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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas
versão impressa ISSN 0004-5276
Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.69 no.3 Sao Paulo Jul./Set. 2015
Revisão de literatura (Autor convidado)
Tratamento Restaurador Atraumático: atualidades e perspectivas
Atraumatic Restorative Treatment: advances and perspectives
Maria Fidela de Lima NavarroI; Soraya Coelho LealII; Gustavo Fabián MolinaIII; Rita Sarmiento VillenaIV
I Professora titular do Departamento de Detística, Endodontia e Materiais Odontológicos, Faculdade de Odontologia de Bauru, da Universidade de São Paulo, Bauru, Brasil
II Professora adjunta do Departamento de Odontopediatria da Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade de Brasília, Brasília, Brasil
III Professor adjunto do Departamento de Materiais Dentários da Faculdade de Odontologia, Universidade Nacional de Córdoba, Córdoba, Argentina
IV Coordenadora do Departamento de Odontopediatria, Universidad San Martin de Porres (USMP), Lima, Peru
RESUMO
O Tratamento Restaurador Atraumático (Atraumatic Restorative Treatment) atualmente é entendido como uma abordagem minimamente invasiva que compreende medidas preventivas, terapêuticas e restauradoras em relação à cárie dental e no controle dessa doença, inclusive no atendimento à pacientes especiais. O tratamento é feito apenas com a utilização de instrumentos manuais e com o uso do cimento de ionômero de vidro (CIV), aplicado para o selamento de cicatrículas e fissuras em risco de cárie e na restauração de dentes com cavidades nas quais as fissuras adjacentes também são seladas. As razões mais frequentes para as falhas das restaurações ART estão associadas ao deslocamento do ionômero de vidro em função de insuficiente remoção de esmalte desmineralizado e dentina decomposta; manipulação inadequada do pó/líquido do ionômero de vidro; grau de umidade e temperatura da mistura do ionômero no momento da manipulação; não preenchimento completo da cavidade com o material restaurador; contaminação por saliva e/ou sangue; limpeza ou condicionamento insuficiente das cavidades; grau de cooperação do paciente; habilidade do operador. Materiais com propriedades estéticas melhoradas têm surgido no mercado odontológico e devem servir de estímulo para a realização de trabalhos de ART nos dentes anteriores. No preparo do dente para as restaurações de ART de Classe II, é recomendável confeccionar retenções adicionais nas paredes vestibular e lingual para evitar o deslocamento da restauração. O ART é capaz de diminuir o nível de ansiedade e medo dos pacientes quando o operador não é um especialista, além de ser um tratamento que proporciona menor dor e desconforto, podendo ser realizado num consultório odontológico ou fora dele. Sugestões para novas agendas de pesquisa sobre o ART são propostas.
Descritores: cimento de ionômeros de vidro; tratamento restaurador atraumático (ART); restaurações minimamente invasivas
ABSTRACT
The Atraumatic Restorative Treatment (A R T) is understood as a minimally invasive approach comprising preventive, therapeutic and restorative measures in relation to dental caries and in the control of this disease, including in attendance to patients of special needs. The treatment is done only with the use of hand instruments and with the use of glass ionomer cement (GIC), applied to the sealing of pits and fissures in caries risk and in the restoration of teeth with cavities in which the adjacent pits and fissures are also sealed. The most frequent reasons for the failures of ART restorations are the displacement of the glass ionomer due to inadequate removal of demineralized enamel and dentin decomposed; improper handling of the glass ionomer powder and liquid; degree of humidity and temperature of the mix GIC at the time of handling; not full fill of the cavity with the restorative material; contamination by saliva and/or blood; cleaning or conditioning of cavities; degree of cooperation of the patient; skill of the operator. Materials with improved aesthetic properties have emerged on the market and must serve as a stimulus for the works of ART in the anterior teeth. In the preparation of the tooth for class II ART restorations, we recommend that you make additional retentions in the vestibular and lingual walls to prevent the displacement of the restoration. The ART is able to reduce the level of anxiety and fear of patients when the operator is not an expert, and is a treatment that provides less pain and discomfort, and can be performed in a dental office or out of it. Suggestions for new research agendas on the ART are proposed.
Descriptors: glass ionomer cements; atraumatic restorative treatment (ART); minimally invasive restorations
RELEVÂNCIA CLÍNICA
As indicações do ART, as técnicas restauradoras corretas tanto para dentes decíduos como para dentes permanentes e a inclusão de pacientes com necessidades especiais e com ansiedade são apresentadas de modo objetivo para serem usadas tanto em campo como em consultório ou ambulatório.
INTRODUÇÃO
O Tratamento Restaurador Atraumático (ART, do original em inglês Atraumatic Restorative Treatment) foi criado na Tanzânia nos anos 1980s em resposta à dificuldade de tratar os pacientes de maneira convencional, pois em muitas localidades do país não havia energia elétrica para acionar os motores odontológicos. Assim, os precursores do ART preconizaram o uso de escavadores manuais para remover o tecido dentinário cariado e o preenchimento da cavidade com cimento de policarboxilato.1 Após nove meses, embora das 28 restaurações realizadas, todas estivessem desgastadas, os dentes, com uma única exceção, estavam mantidos em função na boca, sem sintomas de dor. Em seguida foram usados os cimentos de ionômero de vidro (CIV) em substituição aos cimentos de policarboxilatos.
