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Revista da ABENO

versão impressa ISSN 1679-5954

Rev. ABENO vol.17 no.1 Londrina Jan./Mar. 2017

 

 

 

Mercado de trabalho em Odontologia: perspectivas dos estudantes concluintes de faculdades privadas no município de Belo Horizonte, Brasil

 

Job market in Dentistry: perspectives of undergraduates from private colleges in Belo Horizonte city, Brazil

 

Jiogleicia Elciane de SousaI; Lais Karam Braga MacielI; Camilla Aparecida Silva de OliveiraII; Keli Bahia Felicissimo ZocrattoIII

 

I Cirurgiã-dentista, egressa do curso de Odontologia do Centro Universitário Newton Paiva
II
Doutoranda em Saúde Coletiva pela FO-UFMG, Professora Adjunta do Centro Universitário Newton Paiva
III
Doutora em Saúde Pública pela Faculdade de Medicina da UFMG, Professora Adjunta da Escola de Enfermagem da UFMG, Curso de Gestão de Serviços de Saúde

Correspondência para:

 

 


 

RESUMO

O objetivo desse estudo foi descrever as perspectivas dos estudantes concluintes de Odontologia em relação ao mercado de trabalho e comparar as expectativas destes, segundo as instituições pesquisadas. Trata-se de um estudo transversal, no qual participaram 184 universitários de três instituições particulares de Belo Horizonte, no ano de 2013. Para coleta de dados, utilizou-se questionário estruturado e autoaplicável. Realizou-se análise estatística descritiva e comparativa pelo teste do qui-quadrado, com nível de significância de 5%. Observou-se que a maioria dos estudantes se sentiam preparados para exercer a profissão (83,2%), porém consideravam que a falta de experiência (66,8%) e a insegurança (66,8%) eram dificuldades a serem enfrentadas no início da carreira. O mercado foi considerado desfavorável por 46,7%, mas este fato não influenciou a satisfação com a profissão escolhida, pois 54,9% estavam muito satisfeitos e escolheriam o curso de Odontologia novamente (84,8%). A maioria deseja trabalhar em consultório particular (60,9%), na capital (57,6%) e com pretensão salarial de 2 a 6 salários mínimos (36,4%). No que diz respeito ao desejo de atuar na Equipe de Saúde da Família, houve diferença estatisticamente significativa entre as instituições (p<0,05). Estudantes da faculdade A apresentaram maior interesse em atuar na região Norte ou Nordeste quando comparados aos estudantes das faculdades B e C (p<0,05). Conclui-se que apesar da percepção de um mercado de trabalho saturado, grande parte dos participantes estavam satisfeitos com a profissão escolhida. A maioria dos estudantes desejavam atuar como autônomo, em consultório particular, localizado em grandes centros urbanos, recebendo salários dentro dos padrões da realidade.

Descritores: Mercado de Trabalho. Estudantes de Odontologia. Educação Superior. Avaliação Educacional. Prática Profissional.


 

ABSTRACT

The objective of this study was to describe the perspectives of the graduating students of Dentistry in relation to the labor market and to compare their expectations according to the researched institutions. This is a cross-sectional study in which 184 university students from three private institutions of Belo Horizonte participated in the year 2013. A structured and self-administered questionnaire was used to collect data. A descriptive and comparative statistical analysis was performed using the chi-square test at a significance level of 5%. It was observed that most of the students felt prepared to practice (83.2%), but considered that the lack of experience (66.8%) and insecurity (66.8%) were difficulties to be faced in the early career. The market was considered unfavorable by 46.7%, but did not influence satisfaction with the chosen profession, since 54.9% were very satisfied and would choose the Dentistry course again (84.8%). Most of them want to work in a private practice (60.9%), in the capital city (57.6%) and with a salary claim of 2 to 6 minimum salaries (36.4%). Regarding the desire to work in the Family Health Team, there was a statistically significant difference between the institutions (p <0.05). Students from college A presented greater interest in working in the North or Northeast region when compared to students in colleges B and C (p <0.05). It was concluded that despite the perception of a saturated labor market, most of the participants were satisfied with the chosen profession. Most of the students wanted to be autonomous, in private practice, located in large urban centers, receiving salaries within the standards of reality.

Descriptors: Job Market. Dental Students. Higher Education. Educational Measurement. Professional Practice.


