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Odontologia Clínico-Científica (Online)

versão On-line ISSN 1677-3888

Odontol. Clín.-Cient. (Online) vol.10 no.3 Recife Jul./Set. 2011

 

RELATO DE CASO / CASE REPORT

 

Utilização de pino e faceta biológica em dente decíduo anterior desvitalizado: relato de caso

 

The use of biologic post and facet on devitalized primary maxillary anterior teeth: case report

 

 

Ticiana Medeiros de SabóiaI; Marina Alvine de JesusII; Tatiana Kelly da Silva FidalgoIII; Patrícia Nivoloni TannureIII; Maristela Barbosa PortelaIV; Lucianne Cople MaiaV

I Mestranda em Odontologia (Odontopediatria), Departamento de Ortodontia e Odontopediatria, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro
II Mestre em Odontologia (Odontopediatria), Departamento de Ortodontia e Odontopediatria, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro
III Doutoranda em Odontologia (Odontopediatria), Departamento de Ortodontia e Odontopediatria, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro
IV Pós-doutoranda em Odontologia (Odontopediatria), Departamento de Ortodontia e Odontopediatria, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro
V Professora adjunta, Departamento de Ortodontia e Odontopediatria, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho é o de relatar um caso de reabilitação estético-funcional por meio de pino e faceta biológica de um incisivo central decíduo. Paciente, com 4 anos de idade, atendido na clínica de Odontopediatria, com queixa principal estética do elemento 51, o qual apresentava perda de estrutura dentária, descoloração coronária e tratamento endodôntico prévio. O tratamento consistiu na confecção de um pino e faceta biológica e no acompanhamento clínico e radiográfico durante 1 ano. O uso da restauração biológica, com coroa e raiz naturais, neste caso, resultou em sucesso clínico, recuperando a função e a estética. A técnica biológica é uma alternativa promissória para restaurações protéticas em dentes decíduos com grande perda de estrutura.

Descritores: Restauração dentária permanente; Dente decíduo; Estética dentária; Pinos Dentários.


ABSTRACT

The objective of this study was to present a case report of aesthetic and functional rehabilitation using biological post and facet in a devitalized primary central incisor. Patient, 4 years old, attended at Pediatric Dentistry clinic and the main complain was the aesthetic of element 51. It presented loss of tooth structure, crown discoloration and previous endodontic treatment. The treatment consisted of restoration with a biological post and facet. The tooth is being one year clinic and radiographically followed up. The use of biological restoration, with biological crown and root, in this case, resulted in clinical success recovering function and aesthetics. A biological technique is a promising alternative for prosthetic restorations in primary teeth with great loss of structure.

Keywords: Dental restauration permanent; Dental pins tooth; Deciduoes Esthetic; Dental.


 

 

INTRODUÇÃO

Lesões traumáticas ocorrem frequentemente na dentição decídua1-3. Estudos demonstram que aproximadamente 30% das crianças com até sete anos de idade já traumatizaram os incisivos decíduos uma ou mais vezes4. Dentre as complicações estéticas decorrentes do traumatismo, destacam-se a perda de estrutura dental e a descoloração coronária5-6. Esta, em muitos casos, é a única evidência clínica do traumatismo dental7, podendo apresentar-se nas colorações rósea, amarelado e acinzentado, relacionando-se às alterações pulpares pós-trauma8.

A reconstrução desses elementos dentais é de extrema importância, pois a perda de estrutura afeta não somente a estética mas também pode comprometer a mastigação, fonética, levar ao desenvolvimento de hábitos indesejáveis, ao desequilíbrio neuromuscular e a dificuldades no ajuste psicológico e social da criança9-12. Dentre as técnicas de reabilitação de dentes decíduos anteriores, destacam-se as restaurações biológicas. Nessa técnica, a estrutura dental é utilizada como material restaurador, e o resultado apresenta-se mais natural, além de permitir uma conservação do remanescente dental sadio13-16.

A confecção de um pino intrarradicular com o objetivo de promover suficiente retenção à restauração e reforço à estrutura dental remanescente9-10,17-20 está indicada para a restauração de dentes submetidos ao tratamento endodôntico e que apresentam destruições coronárias extensas. Mais recentemente, os pinos biológicos, confeccionados a partir de dentes naturais, também podem ser empregados com a mesma finalidade tanto em dentes decíduos como em permanentes17. Apesar disso, são observados poucos relatos na literatura sobre o uso de restaurações biológicas. Dessa forma, o objetivo do presente artigo é o de relatar um caso em que a reabilitação estético-funcional foi realizada por meio de um pino e uma faceta biológica em um incisivo central decíduo.

 

RELATO DE CASO

Criança com 4 anos de idade, gênero feminino, acompanhada pelo responsável compareceu à Clínica de Odontopediatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com queixa estética na região ântero-superior. Durante a anamnese, foi relatada história prévia de traumatismo dental e realização de tratamento endodôntico. O exame clínico revelou extensa destruição coronária do elemento 51 com descoloração do remanescente dentário (Figura 1-A). Após exame radiográfico, detectou-se uma satisfatória obturação do cônduto radicular. (Figura 1-B). O tratamento de escolha foi a confecção de uma faceta biológica reforçada com pino biológico. Foi utilizado um incisivo decíduo doado à clínica de traumatismo dental mediante um termo de doação. O dente foi selecionado, levando- se em consideração a cor e a forma anatômica do dente da paciente.

