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RPG. Revista de Pós-Graduação

versão impressa ISSN 0104-5695

RPG, Rev. pós-grad. vol.17 no.1 São Paulo Jan./Mar. 2010

 

ARTIGOS CIENTÍFICOS

 

Fratura patológica da mandíbula associada a tumor marrom do hiperparatireoidismo

 

Pathological fracture of the mandible associated with brown tumor of hyperparathyroidism

 

 

CINTHIA COELHO SIMÕES I; DELANO OLIVEIRA SOUZA II; PAULO SÉRGIO FLORES CAMPOS III

I Doutoranda em Processos Interativos dos Órgãos e Sistemas pelo Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Bahia (UFB) – Salvador/BA
II Mestrando em Processos Interativos dos Órgãos e Sistemas pelo Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Bahia (UFB) – Salvador/BA
III Professor Associado Livre-Docente da Disciplina de Radiologia pela Faculdade de Odontologia da Universidade Federal da Bahia (UFB) – Salvador/BA

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

o hiperparatireoidismo (HPT) secundário é uma complicação encontrada na insuficiência renal crônica, sendo o tumor marrom uma das manifestações tardias dessa condição. O tumor marrom é uma lesão óssea, com características benignas, decorrente da secreção excessiva de paratormônio. A correção do HPT leva à significativa regressão ou até ao desaparecimento completo do tumor marrom, não sendo geralmente necessário tratamento cirúrgico para a lesão. No entanto, quando não realizado o controle metabólico, sua expansão pode provocar fraturas patológicas, o que se observa também nos maxilares, levando o paciente a um comprometimento estético e funcional do sistema estomatognático. Relatamos aqui um caso clínico de fratura patológica da mandíbula de um paciente portador de tumor marrom do HPT secundário a insuficiência renal crônica.

Descritores: Patologia bucal. Hiperparatireoidismo. Mandíbula.


ABSTRACT

Hyperparathyroidism (HPT) is a complication found in the chronic renal failure; a late manifestation of this condition is called Brown Tumor which is a bone lesion with benign characteristics, which is caused by excessive secretion of parathormone. The correction of HPT drives through a significant regression of the brown tumor, with complete desappearance, making surgical treatment unnecessary. However, when metabolic control is not performed, brown tumor expansion can make pathological fractures come over, with is observed, also, in maxillary, compromising aesthetic and functionally the stomatognathic system of the patient. On this paper, a clinical case of pathological fracture of the mandible in a patient with brown tumor due to HPT secondary to chronic renal failure is related.

Descriptors: Pathology oral. Hyperparathyroidism. Mandible.


 

 

Introdução

O corpo humano consiste de um conjunto de sistemas, que interagem entre si. Alterações funcionais ou morfológicas em qualquer órgão, tecido ou mesmo uma única célula podem promover desordens em outros tecidos não envolvidos primariamente. Dessa forma, de sordens endócrinas, do metabolismo ósseo e outras doenças sistêmicas podem determinar a manifestação de alterações no sistema estomatognático, principalmente nos ossos, mucosa e dentes.

A função do tecido ósseo não inclui somente suporte, proteção e um ambiente para hematopoese, o osso é também uma grande reserva de cálcio para o organismo, desde quando se encontra em constante remodelação. Desordens sistêmicas afetam o tecido ósseo, promovendo uma mudança no número e na atividade dos osteoclastos, osteoblastos e osteócitos9.

Dentre essas desordens, o hiperparatireoidismo (HPT) representa uma doença endócrina causada pelo aumento da secreção do paratormônio que, em níveis elevados, leva a distúrbio no metabolismo do cálcio e, portanto, a algumas alterações do tecido ósseo, dentre elas a formação do tumor marrom, uma lesão caracterizada por acúmulo focal de células osteoclásticas e por alterações ósseas –principalmente em falanges, pelve, fêmur, tíbia, maxila e mandíbula – que quando não tratado pode evoluir, como ocorre nos ossos gnáticos, para complicações como fraturas ósseas e processos infecciosos secundários2,7,10.

A produção excessiva do paratormônio ocorre devido à formação de adenoma, hiperplasia primária e carcinoma nas glândulas pararatireoides (hiperparatireoidismo primário) ou devido à ação de estímulos extraglandulares (hiperparatireoidismo secundário), quando a menor concentração sanguínea de íons cálcio estimula as células da paratireoide a elevar a quantidade de hormônio circulante, com o objetivo de retirar dos ossos a quantidade de mineral necessária à manutenção do balanço cálcio-fósforo no sangue. Nesse caso, as doenças renais crônicas são as principais causas das alterações metabólicas2,7.

O tumor marrom é considerado um processo reativo não-neoplásico devido à reabsorção e lesão ósseas localizadas, sendo uma lesão com alto poder de expansão, devido a alterações na remodelação óssea. Quando ocorre em pacientes em estágio final de doença renal, tende a severos crescimentos ósseos, sendo que a paratireoidectomia reduz esse crescimento3,8,10.