 

1 INTRODUÇÃO

A implementação do Sistema Único de Saúde (SUS) trouxe importantes modificações no mercado de trabalho, dentre elas o aumento de empregos no setor odontológico. A geração dos novos empregos justifica-se pela diminuição dos empregos no setor hospitalar e o aumento no setor ambulatorial. Essa mudança é reflexo do processo de descentralização do SUS, com ênfase na municipalização e na inserção da Estratégia de Saúde da Família e do Programa de Saúde Bucal1,2.

Este incremento de postos de trabalho na área da saúde veio acompanhado da expansão do número de faculdades e de vagas ofertadas nos cursos da área da saúde. Na Odontologia, houve crescimento de 96% das instituições privadas, estando a maioria delas concentradas na região Sudeste do país. A ampliação das faculdades particulares é responsável pela inserção de cerca de 6.452 novos profissionais por ano no mercado de trabalho2.

Para que esses novos profissionais atendam às demandas do mercado de trabalho é preciso que a instituição universitária, como qualquer outro estabelecimento de ensino da educação formal, assuma um duplo desafio: educar e capacitar os profissionais para atender as demandas do mercado. As instituições de ensino superior não são as únicas responsáveis pela formação desses profissionais, pois experiências prévias, positivas ou negativas, vivenciadas no ensino médio, podem dificultar o estabelecimento de uma identidade profissional do estudante ao ingressar na universidade3. Nesse sentido, é preciso que durante toda educação formal as habilidades atitudinais sejam estimuladas. Para isso, sugere-se que o trabalho em equipe seja desenvolvido no intuito de preparar e fomentar uma orientação básica para a integração do estudante no mercado de trabalho com as competências que garantam o seu aprimoramento profissional4.

Apesar dos estímulos para o desen-volvimento de profissionais com um perfil que articule os saberes acadêmicos com as exigências do mercado de trabalho, a maioria dos graduandos ainda possui o sentimento de que a formação universitária é insuficiente para atender a todas as exigências do mercado3. Durante a inserção dos estudantes no mercado de trabalho diversos sentimentos são vivenciados, propulsionados pelas circunstâncias relativas àquele momento espe-cífico. Luz e Levandowski (2006)5 demonstraram em seu estudo que ao mesmo tempo em que os concluintes sentem-se felizes e aliviados por estarem completando mais uma fase de suas vidas, sentimentos como incertezas, dúvidas, medos e descrença em relação à sua própria capacidade profissional também envolvem esse momento.

A insegurança decorre do conhecimento das limitações existentes em relação às oportunidades de trabalho e também ao medo de se dedicar a uma tarefa na qual o sucesso é incerto6. No estudo de Machado et al. (2010)7, os estudantes de Odontologia relataram que entre as principais dificuldades que possivelmente seriam encon-tradas para o exercício da profissão estariam a saturação do mercado de trabalho, a falta de informação e de condição financeira da popu-lação. Porém, além desses enfrentamentos, o cirurgião-dentista recém-formado também se depara com outros desafios, associados à pouca habilidade para desenvolver tarefas simples, como a elaboração de um currículo, a busca de um emprego ou a execução de trabalhos autônomos com cobrança justa pelo serviço executado6.

O enfrentamento de todas essas dificuldades está no desenvolvimento da consciência crítica acerca da profissão e do campo de atuação. Dessa maneira, é preciso que o estudante de Odontologia tenha consciência que, para se diferenciar nessa área, de modo a desenvolver uma prática sustentável, medidas eficazes como conciliar o conhecimento técnico-científico às práticas humanizadas, lutar em prol da união da classe odontológica, aceitar e aderir a práticas inovadoras sem infringir a ética profissional são imprescindíveis8. É preciso também conhecer o local e a população de atuação, ampliando as chances de sucesso profissional na região escolhida9.

Além disso, é essencial que as universidades estabeleçam estratégias de acompanhamento e avaliação dos egressos no intuito de verificar a inserção dos mesmos no mercado de trabalho, assim como as expectativas dos estudantes concluintes em relação a esta etapa. Nesse sentido, deve-se verificar a efetividade das atividades acadêmicas realizadas ao longo do percurso universitário, pois a auto avaliação desse processo permitirá aprimorar o projeto pedagógico do curso, sempre em consonância com as diretrizes curriculares nacionais. Dessa forma, a instituição de ensino também poderá promover mudanças necessárias para melhorar a qualidade da educação e cumprir o seu papel, formando um profissional competente, crítico-reflexivo e com uma adequada inserção no mercado8,10,11.

