SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.50 número3 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Arquivos em Odontologia

versão impressa ISSN 1516-0939

Arq. Odontol. vol.50 no.3 Belo Horizonte Jul./Set. 2014

 

 

Avaliação dos fatores de risco do bruxismo do sono

 

Evaluation of the risk factors of sleep bruxism

 

 

Isabela Maddalena Dias I; Lívia Marins Ramalho de Mello II; Ingrid Duque Maia II; Larissa de Oliveira Reis III; Isabel Cristina Gonçalves Leite IV; Fabíola Pessôa Pereira Leite V

 

I Programa de Pós-Graduação em Saúde Brasileira da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora, UFJF, Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil
II Cirurgiã-dentista, Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil
III Curso de Odontologia, UFJF, Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil
IV Departamento de Saúde Coletiva, Faculdade de Medicina, UFJF, Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil
V Departamento de Odontologia Restauradora, Faculdade de Odontologia, UFJF, Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil

Contatos: isabelamdias@gmail.com, liviamarins@hotmail.com, indriddm2008@hotmail.com, lariiissareis@gmail.com, isabel.leite@ufjf.edu.br, fabiola-leite1@hotmail.com

 

 


 

RESUMO

Objetivo: Verificar, em uma amostra de pacientes da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Juiz de Fora, se determinados fatores de risco descritos pela literatura se associam com a ocorrência do bruxismo do sono. Materiais e Métodos: Foram selecionados 100 pacientes por meio de um formulário construído com base na literatura, 50 deles com bruxismo do sono e outros 50 livres desta parafunção. Após a seleção dos pacientes foi feita a avaliação da exposição a fatores de risco associados ao bruxismo do sono em ambos os grupos: consumo de álcool/cigarro, cafeína, uso de determinados medicamentos (fluoxetina, paroxetina e sertralina), dormir em ambientes com exposição a ruídos e/ou luz, relato de situações de estresse e ansiedade. Em seguida, foi avaliada a associação entre a presença dos fatores de risco e a ocorrência ou não do bruxismo do sono, por meio dos valores de OR (odds ratio), correlação de Sperman e Fisher. Resultados: Quando os fatores de risco foram avaliados de forma isolada, não foi verificada associação significativa entre as variáveis estudadas (fatores de risco e bruxismo do sono): bebida alcoólica (p = 0,887), cigarro (p = 0,251), medicamentos (p = 0,967), cafeína (p = 0,179), ruídos (p = 0,952), luz (p = 0, 147), estresse/ansiedade (p = 0, 362). Os fatores investigados só se mostraram como risco para o bruxismo do sono quando os pacientes estavam expostos a mais de um deles (OR=5,159) (p = 0,028). Conclusão: De acordo com os resultados encontrados, destaca-se que o indivíduo pode estar adaptado e resistente frente a determinados fatores que não aumentaram o risco e ocorrência do bruxismo do sono, mas a exposição a mais de um dos fatores aumenta consideravelmente a chance de ocorrência da parafunção avaliada.

Descritores: Bruxismo do sono. Fatores de risco.


 

ABSTRACT

Aim: To verify in a sample of patients from the College of Dentistry, Federal University of Juiz de Fora, if certain risk factors described in the literature are in fact associated with the occurrence of sleep bruxism. Methods: One hundred patients were selected, using a form, based on the prior literature: 50 with sleep bruxism, and 50 without. An assessment was taken of the exposure to risk factors associated with sleep bruxism in both groups: consumption of alcohol / cigarettes, caffeine, use of certain medications (fluoxetine, paroxetine, and sertraline), sleeping in environments with noise and / or light exposure, as well as reports of situations of stress and anxiety. The association between the presence of risk factors and the occurrence or absence of sleep bruxism, using the Spearman and Fisher correlation and OR values was then evaluated. Results: When the risk factors were evaluated in isolation, no significant association could be observed among the variables (risk factors and sleep bruxism (alcoholic beverage (p = 0887), smoking (p = 0.251), medications (p = 0.967), caffeine (p = 0.179), noise (p = 0.952), light (p = 0.147), stress / anxiety (p = 0.362). The investigated factors showed a risk factor only for sleep bruxism when patients with this parafunction were exposed to more than one (OR = 5.159) (p = 0.028) (p < 0.05). Conclusion: The present study's results highlight the fact that the individual may be adapted and resistant to certain factors that did not increase the risk and occurrence of sleep bruxism; however, exposure to more than one factor greatly increases the chance that the evaluated parafunction may occur.

