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RFO UPF
versão impressa ISSN 1413-4012
RFO UPF vol.16 no.3 Passo Fundo Set./Dez. 2011
Tratamento conservador de grande odontoma complexo em mandíbula
Conservative treatment of large complex odontoma in mandible
Antonio Eugenio Magnabosco Neto*; Diogo Lenzi Capella**
* Especialista em CTBMF, mestre em Ciências da Saúde, coordenador do Departamento de CTBMF e Patologia Oral do Hospital Municipal São José, Joinville, SC. Aluno do curso de doutorado em Estomatologia PUCPR.
** Aluno do curso de mestrado em Odontologia, Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
RESUMO
Introdução: Odontomas são os tumores odontogênicos mais comuns e frequentemente diagnosticados na segunda década de vida. Seu crescimento lento, comportamento benigno e assintomático favorecem sua permanência intraóssea por muito tempo até demonstrarem algum sinal clínico ou serem detectados em radiografias de rotina, podendo alcançar grandes dimensões. Relato de caso: O objetivo deste relato é demonstrar um caso clínico de odontoma complexo de grandes dimensões em mandíbula, descoberto pelo aumento de volume na região de ângulo mandibular, assim como o tratamento cirúrgico conservador, associado com a instalação da barra de Erich, bloqueio maxilomandibular por trinta dias e acompanhamento de fratura patológica com redução espontânea. Realizada proservação de seis anos sem sinal de recidiva. Considerações finais: Ressalta-se a importância do conhecimento pelo cirurgião dentista do perfil clínico-epidemiológico desta entidade. Fica evidente que a investigação radiográfica em casos dentes não erupcionados, de atrasos na esfoliação de dentes decíduos ou posição ectópicas de dentes permanentes pode favorecer o diagnóstico precoce. Preconiza-se o tratamento mais conservador possível, pois a recidiva é rara.
Palavras-chave: Odontoma. Tratamento.
ABSTRACT
Introduction: Odontomas are the most commom and often diagnosed odontogenic tumors in the second decade of life. Its slow growth, benign and asymptomatic behavior favors long staying intraosseous until show any clinical sign or be detected in routine radiographs, may reach large dimensions. Case report: The objective of this report is to demonstrate a case of large complex odontoma in mandible, uncovered by the swelling in the mandibular angle, as well as conservative surgical treatment, associated with the installation of Erich bar, a maxillo-mandibular block for 30 days and monitoring of pathological fracture with spontaneous reduction. Proservation of 6 years was achieved with no sign of recurrence. Final considerations: The importance of the dentist's knowledge about the epidemiological profile of his entity is emphasized. It is evident that the radiographic investigation in unerupted teeth, delayed exfoliation of deciduous teeth or permanent teeth ectopic position can make early diagnosis easier. The most conservative treatment is recommended since recurrence is rare.
Keywords: Complex odontoma. Treatment.
Introdução
Odontomas são tumores odontogênicos mistos, isto é, compostos por tecido dentário mineralizado tanto de origem epitelial quanto mesenquimal1. Segundo a literatura, sua prevalência é alta, correspondendo a 34,6 a 44,7% em relação aos outros tumores odontogênicos2-4. Constitui uma anomalia que surge em decorrência de distúrbios que afetam precocemente o germe dentário, sendo aceito que o odontoma representa mais uma má-formação hamartomatosa do que um verdadeiro neoplasma1,4.
Os odontomas são divididos em tipo composto e complexo. O odontoma composto é formado por múltiplas estruturas calcificadas, semelhantes a dentes rudimentares ou em miniatura. Já o odontoma complexo consiste em uma massa amorfa de tecido mineralizado, não exibindo semelhança anatômica com o dente1,4.
Hidalgo-Sánchez et al.5 (2008) realizaram uma metaanálise de 3.065 odontomas na literatura e não encontraram predileção por sexo, sendo mais frequentemente diagnosticados na segunda década de vida. Os odontomas compostos foram diagnosticados mais cedo, com média de 14.8 anos, diferente do complexo com a média de 21 anos. No mesmo estudo, 61,3% dos odontomas são compostos, em contraste com 37% dos complexos, mostrando congruência com a literatura.
A maioria das lesões (56%) está localizada na maxila superior e 44%, na mandíbula5. Verifica-se também uma tendência de os odontomas compostos ocorrerem mais na maxila e os complexos, mais na mandíbula1,4,5.
Quanto a suas características clínicas, os odontomas normalmente são assintomáticos, sendo quase sempre descobertos em exames radiográficos de rotina ou em radiografias realizadas a fim de detectar o motivo da falha de erupção de um dente. Ocasionalmente, aparecem sinais e sintomas decorrentes da sua presença. Estes, em geral, consistem em retenção de dentes decíduos, não erupção de dentes permanentes, dor, expansão da cortical óssea e deslocamento dental. Outros sintomas incluem anestesia do lábio inferior e edema da área afetada 6,7.
