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Arquivos em Odontologia

versão impressa ISSN 1516-0939

Arq. Odontol. vol.48 no.3 Belo Horizonte Jul./Set. 2012

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Representação social de adultos sobre o tabagismo e suas implicações para a saúde: estudo realizado em comunidade rural - MG

 

The social representation of smoking among adults and its implications for health: study conducted in a rural community in the state of Minas Gerais

 

 

Telma de Almeida SouzaI; Flávio de Freitas MattosII

IInstituto Nacional de Câncer (INCA), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
IIDepartamento de Odontologia Social e Preventiva, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte,
MG, Brasil

Autor correspondente

 

 


 

RESUMO

Objetivo: Apreender a representação social de adultos de uma comunidade rural sobre o tabagismo e suas implicações para a saúde e, por conseguinte, fornecer subsídios para planejamento das ações dos serviços de saúde.
Materiais e Métodos: Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com 15 adultos (fumantes, exfumantes e não-fumantes), entre 30 a 59 anos, moradores de uma região rural em Santa Bárbara-MG e usuários do serviço de saúde municipal, para uma análise utilizando a abordagem qualitativa dos dados.
Resultados: Foi possível classificar e separar os discursos em três grandes temas: Iniciação do Tabagismo; Influência na Qualidade de Vida e Cessação do Hábito. Os entrevistados consideraram importante que os profissionais de saúde tenham maior ação no apoio à cessação do tabagismo. Há concordância de que é necessário não apenas manter as propagandas antitabaco nos maços e ampliar o número de áreas restritivas ao cigarro, bem como a intensificação destas medidas.
Conclusão: Deve-se aumentar as ações direcionadas aos jovens e à família, pois ambos interferem fundamentalmente na iniciação ao fumo. A criação de grupos de convivência pode auxiliar na cessação do hábito de fumar. Diminuir as formas de pressão social aos grupos em situação de vulnerabilidade social pode ajudar na diminuição do número de fumantes.

Descritores: Tabagismo. Pesquisa qualitativa. Saúde pública.


 

ABSTRACT

Aim: The present study aimed to survey the social representation of smoking among adults within a rural community and its implications for health, consequently raising subsidies geared toward the planning of health care initiatives.
Materials and Methods: Semi-structured interviews were conducted with fifteen adults (somkers, ex-smokers, and nonsmokers), from 30 to 59 years of age, inhabitants of the rural town of Santa Barbara, MG, Brazil, and users of public health services, for a study involving qualitative data analysis.
Results: It was possible to classify and separate the study into three basic themes: beginning of the smoking habit, influence on the quality of life, and ending of the smoking habit. Interviewees felt the need for health professionals to be more active in providing support to kick the habit. It was agreed that it is necessary not only to maintain the anti-tobacco advertisements on cigarette packs and expand the number of smoking restricted areas, but also that these measures must be intensified.
Conclusions: Anti-smoking actions geared toward young people and families should be increased, given that both directly participate in the beginning of the smoking habit. The creation of support groups may well aid in ending the smoking habit. Reducing the social pressure upon groups in situations of social vulnerability could also help to reduce the number of smokers.

Uniterms: Smoking. Qualitative research. Public health.


 

 

INTRODUÇÃO

O ser humano sempre fez uso de substâncias psicoativas, com finalidades religiosas, curativas, relaxantes ou simplesmente recreacionais. O tabaco disseminou-se com a humanidade em suas migrações, marginalizando-se ou tornando-se aceitável1,2. Durante muitos anos este hábito foi visto como uma opção por um estilo de vida, sendo considerado um problema de saúde pública somente a partir da metade do século XIX. Atualmente é reconhecido como uma doença, causada pela dependência de uma droga, a nicotina, que obriga seus consumidores a se exporem a mais de 4.700 substâncias tóxicas2-4.

