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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.13 no.1 Camaragibe Jan./Mar. 2013

 

 

Escleroterapia de hemangioma: relato de caso

 

Sclerotherapy of hemangioma: a case report

 

 

Angélica Lopes Cordeiro MandúI; Camila Raianne Santos de LiraI; Lívia Mirelle BarbosaI; Vânia Cavalcanti Ribeiro da SilvaII; Antônio Jorge Orestes CardosoIII

I Acadêmica da graduação em Odontologia, Faculdade de Odontologia de Pernambuco, Universidade de Pernambuco, FOP/UPE
II Professora adjunta de Estomatologia Bucal, FOP/UPE
III Professor adjunto de Cirurgia Buco-Maxilo-Facial, Faculdade de Odontologia do Recife, FOR

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O hemangioma é um tumor benigno, que se caracteriza por proliferação anormal de vasos sanguíneos. acomete, na cavidade bucal, mais comumente, a região dos lábios, da língua e da mucosa jugal. Por sua importância clínica, por ser comum e estar presente nas áreas de atuação do cirurgião-dentista, o conhecimento dessa malformação ou neoplasia benigna é de grande importância. dentre as opções terapêuticas, a escleroterapia vem sendo utilizada com resultados satisfatórios clínicos e estéticos. O propósito deste trabalho é o de apresentar o caso de hemangioma labial em paciente do gênero masculino, tratado por meio de injeção de solução esclerosante de oleato de monoetanolamina com remissão total da lesão. Neste caso, foi possível promover a involução da lesão com segurança, mediante procedimento não cirúrgicos, favorecendo, no pós-operatório, o conforto e a estética do paciente.

Descritores: Hemangioma; Escleroterapia; Boca; Cavidade Bucal; Lábio.


ABSTRACT

Hemangioma is a benign tumor characterized by an abnormal proliferation of blood vessels. It affects the oral cavity, most commonly the lips, tongue and oral mucosa. In view of its clinical importance, being commonly encountered in the dental surgeon's areas of operation, knowledge of this benign neoplasm or malformation is of great importance. among the treatment options, sclerotherapy has been used with satisfactory clinical and aesthetic results. The purpose of this paper is to present a case of labial hemangioma in a male patient, treated by the injection of sclerosing solution of ethanolamine oleate with total remission of the lesion. In this case, it was possible to safely promote involution of the lesion safely through a nonsurgical procedure, favoring the patient's postoperative comfort and aesthetic appearance.

Keywords: Hemangioma; Sclerotherapy; Mouth; Lip.


 

 

INTRODUÇÃO

O hemangioma é considerado pela Organização Mundial de Saúde como uma neoplasia vascular benigna, caracterizado por uma fase de crescimento rápido, com proliferação de células endoteliais, seguida pela involução gradual1-3. a localização mais comum é a região da cabeça e do pescoço, ocorrendo em 60% dos casos. Na boca acomete, principalmente, os lábios, a língua, a mucosa jugal e o palato1,2.

A conduta terapêutica frente aos casos de hemangioma tem sido descrita na literatura de diversas formas: por meio de crioterapia, agentes esclerosantes, aplicação de corticoides, excisão cirúrgica, embolização, radioterapia, aplicação de laser ou de interferon alfa. Na ausência de transtornos, a proservação é a melhor conduta. Os hemangiomas normalmente não recidivam ou sofrem malignização, quando a terapêutica correta é instituída3,4,2.

Tendo em vista que a principal queixa dos pacientes portadores de hemangiomas é o distúrbio estético, o tratamento por meio da escleroterapia vem sendo utilizado com resultados clínicos e estéticos satisfatórios em lesões pequenas, sem necessidade de intervenção cirúrgica, sendo uma opção viável e de baixo custo para os casos de hemangioma da cavidade bucal3-5. A proposta deste artigo é relatar um caso de hemangioma labial em paciente do gênero masculino cujo tratamento foi realizado por meio da esclerose terapêutica com oleato de monoetanolamina, apresentando resultados estéticos satisfatórios após uma aplicação intralesional.

 

RELATO DE CASO

Paciente do gênero masculino, 73 anos de idade, faioderma apresentou-se ao Centro Odontológico do Hospital da Polícia Militar de Pernambuco queixando-se de lesão em boca.

Ao exame clínico extrabucal, percebeu-se assimetria labial do lado direito, causada por aumento de volume. No exame clínico intrabucal, foi observada lesão composta por massa tumoral de coloração arroxeada, base séssil, superfície lisa e resiliente à palpação, com aproximadamente 20 mm de diâmetro, localizada na mucosa labial inferior, com tempo de evolução aproximado de 18 meses (Figura 1 A).

