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Arquivos em Odontologia
versão impressa ISSN 1516-0939
Arq. Odontol. vol.48 no.3 Belo Horizonte Jul./Set. 2012
ARTIGO ORIGINAL
Urgências odontológicas em uma Unidade de Saúde vinculada à Estratégia Saúde da Família de Montes Claros, Minas Gerais
Emergency dental services in a Health Unit linked to the Family Healthcare Strategy of Montes Claros, Minas Gerais
Eduardo Carneiro PintoI; Vânia Julieta de Araújo BarrosI,II; Mânia de Quadros CoelhoII; Simone de Melo CostaII
ICirurgião-dentista
IIDepartamento de Odontologia, Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES), Montes Claros, MG, Brasil
RESUMO
Objetivo: Identificar os casos de urgência odontológica na Estratégia Saúde Família, em Montes Claros, Minas Gerais caracterizando o usuário pelo perfil sociodemográfico, de comportamento em saúde, estilo de vida e condição sistêmica.
Materiais e Métodos: Trata-se de estudo transversal e quantitativo, de base documental. Foram avaliados 164 prontuários odontológicos, de adultos e idosos, atendidos entre 2008 e 2010. A análise dos dados foi por meio do teste χ2 de Pearson e pelo teste t de Student considerando o nível de significância p<0,05.
Resultados: A idade média dos usuários foi de 35,0 anos (±12,9), sem diferença estatística entre os sexos (p=0,06). As mulheres (63,4%) e os alfabetizados (97,6%) utilizaram mais o serviço de urgência. A presença de alguma doença sistêmica foi registrada em 22,6% dos documentos. A média de escovação dental diária foi de 2,73 (±8,15), com diferença significativa para etilismo e sexo (p<0,05). A maioria dos homens e das mulheres não faz uso de fio dental (p=0,15). Cerca de 37,0% dos pacientes concluíram o tratamento, não sendo associada à condição sistêmica, ao tabagismo e ao etilismo (p>0,05). A dor foi a principal queixa que motivou a procura pelo serviço, sendo a cárie o diagnóstico mais frequente.
Conclusão: A maioria das pessoas que procurou pelo serviço de urgência odontológica é do sexo feminino e possui idade média de 35 anos. A cárie foi o problema mais constatado, sendo a procura pelo serviço motivada, principalmente, pela dor.
Descritores: Identificação de emergência. Odontologia. Saúde Pública.
ABSTRACT
Aim: To identify the cases of emergency dental care in the Family Healthcare Strategy in Montes Claros, MG, Brazil, characterizing the user profile through sociodemographics, behavioral health, life style and systemic conditions.
Materials and Methods: This study applied a quantitative cross-sectional study based on documentation. One hundred sixty-four dental charts, of both adults and the elderly, treated between 2008 and 2010, were evaluated. Data analysis was performed by means of Pearson's chi-square test and the Student t test, considering a significance level of p<0.05.
Results: The average age of users was 35.0 years (±12.9), with no statistical difference between genders (p=0.067). Women (63.4%) and literate individuals (97.6%) tended to use the emergency services more often. The presence of systemic disease could be identified in 22.6% of the documents. The average daily brushing was 2.73 (±8.1), with a significant difference for alcoholism and gender (p<0.05). The majority of men and women did not use dental floss (p=0.152). Only approximately 37.2% completed the treatment and were not associated with systemic conditions, smoking, and alcoholism (p>0.05). Pain was the main complaint that led the patient to seek out dental care, with dental caries being the most frequent diagnosis.
Conclusions: The majority of people who sought out emergency dental care were female, with an average of 35 years of age. Dental caries was the most frequent complaint, and pain most commonly led the patient to seek out dental care.
Uniterms: Emergency identification. Dentistry. Public Health.