Radiograficamente, o tumor marrom caracteriza-se como uma lesão lítica, expansiva, bem definida, mas que adelgaça e erode as corticais ósseas, podendo apresentar uma malha tênue de septos intralesionais, o que confere à condição uma aparência multilocular, ou podendo também ser unilocular. O tumor marrom geralmente mostra ocorrência múltipla, embora possa ser único. Quando presente nos maxilares, evidencia-se usualmente ausência de lâmina dura1,4.

Nas imagens de ressonância magnética, a proporção relativa de hemossiderina, focos hemorrágicos, áreas císticas e de estroma fibroso explica sua intensidade de sinal variável, de hipo a hipersinal, nas sequências ponderadas em T2. Além disso, seu realce intenso e precoce em imagens dinâmicas pós-contraste ponderadas em T1 parece ser decorrente de sua marcante vascularização1.

Histologicamente, o tumor marrom é caracterizado por massa de tecido macio composta por células gigantes dentro de um estroma fibrovascular, possui espaços tipo císticos enfileirados por tecido conectivo. Os focos de hemorragia e deposição de hemossiderina aparecem como uma massa friável vermelho-marrom, característica que deu origem a seu nome6,8.

Assemelha-se, ainda histologicamente, a outras lesões que apresentam em seu interior células gigantes, como a lesão central de células gigantes e o querubismo, sendo importante a avaliação da história da doença e exames laboratoriais para determinação do diagnóstico definitivo. A identificação da lesão, por meio dos achados laboratoriais (hiperparatireoidismo), descarta a existência de lesão central de células gigantes, caracterizando, dessa forma, a presença do tumor marrom8.

O tumor marrom não demanda tratamento específico na maioria dos casos, pois a correção do hiperparatireoidismo leva à significativa regressão ou até ao desaparecimento completo da lesão. No entanto, ele pode provocar fraturas patológicas e até compressão da medula óssea quando envolve a coluna vertebral. Quando atinge a face, pode causar deformidades faciais e dificuldades na respiração e fonação, sendo, nesses casos, recomendado o tratamento cirúrgico3,5,8,10.

Na sequência, relatamos um caso de fratura patológica da mandíbula associada a tumor marrom consequente a HPT secundário a insuficiência renal crônica.

 

Relato de caso

Paciente do gênero feminino, 27 anos, compareceu ao ambulatório do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Hospital Ana Neri, Salvador, Bahia, onde, durante anamnese, informou ser portadora de insuficiência renal crônica dialítica secundária a Glomerunefrite há 11 anos e relatava como queixa principal "dor no rosto" há dois meses. A história pregressa revelou cirurgia em corpo mandibular direito, realizada há dois anos e seis meses, para tratamento de tumor marrom, e paratireoidectomia, há três meses, para controle dos níveis séricos de paratormônio. Na radiografia panorâmica de controle pós-operatória da primeira cirurgia, observou-se sítio cirúrgico com margens bem definidas, em corpo mandibular, estendendo-se da região da unidade 31 à região da unidade 45 e associado à placa de reconstrução (Figura 1).

Ao exame clínico extrabucal, a paciente apresentava hiperpigmentações cutâneas, comumente encontradas em pacientes portadores de insuficiência renal crônica, e deformidade facial do lado direito devido à cirurgia prévia (Figura 2). No exame intrabucal, observou-se presença de secreção purulenta ativa em região de incisivos inferiores e fibrose em região de mucosa alveolar mandibular, à direita, com múltiplas ausências dentárias.

Foi solicitada uma nova radiografia panorâmica, que mostrou perda dentária da unidade 46 e fratura patológica na basilar da mandíbula (Figura 3). Nos exames laboratoriais pré-operatórios foi constatado que a paciente encontrava-se metabolicamente compensada quanto aos níveis séricos de cálcio, fósforo e paratormônio, portanto apta metabolicamente para submeter-se a tratamento cirúrgico.

O tratamento realizado foi a ressecção cirúrgica dos fragmentos ósseos desvitalizados, exodontias das unidades dentárias adjacentes à área lesional (31, 32, 33 e 47) e substituição da placa antiga, através de acesso submandibular, por nova placa de reconstrução rígida mais extensa do sistema 2,7 mm.

 

 

 

O exame anatomopatológico da peça revelou presença de osso lamelar com proliferação de osteoblastos, formação de matriz osteoide abundante, tecido densamente fibroso com proliferação vascular e áreas de hemorragia, e ausência de células gigantes. A radiografia panorâmica pós-operatória de controle revelou aspecto de normalidade dos remanescentes ósseos, com margens regulares, e adequado posicionamento da placa de reconstrução (Figura 4). A paciente encontra-se sob acompanhamento e em boas condições clínicas, assim como em adequada saúde bucal.

