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Revista Brasileira de Odontologia
versão On-line ISSN 1984-3747versão impressa ISSN 0034-7272
Rev. Bras. Odontol. vol.69 no.1 Rio de Janeiro Jan./Jun. 2012
ARTIGO DE REVISÃO/ REVIEW ARTICLE
Atuação do cirurgião-dentista na UTI: um novo paradigma
Role of the surgeon dentist in ICU: a new paradigm
Sabrina Fernandes GomesI; Márcia Cristina Lourenço EstevesII
I Especialista em Endodontia pela ABE-RJ Especialista em Odontologia do Trabalho pela Associação Brasileira de Odontologia do Trabalho (ABOT)
II Especialista em Odontologia do Trabalho pela ABOT
RESUMO
O atendimento odontológico a pacientes hospitalizados portadores de enfermidades sistêmicas contribui efetivamente para sua recuperação. A magnitude da Odontologia hospitalar na manutenção da saúde bucal dos pacientes de Unidade de Terapia Intensiva (UTI causa melhora no quadro sistêmico do paciente, evitando o aumento da proliferação de fungos e bactérias anaeróbicas e Gram negativas e consequentes infecções e doenças sistêmicas, representando risco para a s aúde d o p aciente, p rincipalmente i nfecção nosocomial. O objetivo deste estudo foi realizar uma revisão de literatura, buscando informações sobre a Odontologia hospitalar no Brasil.
Palavras-chave: UTI; pneumonia nosocomial; bactérias; saúde bucal.
ABSTRACT
The dental care to hospitalized patients sufThe dental care to hospitalized patients suffering from systemic diseases contributes effectively to their recovery. The magnitude of the dental hospital in maintaining the oral health of patients in the Intensive Care Unit (ICU) causes improvement in the patient’s systemic condition avoiding the proliferation increase of anaerobic bacteria, fungi and Gram-negative infections and systemic diseases, representing risk for the patient’s health and nosocomial infection, particularly. The aim of this study was to conduct a review of literature, seeking information about the Dental Hospital in Brazil.
Keywords: ICU; nosocomial pneumonia; bacteria; oral health.
Introdução
A preocupação com a cavidade oral tem relatos desde Hipócrates (460-377 a.C.), que já anunciavam sobre a importância de se remover os depósitos da superfície dentária, para a manutenção da saúde. Segundo Camargo, a Odontologia hospitalar pode ser definida como uma prática que visa os cuidados das alterações bucais que exigem procedimentos de equipes multidisciplinares de alta complexidade ao paciente. A saúde bucal, como estado de harmonia, normalidade ou higidez da boca, só tem significado quando acompanhada, em grau razoável, de saúde geral do indivíduo 5,10.
Na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) o paciente está mais exposto ao risco de infecção, é destacado que os pacientes têm um aumento de cinco a dez vezes de contrair infecção. Estes pacientes estão com o estado clínico comprometido, ou seja, apresentam alterações no sistema imunológico, exposição a procedimentos invasivos, desidratação terapêutica (prática comum para aumentar a função respiratória e cardíaca), o que leva a xerostomia (redução do fluxo salivar). Ainda é ressaltado que são suscetíveis ao ressecamento da secreção salivar, tornando-se muco espessado, especialmente devidoà incapacidade de nutrição, hidratação e respiração 16.
O desenvolvimento da Odontologia hospitalar na América começou a partir da metade do século XIX, com os empenhos dos Drs. Simon Hullihen e James Garretson. Ao longo de seu estabelecimento, grandes esforços foram voltados para obtenção de reconhecimento da Odontologia no âmbito hospitalar. Posteriormente, a Odontologia hospitalar viria ter o apoio da Associação Dental Americana e o respeito da comunidade médica 6.
Segundo o artigo 18 do Código de Ética Odontológico 4, capítulo IX, que trata da Odontologia hospitalar, compete ao cirurgião-dentista internar e assistir pacientes em hospitais públicos e privados, com e sem caráter filantrópico, respeitadas as normas técnico-administrativas das instituições. No artigo 19, dispõe-se que as atividades odontológicas exercidas em hospitais obedecerão às normas do Conselho Federal e o artigo 20 estabelece constituir infração ética, mesmo em ambiente hospitalar, executar intervenção cirúrgica fora do âmbito da Odontologia 3.
Pneumonia Nosocomial
A literatura tem demonstrado, de maneira clara e vigorosa, a in¬fluência da condição bucal na evolução do quadro dos pacientes internados. Estudos indicam que pacientes de UTI apresentam higiene bucal deficiente, principalmente à quanti¬dade e à complexidade do biofilme bucal, doença periodontal que aumenta com o tempo de internação que pode ser uma fonte de infecção nosocomial. Uma vez que as bactérias presentes na boca podem ser aspiradas e causar pneumonias de aspiração 8.
