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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

versão impressa ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.70 no.2 Sao Paulo Abr./Jun. 2016

 

Artigo original (convidado)

 

Momento atual da Odontologia para Pessoas com Deficiência na América Latina: situação do Chile e Brasil

 

Current Status of the Dental Care Provided to Disabled People in Latin America: Chilean and Brazilian scenarios

 

 

Aida Sabbagh HaddadI; Elizabeth López TagleII; Vivian de Agostino Biella PassosIII

 

I Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial e em Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais, doutora em Diagnóstico Bucal/Radiologia pela Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo
II Mestrado em Saúde Pública - Chefe do Departamento de Saúde Bucal - Subsecretaria de Saúde Pública do Ministério da Saúde do Chile
III Doutora em Ciências da Reabilitação pelo Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo (HRAC-USP/Bauru-São Paulo) - Professora assistente nas disciplinas de Odontopediatria (incluindo Odontologia para PNE) e Dentística da Faculdade de Odontologia da Universidade do Sagrado Coração (USC), Bauru, São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

A saúde é um fator essencial para a qualidade de vida do ser humano. Baseado nesse fato a Convenção Internacional sobre os direitos das pessoas com deficiência da ONU aponta que as Pessoas em Situação de Incapacidade têm o direito de desfrutar o mais alto padrão atingível de saúde sem discriminação; assim, o estado deve tomar as medidas adequadas para garantir seu acesso aos serviços de saúde. No Chile 20% da população adulta apresenta algum grau de deficiência, ou seja, aquela que em relação ao seu desenvolvimento físico, mental, intelectual, sensorial ou outras condições, mostram restrições à participação plena e ativa na sociedade. Quanto à distribuição por gênero, as mulheres apresentam maior prevalência de pessoas com algum grau de deficiência em relação aos homens. No Brasil, aproximadamente 24% da população brasileira (45.606.048 de pessoas) apresenta algum tipo de deficiência, pelo menos uma das deficiências investigadas, incluindo as deficiências auditiva, física, visual, intelectual, transtorno do espectro autista, ostomias e mobilidade reduzida. Desses indivíduos, 25.800.681 de pessoas (56,5%) são mulheres e 19.805.367 (43,5%) são homens. De acordo com o estudo da situação global da pessoa com deficiência, a saúde bucal geralmente é ruim e o acesso a cuidados odontológicos é limitado. No Chile e no Brasil, cárie e doença periodontal, estão dentro das patologias orais de maior prevalência, que aumentam com a idade e que surgem de forma desigual, afetando principalmente população de periferia e de baixa renda. Assim, tanto o Chile como o Brasil têm desenvolvido projetos que visam contribuir para que a pessoa com deficiência consiga ser atendida em suas necessidades específicas na área da saúde bucal.

Descritores: pessoa com deficiência; saúde pública; saúde bucal.


 

ABSTRACT

Health care is an essential factor for the quality of life of human beings. Based upon this fact, information about the rights of disabled people presented by the WHO International Convention shows that people with disabilities must have the opportunity to access the highest level of health care without any prejudice. Furthermore, the State must guarantee such accessibility. In Chile 20% of the adult population presents some degree of disability; which means, a person who shows some limitation in regard to his/her physical, mental, intellectual, sensorial or other condition, and restricted participation in the society. In regard to the gender distribution, 14.8% of the man population and 24.9% of the woman population present some degree of deficiency. In Brazil, approximately 24.0% of the population (45.606.048 people) presents some deficiency (at least one of the searched deficiencies), including hearing, physical, visual, intellectual, autism disorder, ostomies and restricted mobility impairments. In this group, 25.800.681 people (26.5%) are women and 19.805.367 people (21.2%) are men. In general, according to the global assessment of the health condition of disabled people, their oral health is poor and their access to dental care is limited. Then, Chile and Brazil have developed projects to specifically contribute to the oral health of disable people. In this direction, Brazil has formulated public policies to guarantee autonomy and wider support of the health system, and of the education and work systems as well, improving the quality of life of disabled people.

Descriptors: disabled people; public health care; oral care.


 

RELEVÂNCIA CLÍNICA

Divulgar e correlacionar a atual situação do atendimento odontológico, em nível da política pública nacional de saúde, nas pessoas com deficiência no Chile e no Brasil.

 

INTRODUÇÃO

A Organização Mundial de Saúde (OMS) afirma que uma sociedade inclusiva garante espaços sociais para todas as pessoas, fortalecendo atitudes de aceitação das diferenças individuais e coletivas, e enfatiza a importância do pertencer, da convivência, cooperação e contribuição de todos para uma vida mais justa, saudável e igualitária. Esse processo democrático constitui-se no reconhecimento de que todos os seres humanos são livres, iguais e têm o direito de exercer plenamente sua cidadania. Dessa forma, a inclusão social é o direito de todos os seres humanos ao lado da educação e da saúde. A Organização Mundial de Saúde define a saúde como "um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não meramente a ausência de doença ou enfermidade". Assim, a saúde é um fator preponderante na qualidade de vida das pessoas. Neste contexto, a Convenção Internacional sobre os direitos das pessoas com deficiência da ONU aponta que as Pessoas em Situação de Incapacidade (PESI), têm o direito de desfrutar o mais alto padrão atingível de saúde sem discriminação, portanto, o estado deve tomar as medidas adequadas para garantir o acesso aos serviços de saúde, incluindo a promoção, prevenção, tratamento, habilitação, reabilitação e atenção para a situação de dependência; deve garantir o acesso das pessoas em situação de incapacidade (PESI) ao sistema de saúde em condições de igualdade, em comparação com o resto da população e avaliar o atual acesso dos mesmos aos serviços de saúde, tanto no que diz respeito a acessibilidade da infraestrutura, como aos serviços públicos e privados.1

No Chile, a lei nº 20.422 promulgada em 2010 e modificada em 20152 assinalam que "a prevenção de incapacidades e reabilitação constituem uma obrigação do Estado e, além disso, um direito e um dever às pessoas com deficiência, suas famílias e da sociedade como um todo." Essa lei é baseada no desenho e implementação de ações destinadas a melhorar o acesso à saúde e reabilitação das PESI, de maneira coordenada, descentralizados e com elevados padrões técnicos.