INTRODUÇÃO
A saúde bucal no Brasil foi incorporada à Estratégia Saúde da Família (ESF) por meio da Portaria Nº. 1444 de 28 de dezembro de 2000. A incorporação tardia da saúde bucal na ESF representou a pouca preocupação, por parte dos governantes, com a condição de saúde bucal da população brasileira. Historicamente, os brasileiros apresentam dificuldades de acesso à assistência odontológica. Ademais, somente no final da década de 80 é que os profissionais da odontologia despertaram para um modelo de atenção voltado para a promoção de saúde1. Esses fatos históricos podem explicar, em parte, a demanda reprimida para os serviços odontológicos. E isso culmina na procura pelos serviços de urgência ofertados na ESF.
Entende-se por urgência odontológica, medidas imediatas que visam aliviar os sintomas dolorosos, infecciosos e ou estéticos da cavidade bucal. O estado de saúde das pessoas é resultantedas suas condições de vida e de trabalho, bem como das suas relações sociais. Os principais agravos que acometem a saúde bucal têm sido objeto de estudos epidemiológicos em virtude da alta prevalência e gravidade que atingem a população2.
As doenças bucais podem restringir as atividades e causar afastamento do trabalho e das atividades escolares. Além do mais, elas podem acarretar prejuízos no desempenho de atividades cotidianas, provocar dor, sofrimento e impacto psicosocial, agindo de forma negativa na qualidade de vida. Uma urgência odontológica pode surgir durante um tratamento ou após seu mediato término. Entretanto, ocorre mais frequentemente nas pessoas que carecem de acompanhamento profissional regular.
Identificar os casos de urgência odontológica na Estratégia Saúde Família, em Montes Claros, Minas Gerais caracterizando o usuário pelo perfil sociodemográfico, de comportamento em saúde, estilo de vida e condição sistêmica.
MATERIAIS E MÉTODOS
Trata-se de um estudo transversal, quantitativo e de base documental. Utilizaram-se dados secundários advindos de documentos arquivados junto à ESF Lourdes II, em Montes Claros, Minas Gerais.
No ano de 2007, foi criada, no município de Montes Claros, a ESF Lourdes II modalidade I, cujo território abrange dois bairros do município em questão. A Equipe de Saúde Bucal dessa ESF identifica os determinantes e condicionantes da saúde, a partir da estimativa rápida, de estudos epidemiológicos e registros do serviço, cujo trabalho tem o apoio do Agente Comunitário de Saúde (ACS). O diagnóstico situacional, no território da saúde da família, contribui para definir as prioridades de assistência odontológica. Desse modo, o agendamento para o tratamento odontológico é feito durante a visita domiciliar do cirurgião dentista juntamente com o Auxiliar em Saúde Bucal (ASB) e o ACS. A visita domiciliar propicia a busca ativa e a classificação de risco da família, entretanto o atendimento de urgência não requer o agendamento prévio, ou seja, o programado.
Foram avaliados 164 prontuários odontológicos por meio da ficha clinica e da folha de rosto de cada usuário. Essa última compõe a documentação de todos os usuários cadastrados na ESF. Foram analisadas as fichas de indivíduos adultos e idosos, atendidos no serviço de urgência da Equipe de Saúde Bucal da ESF investigada.
Adotou-se como critério de inclusão: usuários dos serviços de urgência com idade igual ou superior a 18 anos. Apesar de 18 anos ainda ser considerado adolescente, essa idade foi incorporada na análise por se tratar da maioridade civil no Brasil, sendo permitido o atendimento odontológico sem o acompanhamento do responsável. Desse modo, supõem-se que todas as informações registradas no prontuário tenham sido emitidas pelo próprio usuário do serviço, o que contribui para diminuir o viés de informação.
A ficha clínica utilizada no setor público municipal é preenchida pelo cirurgião dentista no momento que antecede a consulta odontológica. Já a folha de rosto, trata-se de um documento que registra as informações socioeconômicas. É preenchida pelo agente de saúde e por outro profissional, de nível superior, no momento do cadastro do usuário na equipe de saúde da família.