Devido a características específicas, o tabagismo é considerado um fenômeno social complexo, sendo classificado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como o principal fator de risco para causas de morte evitável. Dados demonstram que, após a fome, o tabaco é o maior fator atribuível de mortalidade no mundo5-8.

Desde o início da década de 90, verifica-se, no Brasil, um declínio significativo na prevalência do tabagismo e no consumo total de cigarros por adulto. No entanto, de 1996 a 2005 foram registradas mais de um milhão de hospitalizações por causas atribuídas ao fumo, o que gerou ao sistema de saúde custos de aproximadamente um bilhão de reais9.

Além disso, quando comparamos áreas rurais do país com áreas urbanas, a prevalência do tabagismo é visivelmente maior nas áreas rurais, destacando-se, também, o maior consumo de cigarro de palha nestes locais. O uso do tabaco reflete uma desigualdade social brasileira trazendo prejuízos à saúde pública: indivíduos com baixa escolaridade e menor poder aquisitivo representam a maior prevalência de tabagismo, estando igualmente nesta classe aquelas pessoas que possuem menor acesso à informação e aos serviços de saúde10.

Mesmo considerando a indiscutível evidência dos efeitos adversos do tabaco para a saúde, milhõesde pessoas continuam fumando e pouco se sabe sobre quantas desejam parar e quais os fatores que os influenciariam a tomar a decisão de abandonar o cigarro11,12.

Em virtude disso, o objetivo deste estudo foi apreender a representação social de adultos de uma comunidade rural sobre o tabagismo e suas implicações para a saúde e, por conseguinte, fornecer subsídios para planejamento das ações dos serviços de saúde.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

O presente artigo é um estudo de natureza qualitativa referente às representações sociais relacionadas ao tabagismo. Por meio da metodologia qualitativa é possível descobrir os valores, os significados, os motivos, as aspirações e as crenças das pessoas em relação a algo que se quer conhecer, neste caso, em relação à representação social sobre o tabagismo13. Como aporte teórico utilizou-se a Teoria das Representações Sociais, definida como o saber do senso comum que permite compreender a formação do pensamento social, isto é, o estudo de como e por que as pessoas partilham o conhecimento e desse modo constituem sua realidade comum13,14.

Como campo de estudo foi selecionado, por conveniência, um distrito do município de Santa Bárbara, localizado a 100 km de Belo Horizonte. O distrito de Brumal está localizado em uma zona rural, a 12 km do município, com acesso por estrada asfaltada e possui esgoto e rede elétrica em 87,0% das moradias. Esta área de abrangência contempla 3.818 pessoas, em 738 famílias. É assistida por uma equipe da Estratégia de Saúde da Família (ESF), com equipe de saúde bucal na modalidade II (um cirurgiãodentista, um técnico em saúde bucal e um auxiliar em saúde bucal).

Trabalhou-se com uma amostra intencional, buscando indivíduos com vinculação significativa com a problemática. A identificação dos entrevistados foi realizada pelas agentes comunitárias de saúde desta área, utilizando-se os critérios: ter de 30 a 59 anos; moradores da área de abrangência; que concordassem em participar e assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Decidiu-se realizar o trabalho com adultos por se acreditar que tenham uma concepção bem formada sobre o assunto e pela maior prevalência de tabagistas nesta faixa etária (30 a 59 anos)15. Além disso, tendo os próprios moradores da área de abrangência da unidade de saúde como sujeitos e buscando aproximação de suas percepções sobre o tabagismo, considerou-se que seria possível elaborar propostas de abordagem e ações em saúde mais coerentes e significativas para eles.

Visando obter uma representação mais abrangente deste grupo social, considerou-se pertinente diversificar o perfil dos entrevistados, dividindo-os igualmente em três subgrupos: Fumantes (fumam há cinco anos ou mais); Não-fumantes (nunca fumaram); Ex-fumantes (cessaram o hábito há mais de dois anos). Cabe destacar que, apesar de diferenciar os entrevistados em grupos, não foi intenção discutir os discursos de cada grupo separadamente, mas tentar alcançar falas diversas dentro da amostra.