De acordo com o II Estudo de Incapacidade Nacional3, no Chile 20% da população adulta apresenta algum grau de deficiência, entendendo-se como uma pessoa em situação de incapacidade, PESI, aquela que, em relação ao seu desenvolvimento físico, mental, intelectual, sensorial ou outras condições, ao interagir com diferentes barreiras contextuais, atitudinais e ambientais, mostram restrições à participação plena e ativa na sociedade. Aproximadamente 8,3% da população maiores de 18 anos de idade têm graves problemas em seu desempenho (deficiência grave) e aproximadamente 11,7% apresentam deficiência de leve a moderada. Em relação à distribuição por gênero, 14,8% dos homens e 24,9% das mulheres têm algum grau de deficiência (Gráfico 1).

A situação de incapacidade está intimamente relacionada com o envelhecimento das pessoas e sua renda e, afeta em maior proporção as mulheres. Assim, pode ser visto no (Gráfico 2) que quanto maior a renda familiar per capita, menor a porcentagem da população adulta em situação de deficiência.3

 

 

 

 

 

Com relação a sua dependência funcional, 40,4% das PESI declararam ter extrema dificuldade ou incapacidade de realizar tarefas básicas de vida diária, ou que devem receber ajuda com alta frequência (muitas vezes ou sempre). Do total das pessoas em situação de incapacidade, 41,2% deles têm um cuidador3, dentro ou fora de casa, sendo este em 73,9% do sexo feminino.

Saúde bucal

De acordo com o estudo da situação global da deficiência, a saúde bucal de muitas pessoas em situação de incapacidade é ruim e o acesso a cuidados odontológicos é limitado.4 A Academia Americana de Odontopediatria considera que pessoas em situação de deficiência tem maior risco de desenvolver doenças bucais.5 O aumento do risco de cárie está relacionado com a dificuldade de manter adequada higiene oral, uso frequente de drogas açucaradas e consumo inadequado de alimentos cariogênicos.6 Além disso, pessoas com deficiência intelectual e funcionamento social, tem geralmente pior nível de higiene oral e controle de placa bacteriana, o que se traduz em doença periodontal.7

No Chile, cárie e doença gengival e periodontal, estão dentro das patologias orais de maior prevalência, que aumentam com a idade e que surgem em forma desigual, afetando principalmente população de maior ruralidade e de baixa renda.8

A desigualdade na saúde bucal é maior em pessoas com deficiência, pois elas e suas famílias experimentam ainda, um maior nível de pobreza e menos oportunidades de educação, emprego e independência em relação à população em geral.9 As PESI têm menos dentes, mais elementos dentais sem tratar e mais doença gengival em comparação com a população.6 Isto tem um efeito negativo significativo do ponto de vista da dor e o sofrimento que causam; a perda da capacidade funcional e qualidade de vida trazem como consequência implicações importantes para a nutrição, comunicação, confianças em si mesmos e, em geral, a sua participação e inclusão na sociedade.

Boa parte da necessidade de tratamento odontológico das PESI pode ser evitada. A prestação de cuidados curativos é onerosa, tanto para o estado como para a família, razão pela qual é fundamental a entrega de ferramentas educacionais para a promoção da saúde e a inserção de intervenções preventivas.10

Políticas públicas de saúde bucal

Chile tem priorizado a saúde bucal em suas políticas públicas. Os objetivos sanitários definidos pelo Ministério da Saúde especificam os desafios e estratégias para lidar com eles de forma justa e eficiente. No início da década 2011-2020, foi estabelecido como alvo na saúde bucal "prevenir e reduzir a morbilidade bucal de maior prevalência em crianças abaixo dos 20 anos, com destaque para os mais vulneráveis". Os objetivos para este período são relacionados com o aumento de crianças de 6 anos livres de cáries e com a redução dos danos por cárie em adolescentes com idade de 12 anos, centrando-se esses objetivos na população saudável e na diminuição da lacuna de desigualdade em saúde oral.11

Uma das principais estratégias propostas para atingir as metas de saúde descritas é o Modelo de Intervenção Promocional e Preventiva de Doenças Orais, para a instalação precoce dos hábitos de higiene e alimentação saudável em crianças envolvidas no sistema de educação pré-escolar e escolar e, o reforço do componente da saúde bucal no modelo de atenção integral focado na família e na comunidade.

Este modelo, como se observa na tabela 1, considera nove estratégias que são desenvolvidas nas áreas de ação em educação e saúde, reconhecendo que a ação intersetorial é essencial para alcançar resultados sustentáveis em saúde. O âmbito de ação em estratégias de ensino é desenvolvido em estabelecimentos de educação pré-escolar, enquanto as estratégias de ação de saúde desenvolvidas nos estabelecimentos sanitários se integram no modelo de saúde integrado baseados na família e na comunidade.

As estratégias definidas no campo da educação são cinco e descritas a seguir:

1. Promover hábitos saudáveis, com ênfase na alimentação e higiene: visa incorporar hábitos saudáveis de alimentação e higiene oral nas atividades diárias das crianças em educação infantil, definindo, promovendo o consumo de água potável e monitorando a escovação de dentes nos espaços apropriados.

2. Instalar o apropriado uso de fluoretos como proteção específica de cárie: uso diário de pasta dental e a aplicação semestral de verniz de flúor em crianças que frequentam estabelecimentos de educação pré-escolar.