A pneumonia é uma infecção debilitante, em especial, no paciente idoso e imunocomprometido. Nos hospitais, a pneumonia nosocomial exige atenção especial. É a segunda causa de infecção hospitalar e a responsável por taxas significativas de morbidade e mortalidade em pacientes de todas as idades. Engloba de 10% a 15% das infecções hospitalares, sendo que de 20% a 50%dos pacientes afetados por este tipo de pneumonia falecem 13,14.
A impossibilidade do autocuidado favorece a precariedade da higienização bucal, acarretando o desequilíbrio da microbiota residente, com consequente aumento da possibilidade de aquisição de diversas doenças infecciosas comprometendo a saúde integral do paciente. Os pacientes mais vulneráveis a esta importante infecção são os internados em unidades de terapia intensiva (UTI), em especial os que estão sob ventilação mecânica, pois o reflexo da tosse, a expectoração e as barreiras imunológicas estão deficientes 16. Vários agravos, como cárie dental, doença periodontal, endocardite bacteriana, pneumonia, entre outros, têm sido associados aos micro-organismos da boca, as infecções nosocomiais, portanto, além de causar números significativos de óbito, provocam impacto expressivo aos custos hospitalares, podendo atuar como fator secundário complicador prorrogando, em média de 7 a 9 dias a hospitalização. O risco de desenvolvimento de pneumonia nosocomial é de 10 a 20 vezes maior na unidade de terapia intensiva, sendo que o seu desenvolvimento em pacientes com ventilação mecânica e/ou umidificador varia de 7% a 40% 16.
Se o paciente intubado não receber higiene bucal eficaz, o tártaro dentário, formado por depósitos sólidos de bactérias, se estabelece dentro de 72 horas. Isso é seguido de gengivite emergente, inflamação das gengivas, infecção e subsequente mudança de Streptococcus e Actinomyces para um número crescente de bacilos gram-negativos aeróbicos 2.
Microbiota Bucal e Doença Periodontal
A cavidade bucal é o primeiro portal de entrada para micro-organismos patogênicos respiratórios que causam infecções sistêmicas, sendo a pneumonia uma delas. A pneumonia por aspiração é o tipo mais comum de pneumonia nosocomial ou hospitalar e é uma infecção do parênquima pulmonar causada por diferentes tipos de agentes etiológicos entre eles bactérias, fungos e vírus. Essa doença é de alto custo e representa uma significativa causa de morbidade e mortalidade, diagnosticada 48 horas após a internação do paciente na UTI. A ausência de atenção com a higiene bucal e a diminuição do fluxo salivar resulta no aumento da quantidade e complexidade da placa dental, que pode favorecer a interação bacteriana entre bactérias indígenas da placa e patógenos respiratórios como P. aeruginosa e bacilos entéricos. Essas interações podem resultar na colonização da placa dental pelos patógenos respiratórios. A placa dental pode, além disso, atuar como um reservatório para a colonização dos patógenos respiratórios, que podem ser encontrados na saliva. A contaminação da porção distal da árvore respiratória pela saliva contém certos micro-organismos que podem provocar infecções respiratórias 7.
O estabelecimento da pneumonia nosocomial ocorre com a invasão bacteriana, especialmente bastonetes Gram-negativos (Acinetobacter spp., Staphylococcus aureus, Esherihia coli, Klebsiella spp, Pseudomonas aeruginosa, Enterobacter spp. e Proteus mirabiis) no trato respiratório inferior por meio da aspiração de secreção presente na orofaringe, por inalação de aerossóis contaminados ou, menos frequentemente, por disseminação hematogênica originada de um foco à distância 8.
A diminuição do fluxo salivar permite aumento da saburra ou biofilme lingual (matriz orgânica estagnada) no dorso da língua, o que favorece a produção de componentes voláteis de enxofre, tais como mercaptanas (CH SH) e sulfidretos (SH) que têm odor desagradável e colonização bacteriana 1,15. Outras bactérias também podem ser observadas, tais como: Acinetobacter baumanii, S.aureus, S. coagulase negativa, Enterobacter, P. aeruginosa, S. viridans, Corinebacterium sp, Enterococcus sp, Klebisiella sp, Serratia sp, Pseudomonas sp, M. morganii, Streptococcus do grupo D e Cândida sp 12.
Atuação do Cirurgião-Dentista na UTI
Os pacientes hospitalizados portadores de afecções sistêmicas muitas vezes se encontram totalmente dependentes de cuidados, portanto, impossibilitados de manter uma higienização bucal adequada, necessitando do suporte de profissionais da saúde para esta e outros tipos de tarefas. A aquisição e manutenção da saúde bucal, além de uma maior integração da Odontologia e da Medicina visando o tratamento global dos pacientes, se fazem necessárias em virtude da interferência direta da recuperação total do paciente.