A pesquisa foi conduzida dentro dos padrões exigidos pela declaração de Helsinki. Após a aprovação da Secretaria Municipal de Saúde de Santa Bárbara e do Comitê de Ética em Pesquisa COEPUFMG (CEP nº: 0470.0203.000-08), foram feitas três entrevistas-piloto para se avaliar o conteúdo e tempo médio destas.

Realizadas por meio de visita domiciliar, as entrevistas semi-estruturadas iniciavam-se com o preenchimento do questionário de identificação. Após a realização destas entrevistas, chegou-se à conclusão de que se alcançou a saturação dos discursos, assim como recomendado na literatura científica16.

Todas as entrevistas foram gravadas, transcritas, relidas e organizadas em um editor de texto. Utilizou-se para análise dos dados, o método de análise de conteúdo, visando compreender o sentido das comunicações, seu conteúdo manifesto ou latente, as significações explícitas ou ocultas, considerando a fala dentro do seu contexto13. A análise de conteúdo relaciona estruturas semânticas (significantes) com estruturas sociológicas (significados) dos enunciados presentes na mensagem, articulando a superfície dos textos descrita e analisada com os fatores que determinam suas características: variáveis psicossociais, contexto cultural, contexto e processo de produção da mensagem16.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A idade dos entrevistados variou entre 33 e 55 anos, com média de 47 anos de idade. Foram sete homens e oito mulheres, sendo treze casados, um solteiro e um viúvo. A renda familiar mensal de sete entrevistados é de um a dois salários mínimos, e de oito entrevistados de dois a quatro. Sete entrevistados possuem ensino fundamental completo, cinco o ensino médio incompleto e três entrevistados possuem ensino médio completo. Quase a totalidade dos entrevistados declarou-se católica (93,0%). Todos os fumantes e ex-fumantes relataram o início do vício durante a infância/adolescência. Apenas uma entrevistada fumante mencionou o desejo de parar de fumar. Por isso, recebeu informações sobre os serviços da rede pública disponíveis, sendo oferecido um espaço de escuta.

O discurso do grupo foi dividido em três grandes temas: Iniciação do Tabagismo; Influência na Qualidade de Vida; Cessação do Vício.

Iniciação do tabagismo

O grupo tem crença no papel da influência familiar e social na iniciação do hábito. Este é visto como uma forma de expressão e de aceitação no grupo.

O início do tabagismo está relacionado à forte influência do meio. A família desempenha um papel fundamental na decisão das crianças e adolescentes fumarem ou não. Além disso, existe a identificação do cigarro como um atrativo pessoal, capaz de transformar as pessoas que o utilizam em adultos fortes e atraentes17.

"Toda vida as pessoas iam crescendo vendo os pais fumarem e então achavam que deveriam seguir. Os rapazes, para falar que já é rapaz, fumam. A moças acham bonitinho e fumam. É por causa do mau exemplo mesmo".

As populações rurais parecem estar menos expostas a influências da mídia ou de uma maior escolaridade18. Percebe-se, então, que a maior prevalência da transmissão de valores, hábitos e crenças a partir das pessoas da família e da comunidade, se associa ao contexto social no qual estas pessoas estão inseridas.

Por saberem da influência familiar na iniciação, o grupo mostrou-se preocupado com o tabagismo em crianças, principalmente nos próprios filhos.

"Os meus filhos, eu não aceito que fumem, não".

Segundo a OMS, o tabagismo é uma doença pediátrica, pois quase 90,0% dos fumantes adquirem o hábito durante a adolescência19. Medidas de prevenção ao uso precoce do tabaco requerem políticas públicas específicas (aumento do preço, proibição da propaganda, programas antitabagismo e de educação para os jovens)20.

Quando questionados sobre os motivos que levam o indivíduo a fumar, os entrevistados relacionaram o hábito a formas de "prazer", "distração", "alívio do estresse", e para "acompanhar outros hábitos" (café, doces, bebida alcoólica).