Uniterms: Sleep bruxism. Risk factors.


 

 

INTRODUÇÃO

O sistema estomatognático é composto por diversas estruturas, como os dentes, músculos, periodonto, ligamentos, articulações temporomandibulares (ATM) e ainda por um sistema neurológico e vascular. Dentro do que podemos chamar de funcional, o sistema mastigatório apresenta diversas ações. O equilíbrio dinâmico dos músculos da cabeça e pescoço pela atividade de receptores sensoriais, ações reflexas e regulação da atividade muscular são exemplos de funções de origem neuromuscular. Fonação, deglutição e mastigação consistem nas principais atividades funcionais realizadas por esse complexo sistema e são capazes de propiciar adequada manutenção de saúde do indivíduo. No entanto existem as chamadas parafuncões orais, que são hábitos não relacionados à execução das funções normais do sistema mastigatório e podem ser responsáveis por causar danos ao mesmo1. Como um dos principais exemplos têm-se o bruxismo que é caracterizado por atividade noturna e/ou diurna, involuntária dos músculos mastigatórios, rítmica e espasmódica, podendo apresentar sob a forma de apertamento e/ou ranger de dentes2.

O bruxismo do sono é definido como um distúrbio de movimento estereotipado caracterizado pelo ranger (excêntrico), bater ou apertar (cêntrico) dos dentes geralmente associado à fisiologia do sono e foi recentemente classificado como um transtorno de movimento relacionado ao sono, de acordo com uma revisão da classificação dos distúrbios do sono3,4. É uma desordem de etiologia multifatorial, descrita como uma atividade parafuncional orofacial5,6,7,8 .

Por ser uma condição involuntária e inconsciente é difícil obter estimativas fiéis em relação à prevalência dessa parafunção, assim, muitas pesquisas têm sido baseadas em sinais clínicos de desgaste dental e em relatos de familiares ou do próprio paciente. Apesar dessas limitações, estudos mostram que o bruxismo durante o sono ocorre em torno de 12, 8% dos adultos e 35,3% das crianças9,10,11,12.

O bruxismo do sono é reconhecido como problema clínico há décadas, embora sua fisiopatologia ainda seja controversa. O mesmo tem regulação central e não periférica, onde, em seus episódios, o cérebro é primeiramente ativado e depois é notada uma aceleração cardíaca autonômica e, então, a musculatura mastigatória é fortemente ativada. Em pacientes bruxistas, as atividades rítmicas dos músculos da mastigação (ARMM) durante o sono são três vezes mais frequentes e as contrações musculares cerca de 30% mais intensas. Em indivíduos adultos, o sono ocorre em ciclos, em número de 3 a 6, com intervalos de 60 a 90 minutos, incluindo as fases REM (Rapid Eye Moviment) e não REM (estágio 1 e 2 – sono leve; estágio 3 e 4 – sono profundo). Dos episódios do bruxismo, 60 a 80% ocorrem durante o estágio 2 do sono leve ou durante as trocas de estágio 2,9.

Evidências mostram que episódios do bruxismo do sono são intimamente relacionados ao aumento das atividades eletroencefalográfica, eletromiográfica e frequência cardíaca que são parte dos microdespertares durante o sono. Os indivíduos que não apresentam bruxismo do sono têm atividade involuntária rítmica da musculatura mastigatória ocorrendo numa frequência de 1,8 episódios por hora do sono, a qual pode estar associada à necessidade de estímulo de produção de saliva durante a noite. Em pacientes bruxistas essa atividade é 3 vezes mais frequente, ocorrendo contrações musculares de maior amplitude acompanhada de ruídos dentários 13.

A etiologia do bruxismo do sono, baseada nas características descritas acima, tem sido frequentemente estudada. É consenso que o mesmo apresenta origem multifatorial, incluindo fatores de risco como: questões de ordem emocional/psicológica, características do ambiente/sono (postura, ruídos e luz), doenças de vias aéreas superiores, consumo de álcool/ fumo, cafeína, uso de determinados medicamentos (fluoxetina, paroxetina e sertralina), que possivelmente estariam associados a alterações na fisiologia do sono e ocorrência das atividades involuntárias rítmicas da musculatura mastigatória2,13,14,15,16,17,18,19.