Os criadores do ART resolveram dar essa denominação à técnica após a avaliação de seis meses de um estudo clínico realizado na Tailândia em 1992, comparando restaurações convencionais, utilizando anestesia, brocas movidas por alta rotação para o preparo cavitário e restaurações de amálgama (grupo controle) com restaurações em que os pacientes não precisaram ser anestesiados, a dentina cariada foi removida com instrumentos manuais e a restauração feita com ionômero de vidro sob pressão digital (grupo teste). Quando os avaliadores chegaram à vila do grupo controle, que recebeu o tratamento convencional, as crianças fugiram, sentindo-se amedrontadas. Já na vila do grupo teste, cujas cavidades foram preparadas com instrumentos manuais e que recebeu as restaurações de ionômero de vidro as crianças foram amistosas, não demonstrando estarem traumatizadas e em função disso o nome: Atraumatic Restorative Treatment. Esse estudo foi publicado em 19941 e tendo em vista os resultados alcançados em comparação com as restaurações de amálgama, nesse mesmo ano a Organização Mundial da Saúde (OMS) adotou a abordagem ART e a descreveu como um novo procedimento revolucionário para tratar a cárie dentária, com grande potencial de melhorar a saúde bucal de muitos cidadãos, em diferentes partes do mundo, os quais não estavam tendo acesso a cuidados bucais.2
Alguns colegas têm denominado ART modificado para técnicas que empregam a alta rotação para ampliar o acesso à cavidade cariosa, o que é totalmente inadequado tendo em vista a motivação que os criadores da técnica tiveram para a sua denominação. Na verdade, o uso de instrumentos rotatórios para ampliar o acesso à dentina cariada e a subsequente utilização de curetas para a remoção da dentina cariada é prática que era feita de longa data, bem antes da criação do ART e, portanto, a denominação ART modificado para esse tipo de procedimento é totalmente inadequado.
Um grande impulso para a disseminação do ART ocorreu na reunião anual da International Association for Dental Research (IADR) que aconteceu em Singapura em 1995 intitulada Minimal Intervention Techniques for Dental Caries. Esse evento foi substancialmente devotado à abordagem ART e, ao final, foi estabelecida uma agenda de pesquisa, a partir da qual foram desenvolvidas investigações laboratoriais e clínicas em diferentes partes do mundo.
Outros simpósios se seguiram a esse, os quais atualizaram as agendas de pesquisa para essa técnica. No Brasil merecem destaque os Simpósios Internacionais sobre ART realizados em Bauru. O primeiro fez parte do programa científico da XII JOB Jornada Odontológica de Bauru, na Faculdade de Odontologia de Bauru-USP (FOB), em 1999 e contou com as presenças de Christopher Holmgren, que compareceu representando Jo Frencken, e Prathip Phantumvanit, um dos coautores do trabalho que deu origem ao ART, além de pesquisadores brasileiros. O segundo simpósio aconteceu nos dias 04 e 05 de junho de 2004, também na FOB, com a participação de ilustres pesquisadores da Europa, da Austrália, da África e do Brasil, entre os quais Steffen Mickenautsch, abordando vários aspectos desde o material utilizado até detalhes da técnica, o que contribui para a disseminação do ART na nossa região.
A IADR sempre apoiou os simpósios sobre ART como os eventos dedicados à técnica que ocorreram na reunião anual dessa associação em Nice, em 1998, na reunião regional da IADR na Venezuela em 2009 e neste ano de 2015 na reunião anual em Boston, USA.
Desde a criação da técnica até a atualidade, muitos avanços ocorreram tanto em relação a melhorias relacionadas ao cimento de ionômero de vidro, quanto em relação aos instrumentos utilizados e à técnica restauradora. Entretanto, percebe-se ainda certa resistência por parte de pacientes, de dentistas e de responsáveis por programas de saúde bucal quanto à adoção do ART. Essa resistência ocorre, provavelmente, em função do desconhecimento sobre os avanços ocorridos com o cimento de ionômero de vidro e a falta de conhecimento preciso sobre a técnica ART.
Assim o propósito deste trabalho é difundir para os profissionais de Odontologia os conhecimentos do Tratamento Restaurador Atraumático acumulados por quatro especialistas da América do Sul nesta técnica.
MATERIAIS E MÉTODOS
Os autores basearam-se em revisões sistemáticas e meta-análises sobre ART e outras publicações, além das próprias contribuições, para a elaboração deste trabalho.
O ART atualmente é entendido como uma abordagem minimamente invasiva que compreende medidas preventivas em relação à cárie dental e o controle dessa doença. Assim, os pacientes são esclarecidos a respeito da doença cárie dental, como preveni-la e controlá-la, e o tratamento é feito apenas com a utilização de instrumentos manuais e com material restaurador adesivo, via de regra o cimento de ionômero de vidro, aplicado para o selamento de cicatrículas e fissuras em risco de cárie e na restauração de dentes com cavidades nas quais as fissuras adjacentes também são seladas2.
REVISÃO DE LITERATURA
Indicação
Os selantes ART são indicados para dentes decíduos e dentes permanentes nas seguintes situações clínicas: sulcos e fissuras adjacentes a restaurações ART e dentes recém-irrompidos ou que apresentam cicatrículas e fissuras profundas em pacientes de alto risco à cárie e dentes com lesão de cárie restrita ao esmalte. 2 A técnica de aplicação dos selantes é semelhante tanto para dentes decíduos como para dentes permanentes. A indicação das restaurações de ART são: dentes com lesões cariosas envolvendo dentina cuja abertura cavitária seja de no mínimo 1,6 mm ou que seja suficiente para utilização livremente do menor escavador3, ou que possam ser abertas com uso do opener ou do machado para esmalte, para permitir a introdução do menor escavador e a escavação da dentina cariada e que demonstrem ausência de envolvimento pulpar determinado pela presença de sintomatologia dolorosa, abscesso, fístula ou mobilidade.
Se a lesão de cárie não for acessível com o uso dos instrumentos manuais ou se houver história de sintomatologia dolorosa ou mesmo presença de fístula, abscesso ou mobilidade dental, o ART está contraindicado.
Instrumental e Material
Instrumentos manuais foram criados para facilitar o acesso à cavidade, quando a abertura não possibilita a penetração adequada das curetas para fazer a escavação do tecido cariado e irreversivelmente desorganizado. Os instrumentos básicos para o ART são: machado para esmalte, "opener", que é um instrumento de forma piramidal, curetas de diferentes tamanhos, espátula de inserção, esculpidor, espátula para manipulação do cimento, além de pinça clínica, espelho bucal e sonda exploradora, placa de vidro e potes para agua e para armazenar bolinhas de algodão. Há a necessidade ainda de luvas, gorro, máscara, água, bolinhas e rolos de algodão, cimento de ionômero de vidro, vaselina, verniz ou esmalte incolor, matriz metálica e cunhas de madeira, papel de articulação e pedra para afiar instrumentos.