"Fumam por falta de prazer na vida, falta de consciência, às vezes acham que o cigarro vai ajudar, mas não vê que está prejudicando".

"Quanto mais tomo café, mais eu fumo. Qualquer coisa doce que eu ponho na boca dá vontade do cigarro".

Esta associação realizada pelos entrevistados corrobora com a literatura científica. Além da dependência química, o cigarro causa a dependência psicológica (mecanismo para lidar com sentimentos de solidão, frustração, com as pressões sociais) e condicionamento (associações habituais com o fumar)21.

Diante disso, percebe-se forte influência da dependência nos hábitos do fumante. Mesmo relacionando os exemplos de familiares e da sociedade com a iniciação do tabagismo por crianças e adolescentes e preocupando-se com este fato, as pessoas continuam a fumar. O acompanhamento destas questões e o planejamento de ações no âmbito da família, assistindo tanto ao tabagista no tratamento para cessação do vício, quanto aos seus filhos na conscientização sobre os prejuízos do tabaco e estímulos a hábitos saudáveis seriam, então, medidas de extrema relevância para prevenção e controle do tabagismo.

Influência na qualidade de vida

Os entrevistados acreditam que fumar diminui a qualidade de vida, causando problemas de saúde e dificuldade na realização de atividades de vida diária. Os principais termos relatados foram o "cheiro ruim", o "cansaço", a "falta de ar" e o "câncer".

"A aparência de quem não fuma é mais alegre. Quem fuma envelhece rápido, tem semblante cansado, além do fedor que fica na roupa".

"Se eu namorasse uma pessoa que não fuma, ela iria falar comigo que eu fedo muito, porque o cigarro fede, sabia disso?".

Os tabagistas graves apresentam maior prejuízo na qualidade de vida, se comparados com os leves e moderados 22. Os entrevistados associaram a perda de qualidade de vida dos tabagistas às mudanças da condição de saúde geradas pelo cigarro.

"A pessoa que não fuma, para correr ou subir um morro é outra coisa. Quem fuma tosse muito, aquela tosse seca, da fumaça que irrita a garganta".

"Eu tinha muita dor nas pernas, dor de cabeça, cansaço, depois que parei não sinto mais nada. Cada cigarro que a gente fuma, eu acredito que está adiantando bem a morte da gente".

"Sou uma fumante consciente de que o cigarro faz mal, dá câncer, estraga os dentes. Eu sei, meus dentes estão estragados".

Principal causa isolada evitável de câncer, o fumo está associado ao desenvolvimento de doenças respiratórias, cardiovasculares e neoplasias. A eliminação total do tabagismo levaria à prevenção de 54% do câncer de esôfago, de 71,0% do câncer de pulmão e de 86,0% do câncer de laringe 20,23. Os entrevistados acreditam que o cigarro faz mal também aos fumantes passivos e que a sua fumaça pode prejudicar mais a estes do que ao próprio fumante. Para os fumantes, entretanto, nota-se também a crença de que o cigarro faz mal apenas para quem já tem uma tendência, possivelmente para tentar minimizar o fato de estarem fazendo mal para pessoas próximas a eles.

"Meu filho mais velho fala comigo: eu sou um fumante, sem fumar! Eu digo: você fuma desde que está na minha barriga".

"Eles falam que as pessoas que não fumam, estando junto com a gente acabam sendo fumantes passivos. Acho que a pessoa já tem a tendência pra aquilo (câncer) e o cigarro ajuda aquilo a chegar mais rápido".

A partir da década de 80 foi evidenciado que o tabagismo passivo é causa de doenças. É comprovado o impacto no comportamento e no desenvolvimento neurológico. Crianças apresentam dificuldade no aprendizado e adolescentes estão mais envolvidos em distúrbios de conduta e delinquência24. Outro fato presente no discurso que parece interferir na socialização dos fumantes e, consequentemente, na sua qualidade de vida é a discriminação por parte dos não-fumantes.