Os pacientes que realizam o bruxismo do sono podem relatar como sintomas principalmente ao acordar: dor de cabeça na região temporal, musculatura mandibular rígida ou fadigada, travamento ou dificuldade de abertura bucal e hipersensibilidade dentária. Clinicamente pode se notar, nestes pacientes, um desgaste dentário incompatível com a idade e função, hipertrofia muscular na região de masseter, fraturas de restaurações ou dentes, recessões, abfração e língua edentada. Além disso, relatos de ruídos dentais durante o sono principalmente notados por parentes ou pessoas que dormem perto do individuo que realiza o bruxismo 17,18,19. O bruxismo é considerado um dos principais fatores etiológicos de distúrbios na ATM e na musculatura mastigatória, podendo iniciar ou potencializar quadros de desordens temporomandibulares17,19,20.

A conduta terapêutica é multidisciplinar e principalmente sintomática, baseando-se na confecção de placa estabilizadora para reduzir a carga e a intensidade do bruxismo sobre as estruturas do sistema estomatognático, tratamento cognitivo ou comportamental para redução do estresse psicológico nos casos necessários e o farmacológico como forma de controle da dor e/ou desconforto causados pelo bruxismo19. No entanto, de acordo com a literatura, sabe-se que ainda não existe um tratamento específico para a cura do bruxismo do sono, uma vez que cada pessoa pode estar exposta a diferentes fatores de risco, devendo ser individualmente avaliada e tratada. Nesse aspecto, o conhecimento, controle ou eliminação dos fatores etiológicos são fundamentais, sendo de extrema importância a orientação e conscientização do paciente, considerando sua história médica geral, odontológica, aspectos psicológicos, rotina, consumo de determinadas substâncias, entre outros4,10,13,17,18.

De acordo com o exposto e considerando que determinados fatores de risco podem desencadear ou potencializar o bruxismo do sono, o presente estudo teve comoobjetivoconstatar, estatisticamente, sedeterminados fatores descritos na literatura se associam ao hábito. Dessa forma, busca-se uma maior orientação, controle e, se possível, eliminação do risco ao qual o paciente é exposto, visando além do tratamento sintomático uma maior eficácia na abordagem e terapêutica de uma parafunção que pode ser, consideravelmente, prejudicial ao sistema estomatognático.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Para realização deste estudo transversal foram avaliados 100 pacientes com idade entre 18 e 70 anos, sendo 83 do sexo feminino e 17 do sexo masculino, em tratamento na Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Juiz de Fora. Este trabalho foi conduzido dentro dos padrões exigidos pela declaração de Helsink e submetido à avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Juiz de Fora, sendo aprovado sob o parecer 310.561/2013.

Foi adotado como critério de inclusão ter entre 18 e 70 anos, o que permitiu a avaliação de uma faixa etária mais ampla, pois de acordo com a literatura, apesar do bruxismo do sono diminuir com a idade, pode ser encontrado em pacientes de várias idades11. Como critério de exclusão foi adotado a presença de doenças neurológicas, uma vez que as mesmas podem desencadear o bruxismo secundário associado a alguma causa médica, não sendo objetivo do estudo avaliá-lo.

Inicialmente foi feito um pré-teste (estudo piloto) com 10% da amostra (10 pacientes) com a intenção de se verificar o nível de entendimento dos participantes com relação às questões e para que possíveis alterações fossem feitas caso existisse dúvida e dificuldade de aplicação do método.

Para fazer parte da pesquisa os pacientes foram convidados a assinar um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), em duas vias, assegurando a participação no estudo.

Primeiramente, os pacientes foram avaliados com relação ao diagnóstico clínico do bruxismo do sono (Quadro 1), através dos critérios de Lavigne, Rompré e Montplaisir13 e Lavigne e Manzini21 que baseiam-se na combinação de pelo menos duas das seguintes constatações clínicas:

 

 

 

Em 1996 Lavigne et al.13 testaram a validade clínica dos critérios de diagnóstico para o bruxismo do sono em um estudo comparativo dos resultados de registros polissonográficos avaliados sem o conhecimento do diagnóstico clínico. A comparação mostrou 81,3% de especificidade (percentagem de pacientes controle- sem bruxismo) e 83,3% de sensibilidade (percentagem de pacientes com bruxismo), indicando que o diagnóstico clínico de bruxismo foi correto em 81,3% dos pacientes controle e 83,3% dos bruxistas.