Material Restaurador
Embora outros materiais sejam utilizados em associação com a técnica do ART, o cimento de ionômero de vidro é o mais utilizado e foi preconizado pelos criadores do ART graças às suas propriedades muito satisfatórias, como a capacidade de aderir à estrutura dentária e por permitir a preservação da mesma; a liberação e a capacidade de ser recarregado com flúor, prevenindo ou paralisando a progressão da cárie dentária, o coeficiente de expansão térmica linear semelhante ao da estrutura dentária e o módulo de elasticidade semelhante ao da dentina. Em adição, o CIV possui cor semelhante ao dente e possui biocompatibilidade com a polpa dentária e a gengiva. No entanto, o ionômero de vidro apresenta porosidades e as resistências mecânicas dos ionômeros eram baixas em comparação com as resistências dos amálgamas dentais e das resinas compostas. As porosidades podem ser minimizadas pela utilização de pontas Centrix e pela compressão do material contra as paredes da cavidade pelas matrizes ou pelo dedo enluvado e vaselinado. Quanto ao ionômero de vidro, o material passou por melhorias significativas como pode ser visto na Tabela 1.4 Nela observa-se que os ionômeros EQUIA® (GC, Japão) e Chemfil Rock® (Detsplay, Germany), apresentam resistências bem superiores que ionômeros de alta viscosidade, e o EQUIA® também se apresenta estatisticamente superior ao Chemfil Rock®, com exceção da resistência à compressão. O EQUIA®
também está com propriedades estéticas bastante melhoradas.
O conhecimento do material restaurador e a sua correta manipulação constituem–se em pontos vitais para o sucesso do ART.
Os ionômeros de vidro podem se apresentar a granel, em frascos contendo o pó e o líquido ou encapsulados. Se for utilizado o material a granel, é importante proporcionar adequadamente o pó e o líquido. Um detalhe que facilita bastante a manipulação do material é espalhar a gota de líquido numa área de cerca de 2 cm e adicionar a metade do pó e depois a outra metade fazendo movimentos de aglutinação. Observar o tempo de trabalho recomendado pelo fabricante. A manipulação do ionômero encapsulado deve seguir as instruções do fabricante e o profissional não deve perder tempo entre a manipulação, seja manual ou mecânica, e a inserção do material na cavidade.
O profissional deve zelar para que não haja contaminação precoce do ionômero pela saliva ou por sangramento, deve aguardar o endurecimento inicial do material e remover os excessos sempre da restauração para o dente e não do dente para a restauração, pois as ligações do ionômero com a estrutura dental são muito frágeis inicialmente e poderia haver um deslocamento do material.
Qual ionômero selecionar para a técnica ART?
A primeira meta-análise comparando restaurações de ART com restaurações de amálgama em dentes permanentes dividiu os trabalhos em dois grupos: o inicial, realizados entre 1987- 1992 e o tardio, de 1995 em diante. No grupo inicial foi usado ionômero de vidro de baixa viscosidade e no grupo tardio foi usado ionômero de alta viscosidade, cujas propriedades físicas eram melhores que a dos anteriores e em adição os operadores receberam treinamento na técnica do ART antes de iniciarem as pesquisas. Esse estudo concluiu que as restaurações de amálgama mostraram um melhor desempenho em controles de até três anos no grupo inicial. Para o grupo tardio, em que o ionômero de alta viscosidade foi utilizado, não se observou diferença entre os dois materiais restauradores.2
A meta-análise publicada por van 't Hof MA et al.,20065 sobre a abordagem ART no manejo da cárie dental concluiu que ionômero de vidro de baixa viscosidade não deveria ser usado em associação ao ART; que os estudos sobre retenção/prevenção de cárie com selantes ART eram poucos e que mais estudos eram necessários; que a taxa de sobrevida das restaurações de ART de uma face, usando ionômero de alta viscosidade, foi alta em dentes decíduos e em dentes permanentes.5
Exemplos de ionômeros de alta viscosidade já testados e comercializados no Brasil são o Ketac Molar Easy Mix (3M ESPE®) e o Fuji IX (GC®).2
Mickenautsch et al., 20106 publicaram uma revisão sistemática avaliando a longevidade das restaurações de ART, confeccionadas com ionômero de alta viscosidade, em comparação com restaurações de amálgama e concluíram que a sobrevida das restaurações era semelhante, tanto para dentes decíduos como para dentes permanentes.
Outra revisão sistemática e meta-análise foi realizada por de Amorim et al., em 20117 para verificar a sobrevida de selantes e restaurações feitas pela técnica ART. Esses autores observaram as mesmas taxas de sobrevida que van't Hof et al., 20065 para as restaurações de ART de uma face e para os selantes. Baseados nesses achados eles concluíram que as taxas de sobrevida dos selantes ART, usando ionômero de vidro de alta viscosidade, era alta, indicando que eles se constituíam em efetiva alternativa aos selantes tradicionais resinosos na prevenção da cárie dentária. Concluíram ainda que a sobrevida das restaurações de ART envolvendo uma única face era alta tanto para dentes decíduos quanto para dentes permanentes e que o ART poderia ser indicado com segurança para esses casos. Já a sobrevida de restaurações de ART envolvendo múltiplas faces para dente decíduos em curtos períodos de observação era baixa e para dentes permanentes havia poucos estudos.
Uma atualização sobre selantes ART foi publicada por Jo Frencken em 20148 na qual ele reitera as observações das revisões sistemáticas e adiciona o comentário de que não necessitando de eletricidade nem de água corrente, a técnica do selante ART pode ser realizada tanto em consultório quanto fora dele. Nesse trabalho também é apresentado o passo a passo da técnica.