 

 

 

3. Melhoria da saúde bucal das pessoas responsáveis pelo cuidado de crianças pequenas: inclui atenção dental do pessoal educador a fim de lhes permitir recuperar sua saúde bucal, quando eles a perderam.

4. Promover o autocuidado da saúde bucal em comunidades educativas através da participação na concepção do programa a nível local: incentivar o trabalho integrado dos setores da educação e da saúde a nível local com a finalidade de programar as estratégias do modelo.

5. Integrar os pais e encarregados da educação das crianças no cuidado dos seus dentes: visa promover o trabalho do educador e do pessoal de saúde com as famílias de crianças que frequentam as escolas na primeira infância, a fim de motivar e conseguir compartilhar a responsabilidade de cuidar da saúde bucal infantil.

O âmbito da ação em saúde considera quatro estratégias, integradas ao modelo de atenção integral, com abordagem de família e comunidade. As estratégias são as seguintes:

1. Promover a saúde bucal desde a gravidez: considera cuidar da saúde bucal da mulher grávida e a entrega de ferramentas, permitindo- a se sentir capaz de cuidar da saúde bucal da sua criança. Esta estratégia corresponde a uma Garantia Explícita em Saúde (GES), em vigor desde 2010.12

2. Promover a incorporação do componente de saúde bucal na supervisão da criança: visa integrar a saúde bucal em controles de saúde do filho que têm como objetivos promover a saúde da criança de uma forma abrangente e detectar precocemente e prontamente o risco de desenvolver qualquer anomalia ou doença que possa ocorrer.13 Esta estratégia considera a formação em saúde bucal dos trabalhadores que realizam os controles de saúde da criança.

3. Instalar o uso apropriado de proteção específica para patologias bucais mais prevalentes de acordo com o risco: considera a avaliação antecipada do risco de desenvolvimento de patologias bucais para instalação de medidas específicas de prevenção, antes que o dano ocorra. Esta estratégia incorpora o atendimento odontológico completo às crianças de 6 anos de idade, o que corresponde a uma Garantia Explícita de Saúde (GES) existente desde 20059 e controles odontológicos em idades mais jovens.

4. Instalar a vigilância e manutenção no controle da população em risco de adquirir a doença: visa definir uma população atribuída a uma equipe de saúde para planejar ações de saúde de acordo com suas necessidades e determinantes sociais, gerenciando a demanda e a capacidade de resposta em alcançar um melhor estado de saúde dessa população.14

Por outro lado, no Chile, desde 1996 é usada a fluoretação da água potável, como medida de saúde pública rentável para a prevenção da cárie dentária. Ela está atualmente presente em 14 regiões do país, cobrindo aproximadamente 83% da população urbana, isto é, aproximadamente 12.700.000 pessoas. Em áreas rurais, desde 2004, o programa de alimentação escolar incorporou o leite fluoretado (PAE/F), destinadas às escolas rurais de 1° ao 8° ano do ensino básico. Atualmente este programa beneficia 243 cidades em 11 regiões, com um total aproximado de 3.635 escolas abrangendo 170.263 crianças.

Atualmente, o Chile garante acesso, oportunidade e proteção financeira, por lei, para atendimento odontológico completo às crianças até 6 anos de idade, mulheres grávidas, adultos de 60 anos ou mais e, a emergência dentária considerada entre as 80 patologias do regime de Garantias Explícitas em Salud (GES). Estas garantias constituem direitos para as pessoas que devem ser outorgados pelo sistema de saúde e cujo tratamento deve ser efetuado cada vez que for diagnosticada qualquer uma das patologias incluídas obedecendo aos requisitos que são estabelecidos para cada uma delas. Além disso, desde o nascimento e até os 9 anos, uma equipe de saúde executa dentro do controle da saúde da criança, uma avaliação bucal, onde pode ser acessado o programa de atendimento odontológico aos 2 anos e aos 4 anos.

A presidenta Michelle Bachelet incluiu a Saúde Bucal dentro de seu programa de governo 2014-2018, incorporando o atendimento odontológico orientado às mulheres vulneráveis de 15 anos ou mais, beneficiárias do Sistema Público de Saúde (Programa Mais Sorrisos para o Chile); jovens do 4º ano do ensino médio em escolas municipais, além de um programa de promoção e prevenção destinado às crianças de 2 a 5 anos, desenvolvido em instituições pré-escolares dependentes do Estado, Conselho Nacional de Jardins de infância - JUNJI-, Fundação Integra e Escolas Municipalizadas (Programa Semeando Sorrisos).

Considerando que a população do Chile em 2015 era de 18.105.371 habitantes, o Sistema de Saúde Pública, de acordo com os registros do departamento de estatísticas e informações do Ministério da Saúde, foi informado que 1.630.000 de pessoas tiveram acesso a atendimento odontológico integral, 420.000 pessoas foram atendidas por emergência odontológica y 3.000.000 de pessoas foram atendidas por alguma necessidade odontológica específica (morbilidade).

Progresso e desafios dos cuidadosda saúde bucal das PESI

A partir do ano de 2005, na rede de saúde pública, tem sido aplicada uma maior cobertura de atendimento odontológico integral às pessoas com deficiências individuais, considerando os níveis de medo ou ansiedade que podem ocorrer. Duas instituições de Saúde desenvolvem um Programa de atendimento odontológico sob sedação, no qual a equipe foi formada para executar a técnica e, além disso, elaborar e publicar a Normativa do controle da ansiedade no atendimento odontológico. A primeira edição foi publicada em 2005 e outras em 2007 e 2015, coletando evidências e a experiência dos serviços de saúde. Dentro das indicações para o uso de sedação para o tratamento dentário em Odontopediatria, a falta de cooperação para o atendimento por parte do paciente, devido à deficiência física ou cognitiva, é uma das principais causas para a indicação da sedação; assim, esse documento tem permitido orientar as equipes de saúde para fornecer um serviço acolhedor, amigável e com a melhor tecnologia possível.