Os pacientes foram divididos em dois grupos: pacientes sem diagnóstico de bruxismo do sono (Grupo I- 49 pacientes (39 mulheres e 10 homens) e pacientes com diagnóstico de bruxismo do sono (Grupo II=50 pacientes (44 mulheres e 6 homens). Inicialmente ambos os grupos apresentavam 50 pacientes, no entanto, por alterações no preenchimento de um dos formulários do estudo, os dados de um paciente sem bruxismo do sono foram desconsiderados. O cálculo amostral foi baseado na prevalência estimada de bruxismo na população adulta de acordo com a literatura (12,8%) e no número de pacientes em atendimento por semestre (de acordo com as clínicas que estavam sendo atendidos) na Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Juiz de Fora.

Posteriormente, os pacientes de ambos os grupos foram avaliados com relação aos fatores de risco para o bruxismo do sono por meio de um formulário (Quadro 2), aplicado pelo pesquisador responsável, composto por questões formuladas de acordo com a literatura que avaliaram o consumo de bebidas alcoólicas, de cigarro, de medicamentos como fluoxetina, paroxetina e sertralina, consumo de cafeína, principalmente antes de dormir, exposição a ruídos e/ou luz durante o sono e se o pacientes estava vivenciando alguma situação de estresse e/ou ansiedade, que era especificada pelos mesmos.

 

 

 

Após aplicação da metodologia foi feita a compilação dos resultados, onde foi avaliada a associação entre os fatores descritos e a ocorrência do bruxismo do sono. Essa associação foi avaliada por meio do cálculo da OddsRatio (OR), teste quiquadrado (x2) e Fisher, com nível de significância de 5%. A análise estatística foi feita utilizando-se o programa SPSS versão 14.

 

RESULTADOS

Do total de paciente que participaram do estudo (99), 49 não apresentaram bruxismo do sono, sendo destes 39 mulheres e 10 homens, com média de idade de 43,4 anos. Dos 50 pacientes com diagnóstico de bruxismo do sono, 44 eram mulhres e 6 homens, com média de idade de 38,5 anos.

A tabela 1 mostra a frequência de respostas positivas com relação aos fatores de risco avaliados. Destaca-se que o consumo de cafeína foi de 48,97% de pacientes sem bruxismo do sono, sendo maior que o consumo dos pacientes com bruxismo do sono (34%). A exposição à luz durante o sono também foi maior em indivíduos sem bruxismo do sono (38,77%), enquanto nos pacientes com bruxismo do sono foi de 24,%. O relato de situações de estressse e ansiedade foi menor no grupo de pacientes com bruxismo do sono (58%). Nos grupos de pacientes sem bruxismo do sono essa prevalência foi de 69,38%. Apenas o consumo de cigarro e exposição a mais de um dos fatores apresentou valores foi maior nos pacientes com bruxismo do sono, onde 8,16% dos pacientes sem bruxismo do sono relataram fumar, enquanto nos pacientes com bruxismo do sono essa prevalência foi de 14%. A exposição a mais de um dos fatores avaliados foi de 94% dos pacientes com bruxismo do sono e de 83,67% dos pacientes sem bruxismo do sono. O consumo de bebida alcoólica, consumo de medicamentos e exposição a ruídos durante o sono, apresentaram valores muitos próxismos em ambos os grupos, como demostra a tabela 1. Verificou-se diferença estatisticamente significativa entre os grupos apenas com relação à exposição a mais de um dos fatores de risco (p = 0,03) (p < 0,05).

 

 

 

De acordo com a tabela 2, foi possível verificar a distribuição da razão de chance de cada um dos fatores avaliados se associar com o bruxismo do sono. O uso de medicamentos como fluoxetina, sertralina e paroxetina aumentou a chance (OR) de ocorrência de bruxismo do sono em 1,024 vezes, no entanto o valor de p para essa avaliação não foi significativo (p = 0,967), assim como o intervalo de confiança também não (0,331-3,171). O mesmo pôde ser vericado para a exposição á ruídos durante o sono, onde a mesma aumentou em 1,028 vezes a chance (OR) de ocorrer bruxismo do sono, entretanto o valor de p e do intervalo de confiança não foram significativos (p= 0,952) (0,420-2,516). Os demais fatores não apresentaram valores de OR maior que 1 para ocorrência do bruxismo do sono, assim como não apresentaram valores de p e intervalo de confiança significativos.

