SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.72 número1-2 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista Brasileira de Odontologia

versão On-line ISSN 1984-3747versão impressa ISSN 0034-7272

Rev. Bras. Odontol. vol.72 no.1-2 Rio de Janeiro Jan./Jun. 2015

 

ARTIGO DE REVISÃO

 

Variação do índice CPOD do Brasil no período de 1980 a 2010

 

Variation of brazilian CPOD index during the 1980 to 2010 period

 

 

Patricia Bolzan AgnelliI

I Doutora em Biotecnologia Departamento de Morfologia e Patologia, áreas de atuação: Microbiologia, Patologia e Saúde Coletiva

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho consiste em uma revisão de literatura sobre os valores de CPOD registrados no Brasil, de 1980 a 2010, e sobre os fatores que influenciaram a prevalência de cárie no país e, consequentemente, a alteração do índice, neste período. Foram analisados artigos científicos (das bases de dados BVS, SciELO, e PubMed), livros renomados sobre o tema e sites oficiais brasileiros (Portal da Saúde e Anvisa). A redução do CPOD nacional mostrou-se expressiva, pois a prevalência de cárie encontrava-se muito alta em 1 980 ( CPOD = 7,3) e t ornou-se b aixa e m 2 010 (CPOD = 2,1). O principal fator para tal redução foi o aumento das ações de promoção de saúde e prevenção, sobretudo após a implantação do Programa de Saúde da Família, em 1994.

Palavras-chave: cárie dentária; índice CPOD; Brasil.


ABSTRACT

This paper consists of a literature review about the values of CPOD recorded in Brazil, from 1980 to 2010, and the influential factors regarding the prevalence of caries in the country and consequently the change of the index in during this period. Scientific articles (from BVS, SciELO and PubMed databases), renowned books on the subject, and Brazilian official websites (Portal da Saúde and ANVISA) were analyzed. National CPOD showed significant reduction, since caries prevalence was very high in 1980 (CPOD = 7.3) a nd b ecame l ower i n 2 010 ( CPOD = 2.1). The main reason for this reduction was the increasing of the health promotion and preventive actions, especially after the implementation of the Family Health Program, in 1994.

Keywords: dental caries; CPOD index; Brazil.


 

 

Introdução

O índice CPOD, formulado por Klein e Palmer, em 1937, é usado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para avaliar a prevalência da cárie dentária em diversos países. A sigla CPO tem origem nas palavras "cariados", "perdidos" e "obturados", e o D indica que a unidade de medida é o dente 20,21. A idade de 12 anos é referência internacional para o cálculo do índice por ser a idade em que a dentição permanente está praticamente completa 2-4. A OMS recomenda como ideal um valor de CPOD médio menor do que 1,1, aos 12 anos, o que corresponde a uma prevalência de cárie muito baixa, conforme indicado no Quadro 1 40.

Segundo CHAVES 15, um problema de saúde bucal é um problema de saúde pública quando é causa comum de morbidade, mesmo existindo métodos eficazes de prevenção e controle, visto que tais métodos não estão sendo adequadamente utilizados. No Brasil, prevenir a cárie é ainda uma questão de saúde pública e pode-se concluir tal fato a partir de várias constatações, descritas a seguir. O país apresentou ao longo de sua História índices de cárie elevados em relação ao cenário mundial. A cárie é ainda uma das doenças bucais que mais acomete os brasileiros apesar de existirem tratamentos eficazes para combatê-la 13,18,33 e ela possui característica invasiva e destrutiva, acarretando problemas mais sérios ou até mesmo a perda do elemento dental se não tratada a tempo 22,25. Adicionalmente, os valores elevados do índice de cárie indicam hábitos nocivos da população, decorrentes da falta de conhecimento e conscientização, como alta frequência de ingestão de açúcar e escovação inadequada, e apontam também a dificuldade de acesso aos serviços de saúde preventivos e curativos 27,29,34.