Não há na literatura revisões sistemáticas sobre restaurações de ART em dentes anteriores, pois as publicações sobre esse tema são raras.
Um estudo publicado por Prakki et al., em 20089avaliando restaurações de Classe III, após seis anos de acompanhamento mostrou um índice de 73,8% de sucesso.
Outro estudo avaliando restaurações de Classe III após 48 meses em adultos foi publicado por Jordan et al., em 201110 obtendo sucesso em 70% das restaurações.
Uma das prováveis causas da não utilização de restaurações de ART em dentes anteriores era a falta de estética dos ionômeros de vidro. Materiais com propriedades estéticas melhoradas têm surgido no mercado odontológico e devem servir de estímulo para a utilização do ART também em dentes anteriores.
Os estudos de restaurações cervicais em pacientes idosos ainda são em número muito pequeno e os existentes têm concluído não existir diferença entre o tratamento convencional, com instrumentos rotatórios e com o ART. Frencken et al., 20121 chamam a atenção para o aumento da população idosa no mundo e que estudos cobrindo o impacto da técnica ART nessa população merecem atenção especial.
Etapas importantes do Tratamento
Restaurador Atraumático
Nos casos em que o ART esteja indicado, a primeira etapa do tratamento consiste nas instruções sobre como prevenir e controlar a doença cárie dental, instruções de higiene bucal e, então, a técnica restauradora. O paciente pode ser atendido num consultório odontológico ou fora dele. No consultório ele deve ser acomodado na cadeira odontológica e fora, pode ser acomodado numa cadeira móvel ou sobre uma superfície plana, deitado sobre um colchonete. O profissional deve se posicionar também o mais confortavelmente possível e colocar além do gorro, máscara e luvas, uma lâmpada frontal, quando estiver atuando em campo.
O dente a ser selado ou restaurado deve ser isolado com rolos de algodão. A superfície do dente a ser tratada deve ser limpa com bolinhas de algodão umedecidas.
Selamento de cicatrículas e fissuras
Com uma sonda exploradora afiada remover cuidadosamente eventuais debrís da superfície a ser selada; friccionar com uma bolinha de algodão embebida em ácido poliacrílico a superfície por 10 a 15 segundos; lavar duas ou três vezes e secar a superfície com bolinhas de algodão; aglutinar o ionômero de vidro conforme as instruções do fabricante e inserir o material com a espátula de inserção sobre as fissuras e cicatrículas ou misturar mecanicamente e injetar o material diretamente nas cicatrículas e fissuras; pressionar o ionômero com o dedo indicador enluvado e recoberto com vaselina por 40 segundos; remover os excessos e checar a oclusão; recobrir o selante com uma fina camada de vaselina e recomendar ao paciente que não se alimente pelo menos por uma hora (Figura 1).
ART em dentes permanentes
Baseados na literatura, Leal et al., 20122 afirmam ser o deslocamento de parte ou de toda a restauração de ART envolvendo uma única face a principal causa de falha em dentes decíduos e em dentes permanentes. Citam ainda como razões mais frequentes
para o deslocamento do ionômero de vidro insuficiente remoção de esmalte desmineralizado e dentina decomposta; manipulação inadequada do pó/líquido do ionômero de vidro; grau de umidade e temperatura da mistura do ionômero no momento da manipulação; não preenchimento completo da cavidade com o material restaurador; contaminação por saliva e/ou sangue; limpeza ou condicionamento insuficiente das cavidades; grau de cooperação do paciente; habilidade do operador.
Fica evidente que, com exceção da cooperação do paciente, todos os demais fatores associados ao sucesso do tratamento dependem do profissional, que deve zelar para que os passos da técnica sejam rigorosamente seguidos. A remoção do esmalte deve ser restrita à retirada dos prismas fragilizados, que clinicamente se mostram esbranquiçados. Não há a necessidade de remover os prismas sem suporte de dentina, pois o ionômero irá preencher o espaço que era ocupado pela dentina e irá se aderir ao esmalte. A falha nesses casos, geralmente, ocorre por que o profissional realiza movimentos de pincelamento com a cureta e não de escavação, deixando dentina decomposta subjacente ao esmalte. Outro aspecto que pode provocar esse tipo de falha é o uso de instrumento cortante não afiado. O profissional deve usar instrumentos de boa qualidade e afiados. Para que não ocorra preenchimento incompleto da cavidade, deve ser preparada quantidade adequada de ionômero de vidro e, de preferência, a inserção com o auxílio de seringa centrix ou utilização de material encapsulado. Os rolos de algodão promovem um isolamento relativo do campo operatório, mas o profissional deve estar atento e não iniciar a inserção do ionômero, enquanto houver contaminação por saliva ou sangue.
Os passos a serem seguidos são:
Checar se a embocadura da cavidade possui largura suficiente para a penetração do escavador e sua movimentação livremente. Se a abertura não for suficiente, alargar a entrada com o instrumento opener ou com machado para esmalte. Introduzir a cureta e realizar movimentos de escavação direcionados para a junção amelodentinária e ir removendo toda a dentina decomposta. Via de regra os pacientes não relatam dor, mas eles devem ser alertados de que poderão receber anestesia, caso necessário. Terminada a remoção da dentina decomposta das paredes laterais, o profissional deverá remover com cuidado a dentina amolecida do fundo cavitário (Figuras 2 e 3).
No preparo do dente para as restaurações ART Classe II, é recomendável confeccionar retenções adicionais nas paredes vestibular e lingual para evitar o deslocamento precoce da restauração (Figura 4).
O estudo clínico de Cefaly et al., 201311, com retenções proximais, mostrou dados muito superiores aos de Ercan et al., 200912, sem retenções proximais, com menor tempo de acompanhamento, usando o mesmo ionômero de alta viscosidade. O sucesso de restaurações de ART com 10 anos de sobrevida foi atribuído, provavelmente, às retenções adicionais proximais realizadas com um escavador longo e delgado desenvolvido especialmente para essa finalidade13 (Tabela 2).
