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Odontologia Clínico-Científica (Online)

versão On-line ISSN 1677-3888

Odontol. Clín.-Cient. (Online) vol.11 no.3 Recife Jul./Set. 2012

 

ARTIGO ORIGINAL /ORIGINAL ARTICLE

 

Correlação entre severidade da desordem temporomandibular e fatores psicossociais em pacientes com dor crônica

 

Correlation Between severity of temporomadibular disordens and psychosocial factoris in patients with chronic pain

 

 

Thais Vidal Soares I; Patrícia Rocha Coelho II; Luciano Ambrósio Ferreira II; Josemar Parreira Guimarães III

I Acadêmica do Curso de Graduação em Odontologia da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Juiz de Fora; Aluna Bolsista do Serviço ATM (Serviço de Diagnóstico e Orientação a pacientes portadores de Desordem Temporomandibular) - FO/UFJF
II Membro da Equipe do Serviço ATM (Serviço de Diagnóstico e Orientação a pacientes portadores de Desordem Temporomandibular) - FO/UFJF
III Professor associado II - FO/UFJF; Coordenador do Serviço ATM (Serviço de Diagnóstico e Orientação a pacientes portadores de Desordem Temporomandibular) - FO/UFJF

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A desordem temporomandibular (DTM) é considerada a mais frequente condição de dor orofacial crônica. Os fatores psicossociais têm sido implicados na predisposição, iniciação e perpetuação das DTM. Objetivou-se, com este estudo, estabelecer a correlação existente entre a severidade da DTM e os níveis de depressão e de sintomas físicos inespecíficos, a graduação da dor crônica e o número de grupos de diagnósticos clínicos. Foram avaliados 73 pacientes portadores de DTM crônica (F=66; M=7) que procuraram atendimento no Serviço - ATM da UFJF. As correlações entre os índices temporomandibulares e os aspectos psicológicos foram positivas para a maioria das avaliações. O índice muscular se correlacionou com significância estatística para a maioria dos aspectos psicológicos. Houve correlação positiva e estatisticamente significativa entre o número de grupos de diagnósticos do eixo I do RDC/TMD e os índices funcional e temporomandibular. Pode-se concluir que, mesmo que o paciente apresente sinais e sintomas de DTM de baixa intensidade, a permanência desses por um período prolongado acarreta manifestações de ordem psicológica.

Descritores: Transtornos da articulação temporomandibular; Dor; Efeitos Psicossociais da Doença.


ABSTRACT

Temporomandibular disorder (TMD) is considered the most common chronic orofacial pain condition. Psychosocial factors have been implicated in the predisposition, initiation and perpetuation of TMD. The objective of this study was to establish the correlation between TMD and the levels of depression and nonspecific physical symptoms, the degree of chronic pain and the number of groups of clinical diagnoses. 73 patients with chronic TMD (F = 66, M = 7) who sought treatment in service-ATM UFJF were evaluated. The correlations between the indexes temporomandibulares and psychological aspects were positive for most evaluations. The muscle index was correlated with statistical significance for most of the psychological aspects. There were positive and statistically significant correlation between the number of groups of axis I diagnoses of the RDC / TMD and functional and temporomandibular indexes. It can be concluded that even if the patient shows signs and symptoms of TMD low intensity, the permanence of these for a long time, leads to a psychological impairment.

Keywords: Temporomandibular Joint Disorders; Pain; Cost of iIllness.


 

 

INTRODUÇÃO

A dor é definida, segundo a Associação Internacional para Estudo da Dor1, como uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada a um dano tissular real ou potencial. O conhecimento dos mecanismos biológicos da dor, entretanto, não é suficiente para a compreensão dos quadros de dor crônica, haja visto que fatores psicológicos e sociais produzem um comportamento de doença anormal, caracterizado basicamente por uma desproporção entre sinais objetivos escassos, queixas exacerbadas e alegação de incapacidade2,3.

O termo psicossocial é o mais utilizado para descrever os fatores que podem afetar a saúde de um indivíduo, abrangendo fatores psicológicos (estresse, ansiedade e distúrbios do humor, traços temperamentais e emoções) e sociais (trabalho, estado civil, cultural e condições econômicas, comportamentos sociais e expectativas)4.