Durante o ano de 2012, o Ministério da Saúde publicou o Guia da Clínica de Saúde Bucal Integral para indivíduos menores de 20 anos, com deficiência e que necessitam de cuidados odontológicos especiais. Este guia, que foi preparado por um grupo de especialistas, fornece recomendações com base na melhor evidência disponível para ser uma referência ao atendimento odontológico integral de pessoas abaixo dos 20 anos, em situação de deficiência, com transtornos de movimentação ou dificuldade para seguir ordens simples e que são atendidos nos estabelecimentos públicos e privados do país.16

A tabela 2 apresenta o fluxograma da modalidade de atenção para pessoas abaixo dos 20 anos de idade em situação de incapacidade16 que está contida no guia.

Além disso, no mesmo ano 2012, foi estabelecido pelo Fondo Nacional de Salud (FONASA), um mecanismo de pagamento compreendendo benefícios odontológicos a nível hospitalar aos pacientes com incapacidades, através do Programa de Benefício Valorizado (PPV). Isso permite ao estabelecimento do nível secundário de saúde, conceder, agendar e negociar o número de benefícios anualmente. Durante o primeiro ano de funcionamento do programa foi possível realizar o tratamento odontológico sob anestesia geral para 397 PESI e cuidados dentários convencionais em ambulatório para 3.256 PESI. Esses números têm aumentado ao longo do tempo onde foram atendidos 599 casos sob anestesia geral e 4.158 ambulatorialmente, no ano de 2014.

Para acessar esses benefícios os destinatários devem pertencer a FONASA, ter menos de 20 anos de idade e apresentar uma condição de deficiência que impeça seu atendimento em forma tradicional. Existem três tipos de benefícios em PPV:

• Prevenção dentária para crianças em situação de deficiência: essa atenção considera educação preventiva de saúde bucal, avaliação através do exame da saúde bucal do indivíduo, duas aplicações de verniz de flúor ao ano e a entrega de duas escovas e um creme dental.

 

 

 

• Atendimento odontológico na cadeira odontológica em crianças com deficiência: considera além da prevenção, o tratamento reabilitador ambulatorial. Inclui a aplicação de selantes e flúor verniz duas vezes no ano, entrega de duas escovas e creme dental, remoção de tártaro e polimento coronário, restaurações, endodontia e extrações se necessário.

• Atendimento odontológico sob sedação em crianças com deficiência: corresponde ao cuidado dental preventivo e reabilitador em ambiente hospitalar. Além dos benefícios acima mencionados, inclui exames laboratoriais se for necessário, para maior segurança neste tipo de tratamento odontológico.

Em 2013, o Ministério da Saúde publicou o Guia de Higiene Bucal em pessoas com deficiência: dicas aos cuidadores, onde proferiu recomendações para facilitar os cuidados de saúde bucal em casa, dando conselhos aos cuidadores para manter uma boa higiene bucal da pessoa em situação de deficiência.17

Em termos de educação e treinamento do recurso humano na rede de saúde, a partir do ano de 2014, o Servicio Nacional de Discapacidad (SENADIS), em conjunto com o Ministério da Saúde e da Universidade do Chile, desenvolveu um projeto de treinamento teórico e prático aos Cirurgiões-Dentistas e assistentes dentários da rede de saúde pública, em cuidados especiais às PESI, incluindo as famílias e seus cuidadores no referido processo. Assim, já foram treinados Cirurgiões-Dentistas e assistentes dentários em nove regiões do país. Espera-se completar 15 regiões em 2016, com o objetivo de fornecer ferramentas para um maior número de profissionais odontológicos, os quais orientados possam cuidar da saúde de PESI e, portanto, melhorar o acesso ao atendimento odontológico em todo território nacional.

O Ministério da Saúde, consciente da necessidade de fortalecer a formação dos Cirurgiões-Dentistas em cuidados odontológicos secundários, das PESI, financiou o diploma de atendimento odontológico para Pacientes que Necessitam de Cuidados Especiais, ministrado pela Faculdade de Odontologia da Universidade do Chile. Assim, 14 profissionais foram orientados cujo objetivo foi formar uma grande rede no Chile que possa responder a essa necessidade de atenção odontológica, a partir do ano de 2015.

Para contar com informações sobre cuidados dentários das PESI no sistema público de saúde, a partir do ano 2015, foram registradas todas as atividades odontológicas, preventivas e curativas, identificando se as pessoas estão em situação de incapacidade; esse registro tem a finalidade de quantificar o acesso aos cuidados de saúde primária, o uso de serviços odontológicos e tipo de consultas executadas, para uma melhor gestão dos cuidados odontológicos oferecidos. De acordo com o levantamento estatístico, no ano 2015 foram realizadas 36.913 atividades sob os cuidados de saúde primárias, 1.081 atendimentos odontológicos integrais (preventivo-curativo) e 134 consultas de emergências dentárias. Do total de pacientes atendidos, 26% apresentaram-se no momento do exame, livres de cáries.

No Chile, a saúde bucal das pessoas em situação de deficiência foi progressivamente incorporada na política nacional de saúde, visando melhorar o acesso ao atendimento odontológico das PESI, com programas que vão desde a promoção até a reabilitação da saúde bucal. No entanto, a cobertura ainda é baixa, e nem todas as pessoas que mais precisam podem acessar esta atenção em todas as regiões do país.

