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RFO UPF

versão impressa ISSN 1413-4012

RFO UPF vol.15 no.3 Passo Fundo Set./Dez. 2010

 

Acessibilidade dos idosos Brasileiros aos serviços odontológicos

 

Accessibility of dental services for Brazilian elderly

 

 

Ana Amélia de Faria VianaI; Maria José GomesII; Raquel Baroni de CarvalhoIII; Elizabete Regina Araújo de OliveiraIV

IAluna do curso de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Clínica Odontológica-UFES, Vitória, ES, Brasil
IIProfessora Associada do curso de Odontologia e do Programa de Pós Graduação em Clínica Odontológica-UFES, Vitória, ES, Brasil
IIIProfessora Adjunta do curso de graduação em Odontologia e do Programa de Pós-Graduação em Clínica Odontológica-UFES, Vitória, ES, Brasil
IVProfessora Associada do curso de Enfermagem e do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da UFES, Vitória, ES, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A transição epidemiológica e demográfica no Brasil pode ser traduzida no aumento da terceira idade e nas dificuldades assistenciais: doenças transmissíveis e não transmissíveis coexistindo entre a população. Direcionar o olhar para a terceira idade e identificar as barreiras de acesso aos serviços de saúde bucal se faz necessário para melhor organização e planejamento da atenção ao idoso.
OBJETIVO: O objetivo deste estudo foi realizar uma revisão crítica sobre as condições ou razões que podem interferir na acessibilidade dos idosos nos serviços odontológicos.
REVISÃO DE LITERATURA: Foi realizada a busca ativa em periódicos nacionais publicados no período de 1986 a 2008, nas bases de dados eletrônicos indexados na Bireme, utilizando os descritores de assunto saúde bucal, serviços de saúde bucal e acesso aos serviços de saúde, entre outros.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: O acesso aos serviços de saúde bucal pode ser influenciado por diferentes razões, entre as quais a acessibilidade econômica, cultural e funcional. Os fatores sociodemográficos, a percepção da necessidade, bem como crenças e a importância atribuída à saúde bucal podem também exercer forte influência sobre a utilização de serviços odontológicos. A superação das iniquidades sociais e da escassa oferta de serviços foi sugerida nessa revisão como forma de redução das barreiras e de permitir o aumento da demanda aos serviços de saúde bucal.

Palavras-chave: Saúde bucal. Serviços de saúde bucal. Acesso aos serviços de saúde.


ABSTRACT

The epidemiological transition and population in Brazil can be translated by the increase in the third age and care difficulties: communicable diseases and not transmissible living among the population. Orientate the look to the third age and identify the barriers to access to services of oral healthcare is necessary for better organization and planning of attention to elderly.
OBJECTIVE: The aim of this study was to perform a critical review on the conditions or reasons that can interfere in the accessibility of the elderly in dentistry services.
LITERATURE REVIEW: It was a active search on national journals, published in the period 1986 to 2008, in electronic databases indexed in BIREME, using the descriptors of subject: oral health; health services and access to health services, among others.
FINAL CONSIDERATIONS: access to oral health services can be influenced by different reasons, among them, is accessibility economic, cultural and functional. The sociodemographic factors, the perception of need, as well as beliefs and the importance of oral health may exercise strong influence on the use of oral health services. The overcoming of the social inequalities and insufficient supply of services has been suggested on this' review, as a reduction of barriers and allow the increase in demand on services of oral healthcare.

Key words: Oral health. Oral health services. Health services accessibility.


 

 

Introdução

A transição demográfica e epidemiológica produz como cenário uma população com elevado número de indivíduos idosos1. Diferentemente de outros países, nos países em desenvolvimento, como o Brasil, essas transformações nem sempre vêm acompanhadas de modificações no atendimento às necessidades de saúde desse grupo populacional2,3.

