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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial
versão On-line ISSN 1808-5210
Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.12 no.4 Camaragibe Out./Dez. 2012
Mixoma odontogênico – tratamento cirúrgico radical
Odontogenic myxoma – radical surgical treatment
Fabiano Caetano BritesI
I Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial pela Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre - RS
RESUMO
O mixoma odontogênico é uma lesão, que mimetiza microscopicamente a polpa ou o folículo dentário. Embora seja uma neoplasia benigna, é agressiva e pode recidivar devido à ausência de cápsula e da consistência frouxa. O tratamento de escolha é radical, já que a curetagem pode resultar em remoção incompleta. Apesar do potencial de recidiva, o prognóstico é bom. Paciente gênero feminino, 27 anos, apresentou-se aos nossos cuidados, com tumefação indolor importante no corpo mandibular esquerdo, causando deslocamentos dentários de pré-molares e molares e expansão das corticais. A paciente vinha sendo tratada em outro serviço à base de antimicrobianos há um ano, sem sucesso. Nessa altura, já havia dificuldades de oclusão. Na avaliação radiográfica, constatou-se radiolucidez unilocular com limite inferior na basilar mandibular. O resultado histopatológico concordou com mixoma odontogênico. O tratamento radical incluiu a ressecção óssea desde a linha média até o ramo mandibular ipsilateral, preservando-se o côndilo e o processo coronoide. O reparo, por meio de placa de reconstrução de titânio, 2.4, unilock, deu-se no mesmo tempo cirúrgico. O exame histopatológico positivou novamente para mixoma odontogênico, com margens livres. Após quinze meses de controle clínico e radiográfico, não existem recidivas. Atualmente, aguardamos encaminhamento para a reconstrução por enxerto ósseo micro-vascularizado.
Descritores: Mixoma; Terapêutica; Cirurgia.
ABSTRACT
The odontogenic myxoma is a tumor that microscopically mimics the dental pulp or the follicular sac. Despite being a benign tumor, it is aggressive and may recur due to the absence of the capsule and its soft consistency. The optimum treatment is radical as curettage may result in incomplete removal. Despite the potential for recurrence, the prognosis is good. A 27-year-old female patient came to us for treatment with a large painless swelling in the left mandibular body, causing displacement of bicuspids and molars and cortical bone expansion. The patient had been treated for a year with antibiotics by another dentist but without success. By the time she came to us she had occlusion problems. In the X-ray evaluation, there was a unilocular radiolucent image, with the lower border at the base of the mandible. The result of histopathology was an odontogenic myxoma. Treatment included radical bone resection from the midline to the ipsilateral mandibular ramus, preserving the condyle and the coronoid process. The reconstruction was made using a 2.4 unilock titanium plate at the same time as the resection. Histopathology was again positive for an odontogenic myxoma with free margins. After fifteen months of clinical and radiographic follow-up, there have been no recurrences. We are currently waiting to refer her for a microvascularized bone graft reconstruction.
Keywords: Myxoma; Therapeutics; Surgery.
INTRODUÇÃO
Acredita-se que o mixoma odontogênico seja uma lesão ectomesenquimal1, já que microscopicamente mimetiza a polpa ou o folículo dentário2. Embora benigno, clinicamente é um tumor agressivo3 e raro, apesar de ser o segundo tumor mais comum dos maxilares em muitos países4.
Acomete adultos jovens com média de 30 anos2, sem predileção por sexo, podendo ser encontrado em quase todas as regiões dos maxilares, sendo a mandíbula um pouco mais afetada do que a maxila4, com uma prevalência de 66%, especialmente região posterior, com 28% dos casos1.
Radiograficamente a lesão é sempre radiolúcida2, podendo ser uni ou multilocular, sendo este último um padrão que pode confundir o diagnóstico com o ameloblastoma devido às pequenas loculações em padrão "favos de mel" honeycomb pattern3 ou bolhas de sabão. Pode aparecer como uma lesão bem delimitada ou difusa2.
Dor, disestesia, ulceração, invasão de tecidos moles e mobilidade dentária são algumas das características clínicas4, juntamente com a expansão de ambas corticais ósseas2.
Histologicamente, o mixoma é um tumor nãoencapsulado, de crescimento lento, consistindo de substância mixomatoide4 (tecido conjuntivo frouxo, relativamente acelular2. Embora a origem do mixoma seja atribuída ao mesênquima de um dente em desenvolvimento ou ao ligamento periodontal4, tipicamente há ausência de restos odontogênicos nesses tumores e, caso haja, não se apresentam como um requisito para o diagnóstico2. Células esféricas e fusiformes com arranjo estrelado dispostas em estroma mixoide1, contendo poucos fibroblastos benignos e miofibroblastos com quantidades variáveis de colágeno, são encontradas na matriz de mucopolissacarídeo2. Sua similaridade histológica com o retículo estrelado de dentes em desenvolvimento, sua ocorrência nas proximidades das irrupções dentárias, a ocasional associação com um dente perdido ou retido, a presença, em alguns casos, de epitélio odontogênico e o fato de raramente aparecer em outras partes do esqueleto reforçam a teoria de sua origem odontogênica4.