Um dos grandes desafios que temos como país, é desenvolver as políticas públicas inclusivas. O "Plan Nacional de Salud Bucal", que está sendo construído para os próximos 15 anos, tem considerado a elaboração participativa e intersetorial, considerando ainda a definição dos seus eixos estratégicos e a incorporação da saúde bucal de pessoas com deficiência, não só no campo do tratamento curativo, mas essencialmente no preventivo e promocional para a inclusão social, com foco sobre as determinantes sociais e as necessidades de saúde de todas as PESI.

Odontologia para Pessoas com Deficiência no Brasil

Com a Declaração dos Direitos das Pessoas com Deficiências, promulgada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), por meio da Resolução n° 542 de 9 de dezembro de 1975, ficou estabelecido em seu Art. 6 que as pessoas com deficiência teriam direito a tratamento médico, psicológico e funcional, reabilitação médica e social, além de outros serviços que garantissem seu processo de integração social, solicitando aos Estados Membros a adoção de medidas nacionais e internacionais de apoio e proteção a esses indivíduos.18

A Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 1988 criou vários dispositivos relacionados aos direitos das pessoas com deficiência, atribuindo em seu Art. 23, inciso II, ser responsabilidade da União, Estados e Municípios a assistência à saúde, proteção e garantia de direitos.19

A Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência promulgada pelo Estado brasileiro, por meio do Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 200920, estabeleceu a acessibilidade como foco principal para a garantia dos direitos oferecidos às pessoas com deficiências e apresentou como definição que "pessoa com deficiência (PcD) é aquela que tem impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas" (Art. 1°).

Nessa trajetória o Brasil tem dado maior atenção à formulação de políticas públicas que garantem autonomia e ampliação do acesso à saúde, educação e trabalho, melhorando a qualidade de vida das pessoas com deficiência. Em 17 de novembro de 2011 foi lançado o Plano Viver sem Limite: Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Decreto N° 7.612)21, em que o Ministério da Saúde, juntamente com mais 16 Ministérios, instituiu a Rede de Cuidados à Saúde da Pessoa com Deficiência no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS, estabelecendo diretrizes para o cuidado às pessoas com deficiência temporária ou permanente, progressiva, regressiva ou estável, intermitente ou contínua. O Plano Viver sem Limite apresenta como diretrizes: garantia de um sistema educacional inclusivo; garantia de equipamentos públicos de educação acessíveis às PcD, inclusive por meio de transporte adequado; ampliação da participação das PcD no mercado de trabalho, mediante capacitação e qualificação profissional; ampliação do acesso das PcD às políticas de assistência social e de combate à extrema pobreza; prevenção das causas de deficiência; ampliação e qualificação da rede de atenção à saúde da PcD, em especial os serviços de habilitação e reabilitação; ampliação do acesso das PcD à habitação adaptável e com recursos de acessibilidade; promoção do acesso do desenvolvimento e da inovação em tecnologia assistida.

Para a Odontologia no Brasil, o Plano Viver sem Limite estabelece: aumento em 20% no financiamento do SUS para 420 Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs) para atendimento às PcD; adequação física e aquisição de equipamentos para 27 centros cirúrgicos em hospitais gerais; além de capacitação para equipes de saúde bucal por meio da qualificação de seis mil e seiscentos profissionais da Odontologia do serviço público brasileiro para atendimento de PcD.21

Com essa iniciativa foi implementada a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência (Portaria N° 793, de 24 de abril de 2012)22, com a criação, ampliação e articulação de pontos de atenção à saúde para PcD, no âmbito do SUS. Essa rede contempla a Atenção Básica; Atenção Especializada em Reabilitação Auditiva, Física, Intelectual, Visual, Ostomia e Múltiplas Deficiências; e Atenção Hospitalar e de Urgência e Emergência. Surge então o desafio de promover acesso qualificado à saúde para todos, tendo a equidade como estratégia no sentido de acolher diferenças e contornar desigualdades.

No âmbito da saúde bucal, a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência22 se propõe a garantir o atendimento odontológico qualificado a todos os indivíduos que apresentem algum tipo de deficiência, devendo esse atendimento ser iniciado na atenção básica, que referenciará para a atenção especializada (Centro de Especialidades Odontológicas-CEO) ou atenção hospitalar (Atendimento odontológico sob anestesia geral).

Dessa forma, a Portaria Ministerial N° 1.341 de 29/06/2012 criou incentivos adicionais para os CEO que fizerem parte da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência (RCPD).23 Todos os CEO credenciados pelo Ministério da Saúde (MS) podem solicitar o incentivo adicional. Os incentivos são da seguinte ordem:,

• R$ 1.650,00 mensais para o CEO Tipo I (mínimo de 3 CD)

• R$ 2.200,00 mensais para o CEO Tipo II (mínimo de 4 CD)

• R$ 3.850,00 mensais para o CEO Tipo III (mínimo de 7 CD)

Atualmente são 915 CEOs distribuídos em 759 municípios brasileiros, que oferecem serviços especializados como tratamento endodôntico, cirurgia oral menor, periodontia, diagnóstico bucal (ênfase para câncer bucal), colocação de implantes e tratamento ortodôntico. Esses centros integram a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência do Ministério da Saúde. No Brasil, de acordo com o IBGE (2010)24, aproximadamente 24% (45.606.048) da população brasileira apresenta algum tipo de deficiência (pelo menos uma das deficiências investigadas), incluindo as deficiências auditiva, física, visual, intelectual, transtorno do espectro autista, ostomias e mobilidade reduzida. Desses indivíduos, 25.800.681 (56,5%) são mulheres e 19.805.367 (43,5%) são homens. Vários são os tipos de deficiência, sendo a deficiência visual a mais prevalente, afetando 18,75% da população brasileira. Em segundo lugar apresenta-se a deficiência física/motora, ocorrendo em 6,95% da população, seguida da deficiência auditiva, em 5,09% e deficiência mental ou intelectual, em 1,40%. Ainda, observou-se que 8,3% da população brasileira apresentava pelo menos um tipo de deficiência severa, sendo 3,46% com deficiência visual severa, 1,12% com deficiência auditiva severa, 2,33% com deficiência motora severa e 1,4% com deficiência mental ou intelectual severa. Das 45.606.048 pessoas com deficiência 1,6% são totalmente cegas, 7,6% são totalmente surdas, 1,62% não conseguem se locomover.