Frente à importância de uma avaliação do cenário atual brasileiro em relação à Saúde Bucal, especialmente em relação ao problema da cárie dentária, são objetivos desta revisão de literatura: avaliar a dimensão da variação do índice de cárie dental no Brasil no período de 1980 até 2010; discutir a importância de métodos de prevenção e do Programa de Saúde da Família na redução da prevalência de cárie e na melhoria da condição de saúde bucal da população, durante o período. O estudo proposto, unido a outros estudos atuais e futuros com semelhantes objetivos, colabora para um maior entendimento do contexto da prevalência de cárie no Brasil, nas últimas décadas, abrangendo o que vem melhorando nos últimos anos e o que ainda é preciso conquistar. Tal entendimento serve como base na elaboração de novas estratégias em Saúde Pública que tragam progressos para a realidade da Saúde Bucal dos brasileiros.

 

Revisão de Literatura

Variação do Índice CPOD no Brasil de 1980 até 2010

Usando uma estimativa, feita com base em levantamentos parciais no território brasileiro, o Ministério da Saúde (MS) atribuiu ao CPOD do ano de 1980 um valor de 7,3, considerado muito alto pela OMS. No ano de 1986, o MS realizou o primeiro levantamento epidemiológico em saúde bucal, em nível nacional. O levantamento indicou um valor de 6,7 para o CPOD, também considerado muito alto, e demonstrou ainda que a condição de saúde bucal era melhor na população com renda superior a cinco salários mínimos 5,31,32.

Dez anos mais tarde, em 1996, outro levantamento foi conduzido em nível nacional, nas capitais brasileiras. O valor obtido para o índice CPOD foi 3,1, valor 54% menor do que o obtido em 1986, e que corresponde a uma prevalência média de cárie. Em 2003, após novo levantamento nacional, o valor do CPOD encontrado foi de 2,8, classificado como média prevalência de cárie, valor 59% menor do que o encontrado no primeiro levantamento, em 1986. Considerando as diferentes regiões brasileiras, os números obtidos em levantamentos regionais revelam grandes diferenças entre os índices das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste em relação aos índices das regiões Sul e Sudeste, no período que vai de 1986 até 2003. As regiões Sul e Sudeste apresentam os menores índices tanto no ano de 1986 como no ano de 2003 6-8,31,32.

Em 2010, o CPOD encontrado após a Pesquisa Nacional de Saúde Bucal foi 2,1, o que colocou o Brasil no grupo de países com baixa prevalência de cárie. Houve uma redução de 25% no valor do CPOD, em relação ao levantamento anterior, em 2003. Considerando as cinco regiões brasileiras, em quatro houve redução do índice no período que vai de 2003 a 2010, de acordo com a pesquisa. Na região Nordeste, o índice caiu de 3,1 para 2,7; na região Centro-Oeste, de 3,1 para 2,6; no Sudeste, o índice passou de 2,3 para 1,7 e no Sul, de 2,3 para 2. Na região Norte, porém, não se verificou redução 9-12.

O gráfico a seguir (Figura 1) demonstra a variação dos valores do índice CPOD médio no Brasil no período que vai de 1980 a 2010, considerando os valores dos anos em que houve um levantamento nacional visando, entre outras constatações, o cálculo deste índice.

A Importância dos Métodos de Prevenção para o Declínio da Prevalência de Cárie Dental

A prevenção com Compostos Fluoretados

A descoberta das propriedades anticariogênicas do flúor teve início em Colorado Springs, em 1901, uma cidade norte-americana do estado de Colorado, quando Frederick McKay começou a investigar a causa de dentes manchados com estrias de cor marrom. Na época, ele nomeou o esmalte dental com este aspecto de "esmalte mosqueado". Durante a sua investigação, ele observou que os pacientes com esmalte mosqueado tinham menos cárie do que os pacientes com esmalte normal e também notou que os casos investigados eram provenientes de cidades abastecidas com a mesma água, concluindo que na água devia haver algum "agente causador" das manchas. Em 1931, funcionários do Laboratório de Química da Companhia Americana de Alumínio verificaram, em testes químicos de rotina feitos para a avaliação da qualidade da água usada na indústria, que havia grande quantidade de flúor na água daquela região. A partir de então se relacionou o flúor com o esmalte mosqueado e com a cárie 18.