Juntamente com o envelhecimento populacional, a transição epidemiológica, caracterizada pelo aumento de doenças crônico-degenerativas em detrimento das infecto-contagiosas, resulta no aumento da demanda dessa população por serviços de saúde4. Dentre os vários aspectos da saúde, a saúde bucal merece atenção especial pelo fato de que, historicamente, os serviços odontológicos não possuem como prioridade a atenção a esse grupo populacional1. O conceito de prioridade por grupo etário, pelo qual maior ênfase é dada a criança e ao jovem, na prática, é aplicado incorretamente, de modo especial em relação às pessoas de maior idade4. Esses indivíduos muitas vezes são dependentes da assistência pública prestada em instituições de longa permanência5 ou da assistência privada, devendo pagar pelos cuidados de que necessitam com os seus próprios recursos6.

Assim, a saúde bucal é componente essencial da higidez do indivíduo. Quando discutidas as condições de saúde da terceira idade7; observa-se que, nas últimas décadas, a perda total dos dentes era aceita pela sociedade, pelos cirurgiões-dentistas e por pessoas adultas como algo natural e normal ao avanço da idade1. As extrações em série, a cárie dentária e a doença periodontal são as razões que culminam na maciça mutilação dos indivíduos, que chegam à terceira idade com elevada perda dentária5.

A observação da elevada prevalência do edentulismo na terceira idade8 retrata a ineficiência e ineficácia dos programas de saúde bucal propostos para esse estrato populacional, que encerra em si características excludentes de acesso e estáticas de controle e acompanhamento1; ainda, reflete o perfil iatrogênico-mutilador da assistência oferecida pelos serviços odontológicos ao longo da vida desses indivíduos4,5.

O perfil epidemiológico da faixa etária acima de sessenta anos é bastante crítico, mas não se pode ignorar a gradual mudança na saúde bucal. Apesar dos altos índices de edentulismo ainda presentes8; há uma tendência, na maior parte do mundo, à retenção dos dentes naturais pela população que está envelhecendo, o que aumenta a complexidade de cuidados pessoais e de atenção profissional com a pluralidade de quadros clínicos9. O papel da odontologia em relação a essa faixa populacional é o de mantê-la em condições de saúde bucal que não comprometam a alimentação normal, nem gerem repercussões negativas na saúde geral e no estado psicológico de cada indivíduo10.

Diante do atual contexto epidemiológico e demográfico exibido no Brasil, este estudo teve o objetivo de conhecer as razões que podem interferir na acessibilidade aos serviços odontológicos pela terceira idade. Isso se faz necessário para melhor organização e planejamento dos serviços atualmente ofertados.

 

Materiais e método

Este estudo teve como metodologia a busca ativa de informações científicas nas bases de dados do Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Bireme), Medline, Lilacs e BBO, além da biblioteca virtual SciELO. Foi realizada pesquisa bibliográfica sobre o tema central deste trabalho: a epidemiologia da saúde bucal e as barreiras ao acesso aos serviços odontológicos encontradas pela terceira idade.

Com a finalidade de delimitar o objeto de estudo e o campo de investigação para a realidade que se pretendeu apreender, optou-se por selecionar apenas produções na forma de artigos publicados em periódicos nacionais entre 1986-2008. Foi considerado o ano de 1986 como o período de início para tal levantamento pelo fato de ter ocorrido nesse ano a VIII Conferência Nacional de Saúde, que ditou a base da Constituição Federal de 198811 no que diz respeito à saúde, conferindo-lhe os princípios de universalidade de acesso, integralidade e igualdade de assistência à saúde.

Os descritores de assunto e palavras-chaves utilizados para a busca de artigos sobre "epidemiologia da saúde bucal" foram: idoso, saúde bucal, epidemiologia, levantamentos de saúde bucal e odontologia. Para a localização de artigos sobre o assunto: "acesso aos serviços de saúde bucal", foi necessária a realização de outro agrupamento de descritores e palavras chave: acesso aos serviços de saúde, garantia de acesso aos serviços de saúde, acesso universal, acesso igualitário, acesso regular aos serviços de saúde, acesso universal a serviços de saúde e barreiras de acesso aos serviços de saúde; saúde bucal".

