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Odontologia Clínico-Científica (Online)

versão On-line ISSN 1677-3888

Odontol. Clín.-Cient. (Online) vol.10 no.2 Recife Abr./Jun. 2011

 

ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW ARTICLE

 

A Prótese parcial removível no contexto da odontologia atual

 

The issue of the removable partial denture in modern dentistry

 

 

Arcelino Farias NetoI; Adriana da Fonte Porto CarreiroII; Célia Marisa Rizzatti-BarbosaIII

I Doutorando em Prótese Dental – Faculdade de Odontologia de Piracicaba – Universidade Estadual de Campinas
II Profa. Dra. do Departamento de Odontologia – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
III Profa. Dra. do Departamento de Prótese e Periodontia – Faculdade de Odontologia de Piracicaba – Universidade Estadual de Campinas

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O evidente declínio da perda dentária e a consolidação dos implantes têm intrigado pesquisadores sobre qual será o futuro dos procedimentos protéticos. Este assunto é de interesse para toda a comunidade odontológica, pois está diretamente relacionado tanto à necessidade e demanda por tratamento clínico, quanto ao ensino nas universidades. Assim, o presente artigo busca discutir a importância da Prótese Parcial Removível no contexto da Odontologia atual tendo em vista as mudanças ocorridas nas últimas décadas.

Descritores: Prótese parcial removível, Implante dentário.


ABSTRACT

The decline of tooth loss and the established success of implant therapy have intrigued researchers about the future of Prosthodontics. This issue is of major importance for the Dentistry community, since it is directly related to need and demand for prosthetic treatment and teaching in dental schools. Therefore, this paper aims to discuss the importance of Removable Partial Denture in modern Dentistry based on the changes occurred in the past few decades.

Keywords: Denture partial renovable, Dental implantation.


 

 

INTRODUÇÃO

O principal objetivo do tratamento com prótese parcial removível (PPR), além de repor as estruturas perdidas, é preservar e proteger as estruturas remanescentes. Entretanto, há cerca de 25 anos atrás, existia uma opinião generalizada de que a PPR, especialmente aquela de extremidade livre, estaria freqüentemente associada com cáries e doença periodontal. Este pensamento era embasado por estudos clínicos que mostravam equivocadamente um efeito negativo deste tipo de prótese sobre os dentes e o periodonto1-3.

O progresso científico, especialmente na área da Periodontia, como o consenso de que o biofilme dentário é o principal, e provavelmente, o único responsável pela gengivite e periodontite, estimulou os protesistas na aplicação deste novo conhecimento na manutenção dos seus tratamentos4. Assim, hoje se sabe que o sucesso da reabilitação com PPR está diretamente relacionado à importância dada à higiene oral e controles periódicos, visto que a presença de tal aparelho na boca aumenta a possibilidade de adesão do biofilme dentário e exige maiores cuidados com a higienização.

Com a introdução da Odontologia Preventiva, na metade do século XX, pôde-se perceber que os dentes naturais podem ser mantidos por toda a vida do indivíduo. Nos Estudos Unidos, por exemplo, observou-se nas duas últimas décadas um declínio constante da prevalência de perda dentária, com um número crescente de pacientes retendo mais dentes e por um período maior5. O mesmo é esperado em países europeus num futuro próximo6.

Somando-se ao bem evidenciado declínio da perda dentária, nos últimos anos também foi possível observar-se o sucesso da terapia com implantes osseointegrados, o que possibilitou a criação de um contexto no qual se passou a questionar sobre o futuro dos procedimentos protéticos. Este assunto é de interesse para toda a comunidade odontológica, pois está diretamente relacionado tanto à necessidade e demanda por tratamento clínico, quanto ao ensino nas universidades. Assim, o presente artigo busca discutir a importância da Prótese Parcial Removível no contexto da Odontologia atual tendo em vista as mudanças ocorridas nas últimas décadas.

