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Arquivos em Odontologia
versão impressa ISSN 1516-0939
Arq. Odontol. vol.47 no.4 Belo Horizonte Out./Dez. 2011
Programa lúdico-pedagógico para o controle do biofilme dental em indivíduos com deficiência visual
Playful-teaching program for the control of dental biofilm in the visually impaired
Cláudia Regina ScopelI; Denise Sabbagh-HaddadII; Aida Sabbagh-HaddadII; Renata de Oliveira GuaréIII
I Cirurgiã-dentista
II Curso de Especialização em Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais, NapOdonto/ABENO, São Paulo, SP, Brasil (Unimontes), Montes Claros, MG, Brasil
III Curso de Odontologia, Universidade Cruzeiro do Sul (UNICSUL), São Paulo, SP, Brasil
Contato: coefodonto@yahoo.com.br, deniseshaddad@hotmail.com, aidasabbagh@hotmail.com, renataguare@uol.com.br
RESUMO
Objetivo: Desenvolver um programa de prevenção e motivação odontológica para deficientes visuais, utilizando materiais lúdico-pedagógicos. Além disso, buscou comparar a eficácia do mesmo através do índice de higiene oral simplificado (IHOS) e do índice gengival (IG), em um grupo de cegos (grupo experimental) e portadores de visão subnormal (grupo controle). Matérias e Métodos: Foram avaliados 15 indivíduos com deficiência visual da Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Visuais (APADEV), de Caxias do Sul/RS, de ambos os sexos e idades entre 13 e 49 anos. Foram divididos em dois grupos: cegos (grupo experimental) e portadores de visão subnormal (grupo controle). Durante seis encontros (inicial, 15, 45, 75, 105 e 120 dias), todos os participantes receberam as mesmas informações e participaram das mesmas atividades conduzidas pelo mesmo examinador (kappa=0,86). Após cada atividade realizava-se o IG e IHOS. Os dados foram avaliados considerando-se o nível de significância de 5% e utilizando-se os testes de Friedman e Mann-Whitney. Resultados: Em relação ao IHOS, houve diminuição do índice com diferença significativa para o grupo controle durante os momentos de 15 a 105 dias (p<0,01), o que não ocorreu com o grupo experimental (p=0,77). Na avaliação do IG, observou-se diminuição do índice ao longo de todo o período no grupo controle (p<0,01). No grupo com deficiência visual o IG diminuiu entre 75 e 105 dias. Para o IHOS não houve diferenças estatisticamente significantes. Conclusão: Os indivíduos com visão subnormal apresentaram um efeito melhor (IG e IHOS) após o programa quando comparados com os indivíduos cegos.
Descritores: Portadores de deficiências visuais. Motivação. Placa dentária. Higiene bucal.
ABSTRACT
Aim: To develop a playful-teaching program of prevention and motivation for the visually impaired, evaluating them by means of the Gingival Index (GI) and the Simplified Oral Hygiene Index (SOHI). Materials and Methods: The present study evaluated 15 individuals with visual impairment from the Association of Parents and Friends of the Visually Impaired in Caxias do Sul/RS, from both genders, from 13 to 49 years of age, assigned to two groups: blind (experimental group) and patients with subnormal vision (control group). During six meetings (initial, 15, 45, 75, 105, and 120 days), all participants received the same information and participated in the same activities conducted by the same examiner (kappa=0.86). After each activity, the GI and SOHI were performed. The data were evaluated considering the significance level of 5% (Friedman and Mann-Whitney Test). Results: The SOHI revealed a significant change in the control group, with decreased SOHI values during the period of 15 to 105 days (p<0.01), which did not occur with the experimental group (p=0.77). Upon assessing the GI in the control group, a reduction in the SOHI throughout the entire period could be observed (p<0.01). In the group with visual impairments, the GI diminished during the period between 75 and 105 days. For the IOHS, no statistically significant differences could be observed. Conclusion: After the program, Individuals with subnormal vision, as compared to blind individuals, presented a more positive effect (GI and SOHI).
Uniterms: Visually impaired persons. Motivation. Dental plaque. Oral higiene.
