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RFO UPF

versão impressa ISSN 1413-4012

RFO UPF vol.21 no.2 Passo Fundo Mai./Ago. 2016

 

 

A prevalência da pneumonia nosocomial e sua relação com a doença periodontal: revisão de literatura

 

Prevalence of nosocomial pneumonia and its relation to periodontal disease: literature review

 

Samantha Simoni Santi I; Rubem Beraldo dos Santos II

 

I Acadêmica de Odontologia na Universidade Luterana do Brasil, Cachoeira do Sul, RS, Brasil
II Doutor em Estomatologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Especialista em Endodontia pela Universidade Federal de Pelotas. Professor e coordenador do curso de Odontologia da Universidade Luterana do Brasil, Cachoeira do Sul, RS, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


 

Resumo

Objetivo: o presente trabalho pretende realizar uma revisão de literatura buscando estimar a prevalência da pneumonia nosocomial e verificar se há associação com a doença periodontal. Revisão da literatura: a pneumonia nosocomial é uma infecção do parênquima pulmonar causada por diferentes tipos de agentes etiológicos, resultando no desequilíbrio entre os mecanismos imunitários, especialmente em indivíduos internados em unidade de terapia intensiva. Sua ocorrência é reconhecida como um importante problema de saúde pública no Brasil e no mundo, com um aumento significativo de sua prevalência. A colonização do biofilme dental e a doença periodontal podem ter um papel muito importante como reservatório de microrganismos causadores dessa infecção, uma vez que a pneumonia nosocomial resulta da aspiração da flora da orofaringe para o trato respiratório inferior. Considerações finais: a literatura estudada sugere, seguramente, a relação da doença periodontal no estabelecimento da pneumonia nosocomial. Considerando que no Brasil essa infecção ocorre em um décimo dos pacientes internados na unidade de terapia intensiva, torna-se ainda mais importante o conhecimento da prevalência e de seus fatores associados para se pensar em estratégias eficazes de controle da doença.

Palavras-chave: Biofilme dentário. Pneumonia. Prevalência. Unidade de terapia intensiva.

 

Abstract

Objective: The present study aimed to perform a literature review seeking to estimate the prevalence of nosocomial pneumonia and its potential relation to periodontal disease. Literature review: Nosocomial pneumonia is an infection of the pulmonary parenchyma caused by different etiological agents, resulting in the imbalance of immunity mechanisms, especially in subjects admitted to Intensive Care Units. Its occurrence has been recognized as an important public health problem in Brazil and around the world with significant prevalence increase. Dental biofilm colonization and periodontal disease may play an important role as reservoirs of microorganisms responsible for this infection, considering that nosocomial pneumonia results from the aspiration of the oropharyngeal flora to the lower respiratory tract. Final considerations: The studied literature strongly suggests the relation of periodontal disease to the establishment of nosocomial pneumonia. Considering that in Brazil this infection may occur from one tenth of the patients in Intensive Care Units, it becomes even more important to know its prevalence and associated factors, so to plan effective control strategies.

Keywords: Dental Biofilm. Pneumonia. Prevalence. Intensive Care Unit.

 


 

Introdução

Há muito tempo, têm-se indícios da relação entre doenças bucais e sistêmicas, sendo os primeiros relatos dessa associação datados de 2100 a.C. Desde então, inúmeras pesquisas foram desenvolvidas apresentando resultados que evidenciam cada vez mais essa possível interface1. Os efeitos das doenças bucais para o organismo não podem ser considerados limitados e triviais, pois interferem na qualidade de vida, geram dor, desconforto, reduzem a função mastigatória e a qualidade de fonação. Limitações sociais e de convívio pessoal também ocorrem, diminuindo a produtividade individual2.

A pneumonia nosocomial (PNC) ou hospitalar afeta o parênquima pulmonar. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)3 (2005), o número de óbitos por infecção hospitalar pode chegar a 100 mil a cada ano. O risco de desenvolver a PNC aumenta com o uso da ventilação mecânica (VM) e a doença prolonga, em média, por cinco a nove dias o tempo de internação, aumentando custos hospitalares4. Na etiopatogenia da PNC, tem-se que a contaminação das vias aéreas por patógenos bucais é, provavelmente, devida à aspiração e/ou inalação de saliva contaminada por bactérias bucais, lipopolissacarídeos e enzimas bacterianas5.