DESENVOLVIMENTO

Durante muitos anos, a Odontologia foi dominada por procedimentos cirúrgicos e protéticos. Dentes eram extraídos rotineiramente visando à confecção de prótese totais (PT). Até a década de 40, acreditava-se que a perda de dentes e, conseqüentemente, o edentulismo eram conseqüências inevitáveis do envelhecimento humano7. Apenas em meados do século XX, com a introdução da Odontologia Preventiva, esse pensamento começou a mudar. Desde então, os pacientes passaram a ter uma melhor orientação sobre higiene bucal e dieta, além de maior acesso aos métodos preventivos, tornando-se possível ainda o diagnóstico precoce de lesões cariosas e doença periodontal e o seu tratamento de maneira racional e eficaz. Atualmente, compreende-se que fatores, como a atitude, o comportamento, o atendimento odontológico e as características do sistema de saúde, desempenham um papel importante na decisão de se tornar edêntulo. Além disso, existe uma relação significativa entre o estado edêntulo e as preocupações físicas, geralmente associadas com baixos níveis ocupacionais. Assim, o edentulismo é resultante de uma combinação de determinantes culturais e financeiros e da atitude do paciente frente à doença, bem como do tratamento por ele recebido no passado8.

A manutenção de dentes naturais na população norte-americana acima de 65 anos aumentou de 7,4 para aproximadamente 20 unidades dentárias nos últimos 40 anos5. Infelizmente, esse avanço na preservação dentária ainda não é uma realidade que atinge todas as populações de maneira igual, visto que a cárie, apenas para citar um dos fatores que podem levar a perda dentária, possui em si uma natureza biopsicossocial. Levantamentos epidemiológicos realizados no Brasil, entre 1986 e 2003, mostram que, embora a prevalência de cárie tenha diminuído, permanecem grandes disparidades entre as regiões, mesmo quando se consideram outros indicadores socioeconômicos, como renda, escolaridade e até mesmo o porte do município. Crianças de 12 anos que vivem no Nordeste em municípios com até 5 mil habitantes, estudam em escola pública, vivem na zona rural e são negros ou pardos, têm CPO-D médio (número de dentes permanentes cariados, perdidos ou restaurados) de 3,48. Na outra ponta, crianças que vivem na região Sul, em municípios com mais de 100 mil habitantes, estudam em escola privada da zona urbana e são brancos, apresentam um CPO-D cinco vezes menor (0,70)9.

Segundo dados do último levantamento das condições de saúde bucal da população brasileira, realizado pelo Ministério da Saúde em 2003, diferenças regionais também são marcantes quanto ao uso e à necessidade de prótese dentária. Os adolescentes das Regiões Norte e Nordeste possuem as percentagens maiores de uso de algum tipo de prótese dentária, enquanto que para adultos e idosos, um maior uso foi constatado na Região Sul. As Regiões Norte e Nordeste também apresentam uma maior necessidade de prótese dentária, sendo as regiões com maior percentagem de pessoas com necessidade de próteses totais. De uma maneira geral, aproximadamente 85% da população brasileira adulta e quase 99 % dos idosos usam ou necessitam de algum tipo de prótese dentária. Além disso, o número de pessoas idosas que não possuem sequer um dente funcional ultrapassa 56%. Nessa faixa etária, mais de 40% dos indivíduos necessitam de pelo menos uma prótese total10.

Dessa forma, percebe-se que no Brasil atual há uma grande demanda por tratamentos protéticos, que de uma maneira geral não são oferecidos à população nos serviços públicos, fazendo com que esta permaneça nessa situação de desdentada ou busque soluções alternativas, que podem vir a comprometer ainda mais a situação. Portanto, para os grupos menos favorecidos, o futuro tão sonhado seria na verdade uma PPR retida à grampo com infra-estrutura metálica, confeccionada por um cirurgião-dentista, visto que a realidade atual ainda é PPR muco suportada, muitas vezes confeccionada por práticos ou diretamente pelo técnico em prótese dentária (TPD), e utilizada por vários anos como um tratamento definitivo.

Douglass e Watson7 (2002) realizaram um estudo prospectivo bastante interessante, onde puderam observar que, ao contrário de outras hipóteses pesquisadas e apesar do bem documentado declínio da perda de dentes e do edentulismo, a necessidade de Prótese Parcial Fixa (PF) e PPR aumentará nos EUA. De acordo com os autores, mesmo se protesistas e clínicos dedicassem 100% de seu tempo clínico em produzir exclusivamente próteses parciais (fixa ou removível), uma grande e crescente necessidade de tratamento protético iria exceder a disponibilidade desse serviço nos anos de 2005, 2010 e 2020. Nesse sentido, pelo menos dois fatores deverão contribuir para tal fato: o aumento da expectativa de vida e o substancial crescimento populacional.