INTRODUÇÃO
A capacidade visual do homem é considerada a mais alta. Abrange não só a acuidade visual, mas também a visão binocular, o campo visual, a visão das cores, a adaptação às diferentes luminosidades e a capacidade de resistência à ofuscação. Assim, um pequeno comprometimento na visão pode dar origem a uma deficiência importante1. A deficiência visual é uma das categorias das deficiências sensoriais2, e refere-se ao espectro que vai da cegueira até a visão subnormal (baixa visão ou visão reduzida)3,4.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que existam no mundo cerca de 45 milhões de cegos e aproximadamente 135 milhões de portadores de baixa visão. Considera que, em cerca de 80% dos casos, a perda visual é evitável, ou seja, poderia ser curada ou prevenida e que nove em cada 10 dos deficientes visuais vivem nos países em desenvolvimento. Caso esta tendência atual persista, tais números deverão dobrar em 2020, o que está gerando uma série de estudos em nível mundial, a fim de equacionar a questão5. Dados do último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que existem mais de 16 milhões de pessoas com deficiência visual no Brasil, sendo 160 mil cegos totais6.
As causas mais comuns das deficiências visuais são decorrentes de doenças hereditárias, problemas relacionados ao processo de nascimento como infecções (rubéola e toxoplasmose congênitas) e retinopatia da prematuridade, catarata e glaucoma congênitos, diabetes e acidentes3,5,7. No adulto, a baixa visão, está ligada principalmente ao processo de envelhecimento, e uma das causas mais frequentes é a deterioração da retina5.
A deficiência visual pode estar associada, ou não, a outras deficiências como a mental e a cerebral e também à certas cardiopatias8. Os indivíduos com deficiências visuais apresentam maior dificuldade em realizar uma higiene bucal adequada. Rosetti et al9. relataram que, métodos de motivação e instrução de higiene bucal devem ser adaptados pacientes com deficiência visual para que eles sintam a importância do controle do biofilme, tanto para a saúde dos tecidos dentais quanto periodontais.
Os deficientes visuais são capazes de cultivar a própria saúde bucal desde que seja fornecida atenção individualizada10. A motivação no controle mecânico do biofilme dental é a peça chave para a promoção do autocuidado e preocupação com a saúde bucal. Com o processo de motivação dos pacientes na higienização bucal, ocorre uma redução na quantidade de biofilme e na presença de sangramento gengival11. Nos deficientes visuais é necessário que os mesmos sejam tratados com paciência e compreensão, encorajados a efetuar questões que atenuem seus medos e apreensões12-13.
O objetivo deste trabalho foi desenvolver um programa de prevenção e motivação odontológica para deficientes visuais, utilizando materiais lúdicopedagógicos. Além disso, buscou comparar a eficácia do mesmo através do índice de higiene oral simplificado (IHOS) e do índice gengival (IG), em um grupo de cegos (grupo experimental) e portadores de visão subnormal (grupo controle).
MATERIAIS E MÉTODOS
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Cruzeiro do Sul/SP, protocolo nº 023/2008. Além dos materiais para exame clínico, foram utilizadas fichas clínicas, solução evidenciadora de placa bacteriana (Eviplac®), e materiais específicos para o programa (Cartilha de prevenção escrita em Braille e em tinta ampliada com figuras em alto relevo feitas com papel de EVA e cola textura; folhetos didáticos escritos em tinta; alimentos para exemplificar orientações de dieta; macromodelo e manequins odontológicos; material lúdico desenvolvido especialmente para o trabalho com deficientes visuais, com isopor, silicone, corante, tecido e arame). (Figuras 1 e 2)
O programa lúdico-pedagógico procurou englobar recursos diferenciados, utilizando-se estímulos táteis, sonoros e olfativos no intuito de orientar o indivíduo com deficiência visual para um melhor controle do biofilme.
Foram avaliados 15 indivíduos com idade de 13 a 49 anos, e idade média de 27 anos, de ambos os sexos. Foram divididos em dois grupos: visão subnormal (grupo controle) e cegueira (grupo experimental). Para avaliar o conhecimento odontológico prévio sobre higiene bucal e alimentação, inicialmente foi aplicado, pelo examinador, um formulário individual para os deficientes visuais. Em seguida, previamente à aplicação do programa de motivação, foi realizado o exame clínico inicial com registro do IG14 e do IHOS15. Todos os exames foram conduzidos pelo mesmo examinador calibrado (kappa=0,86).