Apesar da importância dos cuidados com higiene oral em pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), estudos e revisões sistemáticas mostram que esta prática ainda é escassa. A presença da placa bacteriana na boca pode influenciar as terapêuticas médicas, devido aos fatores de virulência dos micro-organismos que nela se encontram, os quais podem ser agravados pela presença de outras alterações bucais como a doença periodontal, cáries, necrose pulpar, lesões em mucosas, dentes fraturados ou infectados, traumas provocados por próteses fixas ou móveis que podem trazer para o paciente repercussões na sua condição sistêmica. Para estas condições serem adequadamente tratadas, faz-se necessária a presença de um cirurgião-dentista em âmbito hospitalar como suporte no diagnóstico das alterações bucais e como coadjuvante na terapêutica médica; seja na atuação em procedimentos emergenciais frente aos traumas, em procedimentos preventivos quanto ao agravamento da condição sistêmica ou o surgimento de uma infecção hospitalar, procedimentos curativos e restauradores na adequação do meio bucal e maior conforto
ao paciente 11.
Hoje em dia a atuação do cirurgião-dentista é muito pequena por não fazer parte da equipe multidisciplinar. Entretanto, a literatura tem demonstrado, de maneira clara e vigorosa, a influência da condição bucal na evolução do quadro dos pacientes internados 8.
A avaliação da condição bucal e necessidade de tratamento odontológico em pacientes hospitalizados exigem o acompanhamento por um cirurgião-dentista habilitado em Odontologia Hospitalar. A Odontologia se faz necessária na avaliação da presença de biofilme bucal, doença periodontal, presença de cáries, lesões bucais precursoras de infecções virais e fúngicas sistêmicas, lesões traumáticas e outras alterações bucais que representem risco ou desconforto aos pacientes hospitalizados. Sabe-se que os cuidados bucais, quando realizados adequadamente, reduzem muito o aparecimento de pneumonia associada ao uso de ventilação artificial, nos pacientes em UTI. A participação da Odontologia na equipe multidisciplinar de saúde é de fundamental importância para a terapêutica e a qualidade de vida dos pacientes hospitalizados 11.
Procedimentos de Higiene Bucal em Unidades de Terapia Intensiva (UTI)
De acordo com KAHN et al. 7, é importante a utilização de solução antimicrobiana como coadjuvante ou método principal para higiene oral de idosos ou indivíduos com deficiência física objetivando, com isto, prevenir doenças sistêmicas como pneumonia bacteriana e endocardites. Entende-se como solução antimicrobiana oral, uma substância contendo derivados fenólicos como o timol, gluconato de clorexidina (até o momento, é o agente mais efetivo para controle do biofilme dental. Esta substância apresenta boa substantividade, pois se adsorve as superfícies orais, mostrando efeitos bacteriostáticos até 12 horas após sua utilização) cloridrato de celtilpiridíneo, triclosan e povidine. Medidas simples como limpar os dentes dos pacientes com escovas dentais duas vezes ao dia e realizar uma profilaxia profissional na cavidade oral uma vez por semana mostraram reduções na mortalidade dos pacientes que contraíram pneumonia durante o período de internação conforme demonstram as Instruções I e II. Outra medida fácil para uma significativa descontaminação da cavidade oral e concomitante redução da incidência de infecção nosocomial em pacientes internados em UTI para cirurgia cardiovascular foi a utilização de Digluconato de clorexidina a 0,12% (permite a retenção de mais de 30% da clorexidina, por bochecho, nos tecidos moles, estendendo o período de atividade antimicrobiana) duas vezes ao dia 7,9.
Conclusão
A avaliação da condição bucal e necessidade de tratamento odontológico em pacientes hospitalizados exigem o acompanhamento por um cirurgião-dentista habilitado em Odontologia hospitalar evitando um aumento da proliferação de fungos e bactérias e, consequentemente, infecções e doenças sistêmicas que representam risco para a saúde do paciente principalmente a infecção nosocomial promovendo o bem estar da saúde bucal do paciente. Estudos indicam que pacientes de UTI apresentam higiene bucal deficiente, principalmente a quanti¬dade e a complexidade do biofilme bucal doença periodontal que aumenta com o tempo de internação e pode ser uma fonte de infecção nosocomial. Uma vez que as bactérias presentes na boca podem ser aspiradas e causar pneumonias de aspiração.
A Odontologia hospitalar trabalha em uma equipe multidisciplinar visando o tratamento global do paciente evitando infecções hospitalares relacionadas ao sistema estomatognático principalmente as infecções respiratórias que prejudicam a recuperação do paciente, diminuição do tempo de internação e do uso de medicamentos pelo paciente crítico, contribuindo de forma efetiva para o seu bem estar e dignidade. Esta alternativa além de barata (pois se atua no nível primário de prevenção) é simples e viável e é de extrema importância e necessidade.
Desse modo, o cirurgião-dentista deve estar presente nos hospitais e deve estar preparado para o atendimento odontológico, em condições específicas e diferenciadas do cotidiano do consultório. Para o paciente em regime de convalescença ou tratamento, a assistência odontológica em ambiente hospitalar é favorecida por contar com maiores recursos diante de situações de urgência e emergência, além do trabalho, quando em equipe, proporcionar melhores condições de saúde ao paciente.
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Endereço para correspondência:
Sabrina Fernandes Gomes
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e-mail: sabrinafgomes@yahoo.com.br
Recebido em 22/08/2011
Aprovado em 06/02/2012