O presente estudo teve como objetivo descrever as perspectivas dos estudantes concluintes em Odontologia de faculdades privadas de Belo Horizonte em relação ao mercado de trabalho, bem como comparar as expectativas destes estudantes segundo as instituições de ensino pesquisadas.

 

2 MATERIAL E MÉTODO

presente estudo, de caráter descritivo e desenho transversal, foi realizado com estudantes concluintes do curso de Odontologia oriundos de três Instituições de Ensino Superior (IES) localizadas no município de Belo Horizonte, no ano de 2013.

Os estudantes foram convidados a participar da pesquisa, em um único momento, durante um horário de aula cedido pelo coordenador/professor do curso de Odontologia.

Aqueles que aceitaram participar do estudo tornaram-se parte de uma amostra de conveniência e na sequência responderam um questionário estruturado e auto-aplicável com questões referentes às dificuldades vislumbradas pelo futuro profissional quanto ao ingresso no mercado de trabalho, à empregabilidade, à pretensão salarial, à capacitação profissional e satisfação pessoal com a escolha profissional (quadro 1). Esse instrumento foi estruturado pelos autores com base na literatura científica12-15 e previamente testado em um estudo piloto, que possibilitou sua avaliação e a realização de adequações linguísticas antes de iniciar a coleta de dados.

Durante a coleta e análise dos dados foram tomadas medidas necessárias para garantir o anonimato e a confidencialidade dos participantes. Realizou-se a análise descritiva (medida de frequência e variabilidade) e comparativa dos dados (teste do qui-quadrado) com nível de significância de 5%. Para preservar a identidade das instituições participantes, cada uma foi representada por uma letra (A, B e C). O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa institucional (CAAE 08970312.5.0000 5097).

 

3 RESULTADOS

A população em estudo consistia de 230 concluintes, dos quais 184 aceitaram participar da pesquisa. Desses, 58 (31,5%) pertenciam à faculdade A, 51 (27,7%) à faculdade B e 75 (40,8%) à faculdade C. Dentre os participantes do estudo, 42 (22,8%) eram do sexo masculino e 142 (77,2%) do feminino, com idade média de 24,4 ± 4,2 anos.

Em relação à satisfação com a profissão

 

 

 

escolhida, 101 (54,9%) participantes relataram estar muito satisfeitos; 76 (41,3%) consideravam-se satisfeitos e 7 (3,8%) pouco satisfeitos. Os estudantes da faculdade C (58,7%) mostraram estar mais satisfeitos com a profissão escolhida quando comparados aos da faculdade A (56,9%) e faculdade B (47,1%); no entanto, não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos (p>0,05).

Quando indagados se escolheriam, novamente, cursar Odontologia, 156 (84,8%) res-ponderam que sim, enquanto 27 (14,7%) disseram que não (tabela 1). Dentre os que cursariam Odontologia novamente, a instituição A foi representada por 91,4% dos estudantes, a instituição C por 82,7% e a instituição B por 80,4%, não havendo diferença estatisticamente significativa entre elas (p>0,05).

Em relação às condições do mercado de trabalho percebidas ao iniciar o curso, a maioria (56,5%) relataram não conhecê-las. Dentre os que relataram estar cientes do mercado no momento da escolha do curso, 53 estudantes (28,8%) perceberam um mercado cada vez mais favorável ao longo de sua formação, contrapondo a outros 24 estudantes (13%) que consideraram menos favorável. No momento da formatura, a percepção do mercado de trabalho, foi considerada pouco favorável para 86 estudantes (46,7%); favorável para 83 estudantes (45,1%) e, uma minoria (7,1%), não soube opinar (tabela 1).

 

 

 

O desejo de exercer a profissão em um com-sultório particular foi relatado pela maioria dos estu-dantes (60,9%), seguido pelo desejo de atuar na Estra-tégia Saúde da Família (ESF) (41,3%) e em clínica popular (16,3%). A pretensão de trabalhar em consul-tório particular ou em clínica popular foi semelhante entre os grupos avaliados. No entanto, o desejo de trabalhar na ESF foi maior entre os estudantes da faculdade A (56,9%), com diferença estatisticamente significativa entre os grupos (p<0,05) (tabela 2).