As pesquisas posteriores procuraram principalmente determinar uma quantidade de flúor ideal na água que prevenisse a cárie, mas que não causasse o manchamento. Na Odontologia moderna o aparecimento de esmalte mosqueado recebe o nome de Fluorose Dentária, um malefício que ocorre quando o flúor é utilizado de maneira inadequada, ingerido em excesso durante a fase em que os dentes estão em formação nas crianças 16,17. Compostos contendo flúor são amplamente empregados hoje em dia na prevenção da cárie, na maioria dos países, e podem ser usados de várias formas 26:

• Adicionados nas águas de abastecimento público;

• Adicionados em dentifrícios (pastas dentais);

• Aplicados de maneira local na forma de gel ou de verniz, pelo dentista, no consultório odontológico. O gel é composto de flúor-fosfato-acidulado, com uma concentração de 1,23% de flúor, libera grande quantidade de flúor para os dentes no momento da aplicação. Os vernizes são compostos de fluoreto de sódio (NaF) a 5%, aderem à superfície dos dentes durante um tempo maior do que o gel, demorando horas para serem completamente removidos, e liberam lentamente o flúor para os dentes neste período;

• Prescritos por dentistas na forma de soluções para bochecho semanal (fluoreto de sódio, NaF, a 0,2%) ou diário (NaF a 0,05%).

Os produtos fluoretados usados em Odontologia liberam os íons F- para os dentes e saliva. O mecanismo de ação do íon flúor na cavidade bucal é sempre o mesmo, independente da forma de aplicação: ele dificulta a desmineralização e ativa a remineralização do esmalte. Havendo íons F- em contato com os dentes, sua perda mineral durante o processo cariogênico é reduzida, já que parte dos minerais perdidos é reposta novamente na estrutura dental 16,17,37. Desde que o processo cariogênico não seja intenso, o flúor disponível na cavidade bucal pode reverter pequenas perdas minerais que ocorrem diariamente, de modo que nenhum sinal clínico de desmineralização seja observado 22-24. Todas as marcas comerciais de dentifrícios disponíveis atualmente no Brasil possuem flúor. A fluoretação dos dentifrícios e das águas de abastecimento são consideradas dois fatores grandemente responsáveis pela redução do índice de cárie no país. Tanto a água como os dentifrícios colocam o flúor de forma regular e constante, em baixas concentrações, no meio bucal, e esta é comprovadamente a maneira mais efetiva do uso do flúor para prevenir as cáries 16,17.

Para evitar a Fluorose Dentária recomenda-se o cuidado com a ingestão do flúor pelas crianças. A ingestão máxima recomendada é de 0,05 a 0,07 mg F-/Kg/dia. Estudos estimam que se uma criança usa um dentifrício fluoretado, contendo 1000 ppm de flúor, ela engole, em média, 0,3 mg de F- por escovação, ou seja, 1,2 mg de F- por dia, considerando 4 escovações diárias. Soma-se a este valor a quantidade de flúor ingerida com a água. Por isso há um grupo de profissionais que defendem que as crianças que não controlam a deglutição durante a escovação devem usar pastas dentais infantis, que não possuem flúor, durante a época de risco para o desenvolvimento da Fluorose. A prevenção da cárie deve ficar por conta apenas da escovação correta, controle de dieta e água fluoretada, durante o período de risco para a fluorose. Apenas os dentes que estão em processo de formação de esmalte no momento em que ocorre a ingestão exagerada do flúor são suscetíveis ao problema. Sendo assim, a faixa de idade de risco para o desenvolvimento do problema em dentes permanentes anteriores é dos 20 aos 30 meses de idade 24,28,37.

No Brasil, os primeiros programas que recomendaram bochechos fluoretados foram realizados pela Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, em 1971, e logo se expandiram por outros municípios brasileiros. A aplicação do gel, na forma de flúor-fosfato-acidulado, com uma concentração de 1,23% de flúor, foi recomendada inicialmente em 1989 pelo Programa Nacional de Prevenção da Cárie Dental (PRECAD). Após a implantação do Programa de Saúde da Família no Brasil, em 1994, a aplicação de flúor gel como método preventivo passou a ser ainda mais executada nas Unidades de Saúde. Atualmente o flúor é amplamente empregado nas Unidades, em clínicas odontológicas particulares e em escolas com uma periodicidade trimestral ou semestral. Pesquisas já demonstram que a aplicação tópica de flúor em crianças, na forma de gel, vernizes ou de bochechos, reduz a incidência de cárie em 20 a 40% 16,17,31,37.