Os dados analisados foram referentes ao período de janeiro de 2008 a dezembro de 2010. O ano de 2008 corresponde ao ano seguinte à implantação da ESF, sendo nesse período enfatizada a reorganização do serviço, com base na proposta do Plano Diretor da Atenção Primária à Saúde (PDAPS) do Governo de Minas Gerais. O PDAPS visou melhorar o acesso e a qualidade da atenção primária à saúde3.
Foi elaborado um formulário para a coleta dos dados. As variáveis utilizadas foram: sexo, idade, hábitos de higiene bucal (número de escovações diárias e uso diário de fio dental); motivo de procura pelo atendimento de urgência odontológica (queixa principal do usuário); diagnóstico efetuado pelo cirurgião dentista para o motivo da urgência, condições sociais (alfabetização; ocupação), presença de condições sistêmicas como diabetes e hipertensão, hábito de tabagismo e etilismo.
Os dados foram registrados no software SPSS® (Statistical Package for the Social Science) versão Windows 18.0. Foi realizada análise descritiva por meio de valores percentuais e medidas centrais e de separatrizes. A variável "diagnóstico clínico da queixa principal do usuário" foi categorizada em "cárie dentária" e "outros diagnósticos". O tratamento analítico envolveu o teste χ2 de Pearson e o teste t de Student, considerando uma significância de 0,05.
Este estudo foi conduzido de acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde4. O projeto foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros, Unimontes sob o Parecer Consubstanciado Nº 2711/11.
RESULTADOS
O número de documentos avaliados corresponde a 100% de todos os atendimentos efetuados na urgência para o período e clientela definidos a priori.
No presente estudo, observou-se que a idade dos usuários atendidos pelo serviço de urgência variou de 18 a 86 anos, com uma média de idade correspondente a 35,0 anos (±12,9). A média de idade dos homens foi 37,5 (±14,9) e das mulheres foi de 33,6 anos (±11,4) sem diferença estatística significativa (p=0,06). Houve predominância de uso do serviço de urgência pelo sexo feminino (63,4%), por pessoas alfabetizadas (97,6%) e por usuários que relataram ter algum tipo de ocupação (83,2%). Entre as ocupações registradas pode-se citar: construção civil, comerciários, cozinheiras, mecânico de automóveis, professor, funcionário público, entre outras.
A presença de doença sistêmica foi registrada em 22,6% dos documentos analisados. Do total de documentos, 11,6% deles se referiam aos usuários com diagnóstico de hipertensão, 1,8% a pessoas com hipertensão e diabetes concomitantemente, 0,6% a diabéticos e 8,5% dos prontuários se referiam a outras patologias (Tabela 1).
Com relação aos hábitos diários de higiene bucal, dos 134 prontuários que apresentavam a informação sobre o número de escovações dentárias diárias, foi verificado que 56,7% escovavam três ou mais vezes ao dia. A média do número de escovações diárias foi igual a 2,7 (±8,15) para todos os usuários. No que se refere ao uso do fio dental, de 129 prontuários que continham essa informação, em 51,2% deles foi constatado que os usuários não tinham o hábito de usar diariamente o fio dental. A análise bivariada do uso do fio dental por sexo mostrou que 73,3% dos homens e 60,7% das mulheres não faziam uso do fio dental diário (p=0,15). Registros de hábitos como o tabagismo e o etilismo foram identificados em 147 prontuários do serviço de urgência.
Quanto à continuidade e conclusão do tratamento odontológico após o atendimento de urgência, verificou-se que 37,2% dos usuários do serviço de urgência completaram o tratamento. A média de idade entre as pessoas que completaram o tratamento foi 38,8 anos (±13,1) e dos que não concluíram o tratamento foi de 32,8 anos (±12,4) com diferença significativa (p=0,004).