Radiograficamente, o odontoma apresenta radiopacidade bem definida, com densidade maior que a do osso e igual ou maior que a dental; há focos de densidade variável; muitas vezes, são circundadas por um delgado halo radiolúcido6.
O odontoma composto apresenta-se como uma coleção de estruturas semelhantes às do dente, de forma e tamanho variáveis, circundadas por uma estreita zona radiolúcida. O odontoma complexo, por sua vez, caracteriza-se por uma massa calcificada irregular, simples ou múltipla, com radiodensidade de estrutura dentária, envolvida também por uma estreita margem radiolúcida. O aspecto radiográfico do odontoma é característico e dificilmente é confundido radiograficamente com outra lesão. Por sua vez, o odontoma complexo pode ser confundido radiograficamente com um osteoma ou outra lesão óssea muito calcificada6,7.
Histopatologicamente, o odontoma composto consiste em formações que se assemelham a pequenos dentes unirradiculares no interior de uma matriz fibrosa frouxa. Apresenta-se como uma cápsula de tecido fibroso em torno de tecidos dentários formados por uma camada central do tecido pulpar, cercado de dentina primária e esmalte e cemento desmineralizado. Já os odontomas complexos são constituídos de grande quantidade de dentina tubular madura, a qual circunda fendas ou cavidades circulares que continham esmalte maduro, removido durante a descalcificação. A ceratinização, chamada de "células-fantasmas", é observada nas células epiteliais do esmalte de alguns odontomas, indicando seu potencial de ceratinização1,8.
Quando atingem grandes proporções, causam deformação do contorno normal em virtude da expansão da cortical óssea, gerando uma assimetria facial. São de crescimento lento e podem persistir por décadas sem qualquer sintoma9,10. Embora não haja formação de raízes em odontoma, o seu crescente aumento de tamanho pode levar ao sequestro do osso sobrejacente e, portanto, à exteriorização ou erupção na cavidade oral, podendo produzir uma força suficiente para provocar a reabsorção dentária e remodelação óssea da mandíbula11.
Tratamento de odontomas é a remoção cirúrgica (exérese) da lesão, que é unânime na literatura. A técnica empregada para a remoção dos odontomas consiste, de modo geral, nos mesmos princípios cirúrgicos básicos para extração de dentes inclusos. Pequenos e médios odontomas geralmente podem ser facilmente enucleados em razão de serem separados do osso circundante por uma zona de tecido conjuntivo. No entanto, o acesso a grandes odontomas pode ser problemático, especialmente para aqueles localizados em áreas mais profundas7-12.
O prognóstico é bom e não se espera recidiva1. Eventualmente, podem ocorrer complicações, como fístula com exsudato purulento, quando seu tamanho é grande e localizado próximo à mucosa e sujeito a trauma13. A falha no diagnóstico e tratamento, bem como o atraso na remoção desta patologia, pode levar a problemas de ordem estética, fonética e, principalmente, a alterações oclusais importantes, implicando a necessidade de tratamento corretivo ortopédico e ortodôntico13.
O presente estudo tem como objetivo apresentar o tratamento de um grande odontoma complexo em região de ramo mandibular com abordagem intrabucal e conservadora.
Relato de caso clínico
Paciente de gênero feminino, 19 anos, leucoderma, apresentou-se no ambulatório de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial e Patologia Oral do Hospital Municipal São José, Joinville, Santa Catarina em outubro de 2003.
Apresentava aumento de volume em região de ângulo e corpo mandibular direito, de aproximadamente três meses; não relatava dores no local e sem trauma aparente (Fig. 1). Ao exame clínico, constatou- se ausência do dente 47 e a mucosa ao redor da região se apresentava com coloração normal; à palpação, pequeno edema no segmento posterior do mesmo lado.
Ao exame radiográfico constatou-se presença de uma massa radiopaca irregular extensa, aproximadamente 7 cm, com margens definidas com limite mesial na distal do dente 46, limite distal até terço médio do ramo ascendente do ângulo de mandíbula, limite inferior até a cortical superior do canal mandibular, associado a um dente molar retido na região basilar e limite superior até o osso alveolar. Um fino halo radiolúcido delimitava toda a lesão (Fig. 2 e 3). Diante dos aspectos clínicos e radiográficos, a hipótese diagnóstica foi de odontoma complexo.
Programaram-se a excisão da lesão por um acesso intrabucal e a instalação de barras de Erich em ambos os arcos, com o objetivo de manter a fixação intermaxilar, pois já se esperava uma fratura no local em razão do tamanho e extensão da lesão.