Atualmente, a desordem temporomandibular (DTM) é considerada a mais frequente condição de dor orofacial crônica2,5. Pesquisas revelaram que fatores psicossociais têm sido implicados na predisposição, iniciação e perpetuação das DTM e terapias psicológicas têm sido consideradas benéficas para alguns pacientes com DTM4,6,7,8. Nesse contexto, é amplamente reconhecido que fatores psicológicos podem estar envolvidos no processo de percepção da dor9,10.

O tratamento da dor crônica deve envolver intervenções biológicas e psicossociais que visam à minimização do desconforto, à melhora da função e à adaptação do indivíduo para o desempenho das atividades. Isso significa que o tratamento deve se basear na melhora da qualidade de vida e não, apenas, no alívio da dor11. A completa eliminação da sensação dolorosa, possível na maioria dos casos de dor aguda, não é a preocupação primordial da maioria das intervenções realizadas em pacientes com dor crônica11.

Atualmente, os Critérios Diagnósticos de Pesquisa para Desordem Temporomandibular (RDC/TMD) (DWORKIN e LeRESCHE, 1992) oferecem a melhor classificação, baseada em evidências para os subgrupos mais comuns de DTM12. O RDC/TMD inclui não apenas métodos para a classificação diagnóstica física, presentes em seu Eixo I, mas ao mesmo tempo métodos para avaliar a intensidade e a severidade da dor crônica e os níveis de sintomas depressivos e físicos não específicos, presentes em seu Eixo II12.

As medidas específicas dos domínios psicológico e psicossocial, incorporadas ao RDC/TMD eixo II, foram escolhidas para servir como um parâmetro padrão em relação aos distúrbios emocionais significativos e perturbações relacionadas com a DTM nas atividades da vida diária. Elas avaliam tanto o grau em que uma pessoa com DTM pode ser debilitada nos aspectos cognitivo, emocional ou comportamental como o quanto esses fatores biocomportamentais podem contribuir para o desenvolvimento ou a manutenção do problema da dor e/ou interferir com a boa aceitação e adesão ao tratamento10. Sua utilidade clínica reside, portanto, na sua capacidade comprovada visando alertar os clínicos para a eventual existência de sintomatologia depressiva notável em seus pacientes com DTM, uma vez que níveis severos de somatização têm o potencial de gerar confusão na interpretação do exame clínico10. A literatura comprova a confiabilidade para detecção das alterações psicológicas e psicossociais associadas às DTM pelo RDC/TMD - Eixo II13.

Toledo, Capote e Campos8 avaliaram a associação do grau de depressão com a presença e gravidade da DTM. Foram entrevistados 56 indivíduos de ambos os gêneros, entre 19 e 41 anos, por meio do Índice de Fonseca, para avaliar a presença e gravidade da DTM e o Eixo II do RDC/TMD para avaliar o grau de depressão8. Encontraram-se 58,9% dos pacientes com sintomas depressivos normais; 33,9%, moderados e 7,2%, severos8. Os resultados indicaram diferenças estatisticamente significantes entre a presença de DTM e o grau de depressão (p=0,033)8. Os autores concluíram que a depressão pode ser considerada como um dos fatores etiológicos da DTM e que esta é mais predominante no gênero feminino8.

Yap et al.14 realizaram um estudo para comparar os níveis de depressão e somatização em pacientes em um único e em múltiplos grupos de diagnóstico do eixo I RDC/TMD14. Para tal, 117 pacientes foram selecionados14. Os pacientes foram classificados em 7 grupos, com base nos grupos de diagnóstico do eixo I: grupo A, dor miofascial apenas (grupo I); grupo B, o deslocamento do disco apenas (grupo II); grupo C, outras condições comuns, como artralgia, osteoartrite e osteoartrose apenas (grupo III); grupo D, dor miofascial e deslocamento de disco (grupos I e II); grupo E, dor miofascial e outras condições comuns (grupos I e III); grupo F, o deslocamento de disco e outras condições comuns (grupos II e III) e grupo G, dor miofascial, deslocamento de disco e outras condições comuns (grupos I, II e III)14. Nas condições dessa investigação, as seguintes conclusões foram feitas: aproximadamente 39% dos pacientes com DTM são clinicamente deprimidos, e 55% têm graus elevados de sintomas físicos inespecíficos; dor miofascial, deslocamento de disco e outras condições comuns foram encontrados em 26%, 30% e 13% dos pacientes, respectivamente14. Os restantes 31% dos pacientes foram diagnosticados com uma combinação de dois ou de todos os diagnósticos; pacientes diagnosticados com dor miofascial e outras condições comuns tinham níveis significativamente mais altos de depressão e somatização, quando comparados aos pacientes diagnosticados apenas com deslocamento de disco14.

