Estresse e o estilo de vida dos acadêmicos ingressantes em um curso de graduação em Odontologia

 

Stress and lifestyle of freshmen in dentistry course

 

 

Tânia Adas Saliba Rovida^I; Doris Hissako Sumida^I; Amanda da Silva Santos^II; Suzely Adas Saliba Moimaz^III; Cléa Adas Saliba Garbin^III

^I Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Odontologia Preventiva e Social da Faculdade de Odontologia de Araçatuba - UNESP
^II Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Odontologia Preventiva e Social da Faculdade de Odontologia de Araçatuba – UNESP
^III Professora Titular do Programa de Pós-graduação em Odontologia Preventiva e Social da Faculdade de Odontologia de Araçatuba – UNESP

 

Correspondence

 

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RESUMO

O estresse entre os graduandos de cursos da área da saúde tem sido alvo de estudos nos últimos anos. Dentre as mudanças ocorridas no ingresso na universidade, está a adoção de um novo estilo de vida, o qual pode relacionar-se com o estado de ansiedade. O objetivo nesse estudo foi verificar a autopercepção de estresse, ansiedade e depressão dos ingressantes em um curso de graduação em odontologia, associar à resposta fisiológica do estresse e analisar seu estilo de vida. A amostra foi composta por 25 estudantes de uma universidade pública paulista, ingressantes no curso de odontologia em 2014. Foram aplicados dois instrumentos validados: DASS 21 (Depression, Anxiety and Stress Scale) e PEVI (Perfil do Estilo de Vida Individual), e a dosagem do hormônio cortisol em 75 amostras de saliva, coletadas em três momentos em um dia, utilizando o método laboratorial de ELISA. O estresse e a ansiedade foram presentes em 60% e a depressão observada em 36% dos indivíduos. Quanto ao estilo de vida, 40% apresentaram perfil pouco desejável e 26% indesejável no domínio da nutrição, 40% indesejável na atividade física e nenhum estudante apresentou perfil desejável no controle do estresse. Altas concentrações de cortisol estiveram presentes em 60% da amostra, porém não houve associação significativa com a percepção do estresse (p=0.40). Conclui-se que grande parte dos estudantes teve percepção de estresse e ansiedade e altas concentrações de cortisol salivar. A maioria não apresentou padrão de estilo de vida desejável nos domínios de nutrição, atividade física e controle do estresse.

Descritores: Estudantes. Estilo de vida. Estresse. Cortisol.

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ABSTRACT

The stress among undergraduate students in health care courses has been investigated in recent years. Among the changes on these students when starting their courses at the university, it was noticed the adopting of a new lifestyle, which may be related to the state of anxiety. The aim of this study was to verify the self-perception of stress, anxiety and depression of freshmen in undergraduate dental students, associating physiological response to stress and analyzing their lifestyles. The study was based on laboratory samples from 25 students that started their dentistry course in 2014 in a public institution. Two validated instruments were applied: DASS 21 (Depression, Anxiety and Stress Scale) and PEVI (Individual Lifestyle Profile) and the dosage of the hormone cortisol in 75 saliva samples collected at three times on a day, using the ELISA laboratory method. The stress and anxiety were present in 60% and depression was observed in 36% of the subjects. As for lifestyle, 40% had less than desirable profile and 26% undesirable in the field of nutrition, 40% undesirable physical activity and none had desired profile in stress management. High cortisol concentrations were present in 60% of the sample, but there was no significant association with the perception of stress (p = 0.40). It was concluded that most of the students had perceived stress, anxiety, and high concentrations of salivary cortisol. Most did not present desirable lifestyle patterns in the areas of nutrition, physical activity and stress management.

Descriptors: Students. Lifestyle. Stress. Cortisol.

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1 INTRODUÇÃO

O ingresso na vida acadêmica vem acompanhado de inúmeras mudanças no estilo de vida dos estudantes. Alguns fatores como morar longe dos pais, aglomerar-se com estranhos, a formação de novos grupos sociais, pressões acadêmicas intensas a busca do equilíbrio dos compromissos sociais com as responsabilidades da vida universitária, uso de bebidas alcoólicas, tabagismo, entre outros, são considerados como as principais causas do estresse entre os ingressantes^1-5.