Por sua vez, a doença periodontal (DP) é a segunda patologia mais prevalente nos tecidos bucais e, diante da resposta positiva das políticas públicas no combate à cárie, acredita-se que, em um futuro próximo, a DP torne-se o agravo mais comum em saúde bucal. Essa doença, além de trazer prejuízos ao sistema estomatognático, pode desencadear importantes repercussões a distância no organismo6.

Há tempos que a periodontia reconhece a influência de fatores sistêmicos sobre o estabelecimento e a progressão da doença periodontal. O caminho inverso, ou seja, a influência da doença periodontal sobre determinadas condições sistêmicas, tem sido muito estudado nos últimos anos, delineando um novo campo de investigação, conhecido como medicina periodontal. Dentre as principais condições estudadas está o nascimento de bebês prematuros e/ou com baixo peso7, doenças cardiovasculares, diabetes e as afecções do trato respiratório3. Nesse grupo de doenças, insere-se a PNC, considerada um problema de saúde pública, devido à grande taxa de mortalidade e por manter o paciente mais tempo em ambiente hospitalar8. A microaspiração do conteúdo da orofaringe é causa de alterações respiratórias, tais como pneumonias e abscessos pulmonares. O acúmulo de patógenos bucais pode facilitar a infecção das vias aéreas por novos microrganismos. Nesse contexto, o modelo de plausibilidade biológica que inter-relaciona a PNC e a DP justifica-se pelo fato de a proliferação bacteriana na DP favorecer a colonização orofaríngea, perpetuando o quadro infeccioso bucal por meio de mediadores inflamatórios e imunológicos. Dessa forma, ocorre maior atividade proteolítica e a consequente alteração da mucosa, tornando a cavidade bucal susceptível à colonização de patógenos da PNC9-11.

Na literatura, existem trabalhos que avaliaram a associação DP e PNC, mas os achados parecem ainda sem consenso, pois alguns autores defendem tal associação4,9-13 enquanto outros não a consideram como fato científico consolidado8,14, por isso a necessidade de mais estudos sobre esse importante tema. Portanto, o objetivo do presente trabalho é fazer uma revisão de literatura buscando estimar a prevalência da PNC e sua possível associação com a DP.

 

Métodos

Na pesquisa bibliográfica, consultaram-se as bases de dados PubMed, Bireme PAHO-WHO, Lilacs, BBO, SciELO e Portal Capes, com as palavras de busca prevalência, biofilme dentário, pneumonia, nosocomial e unidade de terapia intensiva, no período de 1970 a 2015.

 

Revisão de literatura

Pneumonia nosocomial

Conceito da pneumonia nosocomial

Pneumonia é uma infecção aguda pulmonar que pode produzir sinais e sintomas respiratórios tais como tosse, respiração curta e rápida, produção de secreção e dores no peito, além de febre, fadiga, dores musculares e falta de apetite15.

Em um quadro de PNC, a via principal para a entrada de microrganismos no trato respiratório inferior consiste na aspiração de secreção da orofaringe. A pneumonia relacionada à assistência tem sido definida da seguinte forma: pneumonia adquirida no hospital (PAH) é aquela que ocorre após 48 horas da admissão hospitalar, geralmente tratada na unidade de internação, não se relacionando à ventilação mecânica. Devido a implicações etiológicas, terapêuticas e prognósticas, a PAH é classificada quanto ao tempo decorrido desde a admissão até o seu aparecimento: a PAH precoce é aquela que ocorre até o quarto dia e a tardia, após cinco dias de internação16.

Quando o paciente é encaminhado para internação na unidade de terapia intensiva (UTI), com indicação de VM, poderão surgir indícios de infecção entre 48 e 72 horas após a intubação e o início da VM, sendo conceituada como pneumonia associada à ventilação mecânica (PAVM)17.