A paciente foi submetida ao tratamento operatório sob anestesia geral, com intubação naso traqueal. A via de acesso foi intrabucal, realizando-se incisão linear ao longo do rebordo alveolar, iniciando-se na região retromolar mandibular direita à distal do segundo pré-molar ipsilateral. Realizou-se o descolamento mucoperiostal, que revelou a face superior da lesão subjacente. A parede óssea vestibular da região encontrava-se bastante delgada e facilmente removida. Realizou-se a enucleação da lesão após o seccionamento desta com broca cirúrgica tronco cônica 702. A fratura da mandíbula se confirmou, como esperado durante a cirurgia, na região de ângulo direito. Procedeu-se à exodontia do elemento dentário retido que se encontrava associado à lesão. Ressecado todo o tecido envolvido e realizado o fechamento da ferida, realizou-se bloqueio maxilomandibular por trinta dias. A peça encaminhada ao exame anatomopatológico confirmou o diagnóstico de odontoma complexo.
No pós-operatório de sete dias não transcorreram infecções secundárias nem deiscência de sutura. A paciente retornou ao ambulatório do serviço após trinta dias e, clinicamente, não apresentava assimetria facial nem queixa de dor, parestesia ou desconforto na região operada. A mucosa da região apresentava-se com aspecto clínico normal e sem alterações de cor. O exame radiográfico nesta ocasião mostrou neoformação óssea (Fig. 4). O caso evoluiu satisfatoriamente após 3 (Fig. 5), 6 (Fig. 6) e 12 meses (Fig. 7), sendo as barras de Erich retiradas em três meses e completa regeneração óssea da cortical fraturada em 12 meses.
A paciente retornou em 2009 para reavaliação do caso, que se apresentou completamente curada e sem evidências de recidiva (Fig. 8).
Discussão
Neste relato, a lesão foi encontrada em paciente do sexo feminino, com 19 anos, dado que coincide com a literatura, já que parece haver uma predileção pela segunda década de vida5. Da mesma forma, em relação à localização, a região mais comumente afetada pelos odontomas complexos é a posterior de mandíbula, ao passo que os odontomas compostos são mais diagnosticados na região anterior de maxila5. Essa afirmação também é compatível com o caso apresentado, já que a enfermidade estava situada em corpo mandibular, estendendo-se à região de ângulo. O que difere neste caso é o tamanho exuberante da lesão (aproximadamente 7 cm), ainda assim assintomática e só reparada pela assimetria que causava três meses antes da cirurgia. Geralmente, essas lesões apresentam diâmetro pequeno, variando de alguns milímetros a até 3-4 cm, raramente ultrapassando 6 cm4,9. A investigação radiográfica prévia pela ausência do dente 47 na cavidade bucal poderia ter facilitado o diagnóstico precoce da lesão.
Outro aspecto importante neste relato foi o planejamento cirúrgico. Odontomas complexos localizados nessa região podem ser removidos por acesso extra ou intrabucal. O acesso extrabucal pode ser a opção quando a lesão se apresentar muito extensa, fragilizando a mandíbula e tornando-a suscetível à fratura. Uma incisão submandibular permitiria uma fácil redução e fixação com placa e parafuso da fratura prevista9,14. Entretanto, acessos extrabucais podem deixar cicatrizes antiestéticas e são menos conservadores. No caso apresentado, apesar da grande extensão da lesão e da possível fratura mandibular transoperatória, optou-se por um acesso intrabucal; estando de acordo com a literatura6, ao realizar-se a cirurgia nos moldes da técnica para os dentes inclusos15, foram tomados os cuidados básicos de seccionamento com broca e uso de força controlada.
A instalação de barras de Erich com o objetivo de manter a fixação intermaxilar não evitou a fratura patológica no transoperatório. Manteve-se a paciente com bloqueio maxilomandibular durante trinta dias, já havendo redução espontânea da fratura sem necessidade de nova intervenção para fixação rígida, evitando-se, assim, nova abordagem cirúrgica.
Considerações finais
Como os odontomas são tumores benignos e assintomáticos, podem chegar a grandes proporções até que a paciente os perceba. Exames radiográficos de rotina, dentes não erupcionados, atrasos na esfoliação de dentes decíduos ou posição ectópica de dentes permanentes podem nos fornecer sinais para a investigação do odontoma. O planejamento cirúrgico de grandes odontomas complexos em mandíbula deve ser feito com cuidado. O tratamento conservador é o recomendado, sendo indicado o mesmo protocolo para os dentes inclusos. Acesso intrabucal pode ser utilizado com segurança, e uso do bloqueio maxilomandibular por trinta dias ajuda a evitar que venha a ocorrer uma fratura indesejada e até ajudar na redução de pequenas fraturas patológicas espontaneamente.
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Endereço para correspondência:
Antonio Eugenio Magnabosco Neto
Rua Blumenau, 178 sala 710, centro
89205-250 Joinville - SC
e-mail: aemagnabosco@terra.com.br
Recebido: 10.01.2011
Aceito: 24.05.2011