A seleção baseou-se na conformidade dos limites dos assuntos aos objetivos deste trabalho: as publicações foram sintetizadas e analisadas de forma conceitual e crítica, quanto aos principais aspectos e razões determinantes do acesso aos serviços de saúde bucal. Desconsideraram-se aquelas que, apesar de aparecerem no resultado da busca, não abordavam o assunto do ponto de vista da epidemiologia bucal e do acesso aos serviços odontológicos.

Base legal para a política de atenção prioritária ao idoso

Do ponto de vista da normatização legal, o envelhecimento é protegido no Brasil, havendo diretrizes a serem seguidas e que podem assim ser representadas: pela Lei Orgânica da Saúde (lei nº 8080/1990) - dentre os seus princípios se destacam a preservação da autonomia, da integridade física e moral da pessoa, a integralidade da assistência e a fixação de prioridades com base na epidemiologia12; a ação do setor saúde na atenção integral à população idosa está fundamentada na Política Nacional de Saúde do Idoso (lei nº 8842/1994), tem como propósito a promoção do envelhecimento saudável, a manutenção e a melhoria da capacidade funcional dos idosos, a prevenção de doenças, a recuperação da saúde e a reabilitação daqueles que venham a ter a sua capacidade funcional restringida13.

O Estatuto do Idoso (lei nº 10741/2003) garante ao idoso a assistência à saúde, nos diversos níveis de atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS), por meio da prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde do idoso, mediante programas e medidas profiláticas. Permite a adoção e aplicação de normas de funcionamento às instituições geriátricas e similares, com fiscalização por gestores do SUS; possibilita estudos para detecção do caráter epidemiológico de determinadas doenças do idoso, com vistas à criação de serviços alternativos de saúde integral da terceira idade14.

As Diretrizes do Pacto pela Saúde de 2006 (portaria n° 399/2006) norteiam o pacto pela vida. Trata-se de um compromisso acordado entre os gestores do SUS em torno de prioridades que apresentam impacto sobre a situação de saúde da população brasileira. Das seis prioridades definidas, a saúde do idoso é uma15. Por isso, a portaria nº 2.528, de 19 de outubro de 2006, garante o fortalecimento do protagonismo das pessoas idosas no Brasil, com ênfase no envelhecimento ativo e saudável16.

De acordo com essas leis e a própria Constituição Federal de 198811; há a incorporação de uma concepção ampliada de saúde, entendida como direito de cidadania, em que a saúde é direito de todos e dever do Estado. Deve ser garantida mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação da saúde. Entretanto, o que pode ser observado é que mesmo que o processo de envelhecimento tenha sido mais discutido nos últimos anos7; as mudanças a ele intrínsecas ainda não parecem claras para a sociedade e suas instituições17. Todos devem ter acesso à saúde e aos serviços de saúde de qualidade, dentre os quais os serviços odontológicos, que repercutam em ações de promoção de saúde e de qualidade de vida10.

Apesar de essas políticas públicas12-16 focarem o idoso e sua família, existem dificuldades na sua concreta implementação, as quais abrangem desde a precária captação de recursos financeiros17 ao frágil sistema de informação para a análise de condições de vida e saúde, passando, evidentemente, pela inadequada capacitação de recursos humanos18. Portanto, o que se observa é uma forte pressão sobre o SUS no atendimento da população idosa.

Esse envelhecimento é, em certa medida, resultado da capacidade técnica de melhorar a saúde das pessoas. Logo, a pressão que se observa sobre os sistemas de saúde decorre de seu próprio sucesso, que não se limita à extensão da longevidade, mas envolve a mudança na forma como os anos a mais são vividos. A questão moral a enfrentar não se resume à interpretação de quais são as idades que definem as etapas do ciclo "natural" da vida, ou, no limite, qual é a idade a partir da qual se assume que a vida pode ou deve terminar para liberar recursos do sistema de saúde, mas que o mesmo deve zelar e proteger a qualidade de vida das pessoas.

