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RFO UPF

versão impressa ISSN 1413-4012

RFO UPF vol.20 no.3 Passo Fundo Set./Dez. 2015

 

 

Relação entre apneia obstrutiva do sono e bruxismo do sono: revisão de literatura

 

Relationship between obstructive sleep apnea and sleep bruxism: literature review

 

Davi Francisco Casa Blum I; Álvaro Della Bona II

 

I Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, mestrando em Clínica Odontológica, Faculdade de Odontologia, Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, RS, Brasil
II Doutor em Material Sciences and Engineering: Biomaterials, professor do Programa de Pós-graduação em Odontologia, área Clínica Odontológica da Faculdade de Odontologia, Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, RS, Brasil




Endereço para correspondência

 

 


 

Resumo

Objetivo: analisar a literatura acerca da apneia obstrutiva do sono (AOS) e do bruxismo do sono (BS) e traçar uma possível relação entre ambos. Revisão de literatura: a apneia obstrutiva do sono e o bruxismo do sono são patologias frequentes na prática médica e odontológica, e suas etiologias estão sob constante investigação. A AOS é caracterizada por episódios repetitivos de obstrução das vias aéreas superiores, que ocorrem durante o sono, usualmente relacionadas à redução na saturação do oxigênio do sangue. Já o bruxismo é uma atividade repetitiva dos músculos da mastigação caracterizada por apertar, ranger os dentes e/ou reter ou projetar a mandíbula. A literatura científica vem tentando relacionar o BS com outras desordens do sono no intuito de facilitar o processo diagnóstico. Considerações finais: uma relação entre a AOS e o BS é cogitada em termos fisiológicos, anatômicos e etiológicos. Uma associação dos eventos de BS com despertares e uma possível função de manutenção da patência das vias aéreas inspira uma relação dos eventos de BS com os eventos de obstrução das vias aéreas na AOS. Ainda existem questões sem respostas, instigando a contínua investigação dessa temática.

Palavras-chave: Bruxismo. Bruxismo do sono. Apneia do sono.

 

Abstract

Objective: To analyze the literature on Obstructive Sleep Apnea (OSA) and Sleep Bruxism (SB), and define a possible relationship between them. Literature review: OSA and SB are common pathologies in medical and dental practices, and their etiologies are under constant investigation. OSA is characterized by repetitive upper airway obstructive episodes, which occur during sleep and are usually related to the reduction of blood oxygen saturation. Bruxism is a repetitive activity of masticatory muscles, characterized by clenching, grinding and/or bracing or thrusting the mandible. Scientific literature has been trying to relate SB with other sleep disorders to facilitate the diagnostic process. Final considerations: A relationship between OSA and SB is considered in physiological, anatomical, and etiological terms. An association between SB events and awakenings, and a possible function of maintaining patency in airways inspires a relationship between SB events and OSA airway obstruction events. There are still unanswered questions that instigate further investigation on this topic.

Keywords: Bruxism. Sleep Bruxism. Sleep Apnea.

 


 

Introdução

Na prática em saúde, o profissional deve estar ciente das condições do paciente de maneira integral, por isso o pleno conhecimento acerca de patologias frequentes, como a apneia obstrutiva do sono (AOS) e o bruxismo do sono (BS), é de grande importância.

A etiologia dessas condições está sob constante investigação. A AOS está relacionada a interrupções no fluxo do ar na respiração durante o sono1, enquanto o BS tem sido associado cada vez menos à fatores periféricos, dando lugar à investigações sobre fatores centrais e cíclicos fisiológicos2.

Tendo em vista o impacto da AOS e do BS na saúde e qualidade de vida dos pacientes3, é de suma importância compreendê-las e investigar o efeito de uma possível relação entre ambas.

Este estudo tem como objetivo analisar a literatura acerca dessas patologias e traçar uma possível relação entre ambas, visando facilitar o seu diagnóstico na prática do cuidado em saúde.

 

Metodologia

Para a elaboração desta revisão de literatura, foi realizada uma pesquisa nas bases de dados PubMed e Cochrane Library, no período de 2010 a 2014, nas línguas inglesa e portuguesa, e foram incluídos também artigos clássicos e pertinentes à discussão publicados antes desse período.