Estudos clínicos randomizados são necessários para comprovar a eficiência desse procedimento que já demonstrou aumentar a resistência de ionômeros de vidro em testes laboratoriais.2 Terminada a limpeza da cavidade ela deve ser checada com espelho e sonda exploradora para verificar se não existe dentina muito amolecida remanescente. Limpar a cavidade e a superfície oclusal e as fissuras adjacentes com ácido poliacrílico embebido em bolinha de algodão e deixar atuando por 10 a 15 segundos. Remover e lavar a cavidade com água por duas a três vezes. Poderá ser utilizado o cimento de hidróxido de cálcio se o profissional julgar que o fundo da cavidade esteja muito próximo da polpa. O ionômero de vidro deverá ser
manipulado de acordo com as instruções do fabricante e imediatamente inserido na cavidade com seringa centrix se a manipulação for manual e com a própria capsula, se for mecânica e sobre as fissuras adjacentes, com pequeno excesso. O dedo indicador enluvado e vaselinado deverá ser aplicado e com uma pequena pressão por 40 segundos. Os excessos são removidos e é checada a oclusão com fitas de carbono. Se houver contatos exagerados com os dentes antagonistas, deverão ser removidos. Nova proteção com uma fina camada de vaselina deve ser feita e recomendar que o paciente não se alimente pelo menos na próxima hora. Em cavidades envolvendo as faces proximais, deve ser posicionada a matriz cunhada previamente à inserção do material restaurador. A matriz deve ficar na altura da crista marginal e decorrido o endurecimento inicial do ionômero, a escultura da crista marginal deve ser feita antes da remoção da matriz. Os excessos mais grosseiros são removidos. Em seguida deve ser removida a matriz e checada a oclusão com fitas de carbono, para verificar se não existe nenhum contato exagerado com os dentes antagonistas que deva ser removido. Nova camada fina de vaselina é aplicada sobre a restauração e o paciente é orientado para não se alimentar pelo menos na próxima hora.
Se esses cuidados forem observados, restaurações bem sucedidas podem ser conseguidas em períodos longos, como por exemplo, os resultados obtidos por Zanata et al., 201113 após dez anos de observação (Figura 5).
Na Tabela 2 pode-se observar que os resultados obtidos por diferentes autores para os selantes de ART são bastante semelhantes, o que faz supor que o domínio da técnica pelos profissionais é expressivo. Já os resultados da sobrevida das restaurações de uma face de ART
de alguns autores são discrepantes, como os apresentados por Van Gemertz- Schriks et al.,7 que obtiveram sobrevida após três anos de apenas 30% enquanto outros autores obtiveram em 6 anos mais que o dobro de sobrevida. Certamente aqueles autores não seguiram as recomendações que têm sido enfatizados neste trabalho. A sobrevida das restaurações de classe II mostra também resultados inferiores, por exemplo, de Ercan et al.12 após períodos menores de observação em comparação com os achados de Cefaly et al.11, e Zanata et al.13. Nesses casos, além dos fatores relacionados com a limpeza interna da cavidade e fissuras adjacentes, manipulação do material, o detalhe das retenções adicionais podem influenciar o sucesso das restaurações.
Também em dentes anteriores, essa técnica pode ser uma alternativa importante como se vê nas figuras 6 e 7.
ART na dentição decídua
Sendo aceito o ART pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um procedimento que se baseia nos conceitos de mínima intervenção aplicável em nível de saúde publica, a Organização Panamericana da Saúde (OPAS) também o recomenda nos protocolos de atenção dos Ministérios da Saúde da região latino-americana, porém os programas que o utilizam adotam principalmente sua fase restauradora, sendo recomendado em escolares a partir dos seis anos e dando prioridade à dentição permanente.14
Com uma Odontologia contemporânea baseada em mínima intervenção, e tendo em consideração que os programas de promoção da saúde devem ser instaurados em idades mais tenras, o ART se encaixaria perfeitamente nesta filosofia, com um enfoque preventivo-terapêutico e não somente restaurador.
O ART poderia, na realidade, ser dividido em três componentes: preventivo, terapêutico e restaurador. Poderia ser incluído em programas desenhados para crianças de alto risco, como parte do tratamento preventivo em cicatrículas e fissuras (selantes ART), estar indicado no selamento de lesões inicias de cárie com cavidades ou sem cavidades em esmalte (selamento terapêutico) com o objetivo de interromper o processo evolutivo da doença, e obter seu beneficio restaurador, no caso de lesões com cavidades atingindo dentina, porém sem sintomatologia dolorosa.
Sua introdução em programas destinados a infantes e pré-escolares poderia contribuir para a redução da necessidade de tratamentos invasivos complexos, que requerem maior colaboração do paciente e a necessidade de uma atenção especializada, geralmente inacessível em centros de saúde periféricos, ou em comunidades afastadas e rurais. Faz-se necessário, porém, esclarecer que a filosofia de indicar o ART apenas para pessoas que não têm acesso a uma Odontologia convencional está ultrapassada. Atualmente, o ART é mais uma opção que o Cirurgião-Dentista possui para o tratamento de seus pacientes tanto no âmbito público como no privado, mas que requer deste treinamento e habilidade para a obtenção de bons resultados.1
Estudos usando o ART em infantes vêm mostrando resultados promissores. Uma dissertação de mestrado realizada por Silva em 200915, avaliou mediante um ensaio clínico randomizado, duplo-cego de boca dividida, a sobrevida do ART em 115 molares decíduos de crianças de 18 a 36 meses, durante quatro anos, e comparou o desempenho clínico das restaurações realizadas com dois diferentes Cimentos de Ionômero de Vidro: Ketac Molar Easy Mix® (3M ESPE) e Vitro Molar®(DFL). O percentual de sobrevida das restaurações foi de 94,8%, 87,9% e 82,3%, em 1, 2 e 4 anos de acompanhamento, respectivamente. Concluindo que o ART foi efetivo no manejo da cárie da primeira infância, com um bom desempenho clínico das restaurações ART para ambos CIVs, ao longo de quatro anos de acompanhamento.
