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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial
versão On-line ISSN 1808-5210
Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.12 no.4 Camaragibe Out./Dez. 2012
Reabilitação com obturador maxilar após cirurgia oncológica: relato de casos
Rehabilitation with maxillary obturator after oncological surgery: case reports
Liliane Elze Falcão Lins KustererI; Gardênia Matos ParaguassúII; Viviane de Sousa Moreira da SilvaIII; Viviane Almeida SarmentoIV
I Cirurgiã Buco-Maxilo-Facial (UFBA), Mestre em Clínica Odontológica (UFBA), Doutora em Patologia Humana (FIOCRUZ), Pós-doutora em Medicina Humana (EBMSP) - Salvador-Bahia.
II Mestre em Clínica Odontológica (UFBA), Doutoranda em Diagnóstico Bucal (UFBA) - Salvador-Bahia.
III Cirurgiã-Dentista - Salvador -Bahia.
IV Doutora em Estomatologia PUC-RS, Professora Titular de Diagnóstico Oral (UEFS), Professora Associada de Estomatologia (UFBA) - Salvador- Bahia.
RESUMO
A prótese bucomaxilofacial permite a reabilitação de pacientes que sofreram algum tipo de mutilação facial. A reabilitação protética e utilização de obturadores maxilares após maxilectomia com comunicação das cavidades bucal e nasal possibilitam uma adequada condição de deglutição e fala, garantindo uma melhor qualidade de vida e reintegração social de portadores de sequelas cirúrgicas. O carcinoma mucoepidermoide (CME) é a neoplasia maligna de glândula salivar mais frequentemente encontrada na cavidade bucal, principalmente no palato e região parotídea. Já o carcinoma escamocelular (CEC) é uma das neoplasias malignas mais comuns na cavidade bucal, predominando na região de língua e assoalho, sendo rara na região de seio maxilar. Ambos os carcinomas apresentam-se frequentemente como um aumento de volume assintomático de evolução reativamente lenta, sendo a excisão cirúrgica com margem de segurança o tratamento de escolha. O objetivo deste artigo é relatar dois casos clínicos de reabilitação com prótese obturadora maxilar, após cirurgia oncológica para tratamento de CME e CEC em palato e seio maxilar respectivamente, seguido de comunicação buconasosinusal. A prótese possibilitou não apenas a devolução da estética mas também da função, permitindo a reintegração social do paciente.
Descritores: Carcinoma Mucoepidermoide; Carcinoma Escamocelular; Maxilectomia; Prótese obturadora; Qualidade de Vida.
ABSTRACT
A maxillofacial prosthesis allows the rehabilitation of patients who have suffered some type of facial mutilation. Prosthetic rehabilitation and the use of maxillary obturators after maxillectomy, with communication of the oral and nasal cavities, provide a suitable condition for swallowing and speech, ensuring a better quality of life and social reintegration of patients with surgical sequelae. Mucoepidermoid carcinoma (MEC) is a malignant neoplasm of the salivary gland most often found in the oral cavity, especially on the palate and in the parotid region. For its part squamous cell carcinoma (SCC) is one of the most common malignancies in the oral cavity, predominantly in the region of the tongue and floor. It often presents as an asymptomatic bulging with a relatively slow progression, for which surgical excision, with a margin of safety, is the treatment of choice. The purpose of this paper is to report two cases of rehabilitation with a maxillary obturator prosthesis after oncologic surgery for treatment of MEC and SCC on the palate and a maxillary sinus, respectively, followed by buconasosinusal communication. The prosthesis allowed not only the recovery of an aesthetically pleasing appearance but also of function, making possible the patient's social reintegration.
Keywords: Mucoepidermoid Carcinoma; Squamous Cell Carcinoma; Maxillectomy; Obturator Prosthesis; Quality of Life.
INTRODUÇÃO
O carcinoma mucoepidermoide (CME) e o carcinoma escamocelular (CEC), também conhecido como carcinoma epidermoide ou espinocelular, representam neoplasias malignas, que podem acometer a cavidade bucal, sendo o CEC mais comum. Embora pouco frequente1,2, o CME é a neoplasia maligna de glândula salivar de maior ocorrência, acometendo tanto as glândulas salivares maiores quanto as menores, principalmente a região de palato2-4. O CME, mais prevalente no gênero feminino, raramente encontrado na primeira década de vida, é mais comum entre 20 e 70 anos de idade4,5,6. Acredita-se que sua origem esteja associada à metaplasia das células mucosas e basais dos ductos das glândulas salivares1,4, podendo ser classificado histologicamente como tumores de baixo, intermediário ou alto grau, dependendo da proporção e das características das células produtoras de muco e células escamosas7,8.
