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Odontologia Clínico-Científica (Online)
versão On-line ISSN 1677-3888
Odontol. Clín.-Cient. (Online) vol.9 no.4 Recife Dez. 2010
ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICE
Prevalência de cáries em crianças e cuidadores de uma creche em Recife/PE
Caries' prevalence in children and caregivers of a daycare center in Recife/PE
Adriana Bezerra LimeiraI; Fernanda Rebeka Sena Barreto de LimaII; Carolina da FrancaIII; Viviane ColaresIV; Sara GrinfeldV
IMestranda do Curso de Odontologia Integrada da UFPE
IICirurgiã-dentista formada pela UFPE
IIIDoutora em Odontopediatria pela UPE
IVProfessora Adjunta do Curso de Odontologia da UFPE e da UPE
VProfessora Adjunta do Curso de Odontologia da UFPE
RESUMO
Este trabalho teve como objetivo determinar a prevalência de cárie na população infantil e adulta de um Centro Educacional, localizado no bairro da Várzea, na cidade do Recife. Os dados foram coletados por três examinadoras através de exame clínico com espátula de madeira, no ambiente escolar, em cadeira convencional e luz natural . O índice Kappa de concordância interexaminador foi maior que 0,8. A amostra constou de 59 crianças com idades até 5 anos e 40 adultos, cuidadores, com idade entre 18 e 55 anos . Verificou-se um ceo-d médio para as crianças de 0,42 e um CPO -D médio para os cuidadores de 12,57. Do total de crianças examinadas, 16,4% apresentaram experiência de cárie, assim como 97,5% dos cuidadores avaliados.
Descritores: Cárie Dentária; Pré-Escolar; Odontopediatria.
ABSTRACT
This study aimed to determine the caries' prevalence in children and adults of an Educational Center, located in the Várzea's neighborhood, in the city of Recife. Six examiners collected data, wich was made by clinical examination with wooden spatula, in the school environment, conventional chairs and natural light. The Kappa index of inter-rater agreement was greater than 0.8. The sample consisted of 59 children aged up to five years and 40 adults, carers, aged between 18 and 55 years. There was a mean DMFT (ceo-d) for children of 0.42 and a mean DMFT (CPOD) for caregivers of 12.57. Of the children examined, 16.4% had caries experience, as well as 97.5% of the caregivers assessed.
Keywords: Dental Caries, Child Preschool, Pediatric Dentistry.
INTRODUÇÃO
A primeira infância é um período crucial no desenvolvimento mental, emocional e de socialização do indivíduo . Pode-se afirmar que os primeiros anos de vida são fundamentais para que a criança tenha uma vida saudável e possa se desenvolver plenamente1.
Considerando que a saúde bucal favorece a execução adequada de funções de digestão , fonação e respiração, medidas de promoção da saúde bucal para crianças menores de 5 anos são fundamentais para a manutenção da saúde e desenvolvimento adequado2.
No Brasil, quase 27% das crianças de 18 a 36 meses apresentam, pelo menos , um dente decíduo com experiência de cárie dentária. A proporção chega a quase 60% nas crianças com 5 anos de idade3.
De acordo com Curnow et al .4 o uso regular do dentifrício fluoretado e a diminuição no consumo médio de açúcar são os principais responsáveis pelo declínio da cárie. E, apesar da prevalência de cárie estar diminuindo e de estar ocorrendo uma mudança no padrão da doença, com aproximadamente 20% das crianças concentrando cerca de 80% da doença, a cárie ainda é uma das doenças mais comuns da infância em todo o mundo5.
Crianças na primeira infância apresentam dependência de adultos para práticas de higiene e dieta alimentar . Nesta faixa etária, os pais ou substitutos são responsáveis pelo fornecimento de alimento e cuidados básicos de higiene. Crianças menores de 5 anos de idade que frequentam creches ou escolas permanecem sob os cuidados dos funcionários dessas instituições, por longo período do dia. Nesses locais, as crianças recebem alimentação e participam de atividades de higiene.
Considerando o papel dos adultos na atenção à saúde das crianças pequenas, este estudo teve como objetivo avaliar a saúde bucal de crianças e cuidadores de um centro educacional através dos índices ceo-d e CPO-D.
