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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.13 no.2 Camaragibe Abr./Jun. 2013

 

 

Ocorrência de acidentes com instrumentais pérfuro-cortantes em clínica odontológica na cidade do Recife - Pernambuco — Estudo-piloto

 

Occurrence of piercing-cutting accidents at a dental center at Recife - PE – A pilot study

 

 

Richard Ribeiro Alonso de AndradeI; Renata de Albuquerque Cavalcanti AlmeidaII; Gerhilde Callou SampaioIII; José Ricardo Dias PereiraIV; Emanuel Savio de Souza AndradeV

I Especialista em Patologia Bucal, Mestrado em Perícias Forenses (FOP/UPE)
II Residência em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, Mestranda em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial (FOP/UPE)
III Professora adjunta da disciplina de Patologia Bucal da FOP/UPE
IV Professor adjunto da disciplina de Patologia Bucal da FOP/UPE
V Professor do mestrado em Perícias Forenses e da Disciplina de Patologia Bucal da FOP/UPE

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Objetivo: analisar a ocorrência de acidentes com instrumentais/materiais pérfuro-cortantes entre cirurgiões-dentistas e auxiliares de saúde bucal no ano de 2009 e ao longo de sua vida profissional. métodos: a população da pesquisa foi composta por 15 cirurgiões-dentistas e 15 auxiliares de saúde bucal do centro de saúde desembargador Ângelo Jordão de Vasconcelos Filho na cidade do Recife- PE. A coleta de dados deste estudo do tipo descritivo e retrospectivo foi realizada no mês de agosto de 2009, por meio da aplicação de questionário autoaplicável, abordando informações gerais dos cirurgiões-dentistas e auxiliares de saúde bucal em relação à ocorrência de acidentes. A análise estatística foi realizada de forma descritiva, por meio de distribuições absolutas e percentuais e estatística inferencial, por meio do qui-quadrado de Pearson ou do teste exato de Fischer. resultados: a maioria dos profissionais relatou ter sofrido acidente pérfuro-cortante ao longo de sua vida profissional (83,3%) e no ano de 2009 (40,0%); a sonda exploradora (54,2%) seguida da agulha (45,8%) foram os instrumentos mais envolvidos nesses acidentes. Quantoá existência de protocolo com as condutas a serem adotadas pós-acidente, a grande maioria demonstrou desconhecer a existência de um protocolo.

Descritores: Acidentes de trabalho; Exposição Ocupacional; Riscos Ocupacionais; Cirurgiões-Dentistas; Pessoal de saúde.


ABSTRACT

Objective: This study has the aim to a investigate the occurrence of piercing-cutting accidents involved dentists and auxiliary dental health, thoughout his professional life and in the year 2009. methods: the sample was composed of 15 dentists and 15 auxiliary dental health who work at Desembargador Ângelo Jordão de Vasconcelos Filho health center in Recife-PE. Data were collected through self-reported questionnaires about general information of occurrence of accidents on August 2009. The statistic analysis techiques were used through descriptive statistics and percent distributions, and inferencial statistics using chi-square test or Fisher exact test. results: The most of the professionals had suffered piercing-cutting accidents throughout life (83,3%) and at the year 2009 (40%); the explorer probe (54,2%) and the needle were the instruments most frequently involved in accidents. About the existence of a treatment protocol in case of accidents, the dentists demonstrated unknown one.

Descriptors: Accidents; Occupational Exposure; Risks; Dental Surgeons, Health Personnel.


 

 

INTRODUÇÃO

A despeito do avanço tecnológico nos últimos anos, o número de acidentes e doenças ocupacionais em equipes de atendimento odontológico tem aumentado consideravelmente, o que tem levado a inúmeros estudos dos fatores de riscos, tanto em decorrência das novas técnicas e manobras clínicas e cirúrgicas como também pelo uso de produtos químicos e instrumentos pérfuro-cortantes, visando à prevenção de acidentes e intensificação dos cuidados com a saúde desses profissionais.