Etiopatogenia e prevenção da pneumonia nosocomial

Em pacientes sob terapia intensiva, a higiene bucal costuma ser inadequada, tornando o biofilme um reservatório propício para microrganismos que agravam o processo infeccioso nos tecidos periodontais e, ainda, com o potencial para causar infecções a distância. O estabelecimento da PNC depende da colonização na orofaringe por patógenos respiratórios, da aspiração desses para as vias aéreas inferiores e também da capacidade desses microrganismos escaparem das defesas naturais. Ainda que a aspiração de pequenas quantidades de secreções da cavidade bucal seja comum em indivíduos saudáveis, especialmente durante o sono, em pacientes em estado de alteração do nível de consciência, as quantidades de secreções aspiradas tendem a aumentar5.

Acredita-se que o aumento da colonização microbiana, dentre inúmeros fatores, deve-se também ao fato de algumas espécies, como Candida albicans, se coagregarem e coaderirem a certas espécies microbianas, tais como estreptococos e patógenos do biofilme dental. Além disso, algumas proteínas salivares podem intensificar essas interações na presença de DP e cáries. Ademais, a presença da microbiota associada a alguns fatores predisponentes é necessária para o estabelecimento de infecções, tais como: queda de imunidade do hospedeiro, desordens endócrinas, lesões em mucosa, higiene bucal deficiente e tratamento prolongado com antibióticos e corticosteroides18. Estudos recentes apontam para um aumento da prevalência da PNC causada por bactérias gram-negativas multirresistentes, tais como Pseudomonas aeruginosa com resistência documentada a ß-lactâmicos, carbapenemos, aminoglicosídeos e fluoroquinolonas. Por tal motivo, a PNC produzida pela P. aeruginosa está associada com alta morbidade, prolongada internação, aumento de custos e maior risco de mortalidade19.

A literatura recomenda os seguintes critérios para o diagnóstico de PNC: evidências de infecções agudas caracterizadas pela presença de febre, leucocitose ou leucopenia; evidências de inflamação do trato respiratório inferior, tais como tosse, expectoração purulenta, aumento da secreção brônquica; infiltrado pulmonar novo ou progressivo identificado na radiografia de tórax; crescimento bacteriano em culturas do escarro, do aspirado traqueal, do lavado broncoalveolar e do líquido pleural ou do sangue2.

A prevenção dessa contaminação é o principal desafio para o controle de infecção hospitalar. A mais importante via de aquisição da PAVM é pela colonização orofaríngea, pela microbiota endógena ou por patógenos exógenos adquiridos no ambiente da UTI, especialmente por meio das mãos dos profissionais de saúde, de equipamentos respiratórios contaminados ou da contaminação da água do hospital20.

Algumas medidas que podem ajudar no controle da PNC são a adoção de precauções padrão de contato, protocolos de prescrição de antimicrobianos de acordo com a microbiota, monitoramento constante pela comissão de infecção hospitalar, redução do tempo de intubação, manutenção da cabeceira elevada de 30 até 45 graus nos pacientes intubados, manutenção da pressão do balonete da cânula entre 20 mmHg a 30 mmHg para diminuir o conteúdo aspirado da orofaringe, realização da aspiração de secreções conforme a necessidade e não em horários programados, limpeza frequente da tubulação do ventilador mecânico, antissepsia bucal com clorexidina a 0,12%, evitar sedação profunda e constante e, se possível, realizar despertares diários, realização de exercícios respiratórios diários em pacientes em pós-operatório, dar preferência à nutrição enteral para evitar atrofia do trato gastrointestinal, o que aumenta a translocação bacteriana16.

Prevalência da pneumonia nosocomial

Segundo Toews21 (1986), as estatísticas internacionais registravam mais de 300.000 infecções respiratórias nosocomiais por ano, causando em torno de 20.000 óbitos. A prevalência relatada pela American Thoracic Society22 (2005) era de 20,5 a 34,4 casos de pneumonia por 1.000 dias de VM e de 3,2 casos por 1.000 dias em pacientes não ventilados. Mais de 5,6 milhões de casos de PNC acontecem anualmente nos Estados Unidos da América e a taxa geral de mortalidade é de 5%.

