discutido. É dever do Estado a elaboração e cumprimento de políticas públicas que visem à promoção da saúde da população e nossa função é cobrar sua elaboração e efetivação. Não deveria ser aprovado este projeto, uma vez que é uma forma de mantermos efetiva a saúde bucal, melhorando a condição de todos os brasileiros que, na grande maioria, não têm acesso ao acompanhamento e prevenção com profissional dentista. É questão de saúde pública. As comunidades são beneficiadas com o flúor. A cárie diminui, evitando assim mais gastos com saúde pública a partir de uma medida aparentemente simples. O governo é responsável pelo desenvolvimento da saúde e qualidade de vida de cada cidadão, portanto, não pode se furtar à sua responsabilidade de tratamento de água. Por que desobrigá-lo, se a qualidade da água é uma questão de saúde pública? Os nossos legisladores devem ser responsabilizados por isso. Penso eu que daqui a pouco vão tirar todas as obrigações importantes do governo! Quem foi, meu Deus, que teve esta ideia?"
Vigilância e controle da fluoretação
Ideia central: a empresa de saneamento e a vigilância fazem controle, mas pode haver falhas
"É uma política de governo, pactuadas as responsabilidades nos três níveis de gestão. Faz parte de um trabalho feito pelos técnicos e especialistas da vigilância sanitária e da própria empresa de abastecimento de água, através da quantidade recomendada de flúor na água de abastecimento (0,7 ppm, em lugares de clima mais quente). O controle é feito com aparelhos, fazendo-se cumprir a legislação. Esse controle é feito por profissionais de saúde bucal e bioquímicos, profissionais competentes que lidam com a qualidade de vida da população. A adição de flúor é controlada de acordo com o produto ao qual ele é adicionado e a frequência com que vai ser utilizado, sendo medida a sua concentração em 'ppm' (partes por milhão) ou porcentagem. Nas águas de abastecimento pode-se fazer medições frequentes para em seguida se adicionar mais ou menos flúor e nos produtos como creme dental, controla-se ainda na fabricação."
Ideia central: existe controle, mas não é eficaz
"Existe um controle, mas já houve casos de queixas de alergia que sugere que o flúor esteja em excesso. Também houve alterações no sabor".
Ideia central: o controle existe, mas não sei explicar
"Não tenho dados, no momento, para responder. Não sei com exatidão quais nem como. Sei que existe e o governo é responsável pelo controle desse flúor. Se o governo controla o nível de flúor nas águas, essa ação com certeza teve como base pesquisas nesta área".
Desconhecimento sobre a fluoretação
Ideia central: a população desconhece o assunto "Acho que a sociedade precisa conhecer mais, analisar e avaliar com mais responsabilidade todos os benefícios e malefícios do flúor e o governo acatar a decisão final da sociedade. Eu não vou opinar sobre o assunto. Não tenho conhecimento. Não conheço o teor do projeto nem as razões. Não conheço o motivo pelo qual se deixaria de adicionar o flúor. Tem bases científicas? Qual o papel do flúor? A questão deve ser seriamente discutida, creio que não é do conhecimento da população em geral a função do flúor. Que o povo seja esclarecido sobre essa necessidade e venha conhecer os motivos. Deveria haver um fórum com os usuários para saber a opinião pública. O Congresso deveria consultar a população para não tomarem decisões contraditórias e até prejudiciais à saúde humana".
DISCUSSÃO
Embora os anais do Congresso Nacional registrem a ocorrência de projetos de lei pedindo a revogação da Lei Federal 6.050/7414, não há registro na literatura científica sobre fluoretação da água, de um estudo sequer sobre o que pensa a população brasileira sobre isto e sobre os benefícios e riscos dessa medida preventiva da cárie dentária. Daí a importância deste estudo que, de modo original, registra a percepção de lideranças de saúde sobre a fluoretação, no cenário brasileiro contemporâneo.
Constata-se que ideias a favor e contra a obrigatoriedade da fluoretação estão presentes no contexto social analisado, incluindo- se ideias sobre o desconhecimento do assunto e a necessidade de sua maior divulgação, para que a população compreenda do que se trata e seus representantes parlamentares possam decidir, quando oportuno, de modo a não haver prejuízos à saúde humana. Cabe o registro de que não houve qualquer manifestação, por parte dos delegados à 13ª CNS, relacionado com o período histórico em que a lei foi aprovada. De maneira geral, se percebem lacunas de conhecimento, entre os delegados, sobre alguns aspectos relativos ao uso do flúor na saúde pública. Persiste um entendimento equivocado a respeito do papel do flúor na água, acreditando-se que se trata de uma substância com fins de purificar a água, para torná-la potável.
