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IJD. International Journal of Dentistry
versão On-line ISSN 1806-146X
IJD, Int. j. dent. vol.9 no.4 Recife Out./Dez. 2010
ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE
Correlação entre nível de ansiedade em crianças frente ao tratamento odontológico
Evaluation of anxiety levels in children during odontological treatment
Rodrigo Simões de OliveiraI; Luciana Marcondes Sarmento TorresII; Isabela Silva GomesII; Rebeca Di NicolóIII
IMestrando do Programa de Pós-Graduação em Odontologia Restauradora da Faculdade de Odontologia de São José dos Campos - Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho - UNESP/FOSJC. Professor das Disciplinas de Dentística, Escultura Dental e Clínica Integrada do Curso de Odontologia da Universidade Severino Sombra - Vassouras/RJ
IIMestranda do Programa de Pós-Graduação em Odontologia Restauradora da Faculdade de Odontologia de São José dos Campos - Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho -UNESP/FOSJC
IIIProfessora Adjunta da disciplina de Odontopediatria da Faculdade de Odontologia de São José dos Campos - Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho - UNESP/FOSJC
RESUMO
A ansiedade em relação ao tratamento odontológico, na maioria das vezes inicia-se na infância, e, quando não superada, pode estender-se até a idade adulta e desta forma pode comprometer a saúde bucal. O objetivo desse trabalho foi avaliar o índice de ansiedade em crianças de 4 a 11 anos atendidas na clínica de Odontopediatria da Faculdade de Odontologia de São José dos Campos-UNESP, bem como de seus responsáveis. O nível de ansiedade foi avaliado por meio dos questionários traduzidos e modificados do Corah's Dental Anxiety Scale (DAS) e Facial Image Scale (FIS). O DAS foi aplicado aos responsáveis e o FIS às crianças, antes e depois do atendimento clínico e em momentos diferentes. Os resultados dos testes de ansiedade das crianças e dos responsáveis foram correlacionados entre si revelando que: as crianças envolvidas nesse estudo não se apresentam ansiosas diante do tratamento odontológico; a maioria possui responsáveis não ansiosos; os responsáveis que apresentaram alto índice de ansiedade não transmitiram essa ansiedade às crianças. Concluiu-se que a conduta de atendimento dessas crianças deve ser mantida pois mostrou-se adequada para controlar a ansiedade dos pacientes.
Palavras-chave: Nível de ansiedade, Escala de ansiedade, Ansiedade em crianças
ABSTRACT
The anxiety in relation to dental treatment, most times initiates during the childhood, and, when it's not overcome, can extend to adulthood, what may lead to an unsatisfactory oral health. The aim of this study was to evaluate the anxiety level in children of 4 to 11 years old, attended at São José dos Campos University - UNESP, as well as their responsible. The anxiety level was measured through translated and modified questionnaires such as Corah Dental Anxiety Scale (DAS) and Facial Image Scale (FIS). The DAS was applied to the responsible and the FIS to the children, before and after the treatment and at different times. The tests results of children's and adult's anxiety were correlated revealing that: children involved in this study did not present themselves anxious during dental treatment; the majority of responsible did not present themselves anxious; the responsible that were anxious did not transmit anxiety to the children. It was concluded that the treatment conduct towards these children must be kept because it seems appropriate to control the patient's levels of anxiety.
Key words: Anxiety level, Anxiety scale, Children anxiety
INTRODUÇÃO
Ansiedade e medo ainda são os principais motivos pelos quais um paciente desiste de realizar o tratamento odontológico. Este medo geralmente inicia-se na infância ou na adolescência. A fuga à consulta ao dentista pode ser desencadeada por fatores como experiência dolorosa prévia, ambiente do consultório odontológico, idéias negativas, histórias traumatizantes repassadas por outras pessoas e ainda o desconhecimento em relação aos procedimentos1.
A ansiedade é conhecida como uma resposta às situações nas quais a fonte de ameaça ao indivíduo não está bem definida, é ambígua ou não está objetivamente presente2. Segundo Pessotti3, a ansiedade implica na ocorrência de uma condição aversiva ou penosa, algum grau de incerteza ou dúvida e alguma forma de impotência do organismo em uma dada conjuntura. Por isso, muitas vezes o desconhecimento dos procedimentos realizados em consultório pode levar à ansiedade.