A relação das pessoas com deficiência no Brasil por modalidade e graus de dificuldade está demonstrada na tabela 1.

As dificuldades associadas aos tratamentos de saúde para pessoas com deficiências são reconhecidas, principalmente no que se refere à Odontologia. Dessa forma buscam-se estratégias para prover cuidados odontológicos a esses indivíduos, no âmbito do serviço público e de instituições que prestam atendimentos a essa população. Espera-se, desse modo:

1. Fornecer subsídios para instruir entidades e profissionais interessados no estabelecimento de rotinas de atendimento a PcD.

2. Aprimorar os serviços das entidades e profissionais que já disponibilizam esses atendimentos em suas unidades.

3. Repercutir e fomentar entre as entidades que não disponibilizam esses serviços, que a Odontologia deve ser encarada como uma especialidade clínica primordial no processo de reabilitação das PcD.

Em 2004, o Ministério da Saúde lançou as diretrizes da política nacional de saúde bucal conhecida como Brasil Sorridente25, visando à organização da saúde bucal no âmbito do SUS e assumindo o compromisso de qualificar a atenção básica, por meio de uma política de educação permanente para as equipes de saúde bucal e do incentivo à resolução dos problemas dos usuários, dando suporte à atenção integral à saúde e às necessidades dos diferentes grupos populacionais, na perspectiva da universalidade, integralidade e equidade da atenção. A política determina que o atendimento odontológico deva ocorrer em todas as esferas da Rede de Atenção à Saúde (RAS) do SUS: Atenção Básica e Atenção Especializada, seja ambulatorial ou hospitalar, compreendendo ações da atenção domiciliar e de urgência. Como princípio da atenção à saúde bucal das pessoas com deficiência no SUS, a organização do cuidado na Rede de Atenção à Saúde também deverá ser de forma integral, compreendendo todas as esferas de atenção, visando a expansão do acesso e reduzindo a segmentação entre serviços assistenciais e fragmentação do cuidado à saúde.

As Redes de Atenção à Saúde configuram-se como mecanismo de articulação entre os pontos de atenção à saúde, potencializando a assistência ao paciente, por meio do cuidado compartilhado, de forma horizontal, promovendo a corresponsabilização dos casos pelas equipes de saúde, envolvendo em certo território as equipes de atenção básica, equipes hospitalares, Unidades de Pronto Atendimento (UPA) e equipes ambulatoriais especializadas.26

O cuidado em saúde bucal, na atenção básica, estabelece a necessidade de se ampliar a oferta e qualidade dos serviços prestados, aumentando a resolutividade do cuidado e incluindo ações de acolhimento humanizado. Deve ser o ponto de entrada principal do usuário do SUS, garantindo a universalidade do acesso e cobertura universal da pessoa com deficiência. Os serviços de saúde devem ter acessibilidade e também pessoal capacitado e treinado para o atendimento odontológico da PcD.27 A equipe de saúde deve trabalhar para aumentar a autonomia e estimular práticas de autocuidado por pacientes, famílias e comunidades.25

É responsabilidade da Equipe de Saúde Bucal (ESB) acolher as PcD de acordo com sua competência de ação e escopo, prestando assistência às queixas, encaminhando para realização de exames complementares e para unidades de atenção especializada somente quando necessário. Além disso, devem orientar familiares e cuidadores para que os mesmos possam tornar-se colaboradores no processo de cuidado das PcD que necessitam de atendimento em saúde bucal.28

O Diário Oficial da União publicou em 7 de janeiro a Resolução n° 167, de 15 de dezembro de 2015, do Conselho Federal de Odontologia29, determinando que os Conselhos Regionais orientem os profissionais sob sua jurisdição a cumprirem as regras estabelecidas pela Lei Federal 13.146/2015 para atendimento prioritário à pessoa com deficiência. Em seu Art. 2° define que nas clínicas e nos consultórios odontológicos, tanto no âmbito privado como no público, deverá ser priorizado o agendamento às pessoas com necessidades especiais ou que tiverem sua mobilidade reduzida. O atendimento preferencial e obrigatório constitui-se na atenção imediata em todos os níveis de serviço de saúde, sendo importante que o profissional priorize o agendamento e atendimento desses pacientes em relação aos demais que não possuem deficiência ou mobilidade reduzida.

De acordo com a Política Nacional de Saúde Bucal25, buscam-se duas formas de inserção transversal da saúde bucal: por linhas de cuidado (reconhecimento de especificidades próprias da idade, podendo ser trabalhada como saúde da criança, do adolescente, adulto e idoso) e por condição de vida (saúde da mulher, do trabalhador, das pessoas com deficiência, hipertensos, diabéticos, dentre outras). Representa um novo espaço de práticas e relações a serem construídas com possibilidades de reorientar o processo de trabalho e inserção da saúde bucal no âmbito dos serviços de saúde. As maiores possibilidades de ganhos situam-se nos campos do trabalho em equipe, das relações com os usuários e da gestão, implicando uma nova forma de se produzir o cuidado em saúde bucal.25

 

DISCUSSÃO

A deficiência faz parte da condição humana tornando-a com necessidades especiais. Quase todas as pessoas terão uma deficiência temporária ou permanente em algum momento de suas vidas, e aqueles que sobreviverem ao envelhecimento enfrentarão dificuldades cada vez maiores com a funcionalidade de seus corpos. Segundo o Relatório Mundial sobre a Deficiência, publicado em 2011 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de um bilhão de pessoas convivem com algum tipo de deficiência. É considerada uma questão de direitos humanos, porque essas pessoas enfrentam desigualdades, por exemplo, quando não têm acesso igualitário aos serviços de saúde, educação, emprego ou participação política em função de sua deficiência.