 

Revisão de literatura

Apneia obstrutiva do sono

Os distúrbios de respiração relacionados ao sono, que levam a aumentos e diminuições nos esforços respiratórios acompanhados de alterações na saturação dos gases no sangue arterial e pressão intratorácica, ocorrem de várias maneiras. Comumente, esses eventos são divididos em centrais – quando há redução ou ausência de estímulos motores na central respiratória, para os músculos da respiração – ou obstrutivos – que se caracterizam por esforços respiratórios contra uma via aérea superior obstruída. Entretanto, a maioria dos distúrbios de respiração relacionados ao sono se deve a anomalias tanto anatômicas quanto de controle neuroquímico das vias aéreas e dos músculos da respiração1.

A apneia obstrutiva do sono (AOS), também conhecida pelos termos síndrome da apneia e hipopneia obstrutiva do sono, síndrome da apneia obstrutiva do sono, apneia das vias aéreas superiores ou, simplesmente, apneia do sono, é uma patologia caracterizada por episódios repetitivos de obstrução das vias aéreas superiores, que ocorre durante o sono, usualmente relacionados à redução na saturação do oxigênio do sangue4.

A prevalência da AOS varia nas populações estudadas. Em um estudo, Young et al.5 (1993) reportaram uma prevalência de 9% em mulheres e 24% em homens, enquanto dados mais recentes da Academia Americana de Medicina do Sono (American Academy of Sleep Medicine – AASM)4 apontam 2% para mulheres e 4% para homens. Os autores sugerem que o método de amostragem, o uso de técnicas e critérios diagnósticos recentes e a alta prevalência de obesidade (60% com IMC > 25kg/m²) explicam a alta prevalência de AOS na população estudada. Grupos de risco para a síndrome são homens, obesos e roncadores.

O desenvolvimento da AOS está intimamente relacionado a alguns detalhes anatômicos, principalmente as vias aéreas superiores e fatores relacionados ao sono. A via aérea superior (VAS) é uma estrutura colapsável6, cuja permeabilidade é mantida por uma combinação de propriedades mecânicas passivas e mecanismos autônomos ativos.

A capacidade de as VAS se manterem permeáveis depende de um modelo chamado equilíbrio de pressões, que determina que a força exercida pelos músculos responsáveis pela dilatação da faringe deve ser suficiente para mantê-la aberta frente à pressão negativa intratorácica criada pelos músculos da respiração. Durante o sono, o tônus e a reatividade muscular juntamente com a patência da permeabilidade das VAS ficam significativamente reduzidos1,6,7.

Os episódios do ronco e, por vezes, ruídos de afogamento/ sufocamento são seguidos de intervalos de silêncio de dez a trinta segundos. Após os episódios de apneia, os pacientes voltam a respirar com intenso ruído, semelhante a um ronco/engasgo e, por vezes, ocorrem despertares, em decorrência desses episódios de apneia/hipopneia. O paciente normalmente não tem consciência da intensidade do seu problema, que frequentemente é relatado por familiares ou parceiros de quarto4, pacientes com apneia do sono costumam ter pouco ou nenhum problema com respiração ou permeabilidade das vias aéreas enquanto acordados1.

O Quadro 1 apresenta os principais sinais e sintomas da AOS, conforme apontado por Bittencourt8.

 

 

 

Dentre os pacientes com sonolência diurna, há aqueles com ausência de episódios de apneia/hipopneia na polissonografia, mas com despertares precedidos por episódios crescentes de pressão negativa intratorácica. Esse quadro foi denominado síndrome da resistência da via aérea superior, e atualmente faz parte da AOS por sugestão da AAMS, por compartilharem da mesma fisiopatologia, tendo como critério polissonográfico despertares relacionados aos esforços respiratórios4.

É sabido que uma correta e confiável identificação de episódios de apneia e hipopneia em exames polissonográficos é crítica para o diagnóstico e a quantificação da severidade, morbidade ou mortalidade da doença. Tanto na prática clínica ou de pesquisa, o índice de apneia e hipopneia (IAH) (Apnea Hipopnea Index – AHI) e os despertares relacionados com esforço respiratório (respiratory effort related arousals – Reras), ambos referidos pelo índice de distúrbios respiratórios (Respiratory Disturbance Index), são medidas usadas para aferição e classificação da doença em diferentes níveis de severidade, embora os critérios polissonográficos para a identificação e quantificação dos eventos respiratórios ainda estejam em estudo9-11.