Na associação entre a condição de ter concluído ou não o tratamento odontológico e as outras variáveis analisadas, constatou-se que a maioria dos usuários que relatou a presença de doença sistêmica (62,2%) não concluiu o tratamento dentário (p=0,92), assim como a maioria dos tabagistas (p=0,75) e etilistas (p=0,39) (Tabela 2).
Quando analisada a média de escovações diárias conforme o etilismo verificou-se que a média do etilista foi de 2,2 vezes (±1,0) e do não etilista foi 2,7 vezes (±0,7), sendo essa uma associação estatisticamente significativa (p=0,01). A média de escovações diárias entre os que usam o fio dental diariamente foi de 3,0 vezes (±0,8) e entre os que não usam o fio foi de 2,5 vezes (±0,7), sendo essa uma associação significativa (p=0,002). As mulheres apresentaram uma média de escovações diárias igual a 2,8 vezes (±0,7). Nos homens a média foi de 2,5 (±0,8), sendo a associação estatisticamente significativa (Tabela 3).
Quanto aos fatores subjetivos que motivaram a procura pelo atendimento de urgência odontológica na ESF, a dor foi a queixa predominante (78,0%), seguida pelo relato de sangramento na gengiva (8,5%), de inchaço na gengiva (4,3%), sensibilidade no dente (4,3%), dente quebrado (3,7%) e entre outros motivos (1,2%). Agruparam-se os motivos de procura pela urgência em duas categorias, dor e outros motivos, e foi feita a associação com as outras variáveis do estudo. Verificou-se que, a queixa principal "dor" foi relatada por 83,8% das pessoas que auto relataram doenças sistêmicas (p=0,338), por 79,8% do sexo feminino (p=0,474), por 81,6% dos que não concluíram o tratamento odontológico (p=0,159), por 76,5% dos tabagistas (0,734), por 78,6% dos etilistas (0,877). A dor foi a queixa principal de 75,0% dos analfabetos (0,881).
Baseado nos fatores normativos por meio do diagnóstico clínico profissional, registrado na ficha clínica, a cárie dentária foi o diagnóstico mais frequente no serviço de urgência (52,4%), seguido pela doença periodontal (14,0%), abscesso periapical (13,4%), pericoronarite (9,5%), sensibilidade dentinária (7,3%) e traumatismo dental (3,7%). Agruparam-se os diagnósticos em duas categorias de análise, cárie dentária e outros diagnósticos, e foi feita a associação com as outras variáveis. Nessa análise foi constatado que a maioria dos usuários do serviço de urgência que não completou o tratamento odontológico (59,2%) apresentou o diagnóstico de cárie dentária (p=0,024) (Tabela 4).
DISCUSSÃO
As pessoas adultas acima de 18 anos de idade atendidas na urgência odontológica foram, em sua maioria, do sexo feminino. Esse resultado foi corroborado por outra pesquisa5 que demonstrou predominância do sexo feminino (64,6%) na procura por atendimento de urgência.
A faixa etária de 18 a 30 anos foi a que mais utilizou o setor da urgência odontológica. Com o avançar da faixa etária houve um decréscimo contínuo no número de usuários no serviço de urgência. Tem-se como hipótese que o menor número de pessoas com idade acima de 51 anos se deve ao fato desse contingente populacional ser formado por pessoas parcialmente desdentadas. E por isso apresentam uma menor chance de procurar o serviço de urgência odontológica devido aos problemas dentários.
Nessa perspectiva, o levantamento brasileiro denominado SB 2010 constatou a necessidade de algum tipo de prótese em 69,0% dos adultos, o que sugere perdas dentárias nesse contingente populacional. Em 1,3% dos casos, há necessidade de prótese total em pelo menos um maxilar. Já em idosos de 65 a 74 anos, 23,0% deles necessitavam de prótese total em pelo menos um maxilar e 15,0 precisavam de prótese total dupla. Estes números estão muito próximos dos encontrados em 2003 e representam um contingente de mais de 3 milhões de idosos que necessitam de prótese total em pelo menos um maxilar e mais de 4 milhões que necessitam de prótese parcial6.