Não foi reportada alteração sistêmica.

Sob vitropressão, foi observada isquemia produzida por essa manobra e, frente à presença de coleção sanguínea em seu interior, foi considerada a hipótese diagnóstica clínica de hemangioma.

Pela possível interferência estética, optou-se pela escleroterapia. O agente esclerosante escolhido foi o oleato de etanolamina, o qual atua primeiramente, por irritação da camada íntima endotelial da veia, produzindo uma resposta inflamatória estéril, que leva a uma fibrose da parede vascular.

A área foi anestesiada com a injeção de cloridrato de prilocaína a 3%, por meio do bloqueio do nervo mentoniano. Foram injetados 2 ml de oleato de monoetanolamina a 5% (Ethamolin®, Zest Farmacêutica Ltda., Rio de Janeiro, RJ) na porção mais profunda da lesão (Figura 1 B). Durante a aplicação, não foi observada qualquer sensação incômoda para o paciente. Na consulta pós-terapêutica (após 7 dias), não foi observada nenhuma úlcera traumática na região de mucosa labial, sendo a regressão da lesão e a diminuição da coloração arroxeada bem evidentes (Figura 2 A).

 

 

 

Decorridos 14 dias após a primeira aplicação do agente esclerosante, observou-se completa remissão do hemangioma, angariando-se o resultado estético satisfatório (Figura 2 B).

 

 

 

DISCUSSÃO

A etiologia dos hemangiomas está ligada a anomalias congênitas, traumas físicos, estímulos endócrinos e inflamatórios de etiologia desconhecida. O prognóstico da hemangioma, em geral, é excelente, uma vez que não tende a reaparecer ou sofrer transformação maligna, após o tratamento adequado6. Esses tumores não apresentam predileção por raça, e, segundo Prado et al.7, são mais prevalentes no sexo masculino, entre a 6ª e a 7ª década de vida, discordando dos estudos de Assis et al.2, Seo et al.4, Tavares et al.8 e Bharti e Singh6 quanto à predileção pelo sexo.

Apresentam-se como uma mancha ou nódulo arroxeado, cuja coloração varia de vermelho intenso ao roxo, de acordo com a localização, a profundidade no tecido e o grau de congestão deste. Em geral, essas lesões são relativamente flácidas à palpação, podendo ser difusa ou circunscrita, apresentando-se plana ou elevada, com superfície nodular ou lisa e assintomática na maioria das vezes. O seu tamanho é variável, dependendo da idade do paciente e da localização da lesão, pois a fase proliferativa do tumor frequentemente dura de 6 a 10 meses. Depois, ele cresce lentamente e tende a involuir para o tamanho inicial1,2,9,6.

Uma das complicações mais comuns nos casos de hemangiomas é a ulceração, a qual pode ocorrer com ou sem infecção secundária. Em relação à hemorragia, embora ela possa ser percebida, não é comum a perda significativa de sangue3.

A principal queixa dos pacientes portadores de hemangiomas é o distúrbio estético que, dependendo do tamanho e da localização, podem ocasionar assimetria facial ou interferir na função dos órgãos envolvidos4,8,10.

A definição clínica é fundamental no diagnóstico do hemangioma, já que a biópsia está contra devido ao risco de hemorragias. As manobras semiotécnicas utilizadas para o diagnóstico são absolutamente conclusivas na maioria dos casos. As malformações vasculares, importantes no diagnóstico diferencial dos hemangiomas, são anomalias estruturais dos vasos sanguíneos, sem proliferação endotelial, que estão presentes ao nascimento e persistem por toda a vida. O diagnóstico diferencial entre os hemangiomas e as malformações vasculares ou outros tumores vasculares da infância é estabelecido de forma simples e segura pela anamnese, exame clínico, e manobras semiotécnicas, como a vitropressão. Esta é um importante auxiliar no estabelecimento do diagnóstico diferencial, pois, quando o hemangioma é pressionado pela lâmina de vidro, adquire uma coloração pálida, diminuindo de tamanho devido ao esvaziamento vascular, embora outras lesões manteham sua coloração1,3,10. Alguns autores entretanto, questionam a vitropressão com valor elucidativo, principalmente diante de lesões mais profundas2,8.