A AASM define como apneia em adultos uma redução maior ou igual a 90% no pico de sinal pré-evento de sensores de fluxo ou sensores alternativos por 10s ou mais tempo. A hipopneia é definida como uma queda de 30% ou mais, por 10s ou mais, associada a uma queda de 3% ou mais na saturação arterial de oxigênio ou um despertar11.

Os dois métodos aceitos para teste objetivo da presença de AOS são polissonografia em laboratório de sono ou testes domiciliares com monitores portáteis12.

Os critérios diagnósticos para AOS foram definidos como12:

a) sonolência diurna excessiva, inexplicável por outras causas e/ou dois ou mais dos seguintes sintomas e sinais, não explicados por outras condições: asfixia ou respiração difícil durante o sono, despertares noturnos recorrentes, sensação de sono não reparador, fadiga diurna e dificuldade de concentração;

b) monitoração durante a noite inteira, que revele cinco ou mais eventos respiratórios obstrutivos (apneias e/ou hipopneias e/ou despertares relacionados a esforços respiratórios) por hora de sono. Quando são observados de cinco a quinze eventos por hora, a AOS é considerada leve, de quinze a trinta moderada, e acima de trinta eventos por hora de sono caracterizam AOS grave.

A AASM também considera como diagnóstico de AOS a presença de eventos obstrutivos (apneias, hipopneias + Reras) na polissonografia em um índice maior do que 15 horas de sono sem a necessidade de outros sintomas12.

Bruxismo do sono

A Academia Americana de Medicina do Sono define o bruxismo do sono como uma desordem de movimento estereotipada caracterizada por rangido ou apertamento dos dentes durante o sono4. Segundo Huynh et al.13 (2014), o bruxismo é o ranger ou apertar dos dentes, que pode estar associado ao desgaste dentário prematuro, à fratura de restaurações, a desordens temporomandibulares e a cefaleias ao acordar13. A AASM define ainda o BS como uma "atividade oral caracterizada por ranger ou apertar os dentes durante o sono, usualmente associada com despertares"4.

Mais recentemente, um grupo de especialistas sugeriu um novo conceito, considerando aqueles já consolidados: "Bruxismo é uma atividade repetitiva dos músculos da mastigação caracterizada por apertar, ranger os dentes e/ou reter ou projetar a mandíbula". Os autores ainda fazem a distinção do bruxismo que ocorre durante o sono e do bruxismo em vigília14.

Grande parte da população (85% a 90%) apresenta ranger dos dentes em alguma etapa da vida, e em aproximadamente 5%, o BS irá se manifestar como condição clínica4. Aproximadamente 8% da população rangem os dentes durante o sono pelo menos uma vez por semana, e desses, aproximadamente metade se enquadra nos critérios da AASM para o BS, contabilizando a prevalência de 4,4%. Não há evidências de predileção por gênero ou hereditariedade. O bruxismo geralmente inicia entre dez e vinte anos de idade, com maior prevalência entre dezenove e 44 anos de idade4,15.

A etiologia do BS ainda não está clara na literatura. Duas principais linhas teóricas podem ser encontradas nos estudos, a de causas periféricas – que hoje se sabe ter pouca ou nenhuma influência – e a de causas centrais, que é a mais aceita2.

Distúrbios de controle central na área dos núcleos da base podem levar a uma discinesia com hiperatividade dos movimentos mandibulares naturais inerentes ao sono. Huang et al.16 (2014) sugerem em seu estudo que os mecanismos etiológicos do BS envolvem influência do tronco cerebral e não de conexões corticais.

Mecanismos etiológicos da gênese do BS incluem despertares, ativação autonômica simpático-cardíaca, predisposição genética, neuroquímica, componentes psicossociais, fatores exógenos – álcool, cafeína, cigarro, etc. – e algumas comorbidades acidificação esofágica e AOS, por exemplo)17-23.