Um número de lesões deve ser incluído no diagnóstico diferencial do mixoma odontogênico, incluindo hemangioma intraósseo, cisto ósseo aneurismático, granuloma central de células gigantes e tumor metastático4, sendo muito difícil diferenciá-lo clínica e radiograficamente de um ameloblastoma2. Todas as lesões são unilaterais e raramente ultrapassam a linha média4. A biópsia é mandatória.
O tratamento de escolha é a cirurgia radical, incluindo margens de segurança de 1,5 a 2 cm, podendo a excisão conservadora ser considerada em raros casos de tumores menores4 – existem relatos de tratamento conservador com preservação do nervo alveolar inferior5. A ausência de cápsula e a invasão local ao osso adjacente são as principais razões para a alta taxa de recorrências6, apesar de a transformação maligna ser improvável4.
Embora a literatura consagre a técnica radical, se confirmado o diagnóstico, ainda existem cirurgiões que optam pela curetagem – mesmo sendo o mixoma comprovadamente um tumor com potencial de recidivas bastante alto. Essa é a razão pela qual apresentamos esse caso clínico: comprovar a eficácia de uma ressecção radical, com mais de um ano de acompanhamento, demonstrando a ausência de recidivas.
RELATO DE CASO
Paciente B.B.N, sexo feminino, à época com 27 anos, apresentou-se aos nossos cuidados, encaminhada com urgência por outro colega. A queixa principal era aumento de volume no corpo mandibular direito que a impedia de ocluir corretamente. O problema vinha sendo tratado há cerca de um ano, à base de antimicrobianos, sem sucesso.
Ao exame físico, apresentava tumefação importante no rebordo alveolar inferior direito, na região dos elementos dentários 43, 44, 45, 46, 47 e 48. A lesão era indolor, porém provocava deformidade hemifacial perceptível, com deslocamento e mobilidade dentária. A expansão de ambas as corticais ósseas era visível (Figura 1).
Solicitamos exame radiográfico (radiografia panorâmica) que demonstrou rarefação óssea de grande extensão, unilocular, com diâmetro aproximado de 5 cm, desde a distal radicular do 46 até a mesial radicular do 43 no sentido póstero-anterior e desde o rebordo até a basilar da mandíbula, no sentido crâneo-caudal, causando deslocamento dos elementos dentários envolvidos (Figura 2).
O diagnóstico clínico e radiográfico foi de tumor odontogênico, considerando-se como hipóteses ameloblastoma ou granuloma central de células gigantes.
Os exames pré-operatórios solicitados para a biópsia foram o hemograma completo, o exame qualitativo de urina e o eletrocardiograma que não mostraram alterações significativas, exceto por uma pequena variação na fosfatase alcalina (148 UI/L).
Enviaram-se para exame histopatológico dois fragmentos de tecido mole, de consistência friável e coloração branca, medindo em conjunto 25 x 10 x 5 mm. O aspecto microscópico mostrou tecido conjuntivo frouxo com presença de vasos e porção de epitélio de revestimento da mucosa bucal, fechando o diagnóstico em mixoma odontogênico.
Pelas razões já expostas, e em comum acordo com a paciente, optou-se por tratamento radical. Sob anestesia geral, conteve-se a oclusão por meio de arcos metálicos e fios de aço, a fim de se manter a mordida original. Procedeu-se à incisão externa de Risdon, com extensão anterior, pinçagem de vasos e dissecção romba por planos até o periósteo, em toda a extensão da lesão. Modelou-se placa de reconstrução de titânio, sistema unilock 2.4, bicortical, antes da ressecção propriamente dita, abrangendo da parassínfise mandibular contralateral ao ramo mandibular ipsilateral, respeitando-se o contorno mandibular. Com motor elétrico e brocas para peça de mão esférica 8 e cilíndrica 702, além do auxílio de cinzel e martelo, ressecou-se um bloco ósseo desde o elemento dentário 41 até o elemento 48 que foi sacrificado em função do seu posicionamento intraósseo e da possibilidade de complicações tardias. Preservou-se o côndilo mandibular e o processo coronoide, e porção generosa de tecido ósseo sadio foi incluída no desenho da ressecção a fim de se promoverem margens livres. A mucosa que recobria a lesão foi removida no mesmo tempo cirúrgico, tomando-se o cuidado de manter tecido suficiente para suturas por primeira intenção (Figura 3).