"Eu acho que hoje, na atualidade, fumaré feio. Antes os caras da mídia, as pessoas importantes sempre estavam com um cigarrinho do lado, hoje não, se você fumar, você sente vergonha, porque a maioria não fuma".

"Quando vou assistir minha novela e acendo um cigarrinho, meus dois meninos e meu marido saem da sala. Eles não querem ficar perto, me deixam sozinha lá... é chato, falam que a fumaça é fedida. Eles tão sempre falando pra eu largar".

A discriminação social e a pressão familiar e de outras pessoas íntimas são fatores que estimulam o tabagista a largar o vício25. Ao transpor o conteúdo expresso nas falas, considerando também a entonação de voz e expressões, notou-se a insatisfação entre os indivíduos postos à parte por pessoas de seu convívio social. Este descontentamento poderia ser um fator incentivador para que o fumante abandone o hábito. Entretanto, devido ao caráter multifatorial da permanência do uso do tabaco, a renúncia ao fumo não se limita apenas aos efeitos da discriminação.

A crença de que o cigarro diminui a qualidade de vida do tabagista e das pessoas com quem convive é bem evidente para o grupo, tanto nas questões de saúde quanto nas questões sociais. Cabe citar que, apesar de desaprovarem o fato do fumante provocar malefício a si próprio e a outras pessoas, os exfumantes parecem compreender melhor a dificuldade imposta pelo vício, provavelmente pela experiência anterior.

Os serviços de saúde devem estar atentos às manifestações do senso comum em relação ao tabagismo e ao fumante, bem como, à preocupação quanto aos efeitos do tabagismo passivo. Aliado a isso, devem desenvolver ações que estimulem nas famílias a prática de atividades saudáveis e a participação do tabagista em grupos sociais, encarando o fumante não como um ser imoral que prejudica a si e aos demais, mas como portador de uma doença causada pela dependência a uma droga.

Cessação do hábito

Sobre a cessação do hábito de fumar os discursos deixaram claro que o grupo acredita que existem ajudas externas (família, grupos de convivência, fé em Deus, medicamentos), mas que o vício do tabagismo só pode ser interrompido se existe no indivíduo a "força de vontade".

"Lá no grupo junto com outras pessoas viciadas, um ajuda o outro sem deboche, a pessoa em recuperação ajuda a outra".

"Tem que ter apoio da família, dos amigos e uma força de vontade muito grande da própria pessoa".

O suporte social promovido por grupos antitabagismo e por familiares é fundamental. Ele consiste em reforçar as motivações, fortalecer as vantagens da cessação, combater crenças em torno do consumo e prevenir problemas residuais da cessação (irritabilidade, humor negativo). Material de apoio deve ser preparado e fornecido aos participantes destes grupos24.

Os entrevistados não acreditam na eficácia dos remédios antitabagismo. Ele seria apenas coadjuvante à vontade pessoal.

"... um remédio... que tinha gosto de fumo, na hora que acabava aquele efeito eu tinha que fumar! Remédio pra parar de fumar? Não colocar ele (o cigarro) na boca!! O que existe mesmo é força de vontade".

O uso de medicamentos é um recurso adicional no tratamento do tabagismo, utilizado quando a abordagem comportamental é insuficiente pela presença de elevado grau de dependênciaà nicotina24.

Assim como no caso dos medicamentos, o grupo acredita que a religião/fé em Deus é também uma forte aliada para a cessação do fumar.

"Se ela segue uma religião aí ela já age com a convicção, que é a fé. E se a pessoa tem fé a pessoa acredita, e se a pessoa acredita ela pode tudo".

"Na igreja falam para não fumar, Deus não gosta. Quem é Deus pra mim? É quem vai me dar tudo. Eu não vou pro inferno, então vale a pena. Mas se você me proíbe porque faz mal pra saúde... E se eu quiser prejudicar minha saúde? Não tem ninguém me dando nada em troca! É muito fácil você largar quando alguém te dá alguma coisa em troca, o ser humano é interesseiro".

