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Revista Brasileira de Odontologia
versão On-line ISSN 1984-3747versão impressa ISSN 0034-7272
Rev. Bras. Odontol. vol.69 no.1 Rio de Janeiro Jan./Jun. 2012
ARTIGO ORIGINAL/ ORIGINAL ARTICLE
Avaliação da manutenção odontométrica após instrumentação rotatória
Evaluation of the working length after rotary instrumentation
Maria Leticia Borges BrittoI; André Akira NakatsukaII; Cleber K. NabeshimaIII
I Professora Coordenadora do Curso de Especialização em Endodontia da Universidade Cruzeiro do Sul
II Cirurgião-dentista
III Doutorando em Endodontia pela USP Professor Curso de Especialização em Endodontia da Universidade Cruzeiro do Sul
RESUMO
A proposta deste estudo foi analisar a variação odontométrica após instrumentação rotatória em molares superiores. Foram utilizados 42 molares superiores que foram instrumentados através da técnica cérvico apical com sistema rotatório Protaper. A Odontometria visual foi realizada após o preparo dos terços cervical e médio. Após completa instrumentação apical, o limite foi reavaliado visualmente através de um cone principal. Os dados encontrados mostraram que 23% dos molares não obedeceram ao limite pré-estabelecido, no qual a maior quantidade destes foi na raiz palatina. Com isso pode-se concluir que a instrumentação rotatória pode provocar variação odontométrica apical e, no que se refere à posição morfológica dimensional do canal, esta pode influenciar no resultado final do limite instrumentado.
Palavras-chave: ápice dentário; endodontia; tratamento do canal radicular.
ABSTRACT
The aim of this study was to analyze the working length after rotary instrumentation in upper molars. Forty-two upper molars were used, which were shaped by crown down technique using Protaper rotary system. The working length was performed after cervical and medium thirds shaping, and after apical shaping, the working length was evaluated visually again by a gutta percha master cone. The results showed that 23% of the molars do not have correct working length, principally the palatal root canal. Thus, it can conclude that rotary instrumentation can result on teeth shaped incorrectly, and morphologic position of root canal can influence in the final result of working length.
Keywords: tooth apex; endodontics; root canal therapy.
Introdução
A determinação do comprimento real do canal e a precisão do limite de trabalho são tarefas imprescindíveis para correta realização do tratamento endodôntico, cujo se defronta com dificuldades ditadas pela complexidade anatômica da região apical em condições de normalidade, ou frente a processos patológicos e pela imprecisão dos métodos radiográficos em fornecer detalhadamente o real aspecto desta zona. Entretanto, a problemática das técnicas radiográficas pode ser solucionada por métodos mais confiáveis como a tomografia 13 e os localizadores apicais 16. No que se diz respeito à anatomia dental interna, nem sempre o preparo de canais radiculares é reto, existem os curvos que são mais complexos pelo trajeto sinuoso que impõem aos instrumentos, tensões e deformações com consequênciasà forma desejada no processo de modelagem do canal, que podem interferir diretamente na alteração odontométrica durante a instrumentação 15, causando dilacerações foraminais, perfurações apicais e criação de Zips 14.
No histórico da evolução do preparo endodôntico, pode-se destacar o uso das técnicas cérvico apicais com a retificação prévia dos terços cervical e médio antes da Odontometria, no qual resultam menores variações odontométricas, e facilitam o franco acesso da lima manual à região apical 8.
Os instrumentos, entretanto, também evoluíram. No que se diz respeito às limas manuais, a utilização de instrumentos de níquel titânio foi proposta com a finalidade de diminuir a deformação anatômica do canal radicular pós-preparo 20 e, a partir disso, desenvolveu-se a instrumentação automatizada rotatória, que proporciona ao profissional maior ergonomia, ganho de tempo e conforto ao paciente 6.
No entanto, a lima rotatória, mesmo com preparos prévios dos terços cervical e médio, possui grande contato com as paredes do canal radicular devido seu maior índice de conicidade, fato este que poderia influenciar na manutenção odontométrica durante o preparo.
Diante do exposto, a proposta deste estudo foi analisar a variação odontométrica apical pós-preparo radicular com instrumentação rotatória, observando a influência da posição dos canais do molar superior.