O medo do tratamento odontológico torna-se um ciclo no sentido de que quando o tratamento preventivo não ocorre, a patologia dentária passa a exigir tratamentos odontológicos curativos ou emergenciais inerentemente invasivos, portanto desconfortáveis, conseqüentemente o medo e a fuga ao tratamento se exacerbam estabelecendo-se então, o ciclo1,4. Indivíduos altamente temerosos acabam por se ausentar do consultório odontológico e não apresentam boa saúde bucal, quando comparados aos indivíduos não temerosos5-9.
A etiologia de medos clínicos severos parece estar relacionada à idade e ao condicionamento direto na presença de dor e vulnerabilidade10. Mulheres tendem a reportar mais medo e ansiedade que homens4,11,12, e crianças demonstram mais medo e mais ansiedade do que os outros indivíduos.
Quanto aos métodos de avaliação da ansiedade no consultório odontológico, existem várias escalas de ansiedade disponíveis para uso do cirurgião-dentista13. Provavelmente, o mais conhecido questionário para avaliação da ansiedade relacionada ao tratamento odontológico em adultos é o Corah's Dental Anxiety Scale (DAS)14. O DAS é uma escala psicométrica que consiste de quatro perguntas de múltipla-escolha relacionadas com as reações subjetivas do paciente diante de diferentes situações odontológicas. Cinco respostas com valores variando entre um e cinco são fornecidas, quantificando de forma diretamente proporcional a ansiedade (1 para não ansioso - 5 para extremamente ansioso). A pontuação final pode variar entre 4 e 20, sendo que pontuações de 15 ou mais indicam profunda ansiedade15. Bottan et al.1 utillzaram o DAS para identificar o percentual de estudantes com ansiedade ao tratamento odontológico, desenvolveram um estudo exploratório do tipo transversal, envolvendo 976 escolares de 9 a 17 anos, de três escolas públicas situadas no perímetro urbano do município de Campos Novos (SC). Seus resultados demonstraram que 84% dos sujeitos manifestaram ansiedade; a maioria foi classificada com baixa ansiedade. As meninas são um pouco mais ansiosas (87%) do que os meninos (81%). A relação entre faixa etária e percentual de sujeitos com ansiedade indica uma redução da freqüência para aqueles com mais idade.
Muitas escalas também estão disponíveis para mensurar o medo das crianças frente ao atendimento odontológico. Em 1998 Aartman et al. realizaram uma revisão da literatura e recomendaram o Children's Fear Survey Schedule - Dental Subscale (CFSS-DS)16.
Essa escala consiste em 15 questões, cada uma pontuando de 1 (sem medo) a 5 (muito medo). Uma pontuação final de 45 ou mais indica alto nível de ansiedade. Essa escala foi utilizada por Singh et al.4 para avaliar o medo, ansiedade e controle relacionados ao tratamento odontológico em 364 crianças da faixa etária de 7 a 13 anos. Três questionários com questões de múltipla escolha foram aplicados em grupos de 10 crianças. Os resultados observados nesse estudo em relação ao medo e ansiedade, a média dos escores foi mais elevada para o sexo feminino do que para o sexo masculino. Em relação a idade, as crianças da faixa de 11 a 13 anos revelaram-se em média mais temerosas que as de 7 a 9 anos.
Outra escala bastante utilizada para avaliar a ansiedade em crianças é Facial Image Scale (FIS), que compreende 5 faces variando de muito feliz a muito triste. As crianças apontam a imagem que mais representa seu estado emocional no momento. O score da escala varia de 1 para a resposta mais positiva a 5 para a mais negativa. Algumas das vantagens dessa escala é que pode ser aplicada à crianças de pouca idade, é um método fácil e rápido podendo ser aplicado na sala de espera17.
O objetivo deste estudo foi avaliar o grau de ansiedade em crianças entre 4 e 11 anos que realizam tratamento odontológico através de questionários direcionados aos responsáveis e às crianças, e relacionar os resultados obtidos com a necessidade ou não de procedimento anestésico.