Indivíduos expostos a mais de um dos riscos avaliados, apresentaram 5,15 vezes mais chance de ter bruxismo do sono, existindo associação estatisticamente significativa (p = 0,028) (p < 0,05) entre as variavéis avaliadas (exposição a mais de um fator e bruxismo do sono). O intervalo de confiança desta associação também foi significativo (1,054- 25,255).

 

 

 

DISCUSSÃO

O bruxismo do sono tem sido um dos assuntos frequentemente estudados por pesquisadores da Odontologia. Este hábito pode ser altamente destruidor e deletério para o sistema estomatognático22.

Alguns trabalhos demonstram que a ocorrência de episódios bruxismo do sono está relacionada a períodos denominados microdespertares, durando de 3 a 15 segundos. Nesses episódios ocorre uma mudança abrupta na atividade encefálica acompanhada de um aumento da taxa cardíaca e do tônus muscular dos músculos mastigatórios19. Para Macedo et al.9 o bruxismo do sono pode ser considerado parte da resposta dos microdespertares e, possivelmente, seja modulado por vários neurotransmissores no sistema nervoso central, principalmente pelo sistema dopaminérgico. Ainda nesse contexto, segundo Lavigne et al.18, as contrações que ocorrem na musculatura mastigatória chegam a acontecer 3 vezes mais na população de pacientes bruxistas.

Apesar da etiologia do bruxismo do sono não estar suficientemente esclarecida, vários são os fatores de risco descritos pela literatura como desencadeantes ou perpetuantes da parafunção como: estresse emocional e físico, angústia, ansiedade, medo, depressão, condições ambientais do sono, distúrbios do sono, uso de medicamentos, processos alérgicos nas vias aéreas superiores, transtornos neurológicos, tabagismo, ingestão excessivas de bebidas alcoólicas, cafeína, entre outros19,23,24.

Pereira et al.18 destacaram que o consumo de café, chocolate, refrigerante tipo cola e tabaco pode contribuir para ocorrência de bruxismo do sono, visto que podem estimular o sistema nervoso central e produzir um aumento da atividade eletromiográfica da musculatura mastigatória. Os autores enfatizaram que o consumo exagerado das mesmas deve ser evitado e que é de extrema importância considerar o modo de viver e hábitos do paciente.

Esses relatos são consonantes aos descritos por Moraes e Oliveira17, pois segundo os autores, fatores que iniciam ou agravam um quadro de bruxismo do sono devem ser investigados e amenizados pelo paciente e cirurgião-dentista, de maneira a eliminar a exposição ao risco de ocorrência da parafunção.

Para Ahlberg et al.12, o consumo do tabaco está fortemente relacionado à ocorrência do bruxismo do sono. Associa-se a nicotina a uma maior atividade muscular e também ao aumento da atividade dopaminérgica. Macedo et al.11 corroboram ao destacarem que fumantes apresentam risco aumentado em duas vezes de desenvolverem o bruxismo do sono. No presente estudo os pacientes que relataram ser tabagistas não apresentaram risco significativo de ter bruxismo do sono. No entanto não foi avaliado através de formulário específico qual a frequência e quantidade exata de consumo de cigarro podendo esta questão ter influenciado no resultado encontrado.

Pereira et al.18 enfatizaram a possibilidade de situações adversas durante levarem a um sono noturno agitado, com maior número de contrações musculares funcionais e parafuncionais, sugerindo que os pacientes devem ser orientados a realizar a "higiene do sono" que consiste em: determinar um horário regular de sono, ter um sono capaz de gerar descanso físico e mental, evitar bebidas estimulantes antes de dormir e optar por ambientes sem luz e sem barulho, visto que estes estímulos (luz e som) desencadeariam como resposta do SNC uma contração muscular involuntária de todo o corpo, dificultando o sono profundo (estágio 3 e 4 do sono não REM). De acordo com Serra-Negra et al.25 luz e ruído são dois fatores predisponentes para a ocorrência de bruxismo do sono. No presente estudo o fato de alguns pacientes relatarem dormir em ambientes com algum tipo de ruído ou exposição à luz, não apresentou correlação significante com a ocorrência do bruxismo do sono, no entanto não foi verificada de forma específica o tipo de ruído, intensidade sonora e tipo de luz, aos quais o paciente é exposto durante o sono, que pode ter contribuído para o resultado encontrado.

