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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.12 no.2 Camaragibe Abr./Jun. 2012

 

 

Linfoma não-Hodgkin de células t na mandíbula. relato de caso.

 

T-cell non-Hodgkin lymphoma in the mandible: a case report.

 

 

Fabiano de Sant'ana dos SantosI; José Pereira Novo NetoII; Miguel alfredo IsperIII; Leonardo Pereira NovoIV; Rubens de Souza NetoIV

I Doutor em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, São Paulo. Professor da disciplina de Diagnóstico e Cirurgia do Curso de odontologia do Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos, São Paulo.
II Mestre em Reabilitação oral pela Faculdade de odontologia de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Professor Mestre das disciplinas de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, Diagnóstico e Cirurgia do Curso de odontologia do Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos, São Paulo.
III Mestre em Reabilitação oral pela Faculdade de odontologia de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Professor Mestre das disciplinas de Diagnóstico e Cirurgia do Curso de odontologia do Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos, São Paulo.
IV Cirurgiões-dentistas. Graduados pelo Curso de odontologia do Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos, São Paulo.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

o linfoma não-Hodgkin de células T é uma doença rara, complexa, e que, de acordo com estudos recentes, vem aumentando na população, nos últimos anos. Pacientes com alterações imunológicas estão mais suscetíveis aos linfomas e, recentemente, pacientes acometidos por algumas doenças virais também foram incluídos no grupo de risco para o linfoma não-Hodgkin. o objetivo deste trabalho foi o de relatar um caso raro de linfoma não-Hodgkin de células T com manifestação na mandíbula, diagnosticado em um paciente jovem e destacar a importância dos profissionais de saúde no reconhecimento das neoplasias maxilomandibulares.

Descritores: Linfoma não-Hodgkin; Linfoma de células T; Neoplasias maxilomandibulares; Cirurgia bucal; Diagnóstico bucal.


ABSTRACT

T-cell non-Hodgkin lymphoma is a rare, complex disease, and the population affected has been increasing in recent years according to recent studies. Patients with immunologic abnormalities are more susceptible to lymphomas and, recently, some patients affected by viral diseases have also been included in the risk group for non-Hodgkin lymphoma. The aim of this study was to report a rare case of non-Hodgkin T-cell expression in the jaw diagnosed in a young patient and to highlight the important role of health professionals in the recognition of maxillomandibular neoplasms.

Keywords: Lymphoma, non-Hodgkin; Lymphoma, T-cell; Jaw neoplasms; Surgery, oral; Diagnosis, oral.


 

 

INTRODUÇÃO

A denominação linfoma não-Hodgkin (LNH) é utilizada para abranger um grupo complexo e heterogêneo de neoplasias linfoides não relacionadas com a doença de Hodgkin. Os linfomas representam a terceira neoplasia mais frequente no mundo e constituem 3% dos tumores malignos diagnosticados todos os anos. A prevalência dessa malignidade cresce progressivamente com taxa anual de 3%.1 A incidência dos LNH parece estar associada a doenças que acometem o sistema imunológico, como imunodeficiências congênitas, transplantes de órgãos, doenças autoimunes e a provocada pelo vírus HIV.2

A localização intraoral do LNH não é frequente, podendo ocorrer em 3 a 5% dos casos, e as manifestações iniciais desse tumor hematolinfático raramente são percebidas.3,4 As áreas maxilomandibulares, que podem ser acometidas pelo LNH, são palato, língua, assoalho da boca, gengiva, mucosa oral, lábios, tonsilas palatinas, amígdalas linguais ou orofaringe. A faixa etária entre 60 e 70 anos é a mais suscetível para o desenvolvimento desse tumor maligno de cabeça e pescoço, não sendo notada predileção pelos gêneros.5

Os LNH são classificados e subdivididos pela Organização Mundial de Saúde em: linfoma difuso de grandes células B (LDGC-B), linfoma de célula do manto, linfoma folicular, linfoma extranodal de células B da zona marginal, linfoma de Burkitt, linfoma de célula T.1 O tipo mais frequente de LNH primário da cavidade oral é o LDGC-B, entretanto sua incidência é desconhecida.6 O LNH de proliferação tumoral constituído de células T é raríssimo, enquanto que os linfomas derivados de histiócitos verdadeiros são ainda mais excassos.1,7