Este aspecto é corroborado por estudos que demonstraram igual desconhecimento sobre os significados da fluoretação por parte dos sujeitos participantes, nos quais os benefícios da presença de fluoretos no creme dental e na água de beber não foram identificados pela população estudada. 15,16 A atribuição de funções equivocadas aos fluoretos, observada neste estudo, vai ao encontro de percepções similares encontradas em outras situações, tais como a de purificar a água ou melhorar seu gosto.17,18
Com relação aos benefícios dos fluoretos, os delegados referem a melhoria da saúde bucal, em que os mais beneficiados são aqueles que não têm acesso aos serviços odontológicos, percepção esta que se coaduna com a literatura científica. Ressaltam ainda a necessidade de se manter controle sobre as operações nas estações de tratamento de água para que os teores de fluoretos existentes nas águas sejam os adequados aos respectivos contextos ambientais. Creem também que sua presença nas águas, além de evitar o sofrimento das pessoas, gera economia para os cofres públicos. Há entre os delegados à Conferência Nacional de Saúde a crença de que o flúor é um medicamento e que, dependendo da dose, pode causar malefícios, como a fluorose dentária. Para esses participantes é necessária a ação da vigilância sanitária, para que haja segurança sobre a quantidade de fluoretos existente na água consumida pela população. Esta percepção também encontra respaldo na literatura científica, a qual enfatiza que o principal objetivo da utilização dos fluoretos é maximizar os seus benefícios preventivos, minimizando os seus riscos. Para isto, a existência de mecanismos que viabilizem a sua adequada concentração é indispensável para que a medida exerça o maior impacto possível na prevenção e no controle da cárie, sem aumentar a prevalência da fluorose. 19
No que diz respeito aos mecanismos de vigilância e controle da adição do flúor, existe certa desconfiança entre os respondentes de que tais instrumentos podem não estar sendo empregados adequadamente. De fato, muitas cidades brasileiras não dispõem de uma política de vigilância sanitária para a fluoretação das águas. Municípios de pequeno porte têm dificuldades para realizar o controle da adição de flúor às águas de abastecimento público, a qual ocorre de forma descontínua. Nessas situações o único controle sobre a medida é o exercido pela empresa de saneamento, durante as operações de tratamento da água. Isso se deve, na maioria das vezes, à falta de infraestrutura laboratorial e técnica20.
Alguns estudos, com base em heterocontrole, reafirmaram a ocorrência de teores inadequados de fluoretos na água ou níveis discordantes com relação às informações obtidas no controle operacional. 21,22 O padrão de potabilidade da água de consumo humano é estabelecido pela Portaria MS nº 518/2004, que determina o valor máximo permitido (VMP) de 1,5 partes por milhão (ppm) para o fluoreto23. Porém, na maior parte do país, tendo em vista as médias de temperaturas máximas anuais, a concentração preconizada para maximizar a prevenção de cárie e limitar a ocorrência de fluorose do esmalte situa-se entre 0,6 e 0,8 ppm. A rigorosa observância desse limite deve-se ao fato de o fluoreto ser encontrado também em vários produtos, além da água de abastecimento público, como águas minerais, chás, medicamentos, cremes dentais, suplementos nutricionais, sendo seu monitoramento de interesse para a vigilância em saúde. 24 Outros estudos alertam para a grande oscilação dos níveis de fluoreto nas águas de abastecimento, reforçando a necessidade da implementação de sistemas de vigilância. 25,26 Frazão et al.27 (2013) detectaram, contudo, problemas na estrutura do Sisagua, o sistema de informação do Programa de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo de Água (Vigiagua). Consequentemente, a vigilância da qualidade da água nos municípios fica prejudicada pela insuficiência dos dados disponíveis, indicando a necessidade de se aperfeiçoar o sistema. Ao estudar a vigilância do fluoreto nas águas de abastecimento público nas capitais brasileiras, em 2005, Cesa e cols28 (2011) constataram a necessidade de fortalecimento da vigilância do fluoreto no Vigiagua, responsabilidade institucional das secretarias municipais de saúde. A inexistência de coleta, análise e divulgação dos teores, observada na maior parte das capitais estudadas, bem como a alta prevalência de amostras