No que diz respeito ao comportamento em saúde, identificou-se que o número de escovação dentária diária foi igual a três para grande parte dos usuários dos serviços de urgência. Portanto, as pessoas escovam seus dentes com regularidade, mas apresentam problemas de urgência. Sendo a cárie dentária o problema mais registrado é possível inferir que os usuários não estão fazendo uso regular do serviço odontológico. A maioria dos usuários não fazia uso do fio dental diariamente.
A dor dentária foi a queixa principal mais relatada pelos usuários do serviço de urgência. De certo modo, esse era um dado esperado uma vez que os vários problemas na cavidade bucal culminam, comumente, no desfecho dor dentária.
De acordo com os dados do SB 2010, a procura ao dentista motivada pela dor foi em 27,0% dos adultos de 35 a 44 anos e diminuiu para 10% nos idosos de 65 a 74 anos, muito provavelmente em decorrência da perda de dentes. Entre as regiões, apenas o Sul se destaca, com um valor mais baixo (20,0%) enquanto que as outras regiões apresentam prevalências de dor de dente muito próximas da nacional6.
Sabe-se que a dor dentária aliada à falta de acesso aos serviços de saúde muitas das vezes levaà automedicação, questão discutida mundialmente pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Nesse sentido, estudos mais recentes, voltados à análise do padrão populacional de consumo de medicamentos, apontam aspectos preocupantes da automedicação. O uso incorreto e não seguro dos medicamentos favorece o agravamento do problema e o surgimento de graves efeitos colaterais. Soma-se a isso, o fato da automedicação é preocupante uma vez que parte dos medicamentos deveria ser dispensada ou só consumida mediante prescrição e acompanhamento profissional7. A antibioticoterapia oferece alguns riscos como toxicidade e efeitos colaterais que podem causar consequências sérias e até fatais. Apesar de a terapia antibiótica ser necessária somente em 20,0% dos indivíduos com doenças infecciosas de origem endodôntica, ela é prescrita em 80,0% dos casos, e como se não bastasse, em 50,0% deles a indicação, dose ou duração da terapia estão incorretos8.
A cárie dentária foi a principal queixa da maioria dos casos de urgência. A cárie e seus agravos continuam sendo a principal causa das urgências odontológicas5. No entanto, de acordo com o levantamento nacional de epidemiologia das doenças bucais SB2010 houve uma redução da cárie em adultos e idosos. Entre os idosos de 65 a 74 anos, por exemplo, o número de dentes cariados, perdidos e obturados (CPOD) médio praticamente não se alterou, ficando em 27,1 em 2010, enquanto que, em 2003, a média era de 27,8, com a maioria correspondendo ao componente "extraído". Entretanto, analisando os resultados para o grupo de 35 a 44 anos, observa-se que o CPOD médio caiu de 20,1 para 16,3, representando um declínio de 19%6.
A maioria dos usuários dos serviços de urgência da ESF que apresentou o diagnóstico de cárie dentária como motivo da procura pelo serviço não concluiu o tratamento odontológico, ou seja, o abandonou. Esse comportamento do usuário pode contribuir para a manutenção da alta prevalência e gravidade da cárie dentária no país. Outro diagnóstico clínico verificado nos prontuários deste estudo e que justificou a busca pelo atendimento na urgência foi o abscesso periapical.
A associação entre as reações inflamatórias periapicais e a saúde orgânica ainda é um assunto polêmico no meio médico e odontológico. Diversos estudos verificaram a possibilidade das reações inflamatórias na região periapical ocasionarem alterações cardiovasculares, doenças respiratórias, diabetes, endocardite bacteriana pela disseminação por difusão entre outros. No entanto, acredita-se não ser possível afirmar que a lesão periapical, como fator isolado, seja capaz de ocasionar distúrbios em outras regiões do organismo9.