Segundo informações da Anvisa3, no ano de 2005, não havia dados estatísticos oficiais disponíveis sobre a PNC no Brasil. Essa agência refere também que a PAVM é a principal infecção em UTI, sendo sua incidência em pacientes adultos entre 7 e 46 casos em cada 1.000 internações. A prevalência estimada de PNC, em UTI, varia entre 10% e 65% e o número de óbitos por infecção hospitalar é de 100 mil a cada ano. Em um estudo brasileiro de prevalência de um dia em 16 UTIs, no estado do Rio Grande do Sul, dos 122 pacientes avaliados, 58,2% estavam com PNC23. Em outro estudo prospectivo, com duração de oito anos, Terpenning et al.24 (2001) avaliaram a importância de fatores médicos e odontológicos na pneumonia por aspiração em 358 pacientes, com idade a partir de 55 anos, procedentes de asilos, clínicas e hospitais. Realizaram-se, anualmente, exames médicos e odontológicos. As variáveis observadas foram o desenvolvimento de pneumonia, coleta de saliva para cultura, coleta de mucosa da orofaringe, biofilme supra e subgengival para detecção de espécies aeróbias e anaeróbias. Nesse estudo, 50 (13,96%) pacientes desenvolveram PNC, 28 dos quais eram dentados, e a presença de Porphyromonas gingivalis no biofilme dental e de Streptoccocus sobrinus e Staphyloccocus aureus na saliva foi significativamente mais alta nos indivíduos com pneumonia por aspiração. Os pacientes dentados que tiveram PNC tenderam a ter maior número de dentes destruídos e, notavelmente, houve grande proporção de indivíduos com biofilme dental visível.

Doença periodontal

As doenças periodontais acometem os tecidos gengivais, quando são denominadas gengivite, e/ ou os tecidos de suporte dos dentes, então chamadas periodontite. Enquanto os microrganismos são essenciais para o desencadeamento da DP, a evolução e a extensão do dano estão relacionadas com a suscetibilidade do hospedeiro, ou seja, a extensão e a gravidade apresentam razões multifatoriais, em que condições de risco, tais como alterações sistêmicas e aspectos comportamentais, podem estar implicadas na etiopatogenia da doença25.

Cabe registrar que a gengivite é causada pelo biofilme bacteriano supragengival. Por sua vez, a periodontite corresponde à destruição do periodonto de sustentação e ocorre quando as alterações patológicas verificadas na gengivite progridem, até haver destruição do ligamento periodontal e migração apical do epitélio juncional. Nesse quadro, a placa bacteriana acumula-se ao nível subgengival, causando perda de inserção26.

Na análise da etiologia da DP, ao contrário de outras patologias infecciosas clássicas, como tuberculose ou sífilis, que são causadas por um patógeno específico, deve-se considerar que a DP seja uma infecção que tem várias espécies microbianas que contribuem para seu desenvolvimento27. Ou seja, a microbiota implicada na gengivite é predominantemente composta por bactérias gram-positivas, aeróbias e sacarolíticas. Já na periodontite, predominam as gram-negativas, anaeróbias ou microaerófilas e proteolíticas, que colonizam a área subgengival, tais como: Bacteroides forsythus, Porphyromonas gingivalis, Aggregatibacter actinomycetemcomitans e Treponema denticola28.

Influências da doença periodontal na pneumonia nosocomial

A condição bucal parece estar relacionada ao estado de saúde geral do paciente, sendo assim, é plausível que se investigue a associação entre DP e patologias sistêmicas, neste caso, infecções respiratórias29. Considerando-se essa observação, a medicina periodontal surgiu alicerçada em estudos que demonstraram a relação direta entre a DP e uma série de morbidades, tais como aterosclerose, infarto agudo do miocárdio, prematuridade e baixo peso ao nascer, problemas respiratórios, gastrite e endocardite. Dentro desse grupo de doenças, pode ser inserido também o estudo da relação entre a PNC e a microbiota bucal12,30,31. Lindhe e Rylander32 (1975) já observavam que, após 24 horas sem limpeza da cavidade bucal, é possível detectar clinicamente uma camada de placa dental. Portanto, as manobras de higiene estão intimamente ligadas ao número e às espécies de microrganismos encontrados na boca.