Uma meta-análise que também avaliou a sobrevida média das restaurações ART de uma superfície em dentes decíduos encontrou uma sobrevida de 95% (87-99%) e 91% (67-94%) após 1 e 2 anos de acompanhamento respectivamente.6 Em 2011, uma atualização desta meta-análise incluindo publicações realizadas em 18 países, mostrou uma taxa média de falha anual em restaurações de uma única superfície e de múltiplas superfícies em dentes decíduos nos primeiros dois anos equivalente a 3,5% e 19%, respectivamente.11
A técnica tem uma melhor aceitação pelas crianças, reduz a ansiedade/ medo, desconforto/dor, e se somarmos a isto a utilização do ART em idades mais tenras, existe uma grande possibilidade de que o tratamento minimamente invasivo, seja mais facilmente aceito e executado, sem necessidade de usar anestésicos, os quais, geralmente, não são necessários durante o procedimento, mas em casos de lesões mais extensas e desconforto, seria recomendável utilizar.16
Ao avaliar a literatura e comparar o ART com outras restaurações de resina composta e amálgama na dentição decídua, pode ser citado o estudo realizado por Ersin et al., 200617 que avaliaram restaurações ART utilizando ionômero de vidro de alta viscosidade e o compararam com restaurações de resina composta, não encontrando diferença estatisticamente significativa entre restaurações de ART classe I (96,7%) e restaurações de resinas compostas (91%), nem entre restaurações ART classe II (76,1%) ao ser comparado com o mesmo material resinoso (82%) depois de 2 anos de seguimento.
Quando se pesquisa a respeito do uso de amálgama e se compara com o ART, o estudo de Taifour et al., 200218 depois de 3 anos de acompanhamento mostrou uma diferença estatisticamente significativa na taxa de sobrevida cumulativa de restaurações ART de superfície única em molares decíduos (86%) em comparação a restaurações de amálgama (80%), mas quando as restaurações foram de múltiplas superfícies em molares decíduos, a taxa de sobrevida foi de 49% para o ART e 43% para as restaurações de amálgama, diferença que não foi estatisticamente significativa.
Oito anos depois, Mickenautsch et al., 20106 publicaram uma revisão sistemática para comparar ambos tipos de restaurações na dentição decídua e não acharam diferenças entre o uso do amálgama e o ART, mas devido à escassa literatura, sugerem maior numero de ensaios clínicos randomizados.
Recentemente, o estudo publicado por Hilgert et al., em 201419, também mostrou resultados positivos após 3 anos de acompanhamento. Neste estudo foi utilizado ionômero de vidro de alta viscosidade e as restaurações ART de superfície única e de múltiplas superfícies foram comparadas às de amálgama. A sobrevida para ambos os materiais foi melhor em restaurações de superfície única, sendo para o ART de 90% e amálgama de 93%. Para as restaurações de múltiplas superfícies, a sobrevida foi de 56.4% e 64.7% para o ART e o amálgama, respectivamente após três anos. Tal diferença não foi estatisticamente significante. É importante ressaltar que 93,7% das falhas associadas ao ART ocorreram por razão mecânica e não por cárie secundaria. Os autores concluem que o ART utilizando CIV de alta viscosidade é uma opção viável para restaurações de superfície única em molares decíduos com vitalidade pulpar, e sugerem continuar as pesquisas de novos materiais que possam ter maior sobrevida em restaurações múltiplas com ART.
O ART apresenta, portanto, inúmeras vantagens para a Odontopediatria e para alcançá-las é importante seguir o protocolo clínico com o intuito de obter os objetivos desejados (Figura 8).
Tratamento Restaurador Atraumático: ansiedade/medo e dor/desconforto
O que será que a literatura científica traz sobre a ansiedade/ medo e dor/desconforto relacionados ao Tratamento Restaurador Atraumático?
Para facilitar o entendimento do leitor, faz-se necessário definir ansiedade, medo e dor associados ao tratamento odontológico. Ansiedade pode ser descrita como um sentimento de apreensão em relação ao tratamento odontológico, mas não necessariamente a um estímulo específico22, enquanto medo odontológico é uma reação emocional normal a um ou mais estímulos ameaçadores referentes ao tratamento.23 Porém, ao se analisar a literatura observa- se que, em alguns casos, estes dois termos estão sendo utilizados como sinônimos, embora existam escalas específicas para medir cada um destes sentimentos.
No que se refere à dor/desconforto em relação ao tratamento odontológico, geralmente estes se iniciam na infância, como resultado de alguma experiência dolorosa ou de um atendimento realizado por um profissional não preparado.24
Considerando o ambiente odontológico e os procedimentos específicos realizados pelo dentista, é sabido que a agulha associada à anestesia local e o alta-rotação são os principais fatores indutores de medo. Uma vez que o ART é realizado apenas com o uso de instrumentos manuais, tanto para a abertura quanto para a limpeza da cavidade e a anestesia local é raramente empregada, esta abordagem parece ser uma excelente opção de manejo de lesões com cavidades em dentina em especial para pacientes infantis e/ou ansiosos, independentemente da idade.
Com o objetivo de testar o impacto do ART no manejo do comportamento considerando dor, ansiedade e medo, vários estudos foram conduzidos nos últimos anos e os principais resultados estão apresentados na Tabela 3.
Ao se analisar a Tabela 3, alguns pontos merecem destaque. O primeiro deles refere-se a pouca informação existente quanto ao impacto do ART em pacientes adultos, uma vez que apenas um estudo foi identificado no qual tal população foi investigada.25 Interessantemente, este estudo não só incluiu a população adulta como também trabalhou com dentistas do sistema de saúde pública da província de Gauteng, África do Sul. Isto implica dizer que, uma situação mais próxima da prática clínica real foi testada. Os resultados foram bastante positivos, uma vez que tanto crianças e adultos tratados por meio do ART em comparação ao método tradicional (alta-rotação e broca), apresentaram graus menores de ansiedade.