Com relação ao diagnóstico de doença periodontal verificado nos prontuários do serviço de urgência, por se tratar de uma população adulta e idosa era um resultado esperado. Isso porque a idade tem sido fortemente associada à periodontite. Obviamente, isso não significa que a doença periodontal seja uma consequência da idade, mas se relaciona ao fato de que os levantamentos são cumulativos e então a experiência anterior se reflete com a idade, a exemplo do índice CPOD utilizado para avaliar a cárie dentária10.
Neste estudo foi constatado, em pequena parte dos prontuários, registros de alterações sistêmicas. As condições mais frequentemente apresentadas foram a hipertensão arterial e a diabetes. Por outro lado, o diagnóstico clínico odontológico constatou presença de doença periodontal em pacientes de urgência. Sabe-se que, o diabetes é um fator de risco para a doença periodontal. Sendo assim, o tratamento periodontal é benéfico para o controle metabólico de diabéticos. Ademais, existe uma associação entre a doença periodontal e as doenças cardiovasculares (DCV), o que sugere ser a ocorrência concomitante de doença periodontal e da diabetes um aumento do risco para a ocorrência de DCV11-12.
O tabagismo é outro fator coadjuvante no agravo da doença periodontal e foi constatado em parte de prontuários examinados. A influência do tabagismo na doença periodontal deve ser considerada por clínicos e pacientes, tanto durante o tratamento periodontal ativo como nas fases de manutenção de saúde bucal13. Outro diagnóstico analisado nos prontuários dos pacientes que procuraram o serviço de urgência foi a pericoronarite ocorrida em 15 pacientes. A pericoronarite é uma condição que os terceiros molares permanentes podem provocar uma infecção da membrana pericoronária. Isso acontece quando o dente está parcialmente erupcionado. Essa é uma condição que pode ser muito dolorosa na área da face, podendo irradiar para a região de ouvido, têmporas e pescoço, daí o paciente referir como "dor de cabeça", considerada pela International Headache Society (IHS) como uma cefaléia secundária aos problemas dentários14.
Outra situação de urgência odontológica são os traumatismos dentários, ocorridos em seis pacientes que procuraram a urgência. São ocorrências que impõem ao profissional um atendimento rápido e minucioso. O trauma dentário é uma ocorrência que, além da dentística e endodontia, pode envolver outras especialidades odontológicas como cirurgia, periodontia, prótese e ortodontia. Desta forma, pode-se concluir que o tratamento é complexo e o prognóstico, muitas vezes, é duvidoso15.
A sensibilidade dentinária foi outra situação apresentada em 12 prontuários da urgência. A prevalência varia em diferentes estudos, nos quais é relatado que a hipersensibilidade dentinária ocorre mais em adultos, sendo mais comum em pessoas entre 20 a 40 anos, com pico de maior ocorrência no final da terceira década. Além da idade, o consumo excessivo de substâncias ácidas está associado com o quadro de sensibilidade dentinária16. Com o avanço da idade, diminui a prevalência, apesar de aumentar a exposição dentinária, devido à recessão gengival. É possível, que com a esclerose tubular, a aposição de dentina secundária e a fibrose pulpar, haja menor transmissão dos estímulos pelo processo hidrodinâmico17.
Quanto à continuidade e término do tratamento odontológico após o atendimento no serviço de urgência apenas uma pequena parcela dos usuários concluíram o tratamento. Nesse sentido, a maioria dos usuários abandonou o tratamento após a resolução do problema de urgência. Tem-se por hipótese que os prováveis motivos para a não conclusão do tratamento odontológico sejam externos ao serviço, como exemplos, o medo de dentista, a impossibilidade de faltar ao trabalho, a demora do agendamento para o tratamento especializado no Centro de Especialidades Odontológica (CEO) e a mudança de domicílio para fora do território da ESF.