Nos EUA, a expectativa de vida da população aumentou de 45 anos, em 1930, para quase 80 anos em 20005. No Brasil, seguindo a tendência mundial, o aumento da expectativa de vida é um fenômeno bem estabelecido, em razão dos avanços no campo da Saúde e da melhoria na qualidade de vida. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), estima- se que no ano de 2025 seremos a sexta maior população idosa do mundo e, pela primeira vez na história do Brasil, teremos mais idosos do que crianças11. Essa transição demográfica, que repercutirá nas necessidades de tratamento odontológico, é um fenômeno mundial, caracterizado principalmente pelo declínio da taxa de fecundidade, diminuição da taxa de mortalidade nas idades avançadas e aumento de expectativa de vida, tendo como conseqüência direta uma mudança na estrutura etária da população12.

Dessa forma, a associação entre redução do edentulismo, aumento da expectativa de vida e crescimento populacional, indica que uma maior proporção de adultos e idosos estará parcialmente desdentada, necessitando de reabilitação com PPF ou PPR7. Essas mudanças provavelmente serão acompanhadas por uma diminuição na demanda por PT's13. Na Europa, estima-se que a redução da necessidade de PT's nos próximos 20 anos será em torno de 50 a 60%6. Por outro lado, há pesquisadores que acreditam que a necessidade de PT´s também irá aumentar. Estimativas baseadas em dados de pesquisa epidemiológica nos EUA indicam que o edentulismo tem declinado 10% a cada década e que somente 90% dos adultos edêntulos têm e usam dentaduras. Quando um número de adultos em cada idade específica é multiplicado pela percentagem dos que precisam de uma dentadura maxilar ou mandibular, os resultados sugerem que a população adulta que precisa de uma ou duas dentaduras irá aumentar de 33,6 milhões em 1991 para 37,9 milhões de adultos em 2020. Assim, o declínio no edentulismo experimentado a cada década pelos últimos 30 anos estaria mais que compensado pelos 79% de aumento na população adulta com mais de 55 anos14.

Mesmo que projeções futuras apontem um aumento da necessidade protética, a consolidação da Implantologia no campo da reabilitação oral mantém a discussão. Diante das próteses implantossuportadas, questiona-se se a PPR e PPF não estariam, de fato, fadadas ao desuso. Os implantes apresentam uma série de vantagens, como higienização mais simples, ausência de desgaste de estrutura dentária sadia e resultado estético mais satisfatório, devido à ausência de grampos. Entre 1989 e 1999, houve um aumento substancial no interesse por próteses implantossuportadas, provavelmente devido ao maior esclarecimento dos pacientes a respeito dessa modalidade de tratamento e ao aumento do número de profissionais qualificados15.

Entretanto, nem todos os casos poderão ser resolvidos por meio da utilização de implantes. Existem condições sistêmicas que afetam negativamente a osseointegração, por interferirem no processo regenerativo ao nível da micro-circulação sangüínea, como, por exemplo, o diabetes, alterações hepáticas graves e o uso crônico de fumo. Embora não sejam condições para contra-indicação absoluta, o paciente deve ser conscientizado de que seu caso tem um prognóstico menos favorável16. Outro fator importante é a condição financeira dos pacientes, fato que limita a indicação dos implantes. O custo foi citado como a principal razão para rejeição a esse tipo de tratamento15. Por outro lado, quando implantes foram oferecidos sem custo adicional a 100 pacientes usuários de prótese total mandibular, 36% recusaram alegando receio quanto aos procedimentos cirúrgicos17. Além disso, existem situações em que o paciente tem condições financeiras, mas não possui condições ósseas para a instalação do implante nem deseja realizar enxerto ósseo.

Assim, existem casos nos quais nem implantes e nem PPF constituem uma alternativa viável, seja por questões biológicas, técnicas ou financeiras. Um exemplo seria um espaço protético longo onde, por alguma razão, implantes não serão instalados. A principal alternativa seria a PPR convencional, que cumpre todos os requisitos que a reabilitação oral mais sofisticada possa oferecer. Quando a estética for imperativo, pode-se confeccionar uma PPR rotacional, alternativa pouco conhecida e subutilizada pelos clínicos, capaz de eliminar a presença de grampos em dentes anteriores18. Outra opção seria a PPR retida por encaixe, embora esta apresente um maior custo financeiro e biológico.