Caracterizado a partir de uma perspectiva multidimensional, o estresse é definido de várias formas, tais como uma resposta fisiológica e psicológica, um estímulo, e um processo transacional^6-8. Em termos gerais o estresse pode ser definido como o esforço de uma função para além da sua capacidade adaptativa ou de tolerância, isto é, o nível que o equilíbrio homeostático consegue atingir sem induzir uma disfunção desadaptativa⁶. Os fatores que agem como agentes estressores podem ser de natureza física, psicológica, emocional e/ou social^9,10. A maneira como o indivíduo avalia a situação de estresse está relacionada com alguns agentes moderadores, tais como a personalidade, o apoio social, nível educacional, entre outros. Quando o agente estressor atinge uma intensidade que ultrapassa a capacidade do organismo de manter a homeostase, surgem então as doenças consequentes do estresse⁶.

Fisiologicamente, diante de um estímulo estressante, o sistema neuroendócrino, mais especificamente a segunda via, que compreende o hipotálamo, a hipófise e o córtex suprarrenal, libera um dos corticóides mais importantes, o cortisol. Sua liberação é essencial na adaptação ao estresse, porém quando o mesmo ultrapassa os níveis basais pode gerar redução da sensibilidade auditiva, tátil e visual, além de gerar sentimentos relacionados à depressão, ansiedade e descontrole¹¹.

Vários estudos mostram o aumento de psicopatologias entre os graduandos da área da saúde, especialmente os ingressantes^12,13. Estudos ainda revelam que existe uma relação entre o estresse, os hábitos e o estilo de vida, que podem interferir na percepção da condição estressora contribuir para o surgimento de sintomas de ansiedade e depressão. Durante a formação acadêmica, estima-se que 15 a 25% dos estudantes universitários apresentem algum transtorno psíquico, principalmente transtornos de ansiedade^13,14.

O objetivo deste estudo foi verificar a autopercepção de estresse, ansiedade e depressão dos ingressantes de um curso de graduação em odontologia, associar à resposta fisiológica do estresse e analisar seu estilo de vida.

 

2 METODOLOGIA

Trata-se de um estudo observacional de caráter transversal, realizado com os alunos ingressantes no curso de Odontologia ao final do 1º ano. Foram aplicados dois instrumentos validados, DASS 21 (Depression, Anxiety and Stress Scale)¹⁵ para a análise da autopercepção dos sinais e sintomas de depressão, ansiedade e estresse, e o PEVI (Perfil do Estilo de Vida Individual)¹⁶ para a analisar o perfil do estilo de vida. O DASS 21 é um questionário com tradução validada para o português, composto por três subescalas tipo Likert, de quatro pontos. Cada subescala consiste em 7 itens característicos das três manifestações em estudo: depressão, ansiedade e estresse. Por meio deste instrumento, a depressão é caracterizada por baixa afetividade positiva, reduzida autoestima e encorajamento e desespero, ao passo que os sinais de hiperestimulação fisiológica caracterizarão a ansiedade e o estresse será detectado pela tensão persistente, irritabilidade e ao baixo limiar de ficar perturbado ou frustrado. Já o PEVI contém 15 questões, divididas em cinco domínios, que são: nutrição, atividade física, comportamento preventivo, relacionamento social e controle do estresse. Este instrumento é interpretado por meio de uma escala de 0 a 9, classificadas da seguinte forma: de 0 a 1 indesejável, de 2 a 3 pouco desejável, de 4 a 5 moderadamente desejável, de 6 a 7 próximo do desejável e de 8 a 9 desejável/ideal.

Para medir os níveis fisiológicos do estresse, foi realizada a dosagem das concentrações do hormônio cortisol em três amostras de saliva, coletadas em três períodos de um mesmo dia: das 8 às 9h da manhã, das 16 às 17 horas da tarde e das 22 às 23 horas da noite. A coleta foi realizada diretamente no tubo Salivette® (Sarstedt, Nümbrecht, Alemanha), sendo o estudante orientado quanto aos procedimentos de coleta: não ingerir alimentos ou escovar os dentes pelo menos uma hora antes da coleta da saliva. Após a coleta, os tubetes foram armazenados no freezer para manter a estabilidade da amostra a -20ºC. Após o descongelamento e a centrifugação a 1000xg por 2 minutos, a concentração do cortisol foi detectada por meio do método de ELISA¹⁷.