O início da pneumonia bacteriana pode ser dependente da microbiota presente na cavidade bucal e na orofaringe, esses microrganismos configuram-se em potenciais patógenos respiratórios, especialmente, quando aspirados para as vias aéreas inferiores e se houver a falência dos mecanismos de defesa do hospedeiro13. Assim, sugere-se que existam mecanismos de associação do biofilme bucal com as infecções respiratórias por aspiração4,12.

O primeiro mecanismo sugerido seria quando o biofilme bucal originado da higiene deficiente, com altas concentrações de patógenos, tais como Porphyromonas gingivalis e Aggregatibacter actinomycetemcomitans, leva a uma alta concentração na saliva e pode ser aspirado para o pulmão, alterando as defesas imunes12.

O segundo mecanismo dar-se-ia por condições específicas, em que o biofilme bucal poderia abrigar colônias de patógenos pulmonares. Assim, as bactérias presentes no biofilme facilitariam a colonização das vias aéreas superiores por patógenos pulmonares4.

Já o terceiro mecanismo é caracterizado pela aspiração do conteúdo da orofaringe, contendo partículas de alimentos e saliva carregadas de bactérias, a aglutinação dos patógenos periodontais nas células epiteliais pulmonares, levando ao aumento da aderência e da colonização por patógenos respiratórios. Essa colonização induz a produção e secreção de mediadores inflamatórios e enzimas destrutivas, como a elastase, que degrada o tecido conjuntivo pulmonar12.

Com o objetivo de determinar o perfil periodontal de pacientes adultos traqueostomizados com PNC, Pinheiro et al.14 (2007) realizaram diagnóstico clínico e radiográfico de PNC e exame periodontal. Foram analisados quatro grupos: Grupo 1 – 1 paciente sem PNC e sem DP; Grupo 2 – 7 pacientes com PNC e sem DP; Grupo 3 – 3 pacientes sem PNC e com DP; Grupo 4 – 22 pacientes com PNC e com DP. O índice de sangramento gengival foi maior nos pacientes com PNC (41,03%) em relação aos pacientes sem essa patologia (25,19%). Dos 33 pacientes examinados, 25 apresentaram periodontite, dos quais, 22 (88%) tinham PNC. Os dados obtidos foram analisados por estatística descritiva, teste Exato de Fisher, U Mann Whitney e t-Student, não se comprovando associação estatisticamente significante entre as duas patologias (p > 0,05). Os autores concluíram que, apesar da higiene bucal deficiente e da maior prevalência de periodontite em pacientes com PNC, a associação entre elas não foi positiva.

Pineda et al.8 (2006) realizaram pesquisa de metanálise de estudos randomizados controlados que avaliaram o efeito da antissepsia bucal com clorexidina a 0,12%, duas vezes ao dia, na incidência da PNC. Os resultados demonstraram que o uso de descontaminação oral com clorexidina 0,12% não afetou a incidência da doença, indicando, assim, que a condição de saúde bucal não tem relação com a pneumonia nosocomial.

De outro modo, Shi et al.33 (2013) também realizaram metanálise investigando criticamente dezessete ensaios clínicos controlados e randomizados, publicados entre 2000 e 2012. Esses autores observaram que o uso de clorexidina comparado ao uso de placebos, associado ou não ao controle mecânico de placa, foi efetivo na redução da pneumonia por ventilação mecânica (OR 0,60- 95%CI 0,47 – 0,77, P < 0,001, I2 = 21%).

Em 2015, Chen et al.34 (2015) chegaram a uma conclusão semelhante analisando 6 artigos referentes a 132 pacientes submetidos à desinfecção bucal com clorexidina em comparação a 188 controles, que não se beneficiaram com o uso do antisséptico.