METODOLOGIA
Foram avaliadas 98 crianças entre 4 e 11 anos, pacientes atendidos na clínica de odontopediatria da Faculdade de Odontologia de São José dos Campos -UNESP, e seus respectivos responsáveis.
Os instrumentos adotados para a coleta de dados foram o Corah's Dental Anxiety Scale (DAS)14 para os responsáveis, e o Facial Image Scale (FIS)17 para as crianças.
Este projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, da Faculdade de Odontologia de São José dos Campos - Unesp sob o Certificado n° 087/2009-PH/CEP,
Num primeiro momento, o questionário DAS foi aplicado aos responsáveis na sala de espera. Os pesquisadores deram explicações sobre a pesquisa e solicitaram o preenchimento do termo de consentimento livre e esclarecido. Em seguida, realizaram a leitura das perguntas do DAS e registro das respostas.
Com relação à aplicação do FIS às crianças, esta foi realizada antes e após o atendimento, também na sala de espera. As crianças foram levadas individualmente pelos pesquisadores a um local reservado e foram apresentadas à tabela do FIS. Foi pedido que a criança apontasse a imagem da escala que representasse seu estado emocional nos dois momentos e foi anotado o score correspondente. Para tal coleta, os pesquisadores não estavam trajando roupas brancas ou avental, a fim de não influenciar os resultados inerentes à ansiedade, já que as crianças poderiam ficar mais ansiosas ao associarem o tratamento à vestimenta.
Após a segunda coleta do FIS, também foi anotado o procedimento que foi realizado naquela sessão e se houve necessidade de anestesia, para posterior correlação com o nível de ansiedade.
RESULTADOS
Foram coletados dados de 98 crianças sendo 33 meninas (33,67%) e 65 meninos (66,33%) com idades variando entre 4 e 11 anos, sendo a média de idade 6 anos e 8 meses. A Figura 1 relaciona o Sexo ao FIS Inicial, em porcentagem. A maioria das crianças (44,90%) responderam 1 para FIS Inicial, sendo 68,18% destas meninos e 31,82% meninas. O FIS Inicial 2 foi representado por 29,59% das crianças (58,62% meninos e 41,38% meninas). O FIS Inicial 3 esteve presente em 18,37% da amostra, sendo 72,22% do sexo masculino e 27,78% do sexo feminino. Para o FIS 4, não houve diferença entre os sexos (50%), sendo representado por apenas 2,04% das crianças. Por fim, 5,10% das crianças se consideraram "muito tristes" antes do tratamento odontológico (FIS 5), sendo 80% meninos e 20% meninas.
A distribuição das crianças quanto à Idade e FIS Inicial está representada na Tabela 1. Para facilitar a comparação, as crianças foram divididas em dois grupos de acordo com a faixa etária: G1 para as crianças mais novas (4 a 7 anos) e G2 para as crianças mais velhas (8 a 11 anos). O gráfico ilustrativo para FIS inicial e faixa etária está representado na Figura 2.
As crianças foram submetidas ao tratamento de rotina, conforme o plano de tratamento de cada caso. Dentre esses procedimentos, 72 (73,47%) foram executados sem anestesia e 26 (26,53%) com anestesia. Para verificar a influência da anestesia na ansiedade da criança, levando em consideração que ao entrar para a consulta a criança não saberia se seria ou não submetida ao procedimento anestésico, comparamos as variáveis Anestesia e FIS Final, conforme mostra a Tabela 2.
Para avaliação da influência da anestesia na mudança do nível de ansiedade da criança (FIS Inicial X FIS Final) foi realizada a análise estatística de McNemar, teste utilizado para verificar mudança da situação inicial para final. Esse teste avaliou para os dois grupos (com e sem anestesia) a melhora ou piora do nível de ansiedade da criança. No grupo dos que não receberam anestesia, 31,94% apresentaram algum grau de melhora no FIS (p = 0,643). Em contra partida, a melhora foi de 42,31% no grupo dos que receberam anestesia (p=0,210).