REVISÃO DA LITERATURA
O levantamento epidemiológico realizado no Brasil, em 1986, evidenciou que a criança pertencente à família que recebia até dois salários-mínimos mensais, tinha 43,8% dos dentes com lesão em seu registro de história de cárie , ao passo que aquela pertencente à família com renda mensal acima de cinco salários-mínimos apresentava 22,4% dos dentes cariados6.
Maciel et al .7 observaram uma prevalência de cárie de 22,6% em crianças na faixa etária de 6 a 36 meses em creches públicas de Caruaru-PE.
Vasconcelos et al .8, em seu trabalho baseado na avaliação e promoção de saúde bucal em crianças entre cinco e seis anos, em 2004, em uma creche de Belo Horizonte, tiveram como objetivo identificar lesões na cavidade oral das crianças, aplicar um questionário para os pais sobre hábitos de higiene e saúde bucal e fazer uma campanha educativa com as crianças a respeito da necessidade de escovar os dentes e como escová-los corretamente. Apesar de os pais estarem conscientes da necessidade frequente de escovação, o índice de cáries na população estudada foi de 81% das crianças, tanto em dentes decíduos quanto permanentes. Os autores consideraram vários fatores que poderiam explicar esse achado . Dentre eles , estão o baixo nível socioeconômico (apesar das condições sanitárias razoáveis), a deficiência de orientação adequada quanto aos hábitos de higiene oral e a utilização exagerada de carboidratos, especialmente sacarose. Embora não tenha sido feito um trabalho sistematizado para verificar o número de vezes que as crianças escovavam os dentes na creche, observou-se que essa prática era bastante irregular. Das 21 crianças examinadas, apenas 4 não apresentaram cárie.
Barbosa et al .9, em 2007, investigaram a prevalência de cárie em crianças curitibanas com 5 anos de idade . O perfil das 1.157 crianças examinadas evidenciou que 51,8% eram do sexo masculino e 48,2% do sexo feminino. Do total, 78,4% estavam vinculadas a escolas públicas , e 20,1%, a escolas particulares. A distribuição da amostra por Distritos Sanitários foi homogênea. Os autores concluíram que a prevalência de cárie na população estudada foi de 48,7%, e o índice ceo-d = 2,07. Os dentes mais e menos atingidos pela cárie foram os segundos molares inferiores e os incisivos laterais inferiores, respectivamente. O maior peso do índice ceo-d foi no componente cariado (63,29%), seguido do componente restaurado (35,2%) e com extração indicada por cárie (0,9%). Neste estudo, não se evidenciou associação , estatisticamente significante, entre experiência de cárie e sexo. Crianças em escolas públicas apresentaram maior prevalência de cárie (52,9%), comparadas com as que frequentavam escolas privadas.
O índice ceo-d para as crianças com experiência de cárie foi de 4,25. Este valor , bastante elevado , denota um considerável acúmulo da doença nesse subgrupo. Isso reforça a importância de realizar estratégias adequadas para cada grupo da população, visando diminuir a ocorrência e a severidade da doença cárie nos grupos mais acometidos9.
Ueda et al10 ao examinar 134 crianças na faixa etária entre 3 e 5 anos de idade, observou que 31,50% das crianças com 3 anos de idade apresentavam cáries , o mesmo ocorrendo para 68,90% das crianças com 5 anos de idade.
Castro5, em 2006, em seu estudo com crianças da 1ª à 4ª série, constatou que a cárie dentária, seguida da doença periodontal, ainda é o principal problema em saúde bucal. A cárie pode apresentar alta frequência de manifestação neste grupo etário , podendo atingir até 99% de algumas populações. O autor ainda considerou o fato de o dano causado ser significativo, considerando que a cárie pode gerar insuficiência mastigatória e alterações na estética facial e fonética, podendo ser causa indireta de outros problemas, como periodontopatias, maloclusão, disfunções temporomandibulares e danos psicossociais, entre outros.
No estudo de Bõnecker 11 , no município de Diadema, a prevalência de cárie dentária em crianças na faixa etária de 0 a 36 meses foi de 18,8%, sendo o ceo-d médio de 0,69. O mesmo observou o aumento significante na prevalência de cárie dentária de acordo com o avanço da idade.
Gradella et al.12, em 2007, estudando a prevalência de cárie em Macapá, em crianças na faixa etária de 5 a 59 meses, observou que 42,6% das crianças apresentavam lesões de cárie , sendo o ceo-d igual a 2,07. A faixa etária de 48 a 59 meses foi a que apresentou maior prevalência de cárie dentária e maiores índices de severidade com o ceo-d igual a 3,75.