Os pacientes intubados apresentam maior risco de infecção hospitalar pelo fato de o tubo orotraqueal interferir nos reflexos do corpo para dissipar o que é aspirado. A intubação interfere também no reflexo da tosse e na sua depuração mucociliar, que impede a entrada de microrganismos no trato respiratório, estimula o excesso de secreções e, além disso, o ar inspirado não é aquecido e umedecido pelas vias respiratórias superiores, mas é artificialmente aquecido e umidificado pelo aparelho de ventilação, como resultado, a depuração mucociliar é impedida35.

A presença de Porphyromona gingivalis no biofilme supragengival, associada à colonização bucal por patógenos periodontais com o risco de pneumonia por aspiração dessa bactéria e de alguns outros microrganismos periodontais, que são proteolíticos capazes de degradar a fibronectina, levou à hipótese de que a atividade proteolítica das bactérias periodonto-patogênicas pode alterar a superfície das células epiteliais da mucosa, comprometendo a barreira protetora e permitindo, assim, a colonização secundária da mucosa bucal com potenciais patógenos respiratórios, o que mais uma vez suporta a ideia da importância da DP como fator de risco para a pneumonia por aspiração6.

No estudo realizado por Cruz e Ziviani36 (2006), foram detectados patógenos respiratórios colonizando o biofilme dental em pacientes internados na UTI. Amostras de biofilme dental e da secreção traqueal dos pacientes que desenvolveram infecções respiratórias foram coletadas e analisadas por meio de cultura microbiológica, e os microrganismos identificados foram: Staphylococcus sp., Klebsiella pneumoniae, Pseudomonas aeruginosa e Enterobacter aerogenes. Além da análise microbiológica, foi possível observar relação entre a melhor condição da saúde bucal e a redução na prevalência de infecções respiratórias nos pacientes submetidos ao protocolo de limpeza bucal. Esses mesmos autores observaram que as espécies de Staphylococcus e, em especial, bastonetes gram-negativos anaeróbios contribuem significativamente para a pneumonia em pacientes na UTI. Os estreptococos anaeróbios e microaerófilos, bacterioides fusobacterium, bem como H. influenzae, Klebsiella pneumoniae e Staphylococus auereus estão fortemente envolvidos na etiopatogenia da pneumonia.

 

Discussão

Desde as décadas de 1970 e 1980, alguns autores identificaram que bactérias presentes no biofilme dental poderiam colonizar a orofaringe. Os resultados desses estudos sugerem a possibilidade de que as bactérias responsáveis pela PNC nos pacientes internados na UTI podem ser provenientes da DP28. Esses resultados corroboram os achados da pesquisa realizada por Scannapieco e Ho12 (2001) sobre a colonização bacteriana do biofilme dental em pacientes internados na UTI, em que, devido ao caráter infeccioso da patologia e aos mecanismos etiopatogênicos complexos semelhantes entre periodontite e PNC, foram propostas algumas hipóteses de plausibilidade biológica, a saber: aspiração direta de patógenos, ação facilitadora de enzimas e citocinas associadas à periodontite na colonização bucal de microrganismos do trato respiratório e alteração no epitélio de revestimento do trato respiratório por esses mesmos mediadores biológicos, facilitando a infecção dos patógenos respiratórios.

Em antagônica linha de raciocínio aos estudos anteriores, Pinheiro et al.14 (2007) demonstraram que uma condição de higiene bucal mais precária e maior prevalência de periodontite em pacientes com PNC não se configuraram uma correlação positiva entre essas patologias. Alguns dos motivos que podem ter contribuído para não se comprovar essa associação foram a amostra reduzida e não ter sido identificado pareamento entre os grupos estudados, ficando três grupos com, no máximo, sete componentes.