 

 

 

Sobre o local onde pretendiam trabalhar, 106 participantes (57,6%) desejavam permanecer em Belo Horizonte e região metropolitana, 64 (34,8%) almejavam trabalhar no interior de Minas Gerais, 22 (12%) pretendiam trabalhar em outro estado do país e 17 estudantes (9,2%) relataram estar indecisos. Os estudantes da faculdade B demonstraram maior interesse em atuar no interior de Minas Gerais (45,1%) ou em outro estado da região Sudeste (3,9%), quando comparados às instituições A e C. Os estudantes da faculdade C (68%) demonstraram maior interesse em atuar em Belo Horizonte e região metropolitana, quando comparados aos da faculdade A (51,7%) e faculdade B (49%).

Em relação ao interesse de atuar na região Norte ou Nordeste do país, observou-se que os estudantes da faculdade A demonstraram nove vezes mais interesse em atuar nesses locais quando comparados aos da faculdade B (p=0,02) e seis vezes mais interesse se comparados aos da faculdade C (p<0,01).

Os estudantes da instituição B (3,9%) demonstraram maior interesse em atuar em outro estado da região sudeste, quando comparada às instituições A (3,4%) e C (2,7%). A intenção em atuar na região Sul do país, foi evidenciada apenas pelos estudantes das instituições A (1,7%) e C (1,3%). O interesse de atuar na região Centro-Oeste do país foi relatado apenas por graduandos da faculdade A (3,4%). Não houve diferença estatisticamente significativa entre as instituições avaliadas em relação ao interesse de trabalhar no interior do Estado de Minas Gerais ou em outro estado da Região Sudeste (tabela 3).

 

 

 

Com relação à pretensão salarial, poucos estudantes (2,2%) acreditavam que inicialmente receberiam remuneração inferior a dois salários mínimos (SM) mensais. A maioria (36,4%) pretendia obter uma renda mensal de dois a seis SM, seguidos de 32,1% que ambicionavam receber de sete a dez SM e 28,3% que esperavam receber acima de 10 SM. Analisando as instituições separadamente, observou-se que a maioria dos estudantes da faculdade A (42,1%) pretediam receber até 6 SM, a maior parte dos estudantes da faculdade C (37,8%) entre 6 e 10 SM e a maior parte da faculdade B (37,3%), acima de 10 SM.

Apesar da maioria dos estudantes (83,2%) acreditarem estar preparados para se inserir no mercado de trabalho e exercer a profissão, observou-se que os mesmos esperavam encontrar dificuldades (92,4%). As mais apontadas foram a falta de experiência e insegurança (66,8%), baixo salário (37%) e saturação do mercado (30,4%) (gráfico 1). Não houve diferença estatisticamente significativa entre as instituições avaliadas em relação às variáveis analisadas. Ademais, poucos estudantes (8,2%), representados por 13,7% da faculdade B, 6,9% da faculdade A e 5,6% da faculdade B não se sentiam preparados para se inserir no mercado de trabalho e uma pequena porcentagem de estudantes (6%) não se manifestou em relação ao assunto.

 

 

 

Dos mecanismos concorrenciais, ou seja, o quanto o estudante visava em empreender no seu próprio desenvolvimento, destacou-se o desejo de investir no aperfeiçoamento técnico-científico, pois foi relatado por 83,7% dos participantes do estudo, seguido de boas relações interpessoais (51,1%), instalações físicas do consultório (34,8%), novas tecnologias e marketing (28,8%) e flexibilização de honorários (16,3%).

 

4 DISCUSSÃO

O mercado de trabalho em Odontologia reflete os diversos cenários vivenciados no âmbito acadêmico, econômico e político do país. Mudanças de paradigmas como a transição de um modelo biomédico, centrado na prática flexneriana, para um modelo integral norteiam a formação acadêmica, adequando o profissional às demandas da realidade. No entanto, mesmo diante das evidentes mudanças, alguns sinais característicos da profissão odontológica persistem, tais como a feminilização da profissão e o status de atuar em um consultório particular 7,10-12,16-18.

A predominância do sexo feminino entre os concluintes do curso de Odontologia, observado no presente estudo, confirma o processo de feminilização da profissão e está em conformidade com diversos estudos7,10-12,16-18. A análise do Censo do Ensino Superior (MEC/INEP) em 2005, realizada por Bruschini19 evidenciou que o gênero feminino, naquela época, correspondia a 62% dos graduandos. Em 2013, reitera a mesma tendência de ocupação das mulheres nos cursos superiores, sendo a maioria do total de ingressantes (54,7%) e de concluintes (59,2%)20.