A Fluoretação das Águas de Abastecimento no Brasil

O primeiro município brasileiro a realizar a fluoretação da água de abastecimento público foi o município de Baixo Guandu (ES), no ano de 1953. A fluoretação das águas de abastecimento é um procedimento recomendado atualmente pela OMS como um dos métodos que devem ser usados para prevenir a cárie dental. No Brasil, a fluoretação das águas está prevista pela Lei n.6.050, de 24 de maio de 1974, regulamentada pelo Decreto n. 76.872, de 22 de dezembro de 1975, pela Portaria n. 635, de 26 de dezembro de 1975, e Portaria n. 36, de 19 de janeiro de 1990 do MS. Apesar da lei, apenas 56% dos municípios brasileiros oferecem atualmente esse serviço à população. A região brasileira que apresenta a maior porcentagem de municípios com água fluoretada é a Sudeste (aproximadamente 70%), seguida de região Sul (69%), e da região Centro-Oeste (cerca de 41%). A região Nordeste apresenta, aproximadamente, 16% dos municípios com água fluoretada e a Norte possui, aproximadamente, 7% 1,11.

Os compostos geralmente utilizados na água são o fluossilicato de sódio (Na2SiF6), ácido fluossilícico (H2SiF6), fluoreto de sódio (NaF) e fluoreto de cálcio (CaF2). A quantidade ideal de íon flúor na água potável varia de 0,6 a 1,2 ppm (ou mg/L), dependendo da temperatura média do local, sendo que nos locais mais quentes a quantidade deve ser menor. Em regiões com água fluoretada, os pacientes apresentam, aproximadamente, 0,02 ppm de flúor (F-) na saliva, em contraste com 0,01 ppm em pacientes de locais onde a fluoretação não é executada 17,23,24. Alguns estudos constataram que após a implantação da fluoretação da água potável nos municípios, o índice de cárie apresentou uma redução em torno de 50%, na maior parte das regiões que possuem este serviço disponível 32,38,40. Ocorre, no entanto, uma grande carência de pesquisas que avaliem possíveis efeitos colaterais sistêmicos da ingestão de água fluoretada para a saúde do organismo humano.

A Importância do Programa de Saúde da Família na Redução da Prevalência de Cárie

O Programa de Saúde da Família no Contexto do SUS

O Sistema Único de Saúde (SUS), instituído no Brasil pela Constituição Federal de 1988, teve como principal finalidade modificar a situação de desigualdade na assistência à Saúde. Após o advento do SUS, toda a população brasileira passou a ter direito à saúde de forma integral e gratuita. O SUS foi regulamentado pela lei 8.080/90 de 1990, que descreveu as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde e a organização e o funcionamento dos serviços prestados 9.

A implantação do Programa de Saúde da Família (PSF) no SUS, em 1994, possibilitou a reorientação do modelo assistencial, trazendo um novo modelo cujo objetivo principal é a prevenção e a promoção de saúde. Este empenho em aprimorar e valorizar a Atenção Básica em Saúde superou o modelo antigo centrado na cura da doença já instalada. As práticas assistenciais passaram a serem democráticas e participativas, sob a forma de trabalho em equipes, dirigidas às populações de territórios delimitados, pelos quais as equipes assumem uma responsabilidade. As Equipes de Saúde da Família (ESF) estabelecem vínculo com a população, há um compromisso e uma corresponsabilidade destes profissionais com os usuários e com a comunidade. A estratégia de Saúde da Família é, portanto, um projeto dinamizador do SUS 5-7,10.

A velocidade de expansão do PSF ocorre de acordo com a adesão de gestores municipais aos seus princípios. O PSF apresentou grande crescimento nos últimos anos. Progressivamente, as Unidades Básicas de Saúde (UBS) vão sendo transformadas em Unidades de Saúde da Família (USF), e novas USF vão sendo criadas. A atuação das equipes ocorre nas USF e nas residências do território delimitado para a Unidade. A equipe pode, assim, intervir nos fatores de risco que a comunidade está exposta, realizar atividades de educação e promoção da saúde e prestar uma assistência integral e permanente 5,10.