As definições operacionais para o Índice Craniomandibular (CMI) foram redesenhadas para se conformar, com precisão, aos do RDC/TMD, resultando em um protocolo único de exame, o Índice Temporomandibular (TMI), que pode ser usado para determinar o diagnóstico específico de DTM e gravidade relativa a essa desordem15. O TMI é subdividido em três: Índice Funcional (IF), Índice Muscular (IM) e Índice Articular (IA)15. O estudo forneceu evidências estatísticas para a confiabilidade e validade clínica do TMI, o que indica que o protocolo de exame RDC é apropriado para determinar severidade da DTM pelo algoritmo TMI e diagnóstico de subtipos de DTM pelo algoritmo RDC15.

Barros et al.16 avaliaram o impacto da dor orofacial na qualidade de vida dos pacientes com DTM. Para tanto, foram avaliados 83 indivíduos, de ambos os gêneros, faixa etária de 15 a 70 anos, com relatos de dor orofacial compatível com DTM16. Todos os pacientes foram examinados por um único examinador, treinado e calibrado16. O diagnóstico foi realizado de acordo com o eixo I do RDC/TMD, e a determinação da gravidade, por meio do TMI e seus subíndices, com valores que variam de 0 a 1, em que os maiores valores denotam maior gravidade16. Os pacientes foram entrevistados por um único examinador, usando o formulário OHIP-14 (Perfil de impacto na Saúde Bucal), para avaliar o impacto da DTM nas atividades diárias desses pacientes, que foi calculado pelo método padrão, atribuindo pesos específicos a cada questão16. Em seu estudo, pacientes com desordens dos grupos I (musculares) e III (artralgia, artrite e artrose) do RDC/TMD apresentaram maiores impactos na qualidade de vida que os pacientes que não apresentaram esses diagnósticos16. Pacientes com diagnóstico do grupo II (deslocamento de disco) relataram impacto na qualidade de vida semelhante àqueles sem deslocamento de disco. Portanto, a dor orofacial foi capaz de gerar grande impacto na qualidade de vida dos pacientes com DTM16.

Objetivou-se, com o presente estudo, realizar uma análise sociodemográfica da amostra composta de pacientes portadores de DTM por um período mínimo de seis meses. Buscou-se, ainda, estabelecer a correlação existente entre a severidade da DTM e os seguintes aspectos: níveis de depressão, sintomas físicos inespecíficos, intensidade da dor crônica e número de grupos de diagnósticos clínicos.

 

MATERIAL E MÉTODO

Foram incluídos nesta pesquisa pacientes adultos, com idade entre 18 anos e 62 anos que procuraram atendimento no Serviço-ATM da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Juiz de Fora, apresentando queixas de dor orofacial há um período mínimo de seis meses. Foram excluídos aqueles que se encontravam sob terapia psicológica ou psiquiatra.

Para calcular o tamanho da amostra com um nível de confiança de 95%, utilizou-se a fórmula17 n=z²1-α/2 p(1-p)/d², em que "z" equivale a 1,96, "p" corresponde à prevalência de 74,5%4, VG "d" corresponde à margem de erro de 5% para mais ou para menos, e α igual a 0,05 de probabilidade de erro, o que forneceu uma amostra composta por 73 pacientes, resultante do diagnóstico de DTM pelo eixo I do RDC/DTM.

Os pacientes supracitados assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) em concordância com a Resolução 196/96, do CNS, considerando que este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora sob Parecer nº 020/2011 e protocolo 2280.020.2011.

O exame clínico para o diagnóstico de DTM foi baseado no eixo I do questionário RDC/TMD18, traduzido para o português19. Para a determinação da severidade da DTM, foi utilizado o TMI15. Em cada subíndice (IF, IM e IA), foram listados itens específicos relativos aos sinais clínicos de DTM, para os quais é possível atribuir valor zero na ausência do sinal clínico ou valor 1 na presença do sinal clínico. As somas das respostas positivas para cada subíndice foram, ao final, divididas pelo número total de itens, obtendo-se valores que variam de 0 a 1, em que os maiores valores denotam maior gravidade.