Uma característica importante dos tumores malignos da boca refere-se ao fato de estes serem indolores. Tal condição prejudica a detecção precoce das lesões neoplásicas orais. O diagnóstico precoce das lesões neoplásicas é imperativo para o êxito do tratamento.7,9 A biópsia e o exame histopatológico devem ser uma rotina nos serviços de saúde pública, visando melhorar o prognóstico para o paciente. O prognóstico do LNH depende do tipo histológico, do grau e, também, do tratamento proposto.1,2,4

O objetivo deste trabalho foi o de relatar um caso raro de LNH de células T com manifestação na mandíbula, diagnosticado em um paciente jovem e destacar a importância dos profissionais de saúde no reconhecimento das neoplasias maxilomandibulares.

 

RELATO DE CASO

Paciente do gênero masculino, 36 anos, melanoderma, proveniente da zona rural, compareceu à Santa Casa de Misericórdia de Barretos, referindo dor intensa na coluna. O paciente foi encaminhado para avaliação ortopédica, tendo sido diagnosticado hérnia de disco. O tratamento para lesão citada foi iniciado com o primeiro retorno agendado para 15 dias. Decorrido o período mencionado, o paciente voltou ao hospital relatando ao médico ortopedista melhora na dor da coluna cervical (CC), mas, por outro lado, notou o aparecimento de uma lesão indolor e de crescimento rápido na parte inferior da boca do lado esquerdo. Mencionou também que 5 dias antes do episódio da dor na CC, este havia realizado uma cirurgia para retirada de um dente no referido lado da boca, entretanto a lesão sugeriu aumentar.

Mediante o relato, o médico solicitou ao cirurgião-dentista bucomaxilofacial uma avaliação do paciente. Durante a anamnese, o paciente confirmou que havia extraído um dente. Não relatou problemas imunológicos. A avaliação física do paciente apontou discreto aumento de volume endurecido no linfonodo látero-cervical esquerdo. No exame intraoral, notou-se uma lesão nodular ulcerada de bordas elevadas com tecido eritematoso e área de necrose recoberta por exsudato fibrinoso próximo ao dente 35 que se estendia pelo rebordo alveolar edentado até o início do ramo ascendente da mandíbula (Figura 1). O paciente referiu dor moderada e leve incomodo à palpação. Relatou também desconforto para se alimentar. As tábuas ósseas lingual e vestibular se apresentaram expandidas. Uma radiografia panorâmica foi solicitada e confirmou a exodontia recente do dente 36, além de demonstrar que o corpo da mandíbula apresentava radiolucidez mal definida (Figura 2). Na tomografia computadorizada, foi possível notar uma imagem radiolúcida no corpo da mandíbula e assimetria facial provavelmente induzida pela lesão. Foram solicitados para o paciente exames complementares laboratoriais, além de sorologia para sífilis, HIV, HTLV 1 e 2 e tuberculose. O resultado foi negativo.

 

 

 

 

 

O planejamento proposto e acatado pelo paciente foi a realização de biópsia excisional da lesão. O paciente foi internado seguindo-se os protocolos médico-odontológico, legais e de biossegurança requeridos. Após a anestesia geral, realizou-se, sob copiosa irrigação com soro fisiológico, a remoção da lesão a qual acometeu mais de 1/3 do corpo da mandíbula esquerda (Figura 3). Realizada a síntese em planos, os tecidos removidos foram encaminhados para análise histopatológica. As hipóteses de diagnósticos diferenciais da lesão foram carcinoma epidermoide, paracoccidioidomicose e granuloma piogênico. O paciente permaneceu internado no hospital para recuperação por 4 dias, tendo sido agendado para remoção da sutura, após uma semana da intervenção. Foi informado sobre os cuidados pós-cirúrgicos, enfatizando os cuidados de higienização e dos medicamentos anti-inflamatório, antibiótico e analgésico prescritos. A lesão foi encaminhada para o serviço de patologia oral do Curso de Odontologia do Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos, São Paulo. Após análise, a microscopia revelou que os fragmentos de mucosa revestida por epitélio pavimentoso estratificado apresentaram áreas atróficas e células atípicas difusas. A lâmina própria exibiu proliferação em bloco de células redondas neoplásicas dispersas e por vezes amoldadas. O número de mitoses estava aumentado. O diagnóstico definitivo foi neoplasia maligna invasiva de células redondas, compatível com linfoma não-Hodgkin, sendo classificado de grau intermediário. O resultado imuno-histoquímico foi compatível linfoma não-Hodgkin de células T.