Material e Método
Após aprovação do comitê de ética em pesquisa da Universidade Cruzeiro do Sul (033/07), 42 molares superiores com angulações e curvatura semelhante para cada raiz em questão foram utilizados, totalizando uma amostragem de 126 canais. Os dentes tiveram cirurgia de acesso realizada com brocas esféricas diamantada 1014HL (KG Sorensen, São Paulo, SP, Brasil), e com a Endo-Z (Dentsply-Maillefer, Ballaigues, VD, Switzerland) foi dada a forma de conveniência da cavidade. Os terços cervical e médio foram preparados com brocas Gates-glidden 1 e 2 (Maillefer Dentsply, Ballaigues, VD, Switzerland) em baixa rotação e, posteriormente, foi realizada a Odontometria.
Para a Odontometria, uma lima K15 (Maillefer Dentsply, Ballaigues, VD, Switzerland) foi introduzida no canal radicular até a ponta do instrumento ser visualizada no forame apical com auxilio de lupa, desta medida subtraiu-se 1 mm para estabelecimento do limite de trabalho.
Os canais foram instrumentados com sistema rotatório Protaper Universal (Maillefer Dentsply, Ballaigues, VD, Switzerland) na sequência S1-S2-F1-F2-F3, com o motor ROOT ZX (J Morita, Kyoto, Japão) regulado em 300 rpm e torque 0,5 N.cm. Durante toda instrumentação utilizou-se a medida de trabalho pré-estabelecida na Odontometria; Endo-Ptc (Fórmula & Ação, São Paulo, SP, Brasil) associado ao hipoclorito de sódio 0,5% (Fórmula & Ação, São Paulo, SP, Brasil) foram utilizados com substância química.
Assim, um cone de guta percha Protaper F3 (Maillefer Dentsply, Ballaigues, VD, Switzerland) foi introduzido ao canal radicular até sofrer resistência e, com auxílio de uma lupa, foi avaliada a região apical quanto à ultrapassagem ou presença da ponta do cone de guta percha na saída foraminal, onde os cones classificados como corretos foram somente aqueles que atingiram 1 mm aquém do forame.
Os dados foram tabulados e submetidos ao teste estatístico do quiquadrado com nível de significância de 5%.
Resultados
Através da observação visual foraminal de todos os canais, de modo geral, 23% das amostras não mantiveram o limite de 1 mm aquém do forame apical (Figura 1) e 77% mantiveram a Odontometria, o que correspondem quantitativamente em 29 e 97 canais numa soma total de 126 canais.
Analisando-se os canais separadamente, 8 mésiovestibulares, 5 distovestibulares e 16 palatinos ultrapassaram visualmente o forame anatômico, o que correspondem respectivamente ao porcentual de 19%, 12% e 38%, onde pode ser visto no gráfico 1.
Através do teste estatístico, pode-se observar que quanto à posição dos canais houve diferença significante entre os grupos (p = 0,0130), onde os vestibulares mesiais e distais não diferiram entre si (p = 0,4368), porém o palatino foi diferente dos vestibulares (p = 0,0045).
Discussão
Ainda nos dias atuais, diversos estudos são realizados verificando a variação odontométrica durante a instrumentação, no qual, dentre as metodologias aplicadas, estão os estudos realizados em canais simulados 17,18 ou em dentes naturais 6,19. Os canais simulados em resina acrílica apresentam a vantagem de padronização exata da curvatura e forma dos canais, entretanto a dureza da dentina e da resina é diferente, bem como alteração das propriedades do acrílico devido calor gerado pelo atrito do instrumento ao plástico. Desta maneira, utilizou-se de dentes naturais por serem mais próximos da realidade clínica.