No Chile 20% da população adulta apresenta algum grau de deficiência, ou seja, com alteração no seu desenvolvimento físico, mental, intelectual, sensorial ou outras condições; no Brasil aproximadamente 24% da população brasileira apresenta algum tipo de deficiência (pelo menos uma das deficiências investigadas), incluindo as deficiências auditiva, física, visual, intelectual, transtorno do espectro autista, ostomias e mobilidade reduzida. Embora as diferenças populacionais na porcentagem de deficiências entre os dois países não sejam grandes, devemos observar que a avaliação realizada no Chile inclui outras condições sem enumerá-las e, ainda alterações mentais as quais não foram avaliadas no Brasil. Já no Brasil foram incluídos transtorno do espectro autista, ostomias e mobilidade reduzida às quais não foram especificadas no Chile.

Quanto ao gênero das pessoas com algum grau de deficiência, tanto no Chile como no Brasil as mulheres apresentam maior prevalência em relação ao gênero masculino.

A prevalência das pessoas com deficiência consideradas no Brasil pelo IBGE24 na verdade são inferiores aquelas que são observadas pelo Cirurgião-Dentista na prática diária e que necessitam de atenção e cuidados especiais pelo profissional no seu atendimento odontológico; assim, a especialidade Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais, reconhecida pelo Conselho Federal de Odontologia desde 2001, abrange indivíduos com deficiência intelectual, física, anomalias congênitas, distúrbios comportamentais, transtornos psiquiátricos, distúrbios sensoriais e de comunicação, doenças sistêmicas crônicas, doenças infectocontagiosas e condições sistêmicas.30

A literatura científica no que se refere à Odontologia aponta que a saúde bucal das pessoas com deficiência apresenta principalmente, uma alta incidencia das doenças cárie e periodontal. As dificuldades associadas aos tratamentos de saúde para pessoas com deficiências são reconhecidas; se inicia pela ausência da disciplina de Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais na graduação, na maioria das faculdades de Odontologia do Brasil havendo, portanto uma lacuna na formação de Cirurgiões-Dentistas aptos a esse atendimento. Assim, cursos de capacitação e de especialização nessa área são extremamente importantes ao aprimoramento do profissional para atender o grande contingente de pessoas com deficiência, pois atualmente, de acordo com os dados do CFO somente 582 especialistas em Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais em todo o Brasil foram registrados, para atenderem aproximadamente 24,5% da população brasileira.

Boa parte da necessidade de tratamento odontológico das pessoas com deficiência pode ser evitada. A realização de procedimentos odontológicos curativos e reabilitadores são onerosos, tanto para o estado como para a família, razão pela qual é fundamental a entrega de ferramentas educacionais para a promoção da saúde e a inserção de intervenções preventivas.10

Por outro lado, há a necessidade de buscar estratégias para prover cuidados odontológicos a esses indivíduos não só no âmbito privado, mas principalmente no âmbito do serviço público e de instituições que prestam atendimentos a essa população. Nesse sentido, é de alta relevância que o Chile através do Ministério da Saúde tem priorizado a saúde bucal das pessoas com deficiência onde especificaram estratégias de 2011 a 2020, estabelecendo como alvo "prevenir e reduzir a morbilidade bucal de maior prevalência em indivíduos com idade abaixo dos 20 anos, com destaque para os mais vulneráveis". Em 2012 foi publicado um Guia da Clínica de Saúde Bucal Integral para indivíduos menores de 20 anos com deficiência e o Fundo Nacional de Saúde estabeleceu um mecanismo de pagamento para benefícios odotológicos em nível hospitalar para pessoas com deficiência; finalmente entre as ações à pessoa com deficiência, o Ministério da Saúde do Chile estabeleceu um modelo de intervenção de promoção da saúde e prevenção de enfermidades bucais integradas ao modelo de atenção integral, com abordagem da família e comunidade.

No Brasil a Constituição promulgada em 1988 criou vários dispositivos relacionados aos direitos à assistência da saúde das pessoas com deficiência. Nessa trajetória os órgãos governamentais no âmbito da Odontologia têm formulado políticas públicas ampliando o acesso das pessoas com deficiência à saúde bucal, dentro do Sistema Único de Saúde – SUS; esse atendimento odontológico qualificado estabelece diretrizes para o cuidado dessa população, o qual deve ser iniciado na atenção básica, que referenciará à atenção especializada (Centros de Especialidades Odontológicas-CEO) ambulatorial ou hospitalar sob anestesia geral, compreendendo ações da atenção domiciliar e de urgência. O cuidado em saúde bucal na atenção básica deve ser o ponto de entrada principal do usuário do SUS o qual tem a necessidade de se ampliar a oferta e qualidade dos serviços prestados. Os CEOs embora estejam presentes em 759 municípios brasileiros ainda são insuficientes para o atendimento da grande população dos indivíduos com deficiência.

É de suma importância considerar ainda que o atendimento odontológico das pessoas com deficiência, tanto no setor público como no privado deverá ser realizado com a participação de uma equipe multiprofissional e/ou multidisciplinar visando alcançar as melhores condições possíveis em sua saúde bucal e geral.