Para avaliação do score de ansiedade dos responsáveis, estes foram divididos em 4 grupos: NA = Não Ansiosos (scores de 5 a 8), M = Ansiedade Moderada (scores de 9 a 12), A = Alta Ansiedade (scores de 13 a 14), S = Ansiedade Severa (scores de 15 a 20). O FIS Inicial das crianças para cada grupo de responsáveis está representado na Figura 3.
DISCUSSÃO
Com relação ao sexo, a amostra da pesquisa em questão não foi composta pelo mesmo número de meninos e meninas. Devido à essa discrepância, os resultados não nos permitem afirmar em qual grupo há maior ansiedade frente ao tratamento odontológico. Porém, independentemente do sexo, a maioria das crianças não se apresentou ansiosa antes do tratamento pois apenas 7,14% apresentaram FIS inicial 4 e 5 (representantes do estado emocional triste e muito triste). Já nos resultados encontrados por Bottan et al.1 e Sighn et al.4 pôde-se perceber maior ansiedade para o sexo feminino do que para o sexo masculino (P < 0,05).
Ao avaliar as faixas etárias, percebe-se que a maioria das crianças se considera muito feliz antes do atendimento odontológico, já que não houve diferença significante para os valores de FIS 1 e 2. A maioria das crianças que respondeu FIS 3 estava compreendida entre 4 e 7 anos. Para os FIS 4 e 5 não houve nenhuma criança com idade entre 8 e 11 anos, mostrando que as crianças mais velhas não se apresentam tão ansiosas frente ao tratamento odontológico, em contraste com os achados de Sighn et al.4 em que o grupo de crianças mais velhas foi o que se apresentou mais temeroso. Porém é importante observar que os dois trabalhos abordaram faixas etárias diferentes, sendo que as crianças compreendidas entre 7 e 9 anos foram as que se apresentaram menos ansiosas em ambos os casos. Já Bottan et al.1 reportaram relação entre faixa etária e percentual de sujeitos com ansiedade indicando uma redução da freqüência para aqueles com mais idade.
Dentre os que não foram anestesiados, a maioria apresentou FIS 1, seguido de FIS 2 e 3. Apenas uma criança apresentou FIS 5 e esta foi submetida à anestesia. Apesar dessas observações, como o número de crianças para a variável anestesia não é homogêneo, não é possível afirmar que tal procedimento influencia na ansiedade após o tratamento. Porém, o teste de McNemar que avaliou a mudança do nível de ansiedade frente à anestesia, revelou uma melhora de 42,31% no grau de ansiedade das crianças que foram submetidas ao procedimento anestésico, sendo um resultado inesperado uma vez que a hipótese inicial seria que os pacientes submetidos à anestesia apresentariam uma piora no grau de ansiedade, como mostrado na pesquisa de Sighn et al.4. Isso pode ser explicado devido ao fato de algumas crianças relatarem que se sentiam mais felizes e aliviadas com o término da consulta. No entanto, não houve diferença estatisticamente significante entre FIS Inicial e Final nos dois grupos (Sem Anestesia: p = 0,643/ Com Anestesia: p = 0,210).
Para os responsáveis não ansiosos, a maioria das crianças apresentou FIS 1, sugerindo aparente correlação entre nível de ansiedade dos responsáveis e crianças. Essa correlação se manteve nos responsáveis com ansiedade moderada, pois a maioria das crianças apresentou FIS 2. Para os responsáveis com níveis de ansiedade alta e severa, essa correlação foi inversa, já que a minoria das crianças apresentou FIS 4 e 5.
CONCLUSÃO
Pudemos observar que a amostra de crianças abordadas nesse estudo não se apresentou ansiosa frente ao tratamento odontológico mesmo diante de procedimento anestésico. Ainda, pôde-se notar que na maioria dos casos existe uma correlação entre os níveis de ansiedade dos responsáveis e das crianças, uma vez que foi percebido que crianças não ansiosas eram acompanhadas de responsáveis também não ansiosos.
REFERÊNCIAS
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Correspondência:
Rodrigo Simões de Oliveira
Rua Major Oscar de Oliveira Batista, 17/101
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CEP 27130-070
Recebido em 23/06/2010
Aprovado em 11/11/2010