Já aproximadamente 10% do CEC é mais comum em indivíduos aos 80 anos de idades9 e do gênero masculino. A lesão acomete principalmente a base de língua, os lábios e o soalho da cavidade bucal10-13, sendo raro na região de seio maxilar. Nos estágios mais tardios, apresentam-se geralmente como massas teciduais endurecidas e ulceradas12,13, e o diagnóstico dessa neoplasia é feito pelo exame microscópico de rotina, caracterizando-se histopatologicamente por ilhas e cordões invasivos de células epiteliais escamosas malignas14.
O tratamento dessas neoplasias depende da localização do grau de malignidade, do estadiamento tumoral e da presença de metástases nodais. As lesões de baixo e intermediário grau podem ser tratadas pela excisão cirúrgica local2, ao passo que as lesões de alto grau exigem abordagens mais agressivas, combinando uma excisão local ampla, esvaziamento linfático e radioterapia complementar3.
O prognóstico também depende do estadiamento do tumor15, sendo que os indivíduos submetidos à remoção cirúrgica da lesão podem apresentar sequelas que trazem prejuízos funcionais e estéticos ao paciente. Tais consequências são de grande impacto psicológico, uma vez que os pacientes se veem excluídos completamente dos padrões estéticos aceitáveis pela sociedade. Por isso, o cirurgião-dentista, por meio da reabilitação protética bucomaxilofacial, possui papel fundamental na reinserção social desses indivíduos16,17.
Dessa forma, o objetivo deste artigo é relatar dois casos clínicos de reabilitação com prótese obturadora maxilar, após cirurgia oncológica para tratamento de carcinoma mucoepidermoide e carcinoma escamocelular em palato, seguido de comunicação buconasosinusal.
RELATOS DE CASOS
Paciente de 26 anos, gênero masculino, procurou um estomatologista relatando aumento de volume indolor no palato duro (Figura 1a). Após o exame clínico, foi realizada a punção-aspirativa que se mostrou positiva para líquido semelhante a muco. Em seguida, realizou-se uma biópsia incisional da lesão, e o diagnóstico anátomo-patológico obtido foi de carcinoma mucoepidermoide de baixo grau.
O segundo paciente de 89 anos, gênero masculino, também compareceu ao serviço de estomatologia relatando aumento de volume indolor no palato duro. Ao exame clínico intrabucal, também foi possível observar a presença de superfície ulcerada em palato duro, estendendo-se em direção ao rebordo alveolar do lado direito da maxila (Figura 1b).
Em ambos os pacientes, o tratamento planejado para a remoção da lesão consistiu na excisão cirúrgica local com margens de segurança, culminando na comunicação buconasosinusal (Figura 2 a, b), o que acarretaria problemas funcionais na deglutição, mastigação e fonação do paciente, além de transtornos emocionais decorrentes da situação.
No pós-operatório imediato, o primeiro paciente foi moldado, e uma prótese obturadora do palato foi confeccionada e instalada 24 horas após o procedimento cirúrgico, devolvendo rapidamente ao paciente a possibilidade de uma alimentação por via oral, deglutição eficiente e fala inteligível, além de colaborar na recuperação psicológica do paciente. Além disso, a prótese cirúrgica imediata ainda sustentava um tampão, colocado na ferida para evitar hemorragia e contaminação.
Após dois meses, paciente submetido à remoção de CME foi reabilitado com obturador removível maxilar, semelhante a uma prótese parcial removível, porém sem dentes, já que este possuía suporte dentário satisfatório. O obturado maxilar foi confeccionado com grampos estéticos que não podem ser visualizados durante a fala ou o sorriso, devolvendo a estética e a função do paciente, permitindo seu retorno à sociedade produtiva (Figura 3 a, b).
Entretanto, o paciente submetido à remoção do CEC foi moldado antes da realização do procedimento cirúrgico. Neste caso, foi realizada a cirurgia do modelo de gesso para a confecção da prótese obturadora. O paciente foi reabilitado com uma prótese parcial removível, contendo dentes, garantindo o restabelecimento funcional, estético e social do paciente (Figura 4 a, b).