A Saúde Bucal no Programa de Saúde da Família

Em 28 de dezembro de 2000 foi publicada a Portaria GM/MS n. 1444 que estabeleceu o incentivo financeiro para a reorganização da Atenção em Saúde Bucal prestado aos municípios através do PSF. A partir disso, as ações odontológicas passaram a ser incluídas na estratégia do PSF. Outra portaria, em 6 de março de 2001, a GM/MS n. 267, incluiu o Plano de Reorganização das Ações de Saúde Bucal na Atenção Básica 5.

Com a inclusão das ações odontológicas no PSF foram criadas as Equipes de Saúde Bucal (ESB) e elas passaram a atuar considerando a realidade dos pacientes, identificando os fatores de risco, priorizando a assistência de acordo com a situação das famílias acompanhadas, e levando ações preventivas e educativas em Saúde Bucal diretamente às pessoas mais necessitadas. Isso representou um grande avanço dos serviços odontológicos no Brasil e aumentou as ações de prevenção das doenças bucais e de educação para a Saúde Bucal, em todo o país. Este processo fez com que aumentassem as atividades para a educação em saúde bucal, os programas de escovação supervisionada e o emprego de fluoretos nas Unidades de Saúde e nas escolas, e também incentivou a prática da fluoretação das águas de abastecimento nos municípios, fatores que levam à redução da ocorrência da cárie 2,6,7.

As equipes dão prioridade ao atendimento primário, ou seja, à educação, prevenção e distribuição de kits de higiene bucal, buscando assim prevenir a cárie dental e outros problemas bucais, mas também realizam tratamentos curativos, que são necessários após as doenças bucais já instaladas, como restaurações dentárias e extrações 8-10. Na última década, desde a implantação do Programa Brasil Sorridente, em 2004, mais de 800 municípios passaram a contar com Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs), onde cirurgiões-dentistas especialistas realizam procedimentos curativos especializados e procedimentos reabilitadores, como as próteses dentárias.

 

Discussão

No ano de 1980, o CPOD nacional de 7,3 indicava uma prevalência muito alta de cárie. Em 2010, o valor correspondente a 2,1 indicou uma baixa prevalência de cárie. Apesar da grande redução no valor do CPOD, nos últimos 30 anos, e apesar de o Brasil registrar, em 2010, uma prevalência de cárie baixa considerando tal índice, é preciso que nos próximos anos o país alcance um índice muito baixo (CPOD variando de 0 a 1,1), para que a situação esteja de acordo com a recomendada pela OMS 12,40.

Em 1996, o valor de 3,1 para o CPOD nacional, uma prevalência média de cárie, indicava um quadro bem melhor em relação ao que ocorria na década de 80, e melhor também do que foi verificado em 1993. Esta queda foi uma das conquistas do SUS, ocorreu dentro de um cenário novo da Saúde Pública no Brasil, já regida por este sistema, que havia sido criado em 1988 e regulamentado em 1990. Em 2003, o valor de 2,8 para o CPOD também se enquadrava em uma prevalência, mas apresentou redução considerável, queda que foi reflexo do PSF, programa implementado em 1994 pelo SUS, revelando que as novas propostas de promoção de saúde e prevenção que passaram a ser realizadas através do PSF estavam dando bons frutos. O PSF prosseguiu, sendo desempenhado de modo crescente no país, e, cada vez mais, novas USF foram criadas, substituindo as UBS convencionais, num processo de transição constante. No ano de 2010, o índice de CPOD valorado em 2,1, uma baixa prevalência de cárie, revelou mais um avanço no contexto da Saúde Bucal brasileira 5,9,10.

Segundo alguns autores, como WEINE 39, NARVAI et al. 32 e PERES et al. 34, o fator mais preocupante para os brasileiros é que a cárie ocorre predominantemente na população mais pobre. Segundo NARVAI, aproximadamente 20% da população passou a concentrar cerca de 60% da presença da doença. Ou seja, a ocorrência da doença é maior nas comunidades menos favorecidas economicamente. Isso porque as condições precárias em que vive grande parte da população estão relacionadas com menor grau de instrução, higiene pessoal e alimentação inadequados, e acesso mais difícil ao tratamento dentário. Em suma, pode-se dizer que o que ocorreu com a situação da prevalência da cárie dentária no Brasil foi declínio e polarização: apesar da melhora nos índices, a distribuição da cárie ainda é desigual 30-32.