 

CONCLUSÃO

O Brasil e Chile, apesar de que as suas realidades sejam diferentes no que tange as dimensões territoriais e populacionais, apresentam semelhança quanto a suas altas prevalências de pessoas com deficiências na população. Na área da saúde bucal, embora não seja ainda o ideal, atualmente uma rede de serviços especializados amplia o acesso das pessoas com deficiência aos estabelecimentos de saúde públicos, com programas que vão desde a prevenção e promoção até a reabilitação da saúde bucal, contribuindo para a sua integração social e uma melhor qualidade de vida.

No entanto, a cobertura desse atendimento ainda é insuficiente, e nem todas as pessoas que mais precisam podem acessar esta atenção em todas as regiões do país, tanto no Chile como no Brasil.

 

APLICAÇÃO CLÍNICA

O poder público estatal, tanto o brasileiro como o chileno, tem contemplado projetos no eixo da saúde, incluindo a saúde bucal da pessoa com deficiência, que visam contribuir diretamente para a construção de uma sociedade mais justa, em que a pessoa com deficiência consiga ser atendida em suas necessidades específicas.

 

REFERÊNCIAS

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4. Universidad Nacional Autónoma de Honduras, OPS. Situación Mundial de la Discapacidad; 2013 [revisado en Feb 2016]. Disponible en: http://www.bvs.hn/Honduras/Discapacidad/ Docentes/Situacion%20Mundial%20de%20la%20Discapacidad.pdf

5. American Academy of Pediatric Dentistry. Guideline on management of dental patients with special health care needs; 2012 [revisado en Feb 2016]. Disponible en: http://www. aapd.org/media/policies_guidelines/g_shcn.pdf

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9. Faulks D, Freedman L, Thompson S, Sagheri D, Dougall A. 2012. The value of education in special care dentistry as a means of reducing inequalities in oral health. Eur J Dent Educ 16(4):195-201.

10. Watt GR, Listl S, Peres M, Heilman A. Social inequalities in oral health: from evidence to action. UK: International Centre for Oral Health Inequalities Research and Policy; 2015 [revisado en Feb 2016]. Disponible en: http://nebula.wsimg.com/604637088cabf4db588c5 7f1fc1d8029?AccessKeyId=72A54FA9729E02B94516&disposition=0&alloworigin=1

11. Ministerio de Salud. Estrategia Nacional de Salud para el cumplimiento de los Objetivos Sanitarios de la Década 2011-2020. Santiago, Chile; 2011.

12. Ministerio de Salud. Aprueba garantías explícitas en salud del régimen general de garantías en salud. Santiago, Chile; 2013 [revisado Feb 2016]. Disponible en: http://www.minsal. gob.cl/portal/url/item/d692c627c623b9cae040010164016563.pdf

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14. Ministerio de Salud. Orientaciones para la implementación del modelo de atención integral de salud familiar y comunitaria. Santiago, Chile; 2012 [revisado en Feb 2016]. Disponible en: http://web.minsal.cl/portal/url/item/e7b24eef3e5cb5d1e0400101650128e9.pdf

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18. United Nations. Office of the United Nations High Commissioner for Human Rights. Declaration on the Rights of Disabled Persons. Proclaimed by General Assembly. Resolution 3447 of 9 December 1975. Available from < URL: http://www2.ohchr.org/English/law/res3447. htm. [2010 JULY 14].

19. Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988, Seção 1, p. 1. 1988. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/consti/1988/constituicao-1988-5-outubro-1988-322142-norma-pl.html. Acesso em 12 set. 2014.

20. Brasil. Decreto N° 6.949, de 25 de agosto de 2009. Promulga a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 26 ago. 2009, Seção 1, p. 3. 2009. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2009/decreto- 6949-25-agosto-590871-publicacaooriginal-115983-pe.html. Acesso em: 12 set. 2014.

21. Brasil. Decreto N° 7.612, de 17 de novembro de 2011. Institui o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência – Plano Viver sem Limites. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 18 de novembro de 2011, Seção 1, p. 12. 2011. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2011/decreto-7612-17-novembro-2011-611789-norma-pe.html. Acesso em 12 set.2014.

22. Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro da Saúde. Portaria N° 793, de 24 de abril de 2012. Institui a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência no âmbito do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 25 de abril de 2012, Seção 1, p. 94. 2012. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/ saudelegis/gm/2012/prt0793_24_04_2012.html. Acesso em: 11 nov. 2014.

23. Informações sobre o CEO: Portaria Ministerial N° 1.341 de 29/06/2012 - Ministério da Saúde. 24. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2010. Disponível em: http://www.ibge.gov.br Acesso em: 11 mar. 2016.

25. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde.Departamento de Atenção Básica. Coordenação Nacional de Saúde Bucal. Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal. Brasília, 2004. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/politica_ nacional_brasil_sorridente.pdf>. Acesso em: 04 set. 2014.

26. Silva SF. Redes de Atenção à Saúde no SUS. Campinas (SP): Idisa/Conasems; 2008. P.151-201.

27. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política nacional de atenção básica. Brasília: Ministério da Saúde; 2006.

28. Caldas Jr AF, Machiavelli JL. Organizadores. Atenção e Cuidado da Saúde Bucal da Pessoa com Deficiência: Protocolos, Diretrizes e Condutas para Cirurgiões-Dentistas. UNA-SUS UFPE. Recife. Editora Universitária (UFPE), 2013. 231p.

29. Resolução n° 167, de 15 de dezembro de 2015, do Conselho Federal de Odontologia. DOU 07/01/2016, Seção I, Pág. 41.

30. Sabbagh-Haddad A, Magalhães MH. Odontologia para pacientes com necessidades especiais. São Paulo: Santos; 2007 p.1-5.

 

 

Endereço para correspondência:
Aida Sabbagh Haddad
Al. dos Maracatins, 426 – cj. 912
Moema - São Paulo – SP
04089-000
Brasil
e-mail: aidasabbagh@hotmail.com

 

Recebido: mar/2016
Aceito: abr/2016