As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN)21, implantadas em 2002, definem que os cursos de Odontologia devem formar odontólogos generalistas com perfil humanista, crítico-reflexivos, capazes de atuar em todos os níveis de atenção a saúde, embasados no rigor técnico e científico. Ainda explicitam que o egresso deve ser capaz de planejar e administrar serviços de saúde comunitária, bem como durante sua formação deve conhecer o sistema de saúde vigente no país, enfatizando a atenção integral, regionalizada, hierarquizada e o trabalho em equipe. Como o presente estudo foi realizado em 2013, ou seja, 11 anos após a inserção das novas DCN21, observou-se que as instituições pesquisadas já haviam reformulado seus projetos políticos pedagógicos, adequando a estrutura curricular visando alcançar o perfil profissional desejado.

A predileção por atuar em consultório particular foi observada no presente estudo; no entanto, o desejo de se inserir no serviço público como membro da equipe da ESF foi percebido entre os participantes. O interesse de atuar nos setores público e privado se relaciona às vantagens que cada um deles apresenta. O exercício da prática laboral no consultório particular agrega status e ganho financeiro, enquanto que no setor público os atrativos dizem respeito à garantia de estabilidade e às vantagens trabalhistas22.

O maior interesse dos estudantes da instituição A em atuar no serviço público e também nas regiões no Norte e Nordeste do país sugere a existência de um diferencial em sua formação, repercutindo em sua inserção no mercado de trabalho. Ao analisar distribuição dos cirurgiões-dentistas nas regiões brasileiras observa-se a escassez de profissionais nas regiões Norte e Nordeste. Os dados apontam que nestas regiões existe um profissional para cada 1800 e 1734 indivíduos, respectivamente, enquanto nas outras regiões do país (principalmente no Sudeste) concentram-se 57% dos profissionais brasileiros16. O deslocamento destes futuros profissionais para regiões em que há menor concentração de cirurgiões-dentistas16 delineia uma trajetória que se destaca dos demais estudantes participantes desse estudo e que vai ao encontro dos preceitos estabelecidos nas DCN e dos resultados obtidos por Costa et al. (2008)13. Outra vertente observada nesse grupo diz respeito à intenção de trabalhar no serviço público, esquivando-se dos padrões estabe-lecidos pela maioria, os quais ansiavam trabalhar no consultório particular, corroborando os achados do estudo de Souza et al. (2012)17 e Silva et al. (2011)23. Ressalta-se que a percepção desse grupo pode estar associada ao planejamento inicial da sua carreira. Foi evidenciado no estudo de Matos e Tenório (2011)12 que os estudantes tendem a optar pelo setor público no inicio da carreira (curto prazo) e depois tendem migrar para o setor privado ao longo do tempo, visualizando, inclusive, essa transição como uma ascensão profissional.

O cenário do mercado de trabalho em Odontologia, no ano de 2013, apontava para uma perspectiva salarial de R$ 5.367,31, com uma jornada de trabalho média de 38 horas semanais e com uma ocupação em torno de 96,0%24. Nesse sentido, a pretensão salarial da maioria dos participantes do presente estudo condiz com as condições do mercado de trabalho, uma vez que a maioria dos estudantes desejavam receber de 2 a 6 SM (até R$ 4.068) e de 7 a 10 SM (R$ 4.746 a R$ 6.780), o qual estava fixado em R$ 678,00. A percepção desses estudantes se assemelha ao estudo de Rezende et al. (2007)14, o qual constatou que os estudantes estavam conscientes das condições reais do mercado de trabalho, corroborando com o estudo de Matos e Tenório (2011)12, no qual a maioria dos estudantes pretendiam receber mais de R$ 4.590. Entretanto, estudantes de uma das instituições do presente estudo possuíam uma pretensão ilusória para um recém-formado, pois a maioria esperava receber acima de 10 SM, ou seja, acima da perspectiva salarial do mercado de trabalho24. Ainda que essas expectativas sejam justas, elas são irreais, sobretudo no início da carreira6. O estudo de Matos e Tenório (2011)12 comparou estudantes da rede pública e privada e constatou que os primeiros tendiam a ter expectativa de remuneração mais realista do que aqueles do curso privado, situação que não pôde ser comprovada no presente estudo devido a amostra não englobar instituição pública de ensino.