Aspectos conceituais sobre acesso x acessibilidade

Acesso e acolhimento articulam-se e complementam-se na implementação de práticas em serviços de saúde bucal, na perspectiva da integralidade do cuidado19. Com a expansão e estruturação da oferta desses serviços durante o processo de construção do SUS, em que os municípios têm assumido a responsabilidade pela atenção à saúde de seus munícipes, sobretudo da rede de Atenção Básica, o debate sobre o acesso a essas ações e serviços ganhou nuances qualitativas. As análises e alternativas de soluções para o problema de acesso, em bases estritamente quantitativas, como número de atendimentos e rendimento profissional, deslocam-se para tendências que buscam qualificá-lo no ato da recepção do usuário3. A questão não se restringe a quantas portas de entrada se dispõe, mas, sobretudo, interroga-se sobre sua qualidade1,4,7.

Os termos "acesso" e "acessibilidade", apesar de serem utilizados de forma ambígua, têm significados complementares19. A acessibilidade possibilita que as pessoas cheguem aos serviços, e o acesso permite o uso oportuno dos serviços para alcançar os melhores resultados possíveis. Seria, portanto, a forma como a pessoa experimenta o serviço de saúde18 considerado socialmente importante, sem obstáculos físicos, financeiros ou de outra natureza1. E pode-se contribuir no debate sobre diretrizes para uma política nacional de saúde bucal que seja efetivamente inclusiva7; no que diz respeito à participação e garantia de direitos da população idosa, portanto promotora de saúde e do envelhecimento saudável20.

Assim, conceituar acesso aos serviços de saúde é complexo e está relacionado com a percepção das necessidades de saúde e da conversão dessas necessidades em demandas e dessas em utilização desses serviços1. Nos países em desenvolvimento, a insuficiência de serviços leva a que nem a demanda nem os usos reflitam as necessidades de saúde da população, pois a oferta não é suficiente para a adequada cobertura populacional18. Portanto, fatores ligados à oferta podem facilitar ou reprimir o acesso ao serviço de saúde21. Ter um serviço ao qual o indivíduo recorre regularmente quando necessita de cuidados de saúde mostra-se associado ao uso e pode ser considerado um indicador de acesso22. Em trabalhos que procuraram avaliar essa relação18,20-22; os fatores sociodemográficos, as crenças, bem como a percepção de necessidade e a importância atribuída à saúde bucal, também se mostraram como fatores de forte influência na utilização de serviços de saúde.

A conversão da percepção das necessidades de saúde em demanda e desta em utilização tem sido um desafio para a odontologia. Apesar da reconhecida importância da saúde bucal, a utilização dos serviços odontológicos no Brasil é baixa21; ficando uma parcela importante da população idosa sem oportunidade de acesso esses serviços7. A ausência da cobertura estatal é suprida, parcialmente, por um regime privado de provisão e produção de serviços odontológicos, que disputa e atende o segmento da demanda capaz de pagar22; restando imensa população excluída do atendimento a suas necessidades mais elementares de cuidados à saúde bucal3. Assim, o acesso e o benefício proporcionado pelas novas tecnologias restringem-se àqueles idosos que podem pagar o preço no mercado privado de serviços, ou àqueles que tenham a ampará-los algum plano corporativo de saúde, o que geralmente é raro22 para os que alcançaram a fase idosa.