No estudo de Maia et al .13, em 2007, com crianças na faixa etária de 0 a 60 meses , foi observado que 36,7% das crianças apresentavam lesão de cárie. A faixa etária de 49 a 60 meses apresentou maior prevalência de cárie (60,90%), entretanto as crianças menores de 12 meses apresentaram-se livre de cáries.
Kramer et al .14, em 2008, realizaram um estudo na cidade de Canela (RS) e constataram que existe uma baixa taxa de uso dos serviços odontológicos por crianças menores de 5 anos . Um total de 1.092 crianças foram examinadas , das quais 13,3% já haviam consultado o cirurgião-dentista, e somente 4,3% realizaram algum tipo de consulta odontológica até o primeiro ano de vida. O número de crianças que já haviam recebido atendimento odontológico aumentou com a idade . Crianças entre 2 e 3 anos apresentaram quase três vezes mais chances de terem ido ao consultório odontológico do que as menores de 1 ano de idade . Da mesma forma, as crianças com 4 e 5 anos apresentaram aproximadamente oito vezes mais chances do que aquelas menores de 2 anos. Também se observou que crianças do sexo feminino apresentaram maior chance de ter recebido atendimento odontológico do que as do sexo masculino. De acordo com os autores, a implementação de políticas públicas de saúde com um enfoque voltado para o incentivo à procura de atendimento odontológico em idade precoce por parte da população traria um retorno direto à população estudada, na medida em que permitiria uma redução nos custos com tratamento e atendimento das sequelas dos principais problemas bucais que afetam os pré-escolares.
A melhoria do cuidado durante os anos pré-escolares reduziria a necessidade de restaurações ou extrações, uma vez que a cárie é considerada uma doença da infância. Além disso , a avaliação de fatores sociais e biológicos, que interferem no desenvolvimento de doenças bucais , pode significar contribuição a estudos populacionais que objetivem a identificação do público-alvo preferencial a receber atenção no âmbito dos serviços públicos, tendo em vista a escassa destinação de recursos ao setor saúde e a amplidão das necessidades acumuladas15.
Ao analisar os fatores sócio-econômicos relacionados com a cárie dentária, deve-se considerar a etiologia das desigualdades sociais, como a má distribuição da renda, a falta de participação na riqueza nacional , o desemprego, o atraso tecnológico em alguns setores e os elevados índices de analfabetismo . Além das dificuldades de acesso aos serviços odontológicos, pessoas com diferenças pronunciadas de renda também estão em desvantagem quanto à ocorrência de problemas de saúde bucal. Tal constatação foi registrada no levantamento do Ministério da Saúde em 1986, quando se indicou que as pessoas situadas nos estratos de renda mais elevada possuem menos cáries do que as situadas na base da pirâmide sócio-econômica16.
No quadro 1, pode -se observar a prevalência de cárie em crianças brasileiras menores de 5 anos de idade.
METODOLOGIA
Este estudo foi realizado no Centro Municipal de Educação Infantil Professor Paulo Rosas (CEMEI), que está localizado no Bairro da Várzea, na cidade de Recife. Em 2008, no CEMEI estavam matriculadas 99 crianças menores de 6 anos de idade , de ambos os sexos. As crianças estavam distribuídas em seis grupos, de acordo com a faixa etária: Berçário (até 1 ano de idade), Grupo 1 (1- 2 anos), Grupo 2 (2 - 3 anos), Grupo 3 (3 - 4 anos), Grupo 4 (4 - 5 anos) e Grupo 5 (5 anos).
No CEMEI, as crianças realizam de duas a três refeições diárias, além de lanches nos intervalos entre as refeições, possuindo um cardápio variado e reformulado a cada dois meses por nutricionista. As crianças permanecem no centro, em tempo integral, ou seja, manhã e tarde, e são estimuladas para adoção de hábitos de higiene bucal através da escovação dos dentes após o almoço, com escova dental e dentifrício com flúor. Os profissionais da creche responsáveis pelas crianças são chamados cuidadores.
A coleta de dados foi realizada através de exame clínico para determinação do índice CPO-D nos adultos (cuidadores) e ceo-d nas crianças; com o uso de espátula de madeira, luvas e gaze, no ambiente escolar, em cadeira convencional e luz natural . Três pesquisadoras foram calibradas para proceder ao exame clínico das crianças e dos adultos. A concordância foi definida pelo teste de Kappa, considerando um padrão ouro. Obteve-se um valor de Kappa 0,80 para o exame das crianças e 0,84 para os cuidadores.