O mercado de trabalho odontológico foi visto como pouco favorável pela maioria dos participantes do presente estudo, corroborando com a pesquisa de Matos e Tenório (2011)12 e de Leite et al. (2012)18, nos quais os estudantes de Odontologia perceberam um mercado de trabalho saturado. Opiniões contraditórias foram identificadas no estudo de Costa et al. (2008)13, onde os entrevistados relataram que o mercado de trabalho se apresentava favorável e enfatizaram que o sucesso acadêmico e profissional, assim como a entrada no mercado de trabalho, não dependiam exclusivamente do tipo de formação, mas da sua capacidade ou mérito de aproveitar o que é ofertado.

Ainda que a percepção dos estudantes da atual pesquisa seja de um mercado de trabalho odontológico desfavorável, os mesmos não foram influenciados por essas condições e relataram que escolheriam a Odontologia novamente como profissão. Este posicionamento parece reafirmar a vocação profissional como uma variável importante na escolha da profissão25. A análise da situação em que se encontrava o mercado de trabalho ao ingressar na faculdade não foi enfatizada como um ponto importante, podendo assim ocasionar uma futura frustração dos estudantes ao perceberem suas reais condições.

O aperfeiçoamento técnico-científico foi percebido como um importante mecanismo concorrencial, concordando com a pesquisa de Matos e Tenório10. O relacionamento interpessoal foi outro critério entendido como relevante para se sobressair no atual mercado de trabalho em Odontologia, sugerindo que a imagem do profissional parece estar relacionada com a comunicação e empatia entre ele e o paciente, corroborando com os estudos de Valença et al. (2011)26 e Costa et al. (2008)13. Neste sentido, é indispensável um tratamento respeitoso com o paciente sendo necessário o desenvolvimento de habilidades para a escuta27. No entanto, ressalta-se que o relacionamento interpessoal deve ser uma habilidade a ser desenvolvida pelo profissional da saúde objetivando ofertar um melhor cuidado ao paciente, seja na relação direta com esse ou em um âmbito mais abrangente, incluindo a comunicação interdisciplinar/multiprofissional e não meramente um mecanismo concorrencial.

A falta de experiência e a insegurança foram relatadas como possível obstáculo para o ingresso no mercado de trabalho, em consonância ao estudo realizado por Souza & Paiano (2011)28, reafirmando que a insegurança perpassa pela iniciação profissional. O cenário apresentado confirma a necessidade de se desenvolver projetos que estimulem vivências reais do mercado de trabalho ao longo da formação acadêmica com o intuito de tornar mais suave o processo de transição entre universidade e mercado de trabalho e avigorar a percepção do nível de capacidade dos estudantes15.

No intuito de apoiar a fase de transição faculdade-mercado de trabalho, sugere-se a implementação de projetos acadêmicos durante a formação acadêmica. Acredita-se que as atividades extensionistas, sejam elas curriculares ou não, oportunizam vivências de práticas reais de mercado. A presença de ações acadêmicas que imergem os estudantes no contexto social permite o desenvolvimento de habilidades que favoreçem o espírito crítico, delineando estratégias que apresentam potencial resolutivo e coerente com as demandas observadas no cenário de prática. Nesse sentido, práticas acadêmicas que estimulem a integração do aluno com o serviço podem representar um campo fértil para o desenvolvimento dessas habilidades dentro de um cenário que contextualiza, em certa medida, o mercado de trabalho em saúde.

 

5 CONCLUSÕES

O mercado de trabalho foi considerado desfavorável, no entanto, não influenciou na satisfação com a profissão escolhida. A falta de experiência/insegurança foi a principal dificuldade detectada pelo estudante concluinte para seu ingresso no mercado de trabalho; o aprimoramento técnico científico e o relacionamento interpessoal foram considerados importantes mecanismos concorrenciais. Independentemente da instituição analisada, a maioria dos estudantes almejava trabalhar em consultório particular, na capital ou na região metropolitana de Belo Horizonte, desconsiderando a saturação do mercado de trabalho. No entanto, estudantes de uma das instituições demonstraram maior desejo de atuar na ESF. A expectativa de remuneração mensal para maioria dos participantes foi considerada dentro dos padrões da realidade. Sugere-se a implementação de projetos acadêmicos institucionais de apoio para a fase de transição faculdade-mercado de trabalho, bem como durante a formação acadêmica.

 

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Recebido: 15/08/2016
Aceito: 10/12/2016