A pesquisa foi realizada no final do ano letivo, longe do período de provas, o qual poderia gerar alguma alteração em relação às variáveis estudadas. O critério de exclusão da amostra foi o uso de medicamentos antidepressivos, pois os mesmos poderiam gerar alterações no padrão de resposta do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal e, consequentemente, no nível de cortisol salivar.

A tabulação e análise dos dados foi realizada com os programas Epi Info 7 e Statistica Release 7. Neste estudo foram considerados todos os critérios éticos relacionados à pesquisa envolvendo seres humanos e o projeto foi aprovado por Comitê de Ética institucional (CAAE 44058915. 5.0000.5420).

 

3 RESULTADOS

Participaram do estudo 25 estudantes, cujo perfil em relação ao gênero foi de (6) 28% do sexo masculino e (19) 72% do sexo feminino. A faixa etária mostrou-se homogênea, com a média de idade de 19,88+ 2,4 anos. A Tabela 1 revela as frequências dos sintomas de estresse, ansiedade e depressão, obtidas através do questionário DASS 21. Do total, 60% relatou alguma manifestação dos sintomas de estresse. Em relação à ansiedade, de forma semelhante ao encontrado para o estresse, foi relatada por 60% dos alunos. Houve presença de sintomas de depressão em 36% da amostra, sendo 24% com grau severo, 8% moderado e 4% brando.

O perfil de estilo de vida encontrado entre os jovens mostrou que o domínio da nutrição possui um perfil indesejável e pouco desejável em 64%. Apenas 12% dos alunos incluem frutas e verduras regularmente em suas refeições, 32% tem o hábito de evitar alimentos gordurosos e 64% fazem menos de quatro refeições variadas ao dia, incluindo o café da manhã completo.

Esse padrão mostrou-se mais frequente entre os jovens do sexo masculino (83%), porém 52% das jovens também apresentaram esse perfil, indicando que grande parte dos jovens universitários não tem um perfil alimentar ideal.

No domínio da atividade física, 44% têm comportamento indesejável e 8% pouco desejável. Atividades físicas moderadas/ intensas e de forma contínua ou acumulada não correspondem à rotina de 64% dos estudantes. Atividades mais leves, como caminhada, ou uso de escadas também não mostraram boa frequência, com apenas 28% apresentando essa prática. O perfil indesejável no domínio da atividade física esteve presente em 50% dos rapazes e 42% das moças. O comportamento preventivo mostrou um perfil próximo do desejável em 56% dos estudantes, porém apenas 16% têm conhecimento da sua pressão arterial e dos níveis de colesterol. Além disso, um pouco mais da metade afirmou não fumar ou ingerir álcool. O perfil de comportamento preventivo próximo do desejável e ideal/desejável foi mais comum entre as moças (73%) do que entre os rapazes (49%).

Em relação ao relacionamento social, foi mostrado que grande parte dos estudantes apresentou bom perfil neste domínio, o qual esteve entre ideal e moderadamente desejável. O domínio do controle do estresse, mostrou um perfil indesejável em 16% dos indivíduos, apresentando-se semelhante entre ambos os sexos. Apenas 32% apresentou-se próximo do desejável, como observado na Tabela 2 e no Quadro 1.

 

 

 

 

 

Os níveis de cortisol apresentados foram classificados em alto, médio e baixo de acordo com os níveis basais de 25nmol/L. Concentrações altas de cortisol salivar foram presentes em 60% dos alunos, com as seguintes médias: no período da manhã 31,9nmol/L, à tarde 26,2nmol/L e à noite 23,8nmol/L, porém não houve associação entre a percepção de estresse e os altos níveis de cortisol (p=0.40) (Tabela 3), nem com a ansiedade (p=0.67) e depressão (p=0.60), considerando a significância de 5%.