Segundo informações da AASM, o BS pode ocorrer em qualquer estágio do sono, mas é prevalente no estágio 2. Em alguns indivíduos ocorre predominantemente no sono REM (Rapid Eye Movement)4.

O BS está relacionado à atividade rítmica dos músculos da mastigação (Rhythmic Masticatory Muscle Activity – RMMA), que é frequentemente observada durante o sono tanto em indivíduos normais quanto em bruxômanos do sono. A frequência e a intensidade dos episódios foram menores nos indivíduos normais13,18,24, mas a alta prevalência desses episódios (60%) em indivíduos não bruxômanos sugere que essa atividade está associada a funções fisiológicas relacionadas ao sono18. Durante o sono, a RMMA está frequentemente associada ao movimento de deglutição e a aumentos no pH relacionados ao refluxo gastroesofágico, sendo mais pronunciada nos pacientes bruxômanos. A maioria desses eventos ocorrem na posição supina24,25.

Deve ser considerado que uma parcela da população apresenta diagnóstico de BS por polissonografia apesar de não estar ciente e não relatar nenhum sintoma clínico. O contrário também ocorre, pois um estudo epidemiológico relatou que 53% dos pacientes com queixas relacionadas ao BS não tiveram diagnóstico confirmado por polissonografia26.

Os sinais e sintomas clínicos frequentemente usados para o diagnóstico do BS podem representar controle da mastigação e respiração – núcleo reticular do tronco cerebral – e neurotransmissores são compartilhados além de vias eferentes em comum (trigêmeo, glossofaríngeo, vago e hipoglosso).

Despertares são frequentemente observados durante o sono. Eles são caracterizados por mudanças transitórias (>10s ou 15s) de um estágio de sono mais profundo para um mais leve, acompanhadas de um aumento na tonicidade muscular na EMG. Microdespertares são comuns durante o sono e são caracterizados por aumentos transitórios (>10s ou 15s) nas ondas rápidas da eletroencefalografia, com ou sem alterações no EMG ou no ritmo cardíaco. Acredita-se que os despertares são um ajuste fisiológico para influências endógenas e ambientais38.

Os despertares podem ser classificados em respiratórios, quando acompanham um evento como a apneia, ou por movimento, quando acompanham um tipo de evento como movimento periódico de pernas ou BS. Um sono com grande quantidade de episódios de despertares é denominado sono fragmentado e pode acarretar em problemas diurnos da falta de sono reparador, problemas esses observados em pacientes com AOS19,38,39.

Kato et al.33 (2013) observaram uma frequência de 52% a 68% de despertares relacionados a eventos respiratórios em pacientes com AOS, sendo que, quando estava associado a um despertar, o evento respiratório levava a uma dessaturação de oxigênio transitória mais intensa. A sonolência diurna (sintoma conhecido da AOS) aparece como um fator predisponente independente para BS15.

A ocorrência de microdespertares, isoladamente, é moderadamente correlacionada com o BS. O que realmente correlaciona os dois é a magnitude dos despertares em conjunto com os padrões alternantes cíclicos (Cyclic Alternating Pattern – CAP), ciclos de eventos autonômicos que ocorrem durante o sono, incluindo variações na frequência cardíaca e respiratória18,21. Em um estudo epidemiológico, 52,4% dos episódios de BS foram relacionados com despertares26.

Kato et al.40 (2003) induziram microdespertares experimentais em pacientes bruxômanos e em indivíduos sem atividade de BS, controlando a ocorrência de RMMA. RMMAs após microdespertares experimentais ocorreram em todos os pacientes com BS e apenas em 10% dos pacientes sadios. Os autores sugerem que o bruxismo é uma forma exagerada de resposta oromotora associada aos microdespertares.

Lavigne et al.20 (2007) sugerem uma íntima relação entre o início dos episódios de BS com os microdespertares e os CAPs. Os autores apresentam uma sequência de eventos que ocorrem antes dos despertares, culminando no evento de BS:

a) aumento na atividade simpática cardíaca por volta de 4 minutos antes do microdespertar;

b) aumento na frequência da atividade do eletroencefalograma 4 segundos antes da RMMA;

c) taquicardia que inicia uma batida do coração antes da RMMA;

d) aumento na atividade dos músculos supra-hioideos (provavelmente responsáveis pela abertura da mandíbula e das VAS) 0,8 segundo antes da RMMA;

e) eventos eletromiográficos de RMMA classificados como BS aferidos nos masseteres, com ou sem ranger dos dentes.