Outra situação que merece discussão é a grande participação do componente "C" (dentes cariados), no cálculo do índice CPOD. Ele continua sendo bastante elevado e correspondeu, aproximadamente, a dois terços do valor total do índice, com 64,7% de participação em 1980, e com 60,8% em 2003. O predomínio do componente "C" na composição do CPOD, em detrimento do componente "O" (dentes obturados, ou seja, que apresentaram cárie, mas foram tratados), demonstra que, apesar da diminuição na prevalência da cárie entre as crianças e adolescentes brasileiros, o acesso aos serviços para restaurar dentes continua sendo um desafio para a sociedade, aprofundando a contradição de um país onde há muitos dentistas, mas onde a população não consegue o acesso de forma igualitária aos serviços proporcionados por eles 31,32,39.

A análise da situação da cárie dentária no Brasil, quando consideramos os resultados por região, aponta grandes diferenças entre os índices nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste em relação aos das regiões Sul e Sudeste. Além dos maiores valores de prevalência de cárie, as três primeiras regiões apresentaram também as maiores proporções de dentes cariados, ou seja, ainda não tratados, em relação aos dentes restaurados e os perdidos. Esse fato também é um indicativo de que ocorre no Brasil, a polarização da cárie dentária, já discutida acima, pois nas regiões brasileiras mais pobres a situação da cárie é pior 30-32.

A situação de desigualdade mostra que é preciso adaptar as políticas públicas de saúde bucal às características de cada região. A redução das desigualdades socioeconômicas e o incremento das medidas de saúde pública direcionadas a comunidades mais carentes permanecem ainda um desafio para os dirigentes e profissionais de saúde no país. O aumento das ações de prevenção e promoção de saúde na área odontológica, através do PSF, e o aumento do acesso à água fluoretada e ao dentifrício fluoretado têm resultado em expressiva diminuição na prevalência geral da cárie, mas essas estratégias precisam continuar crescendo, para acabar com as desigualdades entre as regiões brasileiras e também dentro destas regiões, entre as comunidades de diferentes realidades sociais 2,19,30.

O conhecimento da situação epidemiológica e socioeconômica de cada comunidade é essencial para o planejamento das ações em saúde bucal, sendo o caminho correto para a superação do atendimento indiscriminado de uma demanda espontânea 33,34,36. Este conhecimento é um dos princípios do PSF e com o aumento do número de USF, que tem ocorrido no Brasil, a tendência é que o declínio do índice de cárie continue ocorrendo e que a polarização do índice seja reduzida cada vez mais.

 

 

 

 

 

Conclusão

Nas últimas três décadas houve expressiva redução no valor do CPOD no Brasil, sendo que o país saiu de um contexto de prevalência muito alta de cárie dentária, em 1980 (CPOD = 7,3), chegando a uma realidade de baixa prevalência, em 2010 (CPOD = 2,1). As principais causas desta redução foram: o aumento do uso de compostos fluoretados como medidas preventivas, isto é, adicionado nas águas de abastecimento, nos dentifrícios e aplicado nos dentes de forma tópica; o maior acesso da população aos serviços odontológicos; o aumento das ações de promoção de saúde e de prevenção em saúde bucal. A implantação do PSF, no contexto do SUS, em 1994, por priorizar a atenção básica em saúde e o aumento das ações preventivas e educativas no campo da Odontologia, resultou em grandes quedas nos valores nacionais para o CPOD nos anos de 1996 a 2010.

A situação da prevalência de cárie na população brasileira, no período considerado, foi de declínio e polarização. Em nível nacional, a prevalência diminuiu, mas a doença permaneceu mais comum na população menos favorecida economicamente. Houve diferenças consideráveis entre os valores de CPOD das diferentes regiões brasileiras, sendo que as regiões mais pobres apresentaram os maiores valores.

 

Referências

1. Associação Brasileira de Odontologia - ABO. Saúde Bucal: a hora de parar. Revista ABO Nacional On Line. [acessado em 4 abr 2013]. Disponível em: http://www.abo.org.br/revista/78/materia-8.php.         [ Links ]

2. BARBOSA, AAA, BRITO, EWG, COSTA, ICC. Saúde bucal no PSF, da inclusão ao momento atual: percepções de dentistas e auxiliares no contexto de um município. Cienc Odontol Bras 2007; 10(3):53-60.