Seguindo-se princípios de traumatologia de face, os cotos remanescentes foram unidos, aplicando-se, no mínimo, 3 parafusos em cada lado, e tomando-se cuidados em manter a oclusão. A incisão foi fechada em suturas por planos, mantendo-se drenos, tipo penrose número 1, no pós-operatório imediato.
O aspecto da peça operatória mostrou medidas de 5,5 x 5,4 x 3 cm de tecido conjuntivo mixoide com áreas de maior colagenização. Ao corte, observou-se um tumor de aspecto expansivo e cinzento, fibroso, parecendo não comprometer as margens cirúrgicas. Em alguns pontos do material examinado, observaram-se pequenas ilhas de epitélio odontogênico, confirmando-se o diagnóstico prévio de mixoma odontogênico (Figura 4).
A paciente passou por revisões semanais no primeiro mês e mensais nos primeiros seis meses, apresentando ótima evolução, com pouca secreção e fechamento por primeira intenção tanto intra quanto extrabucal. Aos 40 dias pós-operatórios, removeu-se a contenção maxilo-mandibular sem intercorrências.
Atualmente, aos 15 meses pós-operatórios, a paciente ainda aguarda reconstrução por enxertia óssea micro-vascularizada (Figura 5).
DISCUSSÃO
É consenso, atualmente, que o tratamento do mixoma odontogênico deva obedecer a critérios radicais, considerando-se o potencial de recidiva da lesão. Pelo caso exposto, comprova-se que a ressecção total com margem de segurança é um procedimento que, embora com alta morbidade, garante a boa evolução do caso.
No caso em específico, por entraves burocráticos, a paciente ainda aguarda encaminhamento para enxertia óssea micro-vascularizada, o que pode levar, em longo prazo, à fadiga e perda da placa de reconstrução por esforços mastigatórios na região.
As vantagens da reconstrução imediata incluiriam a reconstrução protética precoce por implantes, com a consequente otimização da função e da estética, além da manutenção precoce dos cotos ósseos e da oclusão, reduzindo a possibilidade de retrações cicatriciais e assimetrias.
Por outro lado, ainda não existe consenso e tampouco muitos trabalhos que expliquem as consequências da enxertia no mesmo tempo cirúrgico e/ou em sítio anteriormente ocupado por tumor mixomatoso, que muitas vezes pode apresentar restos epiteliais, uma vez que não existe cápsula. Ainda como desvantagem da reconstrução em um tempo, estaria a necessidade de equipe de micro-cirurgia plástica no campo operatório, já que tumores de tamanho importante exigem enxertos ósseos microvascularizados, sob pena de perda do enxerto por necrose avascular, aumentando, dessa forma, os custos da cirurgia e o tempo de anestesia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O mixoma odontogênico é um tumor de crescimento lento e indolor – embora haja alguns relatos de crescimento rápido e raros casos de dor (4). Geralmente passa despercebido ao paciente, a menos que haja expansão das corticais ósseas ou apareça em uma radiografia de rotina. Embora de grande potencial recidivo, é comprovadamente bem manejado de maneira radical, inexistindo razões para a curetagem ou outros tratamentos conservadores em tumores de grandes dimensões.
São necessários estudos mais amplos para verificar a conveniência da reconstrução óssea no mesmo tempo da ressecção, o que poderia, se restasse sem contraindicações, melhorar bastante a qualidade de vida de pacientes mutilados.
REFERÊNCIAS
1. Neville BW, Damm DD, Allen CM, Bouquot JE. Oral and Maxillofacial Pathology. 3th ed. St. Louis (MO): Saunders; 2009. [ Links ]
2. Regezi JA, Ciubba JJ, Jordan RCK. Patologia Oral: Correlações clinicopatológicas [tradução Alexandre de Almeida Ribeiro]. 5 ed. Rio de Janeiro (RJ): Elsevier, 2008.
3. Regezi JA. Odontogenic cysts, odontogenic tumors, fibroosseous, and giant cell lesions of the jaws. Mod Pathol 2002; 15 (3): 331 – 341.
4. Simon ENM, Merkx MAW, Vuhahula E, Ngassapa D, Stoelinga PJW. Odontogenic myxoma: a clinicopathological study of 33 cases. Int J Oral Maxillofac Surg 2004; 33: 333-337.
5. Ribeiro da Silva CEXS, Pacca FOT, dos Santos MN, Rodriguez A, Cerri A. Preservation of inferior alveolar nerve during extensive segmental resection and its reconstruction with iliac bone for treatment of odontogenic myxoma [poster presentation]. Int J Oral Maxillofac Surg 2009; 38: 587-588.
6. Khogare S, Deshpande MD, Malik NA. Odontogenic myxoma: a case study [poster]. Int J Oral Maxillofac Surg 2007; 11: 1102-1103.
Endereço para correspondência:
Fabiano Caetano Brites
Rua Júlio de Castilhos, 2899 - Centro
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