DISCUSSÃO
As comunicações bucosinusais, oriundas da remoção do tumor, são pouco toleradas pelos pacientes, pois podem envolver pequenas porções do palato duro e/ou mole, ou ainda, comprometer boa parte dessas estruturas bucomaxilofaciais, levando à desnutrição, perda de peso e causando impacto psicológico negativo nos indivíduos envolvidos1,17,18. Em virtude do comprometimento da área de atuação do cirurgião-dentista, cabe ao profissional garantir uma maior atenção a esses pacientes, principalmente no que diz respeito à reabilitação com prótese bucomaxilofacial1.
As próteses bucomaxilofaciais permitem a reabilitação de pacientes com mutilação facial decorrente de traumas, malformações congênitas ou cirurgias16. Os obturadores maxilares são alternativas, que podem ser utilizadas nesses casos e consistem em um disco artificial ou natural, que permite reparar o defeito maxilar, contribuindo para a reabilitação funcional e estética do paciente bem como para a devolução da sua autoestima16,17,19.
A qualidade de vida dos pacientes após a instalação desses obturadores tem sido considerada aceitável, desde que as próteses sejam confeccionadas e instaladas adequadamente16,20. A retenção desses dispositivos depende ainda do tamanho do defeito, dos dentes e dos tecidos remanescentes e da musculatura adjacente17. Os pacientes que apresentam quantidade adequada de dentes e estruturas de suporte adjacentes apresentam uma melhor estabilidade protética20, conforme observado no presente caso.
A reabilitação protética das perdas maxilares envolve as fases cirúrgica, provisória e reabilitadora, cada qual com sua devida importância. O objetivo da reabilitação protética resultante da maxilectomia inclui a separação das cavidades nasal e bucal por meio da remodelação e reconstrução do contorno palatino, além de melhorar a estética, mastigação, deglutição e fala do paciente. Esses obturadores possibilitam ainda a proteção da área contra traumas e acúmulo de resíduos e fornecem suporte do conteúdo orbital, prevenindo enoftalmias e diplopias, e do tecido mole, a fim de restaurar o contorno do terço médio da face e obter resultados estéticos aceitáveis1,17.
Em função das sequelas supracitadas, a reabilitação e a reinserção dos pacientes na sociedade devem iniciar-se antes da cirurgia, com um planejamento multidisciplinar e acompanhamento trans e pós-operatório1, conforme observado no presente caso, cujo paciente foi assistido por uma equipe multiprofissional, e uma prótese obturadora provisória foi instalada após o procedimento cirúrgico, para promover melhor conforto ao paciente.
A reconstrução das perdas dessas estruturas é complexa, e os recursos da Prótese Imediata para Grandes Perdas do Maxilar (PIGPM) são de grande relevância. No Brasil, poucos hospitais dispõem de uma equipe de cirurgiões de cabeça e pescoço que integrem um serviço de reabilitação bucomaxilofacial, com cirurgião-dentista especializado, para executar uma PIGPM no ato de uma maxilectomia21.
Os serviços de cabeça e pescoço que não dispõem de um atendimento especializado de prótese recorrem aos tamponamentos da cavidade cirúrgica com gaze furacinada ou vaselinada, que necessita de trocas diárias. A retirada do tamponamento pode provocar desagradável odor, em consequência da fermentação dos fluidos na gaze dentro da cavidade da maxila, e grande sofrimento ao paciente pela manipulação da cavidade cruenta, além do risco de sangramento21.
Alguns autores denominam Prótese Cirúrgica Imediata (PCI) uma prótese confeccionada sobre modelo de gesso do qual se retirou a área delimitada pelo tumor. Esse tipo de prótese é indicado para pacientes portadores de neoplasias maxilares em que os exames prévios de imagem sugerem necessidade de qualquer tipo de maxilectomia que cause comunicação entre a cavidade oral e o seio maxilar ou cavidade nasal, conforme ocorreu no caso clínico relatado22.
Dentre as vantagens da PI, destacam-se a sustentação do tampão curativo, normalmente utilizado nas primeiras 24 horas de cirurgia; a melhora da cicatrização; a possibilidade de uma fala inteligível, por reproduzir o contorno normal do palato e tamponar a cavidade cirúrgica; a redução da contaminação e diminuição da possibilidade de infecções; redução do tempo de uso da sonda naso-enteral, já que permite ao paciente uma deglutição eficiente e o início precoce de alimentação via oral. Além disso, essas próteses colaboram na recuperação psicológica e social do paciente, por tornarem a recuperação pós-cirúrgica imediata mais tolerável, e por fazer o doente sentir-se cuidado e reabilitado, antes mesmo no início de seu tratamento oncológico1.