Pineda et al.8 (2006) demonstraram que o uso de descontaminação oral com clorexidina 0,12% não resultou em redução significativa na incidência de PNC em pacientes que receberam a VM, nem alterou a taxa de mortalidade. Outros estudos sugerem que a colonização de biofilme com bactérias patogênicas pode ser um precursor para a PNC. A descontaminação com base de clorexidina 0,12% da flora microbiana oral como estratégia isolada pode não ser suficiente para reduzir a carga de bactérias responsáveis por PNC. Além disso, não se pôde observar na metodologia desses autores se outros fatores críticos para o aparecimento da PNC, tais como a manutenção dos aparelhos respiratórios, a inclinação da cabeceira da cama, a realização da aspiração de secreções e a limpeza frequente da tubulação do ventilador mecânico tenham sido devidamente controlados16, embora se assuma que tais cuidados sejam protocolares em UTIs. Em oposição a esses achados, outros dezessete estudos, publicados entre 2000 e 2012, sinalizam que o uso sistemático de clorexidina seja método bastante útil na prevenção da PNC33, além de um estudo publicado em 201534, que também traz fortes evidências nesse sentido.

Quanto à prevalência das PNCs, pode-se observar que os estudos estatísticos internacionais parecem ser mais consistentes. Nesse contexto, em diferentes estudos, a prevalência registra valores de 20,5 a 34,4 casos de pneumonia por 1.000 dias de VM e de 3,2 casos por 1.000 dias em pacientes não ventilados24.

No Brasil, apesar dos esforços da Anvisa3 (2005) em padronizar critérios nacionais para o registro das infecções respiratórias, parece que ainda não há muitos indicadores oficiais disponíveis, por isso a escassez de dados estatísticos. Outra razão desfavorável para a constante avaliação da PNC é a rotatividade dos leitos, já que a maioria dos municípios brasileiros tem dificuldades de comportar todos os pacientes que necessitam de UTI.

Sendo assim, a taxa de prevalência da PNC reflete-se, em grande parte, nos fatores relacionados ao paciente, à instituição e às características regionais, fazendo com que nos Estados Unidos da América o conhecimento epidemiológico dessa doença esteja mais avançado. Mesmo assumindo-se tal dificuldade, a Anvisa registra dados variáveis de prevalência entre 10% e 65%, em função da população estudada3. Não muito diferente desses achados, Lisboa et al.23 (2007) observaram a prevalência de 58% da PNC.

Ao finalizar a discussão dos dados da literatura sobre a influência da DP na PNC, espera-se que as informações elencadas neste estudo contribuam para aumentar o corpo de evidências sobre a inter-relação entre as duas doenças, consideradas graves problemas de saúde pública. Para expandir os limites do presente estudo, sugere-se que pesquisas in vitro e in vivo sejam realizadas para investigar com mais profundidade tipos de microrganismos da DP que estão presentes na PNC e também para melhorar o entendimento do mecanismo e do potencial da ação desses microrganismos, na busca de minimizar os efeitos e a frequência de infecções respiratórias em pacientes hospitalizados.

 

Considerações finais

Os dados revisados e discutidos no presente estudo sugerem que no Brasil a PNC pode ocorrer no mínimo em um décimo dos pacientes internados na UTI, tornando ainda mais importante o conhecimento da prevalência da doença e seus fatores associados para se pensar em estratégias eficazes de controle. A relação da DP no estabelecimento da PNC é sugerida pela maioria dos autores analisados, mesmo que, em oposição a essa afirmação, alguns estudos não tenham efetivamente comprovado essa relação causal. Talvez, deva-se considerar que aqueles trabalhos que não demonstraram essa inter-relação apresentaram algumas limitações metodológicas, que, ao serem sanadas no futuro, poderão dar respostas mais conclusivas sobre tão importante tema. Em adição, embora exista alguma discordância na literatura, estudos metodologicamente bem delineados demostram que o efetivo uso de clorexidina a 0,12%, associado a rotinas de higiene bucal e cuidados protocolares padrão em UTIs, é uma estratégia muito válida para prevenção e controle da PNC.

 

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Endereço para correspondência:
Rubem Beraldo dos Santos
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Recebido: 06/04/2016
Aceito: 13/06/2016