 

 

 

O dente selecionado foi seccionado na altura da junção amelo-dentinária com um disco de carborundum, obtendo-se o fragmento coronário e radicular. O preparo da faceta estética consistiu em desgastes internos com ponta diamantada tronco-cônica arredondada, sob refrigeração constante (KG Sorensen nº 4138). A porção radicular foi preparada, utilizando-se a mesma broca. Em seguida, a faceta e o pino foram autoclavados (121° C por 30min). O comprimento do pino foi calculado, baseando-se no comprimento radiográfico do conduto radicular que possuía 9mm. Assim, o pino possuía 8mm, de forma que 6mm preenchiam o terço médio do conduto radicular, e 2mm foram utilizados como suporte para a confecção do núcleo de preenchimento (Figura 2).

 

 

 

Na sessão seguinte, sob isolamento absoluto, o conduto radicular foi desobstruído até o terço médio da raiz, e o pino foi ajustado ao canal (Figura 2). Foi realizado o condicionamento do remanescente dental e da porção intrarradicular com ácido fosfórico a 37% (Magic acid; Vigodent, Rio de Janeiro, Brasil) e aplicação do sistema adesivo, conforme o fabricante. O pino biológico foi submetido ao condicionamento ácido, silano e aplicação do sistema adesivo. Para a cimentação do pino, foi utilizado cimento resinoso dual (Relyx u100 auto a2; 3M ESPE, USA). O núcleo de preenchimento foi realizado em resina composta híbrida fotopolimerizável (TPH®; cor B2; Dentsply, Petrópolis, Rio de Janeiro) (Figura 3). Confeccionou-se a face palatina da coroa com resina composta e, em sequência, foi adaptada a faceta biológica no remanescente dental (Figura 4). Falhas existentes entre o remanescente dental e a coroa biológica foram preenchidas com resina composta. Após uma semana, foram realizados o acabamento e o polimento (Figura 5).

Concluído o tratamento, foram repassadas aos responsáveis orientações sobre a importância dos hábitos alimentares e de higiene bucal adequados para o sucesso do tratamento instituído. Após 1 ano da realização da restauração biológica, foi visualizado o início da rizólise do elemento 51. (Figura 6) A criança continua em acompanhamento clínico e radiográfico.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Atualmente, existem diferentes possibilidades de tratamento reabilitador para dentes decíduos anteriores, entre elas, destacam-se o uso de coroas metálicas facetadas, restaurações indiretas e diretas em resina composta e as restaurações biológicas3-21. As restaurações biológicas representam uma alternativa viável na clínica infantil, pois proporcionam um excelente resultado no que se refere à estética, lisura superficial e a desgaste fisiológico, restabelecendo a forma e a função do dente decíduo, favorecendo, assim, o desenvolvimento físico e emocional da criança13,14-16. No presente caso, a confecção de uma restauração biológica foi o tratamento de escolha para a reabilitação estético- funcional. Vale ressaltar ainda que na literatura atual, não há relatos do uso de uma faceta e de um pino biológico em dentes decíduos submetidos ao tratamento endodôntico, ressaltando, assim, a importância desse relato.

Em pacientes com considerável destruição coronária, independente da técnica restauradora de escolha, faz-se necessária a utilização de reforço intrarradicular, antes de se reconstruir a porção coronária18,19. De acordo com Kaizer et al., os pinos biológicos possuem propriedades semelhantes às da estrutura perdida, biocompatibilidade, estética, ótima adaptação ao conduto e excelente adesão à estrutura dental e à resina composta. Torna-se importante ressaltar que o comprimento do pino não deve ultrapassar o terço médio da raiz do dente a recebê-lo9. No presente caso, o pino biológico foi cimentado até o terço médio do canal radicular para evitar possíveis estímulos à reabsorção patológica.

A literatura relata que, imediatamente após a colagem, uma pequena diferença de cor entre o fragmento e o dente é observada. Porém esta desarmonia é reduzida entre 7 a 20 dias13. Nesse caso, percebeu-se uma diferença de coloração entre o fragmento utilizado e os demais elementos dentais, entretanto, após uma semana, essa discrepância foi reduzida. Esse fato pode ser explicado pela desidratação do fragmento dental que tende a hidratar-se em contato com os fluidos bucais, reduzindo a diferença de cor.

Uma desvantagem do uso de uma restauração biológica seria a dificuldade na obtenção de dentes com as dimensões e cor semelhantes ao remanescente. Contudo, esses fatores não são contraindicações da técnica15. Em alguns casos também, as restaurações biológicas não são bem aceitas pelos pacientes por se tratar de fragmentos exógenos de origem desconhecida. É importante que o paciente ou seu responsável sejam informados que os fragmentos dentais serão submetidos a rigorosos processos de esterilização que eliminam qualquer risco de contaminação ou a transmissão de doenças14,15. O método de escolha para esse caso foi a autoclavagem, e houve aceitação dos responsáveis para o uso da técnica.

É importante destacar aqui as orientações necessárias quanto ao controle da dieta e da higiene bucal e os exames clínicos e radiográficos periódicos que são indicados para dentes que sofreram reabilitação estético-funcional.

 

CONCLUSÃO

A técnica restauradora descrita nesse caso resultou em sucesso clínico, restabelecendo a função e apresentando uma estética favorável ao desenvolvimento comportamental e psicológico do paciente.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Lucianne Cople Maia
Rua Gastão Gonçalves, 47/501 - Santa Rosa
Niterói – Rio de Janeiro/Brasil CEP: 24240-030
E-mail: rorefa@terra.com.br

 

Recebido para publicação: 13/08/10
Aceito para publicação: 18/08/10