3. BARDSEN, A. Risk periods associated with the development of dental fluorosis in maxillary permanent central incisors: a meta-analysis. Acta Odontol Scand 2004; 57(5):247-56.

4. BARRETO, APR, OLIVEIRA, CS, PAIVA, SM. Qualidade de vida infantil: influência dos hábitos de higiene bucal e do acesso aos serviços odontológicos. Rev Ibero-amer Odontop Odontol Bebê. 2004; 7(39): 453-60.

5. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Programa de Saúde da Família: Equipes de Saúde Bucal. Brasília: MS; 2002. 24 p.

6. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas da Saúde, Departamento de Atenção Básica, Área Técnica de Saúde Bucal. Projeto SB Brasil 2003: condições de saúde bucal da população brasileira no ano de 2003: relatório final. Brasília: MS; 2004. 51 p.

7. BRASIL. Ministério da Saúde. 3a Conferência Nacional de Saúde Bucal: realizada em Brasília, de 29/7/04 a 1/8/04. Relatório Final. Brasília: MS; 2005.

8. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Básica. Ministério de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica. Quarta Edição. Brasília: MS; 2007. 68 p.

9. BRASIL. Ministério da Saúde. Legislação Básica do SUS. Portal da Saúde (www.saúde.gov.br). Brasília: Ministério da Saúde. Acessado em 5 de abril de 2013. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/portalsaude/ area/313/legislacao.html. (a).

10. BRASIL. Ministério da Saúde. Atenção Básica e Saúde da Família. Portal da Saúde (www.saúde.gov.br). Brasília: Ministério da Saúde. Acessado em 5 de abril de 2013. Disponível em: http://dab.saude.gov. br/atencaobasica.php. (b).

11. BRASIL. Ministério da Saúde. Programa de Saúde Bucal. Levantamento Epidemiológico em Saúde Bucal – Cárie Dental. Brasília: Ministério da Saúde, 1996. Acessado em 23 de fevereiro de 2013. Disponível em: http://www.datasus.gov.br. (c).

12. BRASIL. Ministério da Saúde. Pesquisa Nacional de Saúde Bucal de 2010. Brasília: Ministério da Saúde. Projeto SB Brasil 2010: Pesquisa Nacional de Saúde Bucal – Resultados Principais. Acessado em 6 de Janeiro de 2014. Disponível em: http//189.28.128.100/dab/docs/geral/ projeto_sb2010_relatorio_final.pdf. 2014.

13. BURT, BA. Fifty years of water fluoridation. Br. Dent. J. 1995; 178 (2): 49-50.

14. BUSATO, ALS. Dentística: novos princípios restauradores. São Paulo: Artes Médicas; 2004. 102 p.

15. CHAVES, MM. Odontologia social. 2. ed. Rio de Janeiro: Labor; 1977. 93 p.

16. CURY, JA, DEL FIOL, FS, TENUTA, LM, et al. Low-fluoride dentifrice and gastrointestinal fluoride absorption after meals. J. Dent. Res. 2005; 84 (12): 1133-7.

17. CURY, JA, TENUTA, LM. How to maintain a cariostatic fluoride concentration in the oral environment. Adv. Dent. Res. 2008; 20 (1): 13-6.

18. DEAN, HT, MCKAY, FS. Production of Mottled Enamel Halted by a Change in Common Water Supply. Amer. J. of Public Health and the Nation's Health. 1939; 29 (6): 590-6.

19. DIAS, AA. Saúde bucal coletiva: metodologia de trabalho e práticas. São Paulo: Santos; 2006.

20. KLEIN, H, PALMER, CE. Dental caries in American Indian children. Public Health Bull. 1937; 23 (9): 1-53.

21. KLEIN, H, PALMER, CE, KNUTSON, JW. Studies on dental caries: I. Dental status and dental needs of elementary school children. Public Health Rep. 1938; 53 (1): 751-76.

22. LEITES, ACBR, PINTO, MB, SOUSA, ERS. Aspectos microbiológicos da cárie dental. Salus vita. 2006; 25 (2): 135-48.

23. LIMA, YB, CURY, JA. Ingestão de flúor por crianças pela água e dentifrício. Rev. Saúde Pública. 2001; 35 (6): 576-81.