Durante seis encontros (inicial, 15, 45, 75, 105 e 120 dias), todos os participantes receberam as mesmas informações e participaram das mesmas atividades conduzidas pelo mesmo examinador. Após cada atividade se realizava o exame clínico. Os dados foram avaliados por meio dos testes de Friedman e Mann-Whitney, considerando-se o nível de significância de 5%.
RESULTADOS
De acordo com a Tabela 1, o grupo com visão subnormal apresentou alteração significativa ao longo das avaliações (p<0,01), sendo o maior valor encontrado após 15 dias da realização do exame basal, e o grupo cegueira não apresentou diferença estatisticamente significativa entre os momentos (p=0,77). No grupo com visão subnormal os momentos basal e 15 dias diferiram do momento 105 dias (p<0,05), apresentando valor significantemente maior. As demais comparações não foram significativas (Tabela 2).
Observou-se que os grupos foram estatisticamente diferentes em relação aos momentos 45 dias (p=0,01), 75 dias (p=0,02) e 105 dias (p=0,02) com o grupo visão subnormal apresentado valor significativamente menor do que o grupo cegueira. Os grupos não apresentam diferença significante entre os momentos basal (p=0,09) e 15 dias (p=0,18). O grupo com visão subnormal apresentou alteração significativa ao longo das avaliações (p<0,01) e o grupo cegueira não apresentou (p=0,34). No grupo com visão subnormal os momentos basal e 15 dias diferem dos momentos 75 dias e 105 dias (p<0,05), apresentando valor significativamente maior.
As demais comparações não foram significativas. Através do teste não-paramétrico de Mann-Whitney observou-se que os grupos não diferem em relação aos momentos analisados: basal (p=0,33), 15 dias (p=0,77), 45 dias (p=0,23), 75 dias (p=0,09) e 105 dias (p=0,09).
Realizada a avaliação dos dados de IHOS isoladamente, verificou-se que não existiram diferenças estatisticamente significativas entre os momentos avaliados. A avaliação estatística realizada com os dados relativos ao momento IG para os dois grupos expõe a diferença significativa existentes entre o momento basal e os momentos de 75 e 105 dias (p<0,05), porém o momento de 15 dias não difere significativamente do momento 105 dias. As demais comparações não apresentaram diferença estatisticamente significativa.
DISCUSSÃO
A realização e a manutenção da higiene bucal de forma satisfatória são ligeiramente complexas para os deficientes visuais, visto que a maioria deles apresenta falta de habilidade motora e de estímulo para o desempenho desta atividade, apresentando maior acúmulo de biofilme dental, resultando em processo inflamatório gengival e/ou doença periodontal16.
Após aplicação do formulário individual aos deficientes visuais no primeiro encontro, pôde-se constatar que eles apresentaram relevante preocupação com a saúde bucal e com a aparência, visto que apesar de suas deficiências existe a valorização da opinião alheia. Esses resultados também foram encontrados em outros estudos17, ressaltando a preocupação dos deficientes visuais com a aparência, o mau hálito, a perda dentária e a dor.
Em relação à alteração no aprendizado, comprometimento motor e colaboração no trabalho, os grupos não diferiram em relação a estas variáveis, e apenas um indivíduo cego apresentou alteração comportamental. A alteração comportamental não foi a dificuldade do aprendizado nos indivíduos cegos. Provavelmente o método utilizado não foi adequado nos indivíduos cegos, sendo necessária a instituição de um programa mais específico, com maior ênfase na parte tátil e escrita em braile.
Todos os indivíduos pesquisados já visitaram um cirurgião-dentista. Os motivos relatados foram dor de dente ou outros. Por isso, é importante que aconteça a motivação dos pacientes durante as consultas, a fim de que os mesmos realizem a própria higiene bucal11.
A participação da família, ou a colaboração dos responsáveis, que é fundamental para que o deficiente visual se sinta motivado e capaz, não foi presenciada, sendo apenas relatado por um indivíduo cego receber auxílio. Poucos deficientes visuais ganham auxílio de seus familiares ou responsáveis durante a realização da escovação17.
No decorrer das motivações, os indivíduos receberam folhetos com as orientações para serem reforçados em casa; a fim de agregar muitas informações e esclarecer dúvidas e curiosidades, reforçando que o método de motivação indireta funciona na educação de higiene bucal18.