Khoury et al.41 (2008) avaliaram mudanças no padrão respiratório nos episódios de BS em pacientes não portadores de desordens do sono relacionadas à respiração (ex.: apneia). Os autores constataram que aumentos significativos na atividade respiratória (amplitude e frequência) e na atividade muscular supra-hioidea precedem e acompanham os episódios de BS e, por vezes, acompanham despertares. Os aumentos nessas atividades durante o bruxismo acompanhado do despertar foram maiores do que os observados nos despertares isolados de eventos de bruxismo.

Cerca de 75% dos eventos de RMMA/BS ocorrem associados a outros eventos. Os microdespertares foram mais pronunciados nos estágios 2 e 3 do sono, e os eventos de RMMA/BS foram mais frequentes em trocas transitórias de estágios do sono. Em pacientes com BS, um claro aumento na atividade simpática precede os eventos de RMMA/BS32.

Nashed et al.42 (2012) estudaram a associação entre episódios de RMMA/BS e mudanças na pressão arterial sistêmica. Os pacientes do estudo foram submetidos a três noites de polissonografia, nas quais a pressão arterial foi aferida por método contínuo não invasivo além dos parâmetros comuns. A pressão arterial aumentou em todos os episódios de RMMA/BS e despertares, confirmando a associação. Assim, os autores sugerem que quando despertares e movimentos corporais se associam aos RMMA/BS, o aumento na pressão arterial é intensificado42.

Outro dado digno de nota é que em estudos polissonográficos tanto o bruxismo como a RMMA iniciam com atividade dos músculos supra-hioideos, aumentos na taxa de respiração e na frequência cardíaca18,21,41.

Carra et al.43 (2010) administraram clonidina (agonista α2 seletivo) a pacientes que sofrem de BS para avaliar os efeitos no sistema simpático e as repercussões no CAP e no bruxismo. Os autores observaram um aumento na fase A3 do CAP (responsável pelos despertares), mas, paradoxalmente, uma diminuição no BS em relação aos pacientes que receberam placebo, indicando possíveis mecanismos de flutuação dos ciclos de despertares ultradianos REM/não REM envolvidos na gênese dos episódios de bruxismo. Em outro estudo, Carra et al.44 (2013) avaliaram os efeitos de um dispositivo de avanço mandibular para o controle de BS em adolescentes com história de ronco e cefaleia. Nesse caso, dezesseis pacientes participaram de três estudos de polissonografia, sob as condições: a) sem esplintagem, b) em posição neutra, c) com avanço de 50% da protrusão máxima. O uso do dispositivo pareceu reduzir o BS, o ronco e os relatos de cefaleia, porém não houve diferença entre as condições do dispositivo, portanto, a relação entre respiração e episódios de BS ainda precisa de mais estudos.

Lavigne et al.18 (2001) apontam duas possíveis funções da RMMA durante o sono, que seriam o estímulo da salivação para lubrificação e proteção da mucosa do sistema estomatognático e a própria manutenção da patência das VAS.

Já é de amplo conhecimento que temos uma redução no fluxo de ar durante o sono devido à perda do controle voluntário dos músculos da respiração e uma diminuição das respostas autonômicas devido à hipoxemia. A diminuição do tônus da musculatura responsável pela patência das VAS contribui no menor fluxo aéreo durante o sono1,18. Pacientes com AOS têm uma postura vertical mandibular mais aberta durante o sono em relação a pacientes sadios, e essa abertura aumenta progressivamente durante os eventos respiratórios e diminui no final45,46. A mudança mais inferior e posterior da mandíbula em decorrência dessa diminuição na atividade muscular explicaria a redução da patência das vias aéreas.

Uma das características da RMMA é a contração simultânea dos músculos de abertura e fechamento da mandíbula, tanto em pacientes normais quanto nos bruxômanos21,28. Após os eventos respiratórios da apneia do sono, paralelamente aos microdespertares, é observada a ativação desses mesmos músculos juntamente com outros responsáveis pela patência das vias aéreas47.