O número de acidentes e doenças ocupacionais ocorridos com profissionais da saúde vêm aumentando devido a fatores, como excesso de carga horária de trabalho, estresse, uso incorreto da biossegurança, estado emocional dos pacientes e/ou profissionais durante o atendimento, acrescentando-se que as condições de trabalho dos cirurgiões-dentistas e auxiliares de consultório odontológico fazem com que eles estejam expostos a uma grande variedade de microorganismos presentes, especificamente, no sangue, na saliva e nas vias aéreas respiratórias dos pacientes.1

No atendimento odontológico, o uso de instrumentos rotatórios e ultras-sônicos favorece a ocorrência de respingos, e na rotina de trabalho com instrumentos pérfuro-cortantes, num campo restrito de visualização, eleva-se o risco de lesões percutâneas. A posição dentista/paciente e dos equipamentos no consultório odontológico pode contribuir para a ocorrência de acidentes.2

A exposição pode ser minimizada na medida em que forem sendo adotadas as boas práticas de trabalho e organização profissional na atividade de atendimento odontológico, como, por exemplo, o uso de equipamentos de proteção coletiva e individual, adequação das instalações físicas aos preceitos da biossegurança e capacitação continuada dos cirurgiões-dentistas e auxiliares de saúde bucal, evitando, assim, o comprometimento da qualidade de sua saúde e dos procedimentos clínicos e cirúrgicos realizados.

Os acidentes ocupacionais devem ser prevenidos e analisados tanto no ambiente profissional como entre os estudantes universitários por meio da divulgação de métodos que ressaltem a importância da biossegurança, o manuseio correto dos instrumentos e materiais biológicos, a imunização completa e como proceder em casos de acidentes.3

Diante dessa problemática, há de se buscarem todas as estratégias possíveis que possam contribuir para a prevenção dos acidentes ocupacionais e a promoção de saúde. Estratégias essas devem envolver e fortalecer as comissões internas de prevenção de acidentes (CIPA) como também as demais estruturas organizacionais que se encarregam de educação sanitária e vigilância de saúde nas Comissões de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH), nos Departamentos de Educação Continuada e uma efetiva participação das Associações de Classe, Conselho Federal e Regional de Odontologia.

Este trabalho teve como objetivo geral verificar a ocorrência de acidentes ocupacionais em cirurgiões-dentistas e auxiliares de saúde bucal de um Centro de Saúde na cidade do Recife-PE tanto no ano de 2009 como ao longo de sua vida profissional e como objetivos específicos: determinar a frequência desses acidentes; identificar a conduta adotada pelo cirurgião-dentista e pelo auxiliar de saúde bucal após acidente com instrumento pérfuro-cortante e verificar o conhecimento da existência de protocolo escrito com condutas a serem adotadas pós-acidentes pérfuro-cortantes no seu local de trabalho, por parte dos profissionais pesquisados.

 

REVISTA DA LITERATURA

Diferentemente dos demais profissionais da área da saúde, as atividades realizadas pelos dentistas estão concentradas especificamente na boca, local que proporciona uma pequena área de trabalho. Além disso, os espaços periodontais são estreitos, e os dentes possuem várias reentrâncias e saliências, dificultando os procedimentos ali executados. É sabido também que a boca é extremamente sensível, sendo o uso de anestesia local grandemente utilizada. Essas características exigiram que o odontólogo utilizasse instrumentos longos, pontiagudos e cortantes, além de um contato frequente com agulhas de anestesia. A combinação desses fatores faz com que o dentista manipule constantemente materiais pontiagudos em uma pequena área, o que pode justificar o alto índice de acidentes com instrumentais pérfuro-cortantes.4

Entre profissionais de saúde, a maioria dos acidentes com contaminação por material biológico ocorre por meio de instrumentos de trabalho pérfuro-cortantes, especialmente entre aqueles que prestam assistência direta aos pacientes e executam procedimentos invasivos, pois empregam predominantemente esse tipo de instrumento na prática diária.5

Os acidentes de trabalho são bastante frequentes em odontologia, já que existe uma manipulação constante de objetos pontiagudos e motores de alta rotação. Os instrumentos podem causar ferimentos e abrasões nas mãos dos dentistas, e, ainda, fragmentos dentários ou líquidos podem ser projetados com consequente risco de lesão cutânea ou ocular. A equipe odontológica está, então, sob constante risco de se contaminar por esses agentes infecciosos.3

Pouca atenção é dispensada aos acidentes com instrumentais prfuro-cortantes, existindo uma significativa subnotificação. Deve existir a preocupação em preveni-los, em função das graves consequências que acometem os trabalhadores expostos a esses acidentes.6

O interesse pela questão do acidente de trabalho com instrumentos pérfuro-cortantes tornou-se mais evidente quando a AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) se expandiu, tornando-se uma pandemia. Alguns profissionais de saúde foram contaminados por esse vírus, o HIV, no trabalho. Esses casos foram confirmados e descritos pelo Centers for Disease Control- CDC Atlanta, somando 52 casos de soro conversão após exposição ocupacional.6