Todos os demais estudos referentes à ansiedade/medo foram conduzidos em crianças entre 6 e 7 anos de idade, com resultados que merecem ser analisados de maneira criteriosa. Observa-se que os ensaios clínicos nos quais os operadores eram odontopediatras, o ART não teve impacto na redução do grau de ansiedade das crianças.26,27 Entretanto, no estudo no qual o operador era dentista não especialista ou técnico em saúde bucal, os resultados mostraram que crianças tratadas por meio do ART eram menos ansiosas que as que receberam o tratamento convencional.26 Desta forma, estes achados parecem indicar que o treinamento do odontopediatra quanto ao manejo de comportamento do paciente sobrepõe à capacidade que o ART possui em reduzir o grau de ansiedade dos pacientes, o que não ocorre quando o dentista é um generalista. Embora mais estudos necessitem ser realizados para comprovar tal hipótese, pode-se inferir que o ART seja uma excelente escolha de abordagem para o Cirurgião-Dentista que se vê obrigado a atender uma criança de difícil manejo comportamental, sem que o mesmo tenha recebido treinamento para tanto.
Ainda considerando ansiedade/medo como desfecho final, um estudo no qual se comparou o ambiente em que o ART foi realizado trouxe dados muito interessantes.28 Neste estudo, as mesmas crianças foram tratadas por meio do ART na escola ou em consultório odontológico localizado em um hospital. A avaliação da ansiedade das mesmas mostrou que quando em ambiente de consultório, as crianças apresentavam-se mais ansiosas que quando tratadas na escola. Tal resultado indica que além da técnica, o local onde o tratamento é realizado parece também influenciar o comportamento do paciente infantil.
Quando a variável dor/ansiedade foi investigada, observou-se que em dois estudos os operadores eram odontopediatras.27,29 Em um deles o ART causou menos dor29, enquanto tal resultado não foi observado no outro.27 Acredita-se que esta diferença pode estar relacionada à idade das crianças incluídas. No primeiro estudo, foram tratadas também crianças de menor idade, indicando que o ART pode ser uma ótima escolha para atendimento da criança de mais tenra idade, uma vez que mesmo estas tendo sido atendidas por especialistas, o ART foi capaz de diminuir significativamente a dor em comparação ao tratamento convencional. Para todos os demais estudos, o uso da alta-rotação e broca foi reportado pelos pacientes como mais doloroso/desconfortável. Dentre estes estudos, destaca-se o realizado por van Bochove e van Amerogen (2006).16 Neste ensaio clínico, quatro grupos foram formados: ART sem o uso da anestesia local; ART com o uso da anestesia local; tratamento convencional sem o uso da anestesia local; e tratamento convencional com o uso da anestesia local. Os resultados indicaram que o ART sem o uso da anestesia local foi o procedimento que causou o menor desconforto, em contrapartida ao tratamento convencional com o uso de anestesia local, que foi reportado como sendo o mais desconfortável. Esta metodologia ressalta, ainda, um ponto importante relacionado ao ART e que, por vezes, é equivocadamente apresentado na literatura: o uso da anestesia local. Esta pode ser e deve ser utilizada junto à técnica nos casos de relato de dor durante a realização do procedimento. Porém, o que se observa na prática é a necessidade muito reduzida do uso da anestesia local quando a remoção de tecido cariado é feita somente com instrumentos manuais, o que pode ter levado à interpretação errada de alguns de que a anestesia local estaria contraindicada quando do emprego do ART.
Considerando tudo que foi apresentado neste tópico, pode-se concluir que o ART é capaz de diminuir o nível de ansiedade/medo dos pacientes quando o operador não é um especialista; que a dor/ desconforto é menor quando o ART é comparado ao tratamento convencional; e que mais estudos precisam ser realizados incluindo outras faixas etárias que não escolares.
Tratamento Restaurador Atraumático em pessoas com necessidades especiais
O problema da cárie dentária nas pessoas com necessidades especiais pode ser uma fonte de sofrimento adicional tanto para os pacientes como seus cuidadores (familiares ou responsáveis). Existem trabalhos publicados recentemente de revisão sistemática que indicam uma prevalência semelhante de cárie em pessoas com e sem deficiência, mas a principal diferença reside em um maior número de lesões não tratadas em pessoas com necessidades especiais.31,32
Há uma série de barreiras para o acesso deste grupo vulnerável aos serviços de saúde bucal, tanto em função da escassez de infraestruturas e serviços, bem como pelas deficiências nos sistemas de saúde e cobertura com seguro social. No entanto, foi também identificada uma baixa utilização dos serviços disponíveis pelos potenciais usuários, levando a repensar as estratégias para a prevenção e tratamento da cárie nesta população alvo.
Tendo fatores de acessibilidade superados, uma série de novos problemas relacionados à resolução das consequências da própria doença deve ser considerada. A este respeito, a oferta de tratamento odontológico de qualidade está associada à capacidade do paciente para aceitar o atendimento do profissional. Estas características são afetadas em uma percentagem significativa em pessoas com necessidades especiais. A infiltração anestésica, vibração e som dos instrumentos rotatórios, podem desencadear reações desproporcionais de incomodo no paciente, que terminam com a oposição e falta de colaboração ao tratamento. Além disso, a falta de coordenação motora da musculatura orofacial, força lingual e excessiva salivação sem deglutir (babar), comprometem o seguimento de um minucioso protocolo clínico, de procedimentos restauradores que requerem técnicas sensíveis, levando ao fracasso das restaurações no curto prazo. A realização destes procedimentos com ajuda farmacológica, tais como o uso de sedação ou anestesia geral, pode otimizar as condições da intervenção. No entanto, esses recursos apresentam algumas limitações em termos de custos e riscos de morbidade.