Com relação ao uso de determinados medicamentos, para Macedo et al.15, ainda que não esteja claro o papel da serotonina no bruxismo, drogas inibidoras seletivas da recaptação de serotonina, como fluoxetina, sertralina, paroxetina, têm sido apontadas como causadoras de aumento da tensão na musculatura mastigatória e do ranger de dentes durante o sono. No presente estudo essa associação não foi encontrada.

Outro aspecto importante a ser discutido com relação à etiologia do bruxismo do sono é o papel dos fatores de ordem emocional e psicológica. Uma relação íntima entre tensão psíquica e bruxismo tem sido destacada pelos pesquisadores. As variáveis psicossociais como o estresse emocional, depressão e ansiedade podem ter um papel preponderante na iniciação, perpetuação, no sucesso do tratamento, na frequência, duração e na severidade do bruxismo26. De acordo com Carvalho et al.26 as alterações emocionais como a ansiedade e o estresse podem estar relacionadas ao aumento da tonicidade muscular, visto que há estimulação do SNC frente a eventos estressantes diários.

Segundo Carlsson27 uma teoria fortemente aceita pela maioria dos pesquisadores é que o bruxismo do sono é uma desordem relacionada a condições emocionais do paciente. O bruxismo pode variar sua ocorrência, correlacionando-se com dias mais estressantes, assim como pode se associar a antecipação de eventos importantes na vida do paciente.

De acordo Serra-Negra et al.12, um alto grau de responsabilidade característico de traços de personalidade individuais, são fatores determinantes para o desenvolvimento de bruxismo do sono em as crianças. A associação entre a personalidade e hábito de bruxismo na infância sugere que tratamento psicológico durante essa fase pode permitir que os indivíduos compreendam a sua maneira de enfrentar o conflito ou tensão e tem um efeito no controle do hábito.

Assim como os autores citados acima, Ferreira, Cardoso e Serrano28 concluíram que problemas comportamentais e emocionais em crianças com bruxismo podem ser fatores de risco para o desenvolvimento da parafunção, destacando que 30% das crianças precisavam de apoio psicológico ou psiquiátrico.

Giraki et al.29 destacaram a existência de correlação entre problemas cotidianos, estresse, problemas no trabalho, fadiga, problemas físicos e problemas na estratégia escolhida de enfretamento e fuga do problema com o bruxismo do sono. Corroborando com este relato, Rugh e Harlan30 relataram que clinicamente é comum identificar sintomas de bruxismo em períodos de dificuldade da vida e, conforme estes fatores estressantes se resolvem o bruxismo pode desaparecer. No estudo de Ahlberg et al.12 a ansiedade acima da média geral e estresse grave, mostraram-se, respectivamente, como risco (OR = 2,2) e (OR = 2,5) no grupo de pacientes com bruxismo grave, quando este foi comparado ao grupo de pacientes sem bruxismo.

Apesar de diversos autores descreverem o estresse e ansiedade como fatores envolvidos na etiologia do bruxismo, muitos dos estudos citados anteriormente não apontam a razão de chance (OR) que pacientes expostos a essas alterações emocionais, têm, de desenvolver uma parafunção oral. No presente estudo a presença de relatos de ansiedade ou estresse não se mostrou como risco significativo (OR = 0,682) para a ocorrência do bruxismo do sono. No entanto este resultado pode ser justificado por ser uma das limitações do estudo avaliar as questões psicológicas somente por auto-relato e não por instrumentos específicos para investigá-las.

Outra limitação que pode ter relação com os resultados encontrados é a ampla faixa etária avaliada, que incluiu adolescentes, adultos jovens, adultos e idosos. Os idosos são mais propensos a perdas dentárias, o que pode acarretar uma instabilidade oclusal podendo favorecer a ocorrência de bruxismo em alguns casos. O fato dos idosos terem mais alterações referentes à sua saúde pode acarretar quadros de estresse. Porém, os jovens também podem ser mais acometidos pelo estresse por não por questões de saúde, mas devido a estudo e trabalho. Amostras com idades mais restritas a determinadas faixas etárias podem gerar resultados mais específicos e característicos dos grupos estudados.