Dessa maneira, o governo brasileiro tem buscado, por meio de novas perspectivas na política de saúde nacional15 e, em especial, pelas diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal, publicada pelo Ministério da Saúde (MS) em 200423; reformular a estruturação do atendimento à população e a inserção do cirurgião-dentista. O Programa de Saúde da Família (PSF), criado pelo MS em 1994 e atualmente denominado Estratégia de Saúde da Família (ESF), destaca, ao contrário do modelo tradicional, centrado na doença e no hospital, as ações de proteção e promoção de saúde dos indivíduos e da família, tanto adultos quanto crianças, sadias ou doentes, de forma integral e contínua. A inclusão do cirurgião-dentista, do auxiliar de saúde bucal e do técnico em saúde bucal na ESF propõe o multiprofissionalismo18 e a reordenação das práticas odontológicas20; necessárias diante dos problemas bucais vividos pela sociedade.

O acesso à saúde envolve múltiplos aspectos, os quais vão além do aumento da cobertura assistencial8,22. A garantia de acesso a bens e serviços deve ser observada por seus diversos componentes, que podem ser interpretados como as possíveis razões para facilitar ou dificultar o acesso aos serviços de saúde, que são: a) acessibilidade geográfica, pelo adequado planejamento da localização dos serviços de saúde, entre outros fatores, como a distância, o tempo necessário para cobri-la e os meios de transporte aceitáveis para a população; b) acessibilidade econômica, que seria a remoção de barreiras derivadas do sistema de pagamento ou contribuição pelo usuário, ou seja, custos dos serviços ao alcance da comunidade; c) acessibilidade cultural, adequação das normas e técnicas aos hábitos e costumes da população usuária; d) acessibilidade funcional, ofertas de serviços oportunos e adequados à necessidade da população. A acessibilidade implica, portanto, prestação contínua e organizada de serviços que as pessoas possam usufruir, devendo assegurar a equidade, com um mínimo de qualidade e a um custo compatível18.

O termo "cobertura" tem o significado de designar a medida de quanto um serviço colocado à disposição realmente cobre as necessidades potenciais da população20. Para retratar essa situação, em 1998, o Ministério da Saúde, por meio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)24; realizou uma Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílio (PNAD/1998) em que foi incluída a verificação da utilização de serviços odontológicos, questionando se o indivíduo já havia sido ou não atendido por um cirurgião-dentista em toda a sua vida. Em caso positivo, era verificada a época da última consulta realizada, se há menos de um ano, de um a dois anos ou há três anos ou mais. O percentual médio encontrado para o Brasil de indivíduos que nunca tinham ido ao dentista foi de 18,7%, o que correspondeu a quase trinta milhões de pessoas. Com a pesquisa realizou-se um retrato do panorama brasileiro em relação à cobertura para a população adulta quanto às oportunidades de acesso aos serviços de saúde bucal, bem como da necessidade urgente de se modificar essa realidade.

No contexto atual de construção do SUS, é fundamental que sejam potencializados caminhos trilhados e experimentados, a exemplo da proposta de acolhimento, como diretriz operacional dos serviços de saúde3. A assistência à saúde, na sua maioria, apresenta-se de forma precária e focada ainda, em muitas regiões, no modelo médico, insuficiente para dar conta do padrão heterogêneo de mortalidade e morbidade que combina doenças infecciosas, crônico-degenerativas e condições de vida, produto da transição demográfica e epidemiológica de um país com grande extensão territorial e extremos contrastes sanitários1,2. Uma alternativa seria redimensionar a assistência à saúde, reduzindo o uso excessivo de certos tipos de serviços por pessoas cujas demandas excedem suas necessidades e aumentar a cobertura para as pessoas necessitadas, que não recebem os cuidados devidos18.

Apesar de termos conseguido uma das mais avançadas legislações na área da saúde no mundo, do ponto de vista da conquista dos direitos sociais, o Brasil tem avançado muito lentamente e, atualmente, ainda se apresenta com grandes desigualdades sociais. Essa situação ainda é agravada pelos cortes de gastos nas áreas sociais e com reflexos nas políticas públicas. Em meio a crises constantes no sistema público de atenção à saúde, continuamos a observar o crescimento de planos e seguros privados que beneficiam, ainda hoje, os estratos de maior renda, ficando a população de menor renda dependente do sistema público. Apesar de a existência dos planos de saúde sugerir um aumento da utilização dos serviços odontológicos, esse efeito não foi muito grande em determinados grupos, em razão de valores pessoais e da dificuldade de oportunidades do próprio sistema.