Uma revisão sistemática, com o objetivo de encontrar evidência científica relacionada com estratégias de prevenção e tratamento da cárie dentária em pessoas com deficiências, revelou a extrema escassez de estudos clínicos para desenvolver recomendações sobre este tema.33 Neste contexto, o ART tem sido proposto como uma alternativa preventiva e terapêutica eficaz para ultrapassar algumas das barreiras acima mencionadas, permitindo uma abordagem com recursos mais aceitáveis pelo paciente (por exemplo, o uso de instrumentos manuais para remoção de tecido cariado, evitando o estímulo negativo do uso de instrumentos rotatórios).
O comportamento clínico das restaurações com o uso do cimento de ionômero de vidro de alta viscosidade em pacientes com necessidades especiais foi relatado por Gryst e Mount em 174 pacientes com deficiência intelectual e/ou física.34 No referido estudo, não foi utilizado um protocolo padrão para o uso de técnicas de remoção de cárie e/ou para os materiais de restauração, relativizando os resultados obtidos para a elaboração de recomendações.
Um estudo clínico mais recente apresenta o ART como uma alternativa aceitável, viável e eficiente, em comparação com a abordagem de tratamento restaurador convencional (TRC), para o tratamento da lesão de cárie em pacientes com necessidades especiais, com percentagens de sobrevida para ambos os grupos de 97,8±1,0 e 90,5±3,2 (p=0,01) respectivamente.35,36 Em termos de aceitação, o ART foi escolhido pela maior percentagem de participantes, adicionando a vantagem de evitar o uso de instrumentos rotatórios. Estes estímulos desagradáveis de vibração e de ruído são intoleráveis em muitos pacientes com transtornos de ansiedade ou alterações neurológicas associadas com reações de espasmos ou dificuldades no controle da musculatura oral. Além disso, a possibilidade de evitar a infiltração anestésica foi percebida como mais um elemento a favor deste enfoque.
Em muitos casos, a opção pelo ART foi identificada como uma alternativa que poderia evitar a necessidade de anestesia geral para tratamento dentário. Esta observação é particularmente relevante em pacientes cujo risco médico leva a reconsiderar as causas de morbidade associadas a estes procedimentos. Além disso, estas razões fazem a abordagem mais atraente em relação ao ART, por promover a acessibilidade desta população aos serviços de saúde bucal geral, reduzindo os custos das intervenções.
É interessante notar que, neste estudo, a percepção de alguns participantes sobre o ART o relacionavam com tratamentos de qualidade inferior. Esta observação a partir da perspectiva dos prestadores de cuidados de saúde foi expressa em uma enquete realizada com especialistas internacionais dedicados à Odontologia e ao atendimento de pacientes com necessidades especiais. Neste estudo, 30% dos entrevistados atribuíram ao ART a categoria de "Odontologia de baixa qualidade", expondo um preconceito sobre essa abordagem que é transmitida para os pacientes.37 No entanto, é importante ressaltar a necessidade de desenvolver estudos clínicos que avaliem essas estratégias de tratamento para fornecer recomendações confiáveis para melhorar o acesso à saúde oral.
O ART é posicionado com o potencial de melhorar significativamente a experiência de tratamento odontológico, introduzindo o paciente a tratamentos restauradores menos agressivos. Pode-se também especular que o aumento de intervenções em estágios primários da lesão de cárie nesta população, poderia reduzir a necessidade de se referir a tratamentos com anestesia geral, reduzindo a morbidade e os custos associados a estes procedimentos. De qualquer forma, estes casos exigem uma análise detalhada de custo-benefício para quantificar os benefícios potenciais da implementação da intervenção.
CONCLUSÃO
Considerando as evidências apresentadas e discutidas neste trabalho, pode-se concluir que:
• Os selantes de ART apresentam desempenho clínico semelh
ante aos selantes resinosos;
• As restaurações de ART de Classe I apresentam desempenho similar às restaurações de amálgama;
• Não há informação suficiente sobre o desempenho das restaurações de ART de Classe II;
• Há carência de dados sobre as restaurações de ART em dentes anteriores;
• Há carência de dados sobre o tratamento com ART de pacientes submetidos a tratamentos de terapia intensiva.
Como consequência, a abordagem do ART pode ser usada:
• para prevenir e controlar a doença cárie pelas orientações aos pacientes e colocação de selante;
• para restaurar dentes decíduos com cavidades sem causar muita ansiedade e dor;
• na restauração de dentes com cavidades envolvendo uma face em dentes decíduos e permanentes;
• em lesões cariosas localizadas nas raízes dos dentes;
• em pessoas de todas as idades que apresentem ansiedade;
• no tratamento de pessoas com necessidades especiais;
• O ART aumentará o acesso e aliviará a inequidade nos cuidados orais em virtude desse tratamento poder ser realizado no consultório e fora dele.
PERSPECTIVAS DO TRATAMENTO RESTAURADOR ATRAUMÁTICO
Sugestões para uma nova agenda de pesquisa
Pesquisa Básica e Laboratorial
Novos desenvolvimentos de materiais
Melhorias nas propriedades mecânicas e biológicas dos materiais
Melhorias nos instrumentos manuais
Pesquisas Clínicas
Pesquisa sobre restaurações em dentes anteriores
Percentual de sucesso das restaurações de ART melhoradas
Comparação com outras técnicas ou abordagens Núcleo conjunto de resultados esperados Perspectivas dos pacientes em relação ao ART
Pesquisa na Comunidade, na Saúde Pública e nos Serviços de Saúde
Pesquisa com pacientes submetidos a tratamento de terapia intensiva Pesquisa em programa materno-infantis (gestantes e infantes) Pesquisa e aplicação dos produtos das pesquisas Barreiras para implementação do ART
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Endereço para correspondência:
Maria Fidela de Lima Navarro
Al. Octávio Pinheiro Brisola, 9-75
Vila Universitária - Bauru - SP
17012-901
Brasil
e-mail: mflnavar@usp.br
Recebido: jul/2015
Aceito: ago/2015