Também pode ser citada como limitação do estudo a utilização de um instrumento para avaliar bruxismo do sono baseado na literatura, mas que não foi previamente validado. A avaliação do estresse e ansiedade apenas por auto-relato também podem ter influenciado os resultados. Essas questões podem ter diminuído a frequência de respostas positivas na avaliação dos fatores de risco, assim como podem ter contribuído para a ocorrência de falsos negativos e falsos positivos no diagnóstico do bruxismo do sono. No entanto o objetivo do estudo era somente desenvolver um levantamento clínico de fatores associados ao bruxismo do sono, sem o aprofundamento da análise de cada um, o que pode ser realizado em estudos futuros.

Em síntese destaca-se que mesmo com o avanço dos estudos sobre o bruxismo do somo, não se consegue ainda prevenir totalmente ou paralisar o hábito, mas somente minimizar seus efeitos deletérios. Além disso, por apresentar diferentes fatores de risco o bruxismo do sono deve receber uma avaliação individual, de acordo com a rotina e histórico de cada paciente, o que proporciona a busca de soluções e terapêuticas específicas em cada caso, como: a redução ou eliminação dos fatores aos quais o paciente esta exposto, terapia farmacológica, higiene do sono, avaliação psicológica, entre outros.

É fundamental considerar a diversidade de fatores que causam o hábito e a variação a exposição aos mesmos. Tendo sido este o objetivo do presente estudo: destacar não somente o tratamento sintomático, feito principalmente pelo uso de placas estabilizadoras, mas principalmete a origem do problema, que na maioria dos casos é mediada no nível de sistema nervoso central e não perifericamente.

 

CONCLUSÃO

Os fatores avaliados (consumo de bebida alcoólica, consumo de cigarro, uso de fluoxetina, paroxetina e sertralina, consumo de cafeína, exposição a ruídos durante o sono, exposição à luz durante o sono, situações de estresse/ansiedade não se mostraram como risco para ocorrência do bruxismo do sono, quando os pacientes estavam expostos a apenas um deles.

Os fatores investigados aumentaram o risco para o bruxismo do sono quando os pacientes estavam expostos a mais de um deles (OR = 5,159) (p = 0,028) (p < 0,05).

Destaca-se que o indivíduo pode estar adaptado e resistente frente a determinados fatores, porém no presente estudo a exposição a mais de um dos fatores aumenta consideravelmente a chance de ocorrência do bruxismo do sono.

 

REFERÊNCIAS

1. Branco RS, Branco SC, Tesch RS, Rapoport A. Freqüência de relatos de parafunções nos subgrupos diagnósticos de DTM de acordo com os critérios diagnósticos para pesquisa em disfunções temporomandibulares (RDC/TMD). Rev Dental Press Ortodon Ortop Facial. 2008; 13: 61-9.         [ Links ]

2. Kato T, Thie NM, Huynh N, Miyawaki S, Lavigne GJ. Topicai review: sleep bruxism and the role of peripheral sensory influences. J Orofac Pain. 2003; 17: 191-213.

3. Lavigne GJ, Goulet JP, Zuconni M, Morrison F, Lobbezoo F. Sleep disorders and the dental patient: an overview. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 1999; 88: 257-72.

4. Grigg-Damberger MM. The AASM scoring manual four years later. J Clin Sleep Med. 2012;15:323– 32.

5. Castelo PM, Gavião MBD, Pereira LJ, Bonjardim LR. Relationship between oralparafunctional/ nutritive sucking habits and temporomandibular joint dysfunction in primary dentition. Int J Paediatr Dent. 2005;15:29–36.

6. Lavigne GJ, Khoury S, Abe S, Yamaguchi T,Raphael K. Bruxism physiology and pathology: anoverview for clinicians. J Oral Rehabil. 2008; 35:476–94.

7. Quintero Y, Restrepo CC, Tamayo V, Tamayo M, Vélez AL, Gallego G, et al. Effect of awareness through movement on the head posture of bruxism children. J Oral Rehabil. 2009;36:18–25.

8. Serra-Negra JM, Paiva SM, Seabra AP, Dorella C, Lemos BF, Pordeus IA. Prevalence of sleep bruxism in a group of Brazilian schoolchildren. Eur Arch Paediatr Dent. 2010;11:192–5.

9. Macedo CR. Bruxismo do sono. Rev Dental Press Ortodon Ortop Facial. 2008; 13: 18-22.

10. Manfredini D, Restrepo C, Diaz-Serrano K, Winocur E, Lobbezoo F. Prevalence of sleep bruxism in children: a systematic review of the literature. J Oral Rehabil. 2013; 40 (8): 631-42.