Superação das dificuldades

Quanto às dificuldades de acesso aos serviços odontológicos, pode-se sugerir que a acessibilidade aos serviços odontológicos pode ser influenciada por diferentes prismas de observação, desde os elementos limitadores geográficos, físicos e operacionais quanto à cobertura assistencial, à escassa oferta de serviços públicos de atenção à saúde bucal voltados à população idosa brasileira e às possíveis "barreiras veladas" de acesso. Essas podem ser identificadas muitas vezes por limitações socioeconômicas e culturais.

Para populações idosas economicamente desfavorecidas, cuja renda muitas vezes está comprometida com outros membros da família, esse pode ser um fator limitador da utilização de serviços odontológicos.

O juízo de valor também pode ser destacado como um ponto de entrave para o desejo de cuidados odontológicos, porque, culturalmente, nesse momento da vida a atenção à saúde muitas vezes está dirigida aos serviços médicos, não aos serviços odontológicos, ou pelo simples fato do desconhecimento de que o corpo é um ente único e interdependente; logo, comprometimentos sistêmicos podem refletir na condição bucal, assim como a condição bucal poderá exercer influência na saúde sistêmica.

Para muitos, o fato de não ter mais dentes e apenas próteses totais pode também sugerir a falta de percepção sobre a necessidade de outros cuidados bucais, ou, ainda, não gera impacto na qualidade de vida, o que pode não gerar demanda para os serviços odontológicos, sejam públicos, sejam privados.

A dificuldade para determinar os pesos que cada um dos fatores acima apresenta na equação demanda reprimida x acesso é refletida no desafio de planejar, executar e avaliar ações de atenção à saúde bucal de idosos.

A maior oferta de equipes de ESF nos municípios contribuirá para a expansão das oportunidades de acesso aos serviços odontológicos públicos e de forma mais humanizada. As diferentes barreiras de acesso encontradas deverão ser superadas de forma a atuar nos determinantes sociais da saúde10; que são: a biologia humana, o estilo de vida, o acesso aos serviços de saúde e o ambiente onde está inserida a comunidade sob sua responsabilidade. Sendo a atenção voltada a toda a família (incluindo todos os seus membros - inclusive os idosos), a ESF deverá minimizar as barreiras encontradas em cada localidade, advogando em prol da saúde das famílias das áreas adstritas, levando informações e conhecimentos e incentivando as pessoas a realizar "escolhas mais saudáveis", por permitir avanços na busca da qualidade de vida dessas pessoas.

O sistema formal de atenção à saúde precisa atuar intersetorialmente e também como parceiro da rede de suporte social da pessoa idosa (sistema de apoio informal), auxiliando na otimização do suporte familiar e comunitário e fortalecendo a formação de vínculos de corresponsabilidade. Cabe, portanto, à gestão municipal da saúde desenvolver ações que objetivem a construção de uma atenção integral à saúde dos idosos em seu território.

Enfim, a universalidade do acesso aos serviços de saúde bucal ainda parece uma realidade longínqua. Apesar dos avanços do SUS, principalmente com a implantação ESF, o acesso à atenção odontológica necessita ser ampliado para grupos populacionais que têm como porta de entrada apenas os planos de saúde ou consultórios particulares, opções economicamente determinadas e socialmente excludentes.

 

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Endereço para correspondência:
Ana Amélia de Faria Viana

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29.101-130 Vila Velha - ES
Fone: (27) 3311 8260
E-mail: anaamelia.viana@bol.com.br

Recebido: 10.03.2010
Aceito: 20.10.2010