Para o grupo, outro ponto importante para cessar o tabagismo é o "medo da morte", tendo peso fundamental na vida dos indivíduos.

"O médico falou: a senhora não pode continuar, se a senhora continuar vai morrer. E ela parou, e a filha dela também parou junto, medo né?".

A relação entre cigarro e morte se fundamenta na divulgação feita pelos meios de comunicação e serviços de saúde sobre os efeitos do cigarro e sua associação com um grande número de enfermidades que podem levar ao óbito. Estima-se que no ano de 2030, o fumo deverá ser a maior causa isolada de mortalidade, podendo ser responsável por 10 milhões de mortes por ano20.

"Porque o meu medo de morrer é grande e o medo de pegar essa doença aí (câncer) é enorme"

O cigarro é associado ao câncer, doença que carrega um estigma social relacionado com a ideia de morte iminente. Aproximadamente 60,0% dos usuários chegam aos serviços de saúde com câncer já em fase avançada, momento em que a cura já não é mais possível17,26,27.

Quando questionados se algum profissional de saúde já os orientou sobre o tema tabagismo e sobre suas implicações, o grupo ressalta a importância da abordagem deste profissional, acreditando que a abordagem deveria ser feita com maior frequência.

"Não falaram porque nunca fui ao médico especificamente por causa do cigarro. O que eu vejo é o que sai na televisão".

Todos os entrevistados consideraram que as propagandas antitabaco colaboram no combate ao fumo, principalmente as da embalagem do cigarro. Ressaltam que os meios de divulgação das informações deveriam ser intensificados.

"A informação sempre ajuda a gente. Igual àqueles desenhos horrorosos no cigarro que a gente vê, antigamente não tinha nada disso. Tem um homem sem perna, uma perna ferida, tem um pulmão, que dá nervoso, é cada coisa".

Segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA) as imagens inseridas no maço do cigarro mais contundentes e visíveis são mais eficientes para desconstruir o apelo ao prazer e para afastar o consumidor do produto19.

Desde 2001 os produtos do tabaco são obrigados, por lei, a apresentarem advertências acompanhadas de fotos em uma das maiores faces dos maços, acompanhadas do número do Disque Saúde - Pare de Fumar. O Brasil foi o segundo país a adotar essa medida no mundo, depois do Canadá19. Essa campanha objetiva atingir a população de menor escolaridade, reduzir a aceitação social do cigarro, reduzir estímulos que induzam a iniciação e dificultam a cessação do tabagismo e aumentar o acesso dos fumantes ao serviço de apoio (Disque Saúde - Pare de Fumar)19.

Quando questionados sobre a proibição do fumo em locais públicos e fechados, o grupo de fumantes afirmou que a lei deve ser respeitada. Independente do subgrupo, consideraram que as proibições melhoraram em muito a qualidade de vida dos não-fumantes, mesmo sabendo que ainda ocorra o desrespeito pela lei em alguns momentos.

"Antes era liberado em qualquer lugar, até na lotação a pessoa soltava a fumaça na nossa cara e não tava nem aí. Melhorou muito".

Esta relação corrobora com a literatura científica. Os ambientes livres de tabaco no trabalho e em casa contribuem positivamente para fortalecer a recuperação24. O vício representa para o grupo o fator que mais dificulta a cessação do fumar. Os não-fumantes não falaram sobre o tema, parecendo desconsiderá-lo.

"Já tentei parar um monte de vezes, mas eu sinto fraqueza, é ficar sem o cigarro e eu não consigo fazer o serviço de casa, parece que a gente fica lerdo, sem vontade...".

"Eu gosto de fumar, eu sou viciada, eu gosto e eu não paro porque eu sou viciada".