 

 

 

 

 

Discussão

A manifestação de doença óssea associada à insuficiência renal crônica e ao HPT tem tido incidência decrescente nas últimas décadas, em virtude da investigação laboratorial mais frequente para avaliação de possíveis alterações no metabolismo do cálcio e do fosfato.

A insuficiência renal crônica é uma doença progressiva, caracterizada por uma crescente incapacidade do rim em manter, em níveis baixos e normais, os produtos do metabolismo das proteínas e valores normais de pressão arterial, bem como o equilíbrio do sódio, da água, do potássio e do equilíbrio ácido-base. O HPT secundário é uma das muitas complicações da insuficiência renal crônica. O hormônio paratireoidiano é produzido em resposta a uma diminuição dos níveis séricos de cálcio, situação decorrente da doença renal crônica. Com a persistência da doença, lesões ósseas como o tumor marrom podem se desenvolver4.

O tumor marrom acontece tardiamente na doença em cerca de 10% dos casos de pacientes com HPT, cujas primeiras e mais confiáveis características são erosões ósseas nas superfícies subperiostais das falanges dos dedos. Esses sinais radiográficos podem indicar a perda de cálcio pelos ossos, o que permite que o tratamento seja realizado antes do possível aparecimento do tumor marrom9. Há que se referir que o correto diagnóstico do Tumor Marrom é de extrema relevância, para que não seja confundido com lesões mais agressivas como tumores ósseos primários ou metastáticos, e também para adoção da terapêutica adequada1. O tratamento do tumor marrom do HPT deve ser feito de forma multidisciplinar, pois é necessária a estabilização do quadro clínico do paciente, evitando-se assim fraturas patológicas pós-cirúrgicas e problemas no tratamento cirúrgico facial3,5,8,10.

A abordagem cirúrgica do tumor marrom faz-se necessária nos casos em que, mesmo após controle metabólico, não há regressão da lesão. Devido à grande deformidade facial que a lesão pode determinar, o tratamento cirúrgico mais indicado é a ressecção, em caso de lesões localizadas, ou osteoplastia facial com fins estéticos e funcionais, quando da ocorrência de extensas lesões envolvendo múltiplos ossos faciais2,10.

 

Referências

1. Cardoso FNC, Yanaguizawa M, Taberner GS, Kubota ES, Fernandes ARC, Natour J. Contribuição da avaliação radiológica no hiperparatireoidismo secundário. Rev Bras Reumatol. 2007;47(3):207-11.         [ Links ]

2. Corrêa PHS. Tratamento cirúrgico do hiperparatireoidismo. Arq Bras Endocrinol Metab. 2006;50 (5):836-8.

3. Ellis E, Hupp JR, Peterson L J, Tucker MR. Cirurgia oral e maxilofacial contemporânea. Rio de Janeiro: Guanabara Kogan; 2000. p. 535-7.

4. Farias JG, Carneiro GGVS, Batista BA, Barreto-Neto LO, Moraes LC, Meirelles MM. Avaliação odontológica-cirúrgica do paciente renal crônico. Rev Cir Traumatol Buco-Maxilo-fac. 2008;8(1):9-14.

5. Leal CT, Lacativa PG, Gomes EM, Nunes RC, Costa FL, Gandelmann IH, et al. Surgical approach and clinical outcome of a deforming brown tumor at the maxilla in a patient with secondary hyperparathyroidism due to chronic renal failure. Arq Bras Endocrinol Metab. 2006;50(5):963-7.

6. Neville BW, Damm D, Allen CM, Bouquot JE. Patologia Oral e Maxilofacial. Rio de Janeiro: Guanabara Kogan; 2004. p. 586-94.

7. Spasovski G, Masin-Spasovska J, Gjurchinov D. Successful treatment of severe secondary hyperparathyroidsm (Brown tumor) by kidney transplantation and pulses of oral calcitriol. Clin Transplant 2009:23(3):426-30.

8. Triantafillidou K, Zouloumis L, Karakinaris G, Kalimeras E, Iordanidis F. Brown tumors of the jaws associated with primary or secondary hyperparathyroidism. A clinical study and review of the literature. Am J Otolaryngol. 2006;27(4):281-6.

9. White ST, Pharoah MJ. Radiologia oral: fundamentos e interpretação. Elsevier;. 2007. P. 502-4.

10. Yamashita Y, Akiyama T, Mizusawa N, Yoshimoto K, Goto M. A case of hyperparathyroidism-jaw tumour syndrome found in the treatment of an ossifying fibroma in the maxillary bone. Int J Oral Maxillofac Surg. 2007;36(4):365-9.

 

 

Endereço para correspondência:
Cinthia Coelho Simões
Rua Albatroz, 213 – Condomínio Morada dos Pássaros
Ed. Gaivota, Apto.701 Imbuí – Salvador/BA
CEP: 41720-420
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Recebido em: 11/01/10
Aceito em: 22/03/10