Nos pacientes com DTM que se enquadraram nos critérios de inclusão e exclusão, foi aplicado o Eixo II do questionário RDC/ TMD18,19 (ANEXO E). O questionário foi aplicado sob a forma de entrevista individual, por um único entrevistador, antes do início do tratamento, uma vez que este poderia influenciar as respostas do questionário.

Para tratamento estatístico dos dados, foi utilizado o teste de Spearman por meio do SPSS versão 15.0, o qual foi utilizado para verificar a correlação das variáveis, sendo essas as relacionadas à severidade de DTM (IF, IM, IA e TMI) e intensidade dos sintomas psicossociais (sintomas físicos inespecíficos acompanhados ou não de dor, sintomas de depressão e intensidade da dor crônica). Os dados epidemiológicos e as variáveis qualitativas foram apresentados como frequências relativas, enquanto os dados quantitativos foram apresentados como valores médios e desvios-padrão e mediana.

 

RESULTADOS

Nas condições dessa investigação, pode-se verificar a maior prevalência do gênero feminino (Gráfico 1) e média de idade de 40,6 ± 11,84 (mediana 42 anos) entre os participantes da pesquisa. A avaliação do nível de escolaridade revelou que a maioria dos pacientes (35,62%) completou o ensino médio, conforme se pode observar na Tabela 1. A renda familiar se concentrou com maior prevalência, nas escalas de 0 a 2 e 2 a 5 salários mínimos (42,47% e 49,32%, respectivamente) (Tabela 1). Quanto à raça, 45,21% se declararam brancos, 35,62%, pardos, 4,11%, amarelos e 12,33%, negros, e 2,74% se declaram de outra raça não especificada no questionário (Tabela 1).

 

 

 

 

 

De acordo com o RDC/DTM Eixo I, 31 pacientes foram diagnosticados como portadores de dor miofascial (42,47%) e 40, de dor miofascial associada à abertura limitada (54,79%). Quanto ao deslocamento de disco, 32 pacientes foram diagnosticados com deslocamento de disco com redução (43,84%), 5 com deslocamento de disco sem redução com abertura limitada (6,85%) e 7 com deslocamento de disco sem redução e sem limitação de abertura (9,59%). A avaliação das outras condições revelou que 52 pacientes foram diagnosticados com artralgia (71,23%), 8, com artrite (10,96%) e 4, com artrose (5,48%). Foram considerados diagnósticos múltiplos para o mesmo paciente, considerando-se os três principais grupos de doenças fornecidos pelo RDC/TMD eixo I: os transtornos musculares (grupo I), os deslocamentos do disco (grupo II) e outras doenças comuns, tais como osteoartrite, artralgia e osteoartrose (grupo III).

A partir do Eixo II do RDC/DTM (Tabela 2), foi possível verificar que houve maior prevalência de pacientes que apresentaram níveis severos de sintomas depressivos (61,64%). Quanto ao nível de sintomas somáticos, incluindo a dor, 53 pacientes apresentaram nível severo (72,6%), e, em relação aos sintomas somáticos excluindo a dor, 48 pacientes apresentaram níveis severos (65,75%). De acordo com a classificação do grau da dor crônica, 7 pacientes apresentaram dor crônica grau I, correspondendo à baixa intensidade (9,59%), 39, grau II correspondendo à alta intensidade (54,79%), 15, grau III correspondendo à limitação moderada (20,55%), e 11, grau IV, correspondendo à limitação severa (15,07%).

Foi encontrada correlação positiva para todas as avaliações dos subíndices do TMI com os aspectos psicológicos correlacionados, exceto entre o IF e a somatização sem dor. O IM se correlacionou com significância estatística (p<0,05) para a maioria dos aspectos psicológicos, excetuando- se a depressão. A correlação entre a intensidade de dor crônica foi estatisticamente significativa para com todos os subíndices e índices temporomandibulares avaliados, excetuando- se o IF. O IM e o TMI apresentaram maior correlação positiva com a intensidade de dor crônica (Tabela 3).

Avaliou-se, ainda, a correlação existente entre o IF e o TMI e o número de grupos de diagnósticos do eixo I do RDC/ TDM. Apenas esses índices foram correlacionados, pois o comprometimento dos movimentos mandibulares (IF) e o do sistema estomatognático com um todo (TMI) podem sofrer influência de qualquer um dos grupos de diagnósticos do RDC/TMD eixo I. Houve correlação positiva e estatisticamente significativa (p<0,05) entre o número de grupos de diagnósticos do eixo I do RDC/TMD e os IF e TMI.