Através da PPR, restauram-se tanto os arcos que perderam só um dente, como aqueles que ficaram com apenas um, podendo ser indicada e empregada em praticamente todos os casos. Além disso, ela apresenta algumas vantagens em relação a outros recursos reabilitadores que a mantém consolidada dentro de um contexto social e profissional. São elas: (1) relação custo/benefício; (2) requer pouco desgaste da estrutura dentária; (3) fácil manutenção quando comparada a outros tipos de prótese; (4) solução eficiente para situações mecanicamente difíceis de resolver; (5) menor tempo para a sua realização, quando comparado com outros tipos de próteses; (6) versatilidade19.

Mais importante do que conhecer as indicações de uma PPR é a conscientização do próprio dentista a respeito dos bons resultados que ela pode oferecer. Se o profissional for descrente no que faz, torna-se difícil esperar o sucesso deste sistema reabilitador. Nesse sentido, estudos apontam que a maior parte dos dentistas ignora ou negligencia os princípios básicos e fundamentais que regem a construção de uma PPR, delegando o seu planejamento ao TPD20,21. Assim, pode-se atribuir à negligência do dentista o considerável número de fracassos que ocorrem com este tipo de aparelho, além de sua fama no meio popular de ser "um aparelho que estraga os dentes e é apenas uma etapa antes da prótese total".

Portanto, a preocupação com o ensino nas universidades é de fundamental importância, visto que o futuro da PPR pertence a jovens alunos. O embasamento científico relacionado à biomecânica das PPR's e sua proservação são fatores decisivos no que diz respeito à longevidade deste recurso reabilitador. É imprescindível que seja muito bem esclarecida a distinção entre as funções do dentista e do TPD. O primeiro, com o auxílio do delineador, deve planejar e desenhar a infra-estrutura metálica, visando sempre a preservação do sistema de suporte, e discutir e supervisionar o trabalho do laboratório. O TPD, de acordo com as informações transmitidas pelo clínico, deverá executar adequadamente todos os passos para confecção da PPR.

Finalmente, a evolução deste sistema reabilitador parece encontrar-se no planejamento de PPR's suportadas simultaneamente por implantes e dentes, devolvendo conforto e função otimizada ao paciente. Esta seria a solução mais simples e financeiramente mais viável para suprir as deficiências presentes nos casos de extremidade livre posterior (classes I e II de Kennedy), onde devido ao suporte dento-mucoso, tem-se um prognóstico menos favorável e menor satisfação dos pacientes, quando comparado aos casos dento-suportados. Análises laboratoriais mostram que a colocação de um implante na região distal, funcionando como suporte de uma PPR de extremidade-livre, promove uma redução da pressão exercida sobre a mucosa, tornando a situação semelhante aos casos dento-suportados22. Em estudo retrospectivo realizado com 10 pacientes reabilitados com PPR de extremidade-livre suportada por implante na região distal, observou-se em todos os pacientes aumento da satisfação, mínimo desgaste do componente protético, nenhuma evidência radiográfica de perda óssea excessiva e estabilidade do tecido peri-implantar após 1 ano de acompanhamento clínico23. Entretanto, em tempos de Odontologia baseada em evidências científicas, apesar do já bem fundamentado sucesso da osseointegração, essa associação entre implantes e PPR ainda necessita de estudos clínicos longitudinais que possam comprovar sua eficiência e segurança a longo prazo, tornando seu uso freqüente.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ensino da Prótese Parcial Removível deve ser bem fundamentado nas universidades, pois este recurso reabilitador foi e ainda fará parte da clínica odontológica por muitos anos. Apesar da redução do edentulismo observada nas últimas décadas, a demanda por PPR continuará presente devido ao aumento na expectativa de vida da população e ao modelo assistencial existente, o qual ainda está longe de extinguir a perda dentária. Além disso, diferenças socioeconômicas contrastantes em nossa sociedade produzem realidades sociais completamente diferentes, com anseios, expectativas, necessidades e oportunidades bastante distintas para cada paciente.

 

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Endereço para correspondência:
Arcelino Farias Neto
Faculdade de Odontologia de Piracicaba – Departamento de Prótese e Periodontia
Av. Limeira, 901 Caixa Postal 52 - Piracicaba - SP CEP 13414-903
E-mail: saudeoral@fop.unicamp.br

 

Recebido para publicação: 22/02/10
Aceito para publicação: 07/05/10