Programas preventivos visando diminuição de biofilme realizada por terceiros são eficazes entre os deficientes, sendo necessária a instituição de programas de treinamento para pais, responsáveis e educadores desses pacientes19.
Em relação à frequência de escovação os indivíduos cegos (experimental) relataram o maior número de frequência de escovação (3 vezes/dia), o que demonstra que existe falha na técnica destes pacientes, uma vez que o resultado do IHOS, durante o período do estudo, ficou semelhante. Os indivíduos portadores de visão subnormal (controle), embora tenham relatado menor frequência de escovação, demonstraram alteração importante ao longo das motivações, diminuindo o IHOS.
O uso do fio dental é restrito para todos os deficientes visuais pela falta de habilidade no manuseio e/ou pela falta de motivação. Apenas três pessoas de todo o grupo usam o fio dental, e mesmo assim não o tem como hábito.
Há necessidade da implantação de programas de promoção de saúde, uma vez que a motivação dos pacientes especiais é fundamental e atua de forma positiva no processo de melhoria da saúde bucal20. Entretanto outros autores17 relatam que o uso de motivação não funciona de maneira eficaz, pois os deficientes visuais não aderem a qualquer programa.
O programa lúdico-pedagógico utilizando-se de folhetos com tinta ampliada e outras atividades apresentou melhores efeitos (IG e IHOS) no grupo controle (visão subnormal), durante o período de tempo avaliado, principalmente a partir do 3º encontro. Os indivíduos cegos não apresentaram nenhuma mudança significativa no IHOS ao longo do período, como citado anteriormente. Redução no IHOS pôde ser observada em cinco pacientes com deficiência visual, num intervalo de vinte dias, após utilização de recursos motivacionais, fortalecendo a ideia de que a orientação direta é importante para o paciente no controle do biofilme18 e o uso de materiais audiovisuais têm apresentado bons resultados21.
O grupo experimental (cegos) demonstrou pequena melhora no IG durante a avaliação feita no 45º dia, o que não teve relativa significância, pois se comparados os momentos basal e de 105 dias, não houve mudanças nos valores. Para o grupo controle, ocorreu queda no IG ao longo de todas as motivações (entre 15 e 105 dias).
Em uma avaliação em conjunto, ou seja, dos dois grupos, não houve melhora importante no IHOS, principalmente se analisarmos o 1º com o último encontro. No IG dos mesmos, no período entre o 75º dia e o 105º dia, houve um melhora significativa se comparado com o momento basal, porém sem diferença relevante se comparado com o 15º dia.
A higiene bucal em crianças cegas é mais deficitária do que em crianças normais sendo necessários métodos adequados para ajudar o paciente cego a eliminar o biofilme22. O indivíduo com deficiência visual não aprende por imitação, precisando ser educado através de métodos que trabalhem com outros sentidos. Como o tato e a audição são bem desenvolvidos nesses pacientes, a aproximação para instrução e tratamento deve ser direta, individual, interativa e com exploração da percepção tátil.
Em deficientes visuais a motivação já é suficiente para diminuir a presença de biofilme6, entretanto é necessário que os programas educativos e preventivos sejam periódicos23,24.
A Odontologia atual, voltada, sobretudo à prevenção e à manutenção, tem o dever de participar dos programas de educação existentes para estes indivíduos. Avaliar previamente os conhecimentos de saúde bucal dos pacientes, de seus hábitos alimentares e de higiene são pontos fundamentais para a elaboração de um plano de prevenção individualizado. Os conhecimentos prévios podem auxiliar na detecção das principais necessidades do paciente para a manutenção da sua saúde bucal25,26.
CONCLUSÃO
O programa lúdico-pedagógico utilizandose de folhetos com tinta ampliada e modelos apresentou melhores efeitos (IG e IHOS) no grupo controle (visão subnormal), durante o período de tempo avaliado, comparado aos indivíduos cegos.
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Autor correspondente:
Renata de Oliveira Guaré
Rua Jorge Tibiriçá, 74/113 – Saúde
CEP: 04126-000 – São Paulo – SP – Brasil
E-mail: renataguare@uol.com.br
Recebido em 30/06/2011 – Aceito em 16/09/2011