 

 

 

 

 

4 DISCUSSÃO

Neste estudo sobre estresse e estilo de vida de estudantes universitários, o perfil dos participantes encontrou-se em concordância com o encontrado em estudos atuais sobre o perfil dos ingressantes em graduação na área da saúde em universidades públicas, com a predominância do sexo feminino e a faixa etária menor ou igual a 21 anos¹⁸. O perfil do estilo de vida do estudante que ingressa no ensino superior está relacionado à sua capacidade de adaptação a esta nova fase da vida como também foi observado por Costa e Leal¹⁹. Esta é considerada uma variável diretamente ligada às manifestações de estresse²⁰. Neste estudo, todos os perfis encontrados mostraram comportamentos que podem contribuir como fatores estressores e, como consequência, causar o aparecimento de psicopatologias como a ansiedade e a depressão²¹, as quais são significativamente presentes entre graduandos da área da saúde²². Quando o indivíduo passa por situações de estresse, o organismo busca o equilíbrio homeostático e, quando este não é atingido, surgem as doenças^6,9. Um achado importante neste estudo foi a presença dos sintomas de ansiedade na mesma proporção do estresse e a presença de sinais e sintomas de depressão. O instrumento DASS-21, ao investigar a ansiedade, considera a presença de sintomas físicos, ou seja, ela é caracterizada pela hiperestimulação fisiológica, mostrando que em muitos casos houve a resposta física ao estresse na amostra estudada. O relato de sintomas de depressão entre os alunos, caracterizado por baixa afetividade positiva, reduzida autoestima e encorajamento, assim como desespero, atingiu 36% dos estudantes. Porém é importante considerar que o relato dos alunos por meio do instrumento DASS-21 refere-se simplesmente a sinais e sintomas dessas manifestações.

Instrumentos de autopercepção são bastante utilizados para este tipo de avaliação. O estresse percebido também tem sido relacionado com a inteligência emocional (IE) (otimismo/regulação do humor, utilização das emoções, apreciação das emoções e habilidades sociais). Quanto menor for a IE, maior é a percepção de estresse¹². Portanto, fatores como relacionamento social e controle do estresse analisados no presente estudo podem servir como indicadores da percepção do estresse. Entre os estudantes, 46% dos que possuíam alguma manifestação de estresse relataram relacionamento social pouco desejável ou moderadamente desejável.

Alguns estudos relacionam a presença de depressão a variáveis como o apetite diminuído e à preocupação com a saúde. Não se alimentar bem representa um fator de risco para o desenvolvimento de doenças crônicodegenerativas e para o comprometimento do bem-estar do indivíduo^4,14,23. A preocupação com a saúde foi representada pelos domínios do comportamento preventivo e atividade física, que igualmente não apresentaram perfil desejável. Muitos estudantes não conheciam a sua pressão arterial e seus níveis glicêmicos. Além disso, o fumo, o álcool e o sedentarismo estiveram bastante presentes. Ao estudar sobre os hábitos alimentares e níveis de atividade física dos graduandos, este perfil também foi observado por alguns pesquisadores^24,25. Estes comportamentos, comuns entre os universitários, podem atuar como fatores estressores fisiológicos, mas também podem ser considerados como consequência do estresse psicológico.

Os níveis de cortisol salivar encontrados revelam a presença de estresse fisiológico, ou seja, a resposta fisiológica está presente, porém não houve associação da mesma com a percepção de estresse dos estudantes, a razão para isso pode estar relacionada ao tamanho da amostra. Os hábitos saudáveis, especialmente a prática de exercícios físicos, podem diminuir os níveis de cortisol dos estudantes²⁶. Daí a importância de políticas que possam incentivar a adoção de hábitos saudáveis entre os universitários.

O tamanho da amostra é uma limitação do estudo, porém, ainda assim, algumas variáveis mostraram-se bastante relevantes e merecem investigações mais aprofundadas, como os padrões alimentares e a presença do estresse como consequência dos problemas enfrentados pelos ingressantes no ensino superior. O estudo da influência do ambiente acadêmico na adaptação dos estudantes e o aprofundamento das reais causas do estresse também podem contribuir para uma melhor qualidade de vida e integração do acadêmico, e consequentemente, a diminuição de reprovações e desistências^27-30.

 

5 CONCLUSÃO

Conclui-se que grande parte dos estudantes teve percepção de estresse e ansiedade e altas concentrações de cortisol salivar. A maioria não apresentou padrão de estilo de vida desejável nos domínios de nutrição, atividade física e controle do estresse.

 

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Correspondencia para:
Profa. Dra. Tânia Adas Saliba Rovida
Programa de Pós-Graduação em Odontologia Preventiva e Social
Rua José Bonifácio, 1193
Vila Mendonça 16015-050 - Araçatuba/SP
E-mail: tasaliba@foa.unesp.br