A compensação da perda cirúrgica por meio de uma prótese obturadora é, geralmente, a solução adotada com mais frequência em virtude da vantagem de não ser um procedimento invasivo e também por permitir, por meio da sua remoção, o exame clínico local para descoberta precoce de uma eventual recidiva da neoplasia17,21.
Para defeitos menores, a prótese oferece um método simples de separar a cavidade bucal da nasal e promove a restauração dentária imediata sem a necessidade de uma segunda cirurgia. Entretanto, a estabilidade e a retenção dos aparelhos protéticos podem ficar comprometidas significativamente após uma ressecção extensa, em que o osso remanescente da maxila ou o dente presente for insuficiente para prender a prótese em longo prazo. Nesses casos, quando submetidos a forças de grande magnitude, frequentemente resultam no comprometimento da mastigação, aumentando o refluxo buconasal22.
Apesar de os obturadores protéticos oferecerem uma solução reconstrutora simples para pequenos defeitos palatais, para os defeitos mais extensos, representam um desafio reconstrutor estético e funcional. Similarmente, defeitos que envolvem a margem orbital, o corpo zigomático ou ambos podem resultar numa deformidade estética significativa da órbita e da eminência do malar, que é pobremente corrigida com um obturador protético. Além disso, pacientes idosos com comprometimento motor ou com problemas de visão podem ter dificuldade de colocar a prótese na rotina diária, e falhas na higienização da prótese podem levar à formação de crosta na prótese e halitose. Essas limitações podem afetar negativamente a qualidade de vida dos pacientes21.
A reconstrução ideal dos defeitos decorrentes da maxilectomia ainda permanece controversa, no entanto a decisão de optar pela reconstrução cirúrgica ou reabilitação com obturador maxilar depende das características do paciente, tais como idade, história médica e tamanho do defeito cirúrgico16,20,23. A reabilitação desses defeitos tem sido realizada com obturador protético15,16,21, entretanto recentemente, a literatura tem sugerido a utilização de enxertos ósseos que podem oferecer uma vantagem significativa para a reabilitação bucodentária21.
A obturação protética tem sido considerada padrão-ouro na reconstrução palatina, pois permite a reabilitação imediata do paciente, sem a necessidade de um segundo ato operatório, permitindo cuidadosa inspeção da cavidade de maxilectomia para doenças recorrentes16. Contudo, os enxertos ósseos oferecem vantagens, como a reconstrução adequada da maxila e instalação de implantes osseointegrados. Essa opção terapêutica é particularmente importante em defeitos ósseos extensos, que envolvem a margem orbital, o corpo do zigomático ou metade do palato duro, uma vez que a reconstrução com enxerto ósseo de uma área extensa de maxilectomia pode resultar numa mastigação quase normal17,21. A combinação de implantes e próteses obturadoras também tem demonstrado resultados benéficos para o paciente17.
Defeitos da cavidade bucal, causados por trauma ou remoção cirúrgica de neoplasias maligna ou benigna, exigem procedimentos especiais de tratamento22. Por isso, a conduta terapêutica dos pacientes mutilados deve envolver uma equipe multidisciplinar na qual trabalham juntos profissionais da psicologia1,20,21, fonoaudiologia, cirurgia plástica, cirurgia de cabeça e pescoço, otorrinolaringologia, cirurgião-dentista, entre outros1,21, o que tem aumentado a qualidade do tratamento e da reabilitação dos portadores de câncer de cabeça e pescoço, promovendo a recuperação mais rápida dos pacientes21. Sendo assim, o conhecimento da patogênese dessas lesões é indispensável para o correto planejamento e sucesso na reabilitação protética desses pacientes1.
COMENTÁRIOS FINAIS
A presença do cirurgião-dentista é imprescindível nas equipes multidisciplinares envolvidas no tratamento de pacientes submetidos à remoção cirúrgica de neoplasias do complexo maxilofacial, em virtude dos defeitos cirúrgicos criados e da necessidade de reabilitar os pacientes, no intuito de restabelecer a estética e as funções comprometidas, promovendo a melhora da qualidade de vida e a reinserção desses pacientes na sociedade. Apesar de os enxertos e implantes osseointegrados representarem outra opção reabilitadora, a prótese bucomaxilofacial continua sendo muito utilizada por permitir a reabilitação imediata, sem necessidade de uma segunda cirurgia, deixando o local da ressecção facilmente visualizado para monitorar recidivas.
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Endereço para correspondência:
Gardênia Matos Paraguassú
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da Bahia
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