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

O processo de diagnóstico de DTM é dificultado pela etiologia multifatorial e pela multiplicidade de sinais e sintomas clínicos que caracterizam tais distúrbios20. Como diversos distúrbios psicológicos, principalmente o estresse, a ansiedade e a depressão, podem agir como importantes colaboradores para a instalação e manutenção da DTM7,8, o processo de diagnóstico também depende de uma avaliação psicossocial dos pacientes20.

Diversos estudos concordaram que o gênero feminino é o mais prevalente em DTM9,16,21,22, o que concorda com a prevalência de 90,3% encontrada neste estudo. Sintomas musculares podem ser observados com maior frequência no gênero feminino (85%) devido à maior sujeição a fatores etiológicos, como depressão, estresse emocional e bruxismo21. Admite-se que as mulheres apresentam um comportamento diferenciado dos homens diante da dor provocada pela DTM, o que resultaria em uma maior procura por tratamento, explicando a maior prevalência de DTM nesse gênero16.

A média de idade observada neste trabalho (40,6 anos) é condizente com o estudo de Eitner et al.6, em que a média de idade foi de 46 anos e a amostra composta de 109 pacientes de ambos os gêneros que apresentavam dor crônica na região orofacial. No entanto, difere do estudo realizado por Oliveira et al.23, em que foi encontrada a média de idade de 28 anos, apesar de ambos os estudos avaliarem pacientes de ambos os gêneros portadores de DTM por um período mínimo de seis meses. As DTM afetam primariamente adultos jovens e de meia-idade, portanto pessoas mais jovens devem ser examinadas, e, para os pacientes que apresentam os sinais ou sintomas de DTM, medidas preventivas e informativas devem ser tomadas21.

Neste estudo, a maioria dos pacientes (62,6%) não chegou ao ensino superior, e a renda familiar da amostra avaliada se concentrou, com maior prevalência, nas escalas de 0 a 2 e 2 a 5 salários mínimos (41,7% e 50%, respectivamente). Estudos anteriores demonstraram não haver associação significativa entre grau de escolaridade21, renda familiar9,21 e DTM. O aumento do nível de ensino não pode impedir o desenvolvimento de sinais e sintomas de DTM, e a incidência de DTM não é maior em pacientes com um baixo nível de escolaridade21. No entanto, os autores21 encontraram um percentual de pessoas com alto nível educacional (15 anos ou mais) significantemente maior e sugeriram a realização de outros estudos com o número de indivíduos equalizados nos níveis de educação. Quanto à renda, uma possível explicação apresentada pelo Sener e Akgunlu21 se justifica pelo fato de que, apesar de a condição econômica ser boa, o paciente pode enfrentar dificuldades financeiras que podem afetar a saúde de um indivíduo4.

No estudo realizado por Akhte et al.24, entretanto, houve uma associação significativa entre dor miofascial e a combinação de dores miofascial e articular com o estresse financeiro. No estudo realizado por Barros et al.16, a avaliação do diagnóstico clínico de DTM pelo Eixo I do RDC/TMD revelou que 77,2% pacientes apresentaram desordem muscular, 41%, deslocamento de disco, 51,8%, alterações do grupo III (artrite, artrose ou artralgia), e 7 pacientes (8,4%) não apresentaram alterações de nenhum dos três grupos de diagnóstico. No presente estudo, entretanto, foi verificado que 97,26% dos pacientes apresentaram desordem muscular, 60,28%, deslocamento de disco, e 86,77%, alterações do grupo III (artrite, artrose ou artralgia). Ambos os estudos classificaram os indivíduos em um ou mais dos três grupos de diagnóstico clínicos fornecidos pelo RDC/TMD, no entanto, diferentemente do estudo do Barros et al.16 que teve como critério de inclusão apenas a presença do diagnóstico clínico de DTM, neste estudo, foram incluídos apenas pacientes com diagnóstico clínico de DTM por um período mínimo de seis meses.