 

 

 

No retorno para avaliação e remoção da sutura, o paciente foi comunicado do resultado da malignidade. O cirurgião-dentista especializado em traumatologia bucomaxilofacial encaminhou o paciente a um centro oncológico de referência para continuidade do tratamento médico e odontológico, pois o paciente necessitava de adequação do meio oral para suposta radioterapia e, consequentemente, reabilitação do sistema estomatognático.

 

DISCUSSÃO

Pesquisas científicas têm chamado a atenção devido à baixa frequência dos linfomas não-Hodgkin de cavidade oral e, em especial, os tumores raros constituídos de células T, que são altamente destrutivos, destacando-se, assim, a relevância do presente relato de caso.3,4,7 Em relação ao LNH de células T apresentado pelos autores desse caso clínico, após análise criteriosa, conclui-se que a lesão mandibular apresentada pelo paciente foi primária, sem o acometimento de outros órgãos ou complexos ganglionares. De acordo com o Sistema Ann Habor de Classificação dos Linfomas, a lesão apresentada foi compatível com estádio IE, uma vez que o paciente apresentou tumor único extranodal.10

Estudos longitudinais revelaram que a incidência dessa malignidade do tecido hematolinfático ocorre, geralmente, em pacientes com mais de 50 anos de idade, e o diagnóstico é tardio, contrapondo-se ao achado pelos autores desse relato.9 A maioria dos LNH da cavidade oral são indolores e, quando diagnosticados, estão em estádios avançados, apresentando metástases.2,7,8 Nesse caso clínico, o jovem paciente relatou desconforto para se alimentar e ausência de dor, confirmando os achados da literatura pesquisada. Também chamou a atenção dos autores o fato de o paciente ter se submetido à exodontia do dente 36 e, em seguida, ter relatado ao médico sobre o aparecimento do tumor, que, segundo o paciente, teve crescimento rápido. O alinhamento entre as equipes de ortopedia, cirurgia e traumatologia bucomaxilofacial e do serviço de patologia oral resultou no planejamento estratégico para diagnóstico da malignidade. Assim, cabe ressaltar que os autores do presente estudo também recomendam que os cirurgiões-dentistas devem estar sempre vigilantes às manifestações das neoplasias da boca e, sempre que possível, interagir com profissionais das diferentes áreas dos serviços de saúde.1,2,4,7-9

Com relação aos fatores etiológicos relatados na literatura para os LNH, os autores não encontraram aspectos relacionados entre a neoplasia descrita e doenças que comprometem o sistema imunológico.2 Inclusive, o paciente se submeteu à pesquisa de vírus, como Epstein-Barr, herpes vírus humano, além do vírus linfotrópico de células T humanas, tipo 1, conforme recomendou a literatura.1 A biópsia realizada no paciente foi determinante para o diagnóstico do LNH de células T.

A biópsia é um procedimento cirúrgico simples, de baixo custo e eficaz para nortear o tratamento e, consequentemente, melhorar o prognóstico do paciente.1,7,8 A descrição histopatológica, seguida da análise imunohistoquímica, confirmou a origem linfocitária do LNH apresentado pelo paciente. Tal achado foi preponderante para que os autores excluíssem as hipóteses de diagnósticos diferenciais apresentadas no relato de caso. No entanto, os autores destacaram que o carcinoma epidermoide, paracoccidioidomicose e granuloma piogênico são entidades patológicas que apresentam sintomas clínicos de ulceração da mucosa oral compatível com as características da lesão achada no paciente descrito no presente estudo. Conforme descrito por outros autores, o LNH de células T é uma patologia escassa, uma vez que os trabalhos encontrados na literatura referem-se, majoritariamente, ao LNH de células B.1,2,8