"... o cara fica com a nicotina no corpo muitos anos, ela vicia a pessoa. Eu parei, e foi muito difícil, até hoje tenho vontade de fumar, é porque tenho ainda a Nicotina".

O ato de fumar não é uma simples escolha, sendo classificada pela OMS como uma doença grave19. Inicialmente a cessação do fumar provoca uma série de sintomas desagradáveis, denominada "síndrome de abstinência": irritabilidade, ansiedade, distúrbios do sono, dificuldade de concentração, depressão, cefaléia, constipação intestinal e aumento do apetite17,21,28.

O grupo acredita que os efeitos são agravados pela composição atual do cigarro, sendo este mais prejudicial do que os cigarros de anos atrás.

"Antigamente o cigarro era muito mais cheiroso. Hoje em dia você acende o cigarro e sente aquele fedor de barata. Hoje ele não vem muito limpo, não!".

"Hoje tem mais química, não é? Antes ele era mais puro. Até o cheiro era diferente. Acho que colocaram veneno pra durar mais aquela vontade e não parar, e as pessoas comprarem sempre o cigarro e gastarem mais dinheiro".

"Tenho certeza absoluta que o cigarro hoje é mais fedorento. Antigamente não era assim, eles mudaram, colocaram mais química para deixar as pessoas mais viciadas".

Ressalta-se que a presente pesquisa possibilitou conhecer as representações sociais de adultos residentes em uma região rural, na cidade de Santa Bárbara-MG, acerca do tabagismo e suas implicações para a saúde, sendo eles usuários do serviço de saúde municipal. Neste momento, tornase importante mencionar, como limitação do estudo, que os dados foram captados a partir de um grupo específico de uma comunidade na zona rural de um município de pequeno porte. Dada a amostragem intencional, este fato não compromete a validade interna da representação social do grupo. Os resultados não pretendem extrapolar a representação destes entrevistados para outras populações.

Os resultados apontam para a dificuldade de se reduzir o número de fumantes por meio de uma única estratégia, ressaltando a importância da intersetorialidade na atenção ao fumante. A compreensão dos fatores sociais e biológicos implicados no fenômeno tabagismo é estritamente necessária para o desenvolvimento de políticas públicas eficazes, que garantam o acesso aos serviços de apoio à cessação do tabagismo.

 

CONCLUSÕES

Por meio deste estudo foi possível compreender as ideias, valores e representações deste grupo sobre o tabagismo, destacando-se:

• Há crença sobre o papel determinante da família e grupo social na iniciação do tabagismo e preocupação com a iniciação precoce por parte das crianças, principalmente filhos;
• O tabaco como forma de aliviar as tensões e pressões sociais e o vício físico são as principais causas da manutenção do hábito e as relações do cigarro com doenças respiratórias e com o câncer, além do medo de morrer e a discriminação social, são os fatores que mais pesam na decisão de parar de fumar;
• O tabagismo afeta negativamente a qualidade de vida dos fumantes, provocando prejuízo estético, dificultando as relações sociais e a realização das atividades de vida diária;
• A orientação realizada pelos profissionais de saúde sobre o tabagismo e suas implicações para a saúde é importante e deveria ser realizada com maior frequência;
• O suporte social promovido por grupos de convivência, família e religião, assim como, os medicamentos antitabagismo, atuam como coadjuvantes na cessação, sendo, contudo, primordial a existência da "força de vontade" para alcançar este objetivo;
• Os entrevistados acreditam que a proibição de fumar em áreas públicas e fechadas ajudou na melhoria da qualidade de vida dos não-fumantes, pois estes têm sua saúde prejudicada quando ficam em situação de tabagista passivo;
• As propagandas antitabagismo inseridas nos maços de cigarro foram avaliadas positivamente pelo grupo, auxiliando na cessação e dificultando a iniciação do hábito, devendo haver intensificação desta medida.

 

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Autor correspondente:
Telma de Almeida Souza
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Recebido em 05/09/2011 – Aceito em 23/01/2012