No estudo realizado por Manfredini et al.4, a prevalência de DTM crônica foi de 74,5%, sendo que a prevalência de dor crônica com limitação moderada e severa (classes III ou IV) foi de 16,9%, tendo a depressão e a somatização severas prevalências de 21,4% e 28,5%, respectivamente. Neste estudo, diferentemente, foram incluídos apenas pacientes com dor crônica, o que provavelmente justifica a prevalência elevada de níveis severos e moderados de sintomas depressivos e somáticos, incluindo a dor (89,04% e 94,52%, respectivamente). Como os fatores psicossociais podem colaborar para o desenvolvimento e a manutenção da dor e interferir na boa adesão do paciente ao tratamento10, a presença de altos níveis de sintomas depressivos e físicos inespecíficos contribui para o processo de cronificação da dor associada a altos graus de incapacidade. Lee et al.22 realizaram um estudo em Chineses, que buscou tratamento para a desordem, utilizando o RDC/TMD. Na avaliação do Eixo II, 42,5% dos pacientes se enquadraram na depressão moderada e severa, 59,7%, dentro dos escores moderado/grave de sintomas físicos não específicos e com base na classificação do grau de dor crônica, e 15% apresentaram disfunção psicossocial(grau III e IV). O estudo realizado por Yap et al.25 em pacientes asiáticos com DTM revelou que 39,8% apresentaram depressão moderada a severa, e 47,6%, níveis moderados a severos de sintomas físicos inespecíficos. Apesar de os estudos anteriores22,25 terem concluído que os diagnósticos clínicos fornecidos pelo RDC/ TMD foram bastante semelhantes entre os grupos ocidentais e orientais, os resultados obtidos no presente estudo ressaltam a diferença entre esses grupos.

A principal causa de incapacidade do paciente é a dor2. Tal afirmativa justifica a correlação negativa entre o IF, que avalia os movimentos mandibulares, e o nível de sintomas somáticos, excluindo a dor. Além disso, como a maioria dos pacientes apresentou desordem de ordem muscular, e esta, geralmente, não acarreta limitações nos movimentos excursivos e alterações na trajetória de abertura26, o IF se mostrou fraco e não estatisticamente significativo para quaisquer distúrbios psicológicos associados. Outro fator contribuinte seria o fato de que a maioria dos pacientes apresentou dor crônica funcional (grau I e II) (64,38%), a qual engloba pacientes que relatam dor por DTM de baixa ou alta intensidade, porém associada com incapacidade pequena2.

Neste estudo, os pacientes com maior comprometimento psicológico (níveis severos de depressão e sintomas inespecíficos) apresentaram maior intensidade de sintomas musculares (IM), o que corrobora com outros estudos14,22,27. A hiperatividade muscular relacionada ao estresse psicológico é um fator etiológico comum da DTM, e a dor nos músculos mastigatórios é uma queixa frequente dos pacientes com bruxismo28. Sugere-se que pacientes com desordem muscular possam apresentar uma maior taxa de comprometimento psicossocial em relação aos pacientes com transtornos articulares, justificando a correlação positiva entre sintomas musculares e fatores psicossociais29.

Apesar da grande frequência de sintomas depressivos (n=65) e inespecíficos, incluindo e excluindo a dor (n=69 e n=65, respectivamente), não houve fortes correlações com o TMI. Tal resultado indica que, ainda que os sinais e sintomas de DTM (TMI) apresentados pelo paciente sejam de baixa intensidade, a permanência desses por um período prolongado, caracterizando um quadro de dor crônica, acarreta um comprometimento psicológico deste, expresso por maior intensidade de sintomas físicos inespecíficos e de depressão.

Com base na avaliação da correlação existente entre o número de grupos de diagnósticos do eixo I do RDC/TMD e os IF e TMI, foi possível perceber que quanto maior o comprometido do sistema estomatognático (TMI) e maior a limitação dos movimentos mandibulares (IF), maior o número de diagnósticos clínicos pelo RDC/TMD.

 

CONCLUSÕES

O gênero feminino é o mais prevalente entre os pacientes com DTM de sintomatologia crônica.

A correlação positiva mais significante foi constatada entre a intensidade de sintomas musculares e o comprometimento psicológico.

A permanência de sinais e sintomas de DTM de baixa intensidade por um pode acarretar manifestações de ordem psicológica. período prolongado

Há uma correlação positiva entre o número de componentes do sistema estomatognático sintomático (TMI), a limitação funcional mandibular (IF) e o número de diagnósticos clínicos obtidos pelo RDC/DTM.

Sugere-se a realização de estudos longitudinais para verificar a severidade de DTM e os fatores psicossociais assim como a influência do tratamento para essas variáveis.

 

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Endereço para correspondência:
Thaís Vidal Soares
E-mail: thaissoares90@yahoo.com.br

 

Recebido para publicação: 04/06/12
Aceito para publicação: 02/08/12