24. LIMA, TJ, RIBEIRO, CC, TENUTA, LM, et al. Low-fluoride dentifrice and caries lesion control in children with different caries experience: a randomized clinical trial. Caries Res. 2008; 42 (1): 46-50.

25. LOCKER, D. Impact of dental conditions on patient's quality of life. Community Dent Health. 1997; 5 (1): 3-18.

26. MARINHO, VC, HIGGINS, JP, LOGAN, S, et al. Topical fluoride (toothpastes, mouthrinses, gels or vanishes) for preventing dental caries in children and adolescents. Cochrane Database Syst Rev. 2003; 4: CD002782.

27. MARTINS, MD, ARAÚJO, RGD, VELOSO, NF. Avaliação das necessidades de tratamento odontológico de crianças de baixa renda. J. Bras. de Odontop. e Odontol. do Bebê. 1999; 2 (1): 132-6.

28. MENEZES, LMB, SOUZA, MLR, RODRIGUES, LK, et al. Autopercepção da fluorose pela exposição a flúor pela água e dentifrício. Rev. Saúde Pública. 2002; 36 (6): 752-4.

29. MIOTTO, MHMB, LOUREIRO, CA. Efeito das características sóciodemográfica sobre a frequência dos impactos dos problemas de saúde bucal na qualidade de vida. Rev. Odontol. UFES. 2003; 5 (3): 6-14.

30. NARVAI, PC, BIAZEVIC, MGH, JUNQUEIRA, SR, et al. Diagnóstico de cárie dentária: comparação dos resultados de três levantamentos epidemiológicos numa mesma população. Rev. Bras. Epidemiol. 2001; 4 (2): 72-80.

31. NARVAI, PC, FRAZÃO, P, CASTELLANOS, RA. Declínio na experiência de cárie em dentes permanentes de escolares brasileiros no final do século XX. Odont. Soc. 1999; 1 (1/2): 25-9.

32. NARVAI, PC, FRAZÃO, P, RONCALLI, AG, et al. Cárie dentária no Brasil: declínio, iniquidade e exclusão social. Rev. Panam. Salud Publica. 2006; 19 (6) 385-93.

33. PEREIRA, AC. Odontologia em Saúde Coletiva: planejando ações e promovendo Saúde. Porto Alegre: Artmed; 2003. 440 p.

34. PERES, MA, PERES, KG, BARROS, AJD, et al. The relation between family socioeconomic trajectories from childhood to adolescence and dental caries and associated oral behaviours. J. Epidemiol Commnunity Health. 2007; 61 (2): 141-5.

35. PINTO, VG. Saúde Bucal: Odontologia Social e Preventiva. 4. ed. São Paulo: Editora Santos; 2000. 425 p.

36. ROSE, G. Sick individuals and sick populations. Int. J. Epidemiol. 1985; 14 (1): 32-8.

37. TENUTA, LMA, ZAMATARO, CB, DEL BEL-CURY, AA., et al. Mechanism of fluoride dentifrice effect on enamel demineralization. Caries Res. 2009; 43 (4): 278-85.

38. TRAEBERT, J. Prevalência e severidade de cárie dentária e necessidade de tratamento odontológico em pequenos municípios brasileiros. Cad. Saúde Pública. 2002; 18 (3): 817-21.

39. WEINE, S. Construção do paradigma de promoção de saúde bucal: um desafio para as novas gerações. In: KRIGER, L. Promoção de Saúde Bucal. Terceira Edição. São Paulo: Artes Médicas; 2002. Cap. 1. p. 1-26.

40. WORLD HEALTH ORGANIZATION. The World Oral Health Report 2003. Continuous improvement of oral health in the 21st century: the approach of the WHO Global Oral Health Programme. Geneva: WHO; 2003.

 

 

Endereço para correspondência:
Patricia Bolzan Agnelli
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)
Departamento de Morfologia e Patologia
Rodovia Washington Luís km 235
Caixa Postal 676 São Carlos, SP, Brasil
CEP: 13565-905
e-mail:
patricia_bolzan@yahoo.com.br

 

Recebido em 09/07/2014
Aprovado em 11/08/2014