As pessoas que fazem uso do fio dental apresentaram uma maior média de escovação diária quando comparadas às pessoas que não usam o fio diariamente. Esse é um resultado esperado uma vez que as duas variáveis tratam de hábitos de higiene bucal. Entre os etilistas e não etilistas verificou-se que o sujeito etilista realiza um menor número de escovação diária. Já entre o sexo, as mulheres praticam um maior número de escovação diária, apesar de ser o contingente populacional que mais procurou o serviço de urgência.
Em todo o mundo, as mulheres tendem a exibir uma mortalidade menor que a masculina, mas isso não significa que as mulheres desfrutem de melhor condição de saúde18-19. Além dos fatores comportamentais, que indicam uma maior procura das mulheres por serviços de saúde do que os homens, as condições socioecômicas também desempenham um papel importante nesse processo20. Estudos constatam que os homens, em geral, padecem mais de condições severas e crônicas de saúde do que as mulheres e também morrem mais do que elas pelas principais causas de morte20-23. Entretanto, apesar de as taxas masculinas assumirem um peso significativo nos perfis de morbimortalidade, observa-se que a presença de homens nos serviços de atenção primária à saúde é menor do que a das mulheres20,24.
O estudo tem limitações por se tratar de um estudo transversal com análise de dados secundários, registros do serviço de urgência odontológica. Contudo, cabe salientar que, o preenchimento das fichas clínicas odontológicas foi efetuado por cirurgiões dentistas autores deste trabalho, o que minimiza as falhas relacionadas à interpretação dos dados e as geradas por motivos de grafia ilegível. Além disso, o recorte para avaliação de documentos de pessoas com idade igual ou superior a 18 anos contribui para a veracidade das informações, uma vez que sugere que as informações analisadas tenham sido fornecidas pelo próprio usuário do serviço.
CONCLUSÕES
A maioria das pessoas que procurou pelo serviço de urgência odontológica era do sexo feminino, com idade média igual a 35 anos, não etilista, não tabagista, sem hábito diário do uso de fio dental, com ausência de condição sistêmica e com queixa de dor de dente. As pessoas do sexo feminino, não etilista e usuárias do fio dental diário foram as que apresentaram uma maior média de escovação dentária diária. A cárie dentária foi o problema mais constatado pelos profissionais. Entretanto, outros diagnósticos foram observados como a doença periodontal, o abscesso periapical, a pericoronarite, a sensibilidade dentinária e o traumatismo dentário.
A variedade de problemas detectados na urgência odontológica sugere a necessidade do cirurgião dentista que integra a saúde da família ser um profissional generalista, com competências e habilidades necessárias para a resolução da dor autorreferida pelos usuários. Isso porque a resolução das urgências compreende a tomada de decisão imediata para o alívio da dor, exigindo assim conhecimentos das diferentes áreas odontológicas, por exemplo, periodontia e endodontia. Sintetizando, as medidas imediatas, para a resolução da dor, devem ser adotadas ainda na ESF, podendo posteriormente referenciar o caso para os outros níveis de atenção.
Diante dos diferentes diagnósticos clínicos, constatados no serviço de urgência, verifica-se a necessidade da educação em saúde para orientar as pessoas com relação às doenças bucais e motivá-las a adotar hábitos saudáveis e corretos de higiene bucal e a procurar o serviço odontológico antes que a doença se instale ou se agrave, com sintomatologia dolorosa e o potencial risco de perda dentária.
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Autor correspondente:
Eduardo Carneiro Pinto
Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes
Campus Universitário Professor Darcy Ribeiro - Vila Mauricéia
Centro de Ciências Biológicas e da Saúde. Departamento de Odontologia
CEP: 39401-089 - Montes Claros - MG – Brasil
e-mail:karinecortellazzi@gmail.com
Recebido em 04/05/2012 – Aceito em 04/07/2012