As consequências de uma exposição ocupacional a patógenos veiculados pelo sangue vão além do comprometimento físico a curto ou a longo prazo e podem afetar outros aspectos da saúde profissional, tais como: controle emocional, social e, até, financeiro. O acidente envolvendo material biológico potencialmente contaminado pode trazer repercussões psicossomais ao profissional acidentado, provocando a mudanças nas relações sociais, familiares e de trabalho.7

O risco médio de adquirir o HIV, adotado pelo Ministério da Saúde do nosso País, para todos os tipos de exposição percutânea é de 0,3% e pode aumentar devido à carga viral, se o ferimento for profundo, se houver sangue visível no instrumento causador do ferimento, se o instrumento for previamente colocado em veia profunda ou artéria de paciente e se o paciente-fonte tiver falecido no período de 60 dias após o acidente.8

O risco de transmissão ocupacional da hepatite B após acidente percutâneo é de 30%. Outros autores ainda afirmam que vários estudos sobre a hepatite B têm demonstrado que a prevalência desse vírus é maior entre profissionais de saúde, quando comparado à população geral, referindo que 19% dos casos podem evoluir para uma forma fulminante da hepatite ou para uma forma crônica, como o carcinoma de fígado e cirrose hepática.9

O profissional que apresentar lesão cortante tem uma probabilidade de 40% em adquirir o vírus da hepatite B,10% de chance de adquirir hepatite C e menos de 1% de chance de adquirir o vírus HIV por meio de acidentes com instrumentos pérfuro-cortantes.10

É fundamental que todos os profissionais da equipe odontológica conheçam as doenças que podem ser transmitidas durante a execução do seu trabalho bem como as vias de transmissão a fim de que possam proteger-se adequadamente, compreendendo e estando mais propensos à adoção de medidas de biossegurança.11

Um procedimento que não deve ser negligenciado no consultório é a anamnese. Por meio dela o profissional obtém informação com relação ao paciente e, com isso, pode-se prevenir contra eventuais acidentes ocorridos durante o atendimento a esses pacientes que se apresentem contaminados.12

Embora a Norma Regulamentadora sobre Segurança e Saúde no Trabalho em Estabelecimento de Saúde (NR-32) estabeleça a obrigatoriedade de comunicação dos acidentes de trabalho, os profissionais frequentemente não o fazem, pois, muitas vezes, o acidente não gera nenhuma das situações previstas na definição de acidente de trabalho e pode não ter a transmissão caracterizada de imediato ou em curto prazo. A comunicação, apenas quando a doença se desenvolve, demonstra, claramente, uma negligência no componente preventivo.13

Ao realizar um estudo retrospectivo, com registro diário por trinta dias consecutivos para verificar a ocorrência de lesões percutâneas em 65 clínicas odontológicas, nos Estados Unidos, os autores encontraram um índice anual de 3,00 para cirurgiões-dentistas e 5,16 para auxiliares de saúde bucal. Atribui-se a isso o fato de os auxiliares realizarem procedimentos de desmonte, limpeza ou descarte dos instrumentos, podendo sofrer lesões após o término do procedimento operatório.14

Os autores concluíram que um percentual ainda elevado de acadêmicos de odontologia foi submetido à experiência de acidentes pérfuro-cortantes, com potencial de contaminação biológica, fazendo-se necessário potencializar medidas profiláticas no intuito de minimizar tais circunstâncias deletérias à saúde daqueles envolvidos na assistência odontológica.15

É importante ressaltar que os acidentes de trabalho, decorrentes da exposição a materiais biológicos, tão corriqueiros no dia a dia das unidades hospitalares, constituem-se preocupação de todos os profissionais expostos aos fatores de riscos decorrentes do contato direto ou indireto com sangue e outros fluidos corporais, especialmente no que se refere à AIDS e às Hepatite B ou C.9

Em uma pesquisa sobre as dimensões psicossomais do acidente com material biológico Brandão Jr (2000), verificou-se que, dentre as muitas causas atribuídas aos acidentes, estão: descuido, sobrecarga de trabalho, cansaço físico, estresse, correria nos plantões, múltiplos empregos, falta de esclarecimento sobre biossegurança, precarização do trabalho (equipamentos e recursos humanos) e inadequação ou insuficiência de equipamentos de proteção individual e de proteção coletiva.16

Ao analisarem 39 artigos internacionais e 16 nacionais, publicados em periódicos indexados nas bases de dados Lilacs e Medline, os autores identificaram que o principal fator associado à ocorrência do acidente percutâneo é o reencape de agulhas, o qual infringe as precauções-padrão, antigamente denominadas universais, e que os auxiliares e técnicos de enfermagem são os que mais comumente realizam esse procedimento inadequadamente.7