A amostra utilizada no estudo foi de 59 crianças e 40 cuidadores. Informações a respeito da dieta e dos hábitos de higiene da população estudada foram coletadas com as autoridades responsáveis pela administração do CEMEI e observadas durante o período do estudo. Com relação à higiene bucal, os cuidadores relataram dificuldades em orientar as crianças para a escovação. A escovação dentária era realizada uma vez ao dia, após o almoço, e, em geral, os cuidadores apenas observavam as crianças escovarem seus dentes. As crianças do berçário, ou seja, aquelas menores de 1 ano, não realizam nenhum tipo de higiene bucal.
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFPE. Foram obtidos os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido dos cuidadores e dos responsáveis pelas crianças.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Das 59 crianças examinadas , o ceo-d médio observado foi de 0,42. Ao avaliar os valores do ceo-d por idade, pode-se observar que apenas o grupo de crianças menores de 2 anos apresentou-se totalmente livre da cárie (Tabela 1). Pode-se notar, neste estudo, que, a partir dessa idade, houve uma maior incidência de cárie.
Dos 1047 dentes examinados, a maioria (97,61%) se apresentou hígida. A cárie dentária foi o elemento que apresentou os maiores valores no índice ceo-d; dos 25 dentes com experiência de cárie, 24 apresentavam lesão não tratada (c) e 1 elemento se apresentava restaurado (o).
Dos 24 dentes cariados, os afetados em ordem decrescente de frequência foram: incisivos superiores decíduos (50%), molares inferiores decíduos (30%) e molares superiores decíduos (20%).
Das 59 crianças examinadas , uma não possuía dentes erupcionados. Das 58 com dentes erupcionados , a maioria apresentava dentição decídua completa. Observou-se maior percentual de experiência de cárie entre as crianças com dentição mista (Tabela 2).
Observou-se, neste estudo, que o percentual de crianças que apresentaram cárie aumentou significativamente aos 5 anos de idade . Do total de crianças examinadas , 16,4% apresentoaram experiência com cárie (Tabela 3).
A meta estabelecida pela OMS para o ano 2000 foi que 50% das crianças de 5 a 6 anos de idade deveriam estar livres de cárie (SB Brasil 2003, 2004)17. No grupo pesquisado, 71,49% das crianças com 5 anos estavam livres de cárie . Porém, em 2004, Feitosa e Colares18 verificaram uma prevalência de cárie de 47% em 861 crianças com 4 anos de idade que frequentavam 45 escolas públicas municipais em Recife.
Ao considerar o gênero, pode-se observar que , entre as crianças que tinham apresentado experiência com cárie, a maioria (70%) era do sexo masculino (Tabela 5).
Dos 40 cuidadores examinados, a maioria era do sexo feminino (85%), tendo sido observado um CPO -D médio de 12,57. Observou-se, ainda, aumento do índice CPO -D médio com o aumento da idade (Tabela 6). Apenas um dos cuidadores não apresentou experiência de cárie.
Considerando os elementos do índice CPO -D, dos 503 elementos dentários com experiência de cárie, a maioria foi de elementos obturados (56,9 %) (Tabela 7).
No processo de promoção de saúde, os adultos responsáveis pelos cuidados com a criança desempenham papel fundamental na incorporação de hábitos saudáveis assim como na adoção de medidas de prevenção. Neste estudo, pode-se observar que os cuidadores apresentaram saúde bucal precária, com elevado índice de cárie e necessidade de tratamento odontológico. Deve-se acrescentar que as crianças permanecem no centro educacional em tempo integral, nos turnos da manhã e tarde.
CONCLUSÃO
Os resultados encontrados enfatizam a importância da implantação de programas educativos e/ou preventivos para o controle da cárie dentária, direcionados não apenas às crianças mas também, principalmente, aos adultos que cuidam delas, a fim de se promover uma melhora na saúde bucal e qualidade de vida para todos.
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Endereço para correspondência
Adriana Bezerra Limeira
Rua Madre Rosa, 17 - Jardim São Paulo Recife/PE
CEP: 50.781-730/
e-mail: adriabl@gmail.com
Recebido para publicação: 06/10/10
Aceito para publicação: 0 4/11/10