11. Manfredini D, Winocur E, Guarda-Nardini L, Paesani D, Lobbezoo F. Epidemiology of Bruxism in Adults: a systematic review of the literature. J Orofac Pain. 2013; 27(2): 99- 110.

12. Serra-Negra JM, Ramos-Jorge ML, Flores- Mendoza CE, Paiva SM, Pordeus IA. Influence of psychosocial factors on the development of sleep bruxism among children. Int J Paediatr Dent. 2009; 19(5):309-17.

13. Lavigne GJ, Rompré PH, Montplaisir JY. Sleep bruxism: validity of clinical research diagnostic criteria in a controlled polysomnographic study. J Dent Res. 1996; 75: 546-52.

14. Ahlberg J, Lobbezoo F, Ahlberg K, Manfredini D, Hublin C, Sinisalo J, et al. Self-reported bruxism mirrors anxiety and stress in adults. Med Oral Patol Oral Cir Bucal. 2013; 18: 7-11.

15. Bader G, Lavigne G. Sleep bruxism; an overview of naoromandibular sleep movement disorder. Sleep Med Rev. 2000; 4: 27-43.

16. Macedo CR, Silva AB, Machado MA, Saconato H, Prado GF. Oclusal splint for treating sleep bruxism (tooth grinding). Cochrane Database Syst Rev. 2007; 17: 18-27.

17. Moraes MSBF, Oliveira NM. Bruxismo. Rev Fac Ciênc Méd Sorocaba. 2006; 8: 5-6.

18. Pereira RPA, Negreiros WA, Scarparo HC, Pigozzo MN, Consani RLX, Mesquita MF. Bruxismo e qualidade de vida. Rev Odonto Ciênc. 2006; 21: 185-90.

19. Santos AAR, Bergantin AG, Maekawa MY, Maekawa L E, Marcacci S. Análise crítica da participação dos fatores odontológicos e psicológicos na etiologia do bruxismo. Rev Odontol Araçatuba. 2007; 28: 20-4.

20. Ohrbach R. Assessment and further development of RDC⁄TMD Axis II biobehavioural instruments: a research programme progress report. J Oral Rehabil. 2010; 37: 784-98

21. Lavigne GJ, Manzini C. Bruxism. In: Kryger MH, Roth T, Dement WC. Principles and practice of sleep medicine, Philadelphia: W. B. Saunders; 2000.

22. Leite ICG, Paula AV, Saber DCP, Calheiros IB, Costa JFMAA, Almeida NBT, et al. Considerações relevantes sobre o bruxismo. J Braz Fonoaudiol. 2003; 4: 59-63.

23. Mascaro MB, Souza MR, Picoli LC, Prosdócimi FC. O complexo trigeminal e as desordens da motricidade mandibular. ConScientiae Saúde. 2008; 7: 449-56.

24. S l a d e G D , D i a t c h e n k o L , B h a l a n g K , Sigurdsson A, Fillingim RB, Belfer I, et al. Influence of psychological factors on risk of temporomandibular disorders. J Dent Res. 2007; 86: 1120–5.

25. Serra-Negra JM, Paiva SM, Fulgêncio LB, Chavez BA, Lage CF, Pordeus IA. Environmental factors, sleep duration, and sleep bruxism in Brazilian school children: a case-control study. Sleep Med. 2014; 15(2):236-9.

26. Carvalho AL, Cury AA, Garcia R C. Association between bruxism and emotional stress in military policemen. Rev Odonto Ciênc. 2008; 23 (2): 125- 9.

27. Carlsson GE, Magnusson T, Guimarães AS. Tratamento das disfunções temporomandibulares na clínica odontológica. São Paulo: Quintessence; 2006.

28. Ferreira-Bacci AV, Cardoso CL, Díaz Serrano KV. Behavioral problems and emotional stress in children with bruxism. Braz Dent J. 2012; 23: 246-51.

29. Giraki M, Schneider C, Schäfer R, Singh P, Franz M, Raab WH et al. Correlation between stress, stress-coping and current sleep bruxism. Head& Face Medicine. 2010; 6: 1-8.

30. Rugh JD, Harlan J. Nocturnal bruxism and temporomandibular disorders. Adv Neurol. 1988; 49: 329-41.