fora dos padrões no Sisagua, alerta para a tendência de inadequação no processo de fluoretação, quando não há o comprometimento das instituições públicas na realização das ações de vigilância. Cesa e cols28 (2011) assinalam que, ao consolidar informações para avaliação da qualidade da água, o Sisagua desempenha papel fundamental, pois possibilita aportar dados estratégicos para ampliar o escopo das ações de vigilância epidemiológica da cárie dentária e da fluorose. Contudo, do total de amostras registradas no Sisagua, o fluoreto foi analisado em apenas 31,0% delas, referentes a cinco capitais brasileiras. No estudo de Frazão e cols27(2013) constatou-se subalimentação e ausência dos dados requeridos para ações de vigilância em 62,7% (n=3.489) dos municípios brasileiros, em 2008. Os autores concluíram que há problemas com a estrutura do Sisagua e com o seu uso pelos municípios e que, em decorrência, os dados disponíveis são insuficientes para a vigilância da fluoretação da água, recomendando-se alterações no sistema, com vistas ao seu aperfeiçoamento e cumprimento da finalidade. Uma participação mais ativa dos diferentes atores envolvidos na vigilância da qualidade da água, para a efetiva utilização dessa base de dados na tomada de decisão com relação à inadequação dos teores de fluoreto, tem sido recomendada na literatura22,29,30 e está em sintonia com a percepção dos atores participantes deste estudo, que expressaram preocupação com a segurança e controle da medida, enfatizando as responsabilidades nos três níveis de gestão e o papel desempenhado nesse processo pelos técnicos e especialistas da vigilância sanitária, além da própria empresa de abastecimento de água, uma vez que tais ações têm implicações para a qualidade de vida da população.
CONCLUSÃO
Ideias equivocadas ou lacunas de conhecimento acerca de aspectos do uso de fluoretos em saúde pública revelam a necessidade de se empregar meios eficazes de divulgação direcionados à população, aprofundando a qualidade da participação cidadã e do controle social nos conselhos de saúde. Ainda que os delegados à Conferência Nacional de Saúde não tenham mencionado argumentos plausíveis para fundamentar eventual revogação da lei brasileira sobre a obrigatoriedade da fluoretação da água, é indispensável que tais espaços de participação social, representados pelas conferências e conselhos de saúde, correspondam também a possibilidades de esses atores sociais se apropriarem de conhecimentos científicos e de evidências que lhes possibilitem assumir posições, em diferentes contextos, com segurança quanto à preservação da saúde da população.
Cabe dar relevância, a propósito, ao desconhecimento revelado pelos delegados, que representam uma parcela de líderes sociais com expressiva influência sobre as políticas públicas de saúde. Aliando-se este desconhecimento às deficiências nos sistemas de informações e práticas de vigilância sanitária, em diferentes localidades de várias regiões brasileiras, têm-se um cenário em que ressalta a necessidade de implementação permanente de ações de educação em saúde com foco no uso de fluoretos em saúde pública e de se ampliar e consolidar ações de vigilância em saúde, para que se possa dispor de dados e informações confiáveis sobre o uso desses produtos estratégicos para a prevenção da cárie dentária em níveis populacionais.
Conclui-se que, postos frente às temáticas relacionadas especificamente com a fluoretação da água de abastecimento público, os participantes da pesquisa indicaram que o que se quer é mais e melhor informação, para poder participar e reivindicar dos órgãos do Estado, em especial os relacionados com vigilância sanitária, para que cumpram de modo adequado sua missão de assegurar aos brasileiros água de boa qualidade, conforme especificam as normas técnicas e dispõe a lei.
APLICAÇÃO CLÍNICA
Profissionais de Odontologia devem dispor de informações confiáveis sobre os usos de fluoretos nas comunidades em que atuam, para orientar seus pacientes e beneficiá-los com práticas adequadas de prevenção da cárie dentária.
AGRADECIMENTOS
Aos delegados participantes da 13ª Conferência Nacional de Saúde, por generosamente nos disponibilizarem parte do seu tempo.
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Endereço para correspondência:
Paulo Capel Narvai
Av. Dr. Arnaldo, 715
Cerqueira César - São Paulo/SP
CEP: 01246-904
e-mail: pcnarvai@usp.br
Recebido: jul/2015
Aceito: ago/2015