O tratamento para hemangiomas é controverso e depende da experiência, disponibilidade de recursos, localização da lesão, tamanho da lesão, duração da lesão e idade do paciente. Verificamos, entre os autores consultados, várias opções terapêuticas, entre elas: a excisão cirúrgica convencional, eletrocauterização, laserterapia, embolização, crioterapia e escleroterapia química3. No presente trabalho, optou-se pela escleroterapia química com oleato de etanolamina, por ser um método seguro, com a possibilidade de regressão total ou parcial da lesão, pela facilidade da ressecção cirúrgica posterior e por excelentes resultados encontrados na literatura4,5,7.

O oleato de etanolamina é um derivado do ácido oleico, com propriedades hemostáticas comprovadas. O componente oleico provoca a coagulação local por meio da ativação do fator de hagemman, e a etanolamina inibe a formação do coágulo de fibrina pela quelação do cálcio. A ação conjunta dessas substâncias permite um equilíbrio hemostático, evitando a hemorragia após sua administração nas lesões vasculares. O Ethamolin® atua primariamente por irritação da camada íntima endotelial da veia e produz uma resposta inflamatória estéril dose-relacionada. Isso resulta em fibrose da parede do vaso e possível oclusão da veia7.

O estudo de Prado et al.7 relata 13 casos diagnosticados como hemangioma, sendo a escleroterapia, utilizando-se o Ethamolin®, a abordagem utilizada em todos os casos. Destes, 38% tiveram a regressão completa da lesão apenas com uma aplicação; 31% dos casos necessitaram de 3 aplicações; 23% de 2 aplicações, e apenas 8% dos casos necessitaram de 4 aplicações ou mais para a regressão completa. A quantidade e o intervalo das administrações do oleato de etanolamina, entretanto, devem ser proporcionais ao tamanho da lesão. É preconizado que a aplicação do agente esclerosante deva ser realizada em sessões intercaladas de, no mínimo, 7 dias, não ultrapassando 2 ml em cada injeção5. Em nosso caso, foi observada a regressão total da lesão em 14 dias decorridos da 1ª aplicação, sendo respeitadas a quantidade do Ethamolin® injetado e as sessões intercalares de, no mínimo, 7 dias.

A escleroterapia geralmente está associada à sintomatologia dolorosa (ardor) durante a aplicação do agente esclerosante e após o efeito anestésico, além da apresentação de uma úlcera traumática no local de aplicação2,10. Em nosso caso, não foi relatada nenhuma sintomatologia dolorosa, relacionada à injeção do agente esclerosante. Entretanto, há relatos de úlcera traumática5,7 no pós- operatório, o que também não foi observado no nosso paciente. Associamos esse excelente pós-operatório ao sucesso da técnica de aplicação do agente esclerosante, sendo preconizada a sua aplicação na porção mais profunda da lesão, pois a aplicação superficial poderá resultar em necrose tecidual e no lúmen do hemangioma, região mais arroxeada e profusa de capilares sanguíneos.

O tratamento do hemangioma deve ser embasado, de acordo com os 5 principais objetivos do tratamento de lesões vasculares da Academia Americana de Dermatologia, que são: prevenir complicações, prevenir deformação permanente, minimizar a aflição psicossocial, evitar procedimentos agressivos e tratar a lesão, a fim de minimizar cicatrizes, infecção ou dor10.

Consideramos que a escleroterapia, conforme a técnica utilizada no presente relato, mostrou-se bastante viável na prática clínica, por ser rápida, prática, pouco invasiva, eficiente e com resultado estético altamente favorável, não havendo fibroses ou cicatrizes deformantes.

 

REFERÊNCIAS

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3. Cruz FLG, Carvalho RF, Carvalho MF, Sales LAR, Devito KL. Diagnóstico diferencial de hemangioma por meio da vitropressão. Rev Gaúcha Odontol. 2011; 59(1): 125-9.         [ Links ]

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5. Ribas MO, Laranjeira J, Sousa MH. Hemangioma bucal: escleroterapia com oleato de etanolamina. Revisão da literatura e apresentação de caso. Rev Clín Pesq Odontol. 2004 out/dez; 1(2): 31-6.         [ Links ]

6. Bharti V, Singh J. Capillary hemangioma of palatal mucosa. J Indian Soc Periodontol. 2012; 16(3): 475-8.         [ Links ]

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8. Tavares GR, Cavalcanti MOA, Tavares SSS, Aragão MS. Hemangiomas Múltiplos na Boca. Rev Bras Ci Saúde. 2009; 13(1): 77-81.         [ Links ]

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Endereço para correspondência:
Angélica Lopes Cordeiro Mandú
Faculdade de Odontologia de Pernambuco/Universidade de Pernambuco
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