O papel da RMMA na patência das vias aéreas durante o sono é novamente observado por Kato et al.21 (2001), que apontam que 80% da RMMA é relacionada com microdespertares, que são vinculados a aumentos na atividade dos músculos diafragmáticos e em músculos dilatadores da via aérea superior juntamente com aumento no fluxo aéreo. Inoko et al.48 (2004) observaram que o término de eventos de apneia e hipopneia acompanhava frequentemente contrações tônicas do músculo masseter, sugerindo uma relação entre ambos.

Sjöholm et al.49 (2000) testaram a hipótese de uma associação direta entre desordens respiratórias do sono – principalmente a AOS – com o BS. Os autores avaliaram a frequência da contração do masseter e RMMA de pacientes com AOS leve e moderada. Os autores apontam que o BS não parece estar diretamente relacionado aos eventos respiratórios, mas não excluem a possibilidade de o BS ocorrer secundariamente ao padrão fragmentado do sono dos pacientes com AOS, ligado aos CAPs.

Saito et al.50 (2014) avaliaram com polissonografia a presença de uma associação temporal entre os episódios de BS e de AOS em pacientes com diagnóstico positivo de ambas patologias. Os autores observaram que os episódios de RMMA ocorreram mais frequentemente após eventos respiratórios, apesar de a situação contrária também se mostrar presente. A média do intervalo de tempo quando as RMMA ocorriam antes dos eventos respiratórios foi de 33,4s, e na situação oposta foi de 64s. Os autores apontam uma possível relação de causa da AOS com parte dos eventos de BS dos pacientes estudados.

Deve-se observar que a associação entre AOS e despertares é diferente da relação entre BS e despertares: eventos respiratórios desencadeiam despertares enquanto RMMA é ativada durante os despertares2,20,30 ,51. Mais recentemente, Kato et al.33 (2013) sugeriram que contrações dos músculos masseter e temporal, após eventos respiratórios, podem ser fenômenos motores não específicos dependentes mais da duração dos despertares do que da ocorrência dos eventos respiratórios, tendo em vista que essa musculatura era raramente ativada após os eventos, mas sua resposta aumentou significativamente em associação à duração dos despertares.

 

Conclusão

A etiologia do bruxismo do sono não está completamente elucidada na literatura atual, uma forte tendência aponta para desordens de origem central em detrimento às teorias de causas periféricas. Uma associação dos eventos de BS com despertares e uma possível função de manutenção da patência das vias aéreas inspiram uma relação dos eventos de BS com os eventos de obstrução das vias aéreas na AOS.

Sabe-se que os eventos de BS estão temporalmente relacionados com os eventos de apneia na AOS, e que há um risco aumentado para o BS nos pacientes com AOS, porém, nem todos os eventos de BS estão relacionados a eventos respiratórios nesses pacientes e nem todos os pacientes com AOS apresentam o BS como consequência. Sabe-se, também, que os microdespertares comuns na AOS parecem ter um papel em padrões cíclicos do sono e no desencadeamento de RMMA.

Ambas as doenças têm, na sua fisiopatologia, raízes em ciclos naturais do sono. Interrupções e alterações nos estágios do sono causadas pela AOS podem ter um papel decisivo no aumento de episódios de RMMA via CAPs, e esse incremento na RMMA é a base do BS.

A literatura insiste em apontar uma associação entre a apneia e o bruxismo do sono no tocante à sua etiologia e fisiopatologia. Algumas perguntas ainda não apresentam respostas na literatura, tais como: porque os pacientes com AOS apresentam BS com maior frequência? Pioras na AOS provocam um aumento da atividade de BS, ou é o contrário? O bruxismo relacionado à AOS é secundário ou a etiologia do bruxismo está relacionada à etiologia da AOS? Naturalmente, são necessárias mais investigações para responder a tantas questões.

 

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Endereço para correspondência:
Davi Francisco Casa Blum
Rua Nascimento Vargas, 423 – Bairro Vergueiro
99020000 Passo Fundo, RS
e-mail:
daviblum@hotmail.com

 

Recebido: 16/04/15
Aceito: 27/07/15