A atuação do endodontista é estabelecida no chamado limite canal dentina cemento (CDC), onde termina o canal dentinário propriamente dito e inicia-se a região cementária, tem sido apresentado que este espaço pericementário apical corresponde à distância média de 0,89 mm, podendo variar em medidas maiores ou menores 4. O ideal seria o estudo in vivo diretamente em pacientes com confirmação radiográfica da prova do cone como é feito na clínica diária, entretanto, a avaliação exata da posição do cone de guta percha por meio de radiografias não é exata, já que tem sido apresentado que a obturação do canal quando realizada até o vértice radiográfico, implica na maioria das vezes em extravasamento do cone de obturação além do limite foraminal 9,12, portanto o vértice radiográfico utilizado como referência apical durante a Odontometria não corresponde ao real posicionamento do forame apical, dificultando o estabelecimento do real limite de trabalho. Assim, optou-se pelo estudo in vitro que possibilita a avaliação dos resultados por visualização direta da região apical, uma vez que num estudo in vivo, isto só seria possível com a extração do elemento dentário 16, ao mesmo tempo em que as radiografias convencionais poderiam apresentar falsas impressões de sobreposições por serem bidimensionais 9. A opção de utilizar-se de molares superiores é justificada por ser o dente de maior incidência de tratamentos endodônticos, além de proporcionar aumento da amostragem de canais a serem instrumentados para a avaliação, bem como possibilitar análise da influência da posição anatômica dos canais no resultado final.
Diante dos resultados obtidos, pode-se verificar um índice percentual considerável de cones ultrapassados (23%), mesmo não sendo sua predominância, clinicamente seria uma alta incidência de sobreobturações.
O uso do preparo prévio dos terços cervical e médio durante a instrumentação manual visa minimizar o ângulo de curvatura do canal, permitindo, assim, o instrumento trabalhar sob menor tensão e em condições mais favoráveis para a obtenção da adequada modelagem do canal 2. Neste sentido, a lima manual possui menor contato com as paredes do canal nos terços cervical e médio previamente instrumentados com brocas em baixa rotação 11. Entretanto, as limas rotatórias se diferem devido seu maior índice de conicidade, permanecendo do início ao fim do preparo em íntimo contato com a parede do canal mesmo com preparo prévio. Assim, o momento da Odontometria seria relativo, mas acarreta em menor variação em relação às limas manuais, possivelmente devido sua maior flexibilidade, que permite menores tensões da lima no trajeto do canal 3. Todavia, os resultados encontrados no presente estudo, em confronto com a literatura, nos permite afirmar que embora a instrumentação rotatória possa acarretar em menores variações odontométricas, as mesmas não passíveis de exclusão.
Além disso, tem sido citado que o preparo proporcionado pela instrumentação mecanizada pode não reproduzir a forma exata do último instrumento, isto porque os rotatórios cortam mais que sua forma original 7, podendo ser necessário cones mais calibrosos para a obturação 1,10, fato este que poderia ser uma explicação aos cones que não mantiveram a odontometria, estando em acordo com FREITAS et al. 5 que também observaram alto índice de cones principais com a mesma ponta do instrumento que não obedeceram o limite de trabalho durante a prova do cone.
No que diz respeito à localização dos canais, enquanto os mesiais e distais apresentaram resultados próximos, o canal palatino obteve alterações maiores, possivelmente isto se deve à própria anatomia das raízes em questão. Enquanto os canais mesiais e distais se assemelham muito entre si quanto à angulação e curvatura, o canal palatino se apresenta bem amplo e o eixo do mesmo em relação ao dente possui uma inclinação para a palatina. Contudo, não se pode desconsiderar que os três canais tiveram algumas amostras com variação odontométrica, embora a diferença estatística tenha sido apresentada somente do canal palatino aos vestibulares.
Desta maneira, sugerem-se futuros estudos a respeito da obturação do canal radicular pós-instrumentação rotatória, analisando o limite observado radiograficamente e a relação do diâmetro apical pós-instrumentação com possibilidade de introdução de cones de maior calibre.
Conclusão
Diante do presente estudo, pode-se concluir que a instrumentação rotatória automatizada pode causar variação odontométrica apical e, no que se refere à posição morfológica dos canais, isto pode influenciar no resultado final do limite instrumentado.
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Endereço para correspondência:
Cleber K. Nabeshima
Av. Amador Bueno da Veiga, 1340
São Paulo/SP, Brasil - CEP: 03636-100
e-mail: cleberkn@hotmail.com
Recebido em 03/09/2010
Aprovado em 09/12/2011