A manifestação anatômica do LNH de células T tem sido mais frequente no palato e nas tonsilas palatinas.7 Outros estudos descreveram mais sítios bucais em que esse tumor pode se manifestar. Dessa forma, a localização dessa neoplasia na região do dente 36 está em concordância com a literatura.1,2,8,10

O tratamento de um paciente com LNH é baseado nos fatores, incluindo o estágio e o grau do linfoma, o estado geral de saúde e a história médica passada pertinente do paciente. A saúde do paciente deve ser considerada, pois a quimioterapia pode ser debilitante. A cirurgia geralmente não é indicada.1 Assim sendo, como o LNH de células T apresentado pelo paciente foi considerado de grau intermediário pelas células atípicas e difusas analisadas, embora a lesão estivesse localizada, o tratamento realizado foi a radioterapia associada à quimioterapia, conforme conduta recomendada por outros autores.7Infelizmente, apesar de a taxa de resposta de muitas lesões ser boa e de muitos progressos terem sido verificados nessa área, a taxa de sobrevida não é alta. Para linfomas não-Hodgkin de grau intermediário, uma taxa de insucesso de 30% a 50% pode ser esperada.4,5,8,10 No presente estudo, o paciente respondeu bem ao tratamento realizado e deverá ser observado semestralmente, durante 5 anos, até a negativação dos exames.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O caso clínico apresentado destacou um LNH de células T raro, de crescimento rápido em paciente do gênero masculino jovem. A consonância entre as equipes médica-odontológicas foi fundamental para o diagnóstico do LNH de células T, relatado pelos autores deste estudo. A biópsia é um procedimento eficaz para o direcionamento do tratamento e melhora do prognóstico do paciente acometido por neoplasias maxilomandibulares.

 

REFERÊNCIAS

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4. Inchingolo F, Tatullo M, Abenavoli FM, Marrelli M, Inchingolo AD, Inchingolo AM, et al. Non- Hodgkin lymphoma affecting the tongue: unusual intra-oral location. Head Neck Oncol. 2011 Jan 4;3:1.

5. Werder P, Altermatt HJ, Zbären P, Mueller- Garamvölgyi E, Bornstein MM. Palatal swelling as the first and only manifestation of extranodal follicular non-Hodgkin lymphoma: a case presentation. Quintessence Int. 2010 Feb;41(2):93-7.

6. Heuberger BM, Weiler D, Bussmann C, Kuttenberger JJ. Non-Hodgkin lymphoma of the mandible: a case report with differential diagnostic considerations. Schweiz Monatsschr Zahnmed. 2011;121(5):449-60.

7. Farias JG, Carneiro GGVS, Freitas TMC, Meirelles MM. Linfoma não-Hodgkin de células T em cavidade oral: relato de caso. Rev Bras Odontol Rio de Janeiro 2009 jan-jun; 66(1):122-26.

8. Santos PSS, Ferreira ES, Vidote RM, Paes RAP, Freitas RR. Manifestação oral de linfoma difuso de grandes células B. Rev Bras Hematol Hemoter 2012. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/rbhh/v31n6/aop7809.pdf. Acesso em 23 de janeiro de 2012.

9. Howlader N, Noone AM, Krapcho M, Neyman N, Aminou R, Waldron W, Altekruse SF, Kosary CL, Ruhl J, Tatalovich Z, Cho H, Mariotto A, Eisner MP, Lewis DR, Chen HS, Feuer EJ, Cronin KA, Edwards BK (eds). SEER Cancer Statistics Review, 1975-2008, National Cancer Institute. Bethesda, MD, http://seer.cancer.gov/csr/1975_2008/, based on November 2010 SEER data submission, posted to the SEER web site, 2011.

10. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer (INCA). TMN Classificação do tumores malignos INCA. Disponível em: http://www1.inca.gov.br/tratamento/tnm/exibe.asp?ID=10. Acesso em 12 de fevereiro de 2012.

 

 

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