A limpeza dos instrumentais odontológicos, quando realizada manualmente, é uma atividade de alto risco de acidente, por isso é recomendável a adoção de equipamentos, hoje disponíveis no mercado, que realizam esses procedimentos com eficácia comprovada, evitando assim um risco desnecessário de acidentes e de transmissão de agentes infecciosos no manuseio.4

No Brasil, a escassez de dados sistematizados sobre acidentes ocupacionais envolvendo material biológico e, mais especificamente, material pérfuro-cortante, não nos permite conhecer a magnitude desse problema, dificultando, assim, a implementação e a avaliação das medidas preventivas.17 Em seu estudo sobre acidentes com material pérfuro-cortante entre profissionais de saúde, salientam a importância da realização das ações educativas, intensificando os programas de educação permanente e treinamento dos profissionais de saúde; a existência de uma quantidade de profissionais suficiente para que suas atividades sejam realizadas com segurança e qualidade; a viabilização de dispositivos seguros, como os sistemas sem agulhas, agulhas retráteis e os sistemas protetores de agulhas; a disponibilização de recipientes de descarte de pérfuro-cortantes em locais de fácil acesso aos profissionais; e a viabilização das ações do SESMT (Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho) na prevenção dos acidentes biológicos e no acompanhamento dos profissionais acometidos.18

Os acidentes de trabalho, fontes de importante contaminação, precisam ser prevenidos e as falhas humanas, minimizadas por meio através do treinamento da equipe; demonstração do funcionamento de aparelhos e equipamentos novos; seleção e reciclagem adequada dos funcionários para as diversas funções; informações completas sobre como executar determinadas tarefas; realizações de reuniões periódicas com os funcionários; checagem da compreensão da informação transmitida; acompanhamento de funcionários novos; supervisão dos funcionários; e fixação de cartazes com orientações necessárias, entre outros19

A menor prevalência de acidentes entre os dentistas que realizam pausa entre pacientes indica a importância de um ritmo adequado de trabalho para a segurança dos procedimentos técnicos e para a proteção do profissional e do paciente. A menor ocorrência de acidentes entre os que trabalham apenas em consultórios particulares também sugere uma melhor condição de trabalho desses dentistas.10

Quando as exposições ocupacionais não puderem ser evitadas, são as condutas pós-exposição que podem evitar infecções. Essas condutas incluem os cuidados imediatos, o tratamento e o acompanhamento pós-exposição. Em seu estudo sobre as condutas pós-exposição ocupacional a material biológico na odontologia, constatou-se que, dentre os dentistas que haviam sofrido lesão percutânea no ano anterior, a maioria (76,9%) havia realizado o esquema vacinal completo de hepatite. Dentre as auxiliares, a situação foi inversa: apenas 30,6% dos que haviam sofrido lesão percutânea no ano anterior tinham completado o esquema vacinal contra a hepatite B, e considerando injustificável a baixa adoção de procedimentos pós-exposição.20

Os cuidados imediatos após as lesões percutâneas se resumem à lavagem exaustiva do local exposto com água e sabão. Nas exposições que atingem as mucosas, deve ser realizada lavagem exaustiva com água ou solução salina fisiológica. É importante que os profissionais que sofreram exposições ocupacionais sejam adequadamente atendidos e orientados por um profissional que esteja atento aos aspectos psicossomais relacionados ao acidente de trabalho, como a síndrome da desordem pós-traumática com reações de medo, angústia, ansiedade e depressão.2

A avaliação da exposição realizada por um profissional médico especializado é fundamental para determinar a severidade da lesão e indicar ou não a profilaxia pós-exposição. Para exposições com risco mínino, a profilaxia não é justificada,devido aos efeitos colaterais da medicação. Porém, quando indicada, a quimioprofilaxia anti-HIV é capaz de reduzir o risco de aquisição do HIV em até 81% após a lesão percutânea, mas, para isso, esta deve ser administrada o mais breve possível, preferencialmente nas duas primeiras horas após a exposição.9

O Ministério da Saúde traz como orientação a ser seguida, nas instituições de saúde de todo país, que acidentes de trabalho com sangue e outros fluidos potencialmente contaminados sejam tratados como casos de emergências médicas. Também preconiza, como medida imediata após acidente envolvendo exposição a material biológico potencialmente contaminado, a lavagem exaustiva do local exposto. Paciente e profissionais devem ser submetidos a testes sorológicos para investigar possível infecção prévia por HIV ou HBV, e, caso indicada (paciente-fonte com sorologia positiva ou desconhecida para tais vírus), a quimioprofilaxia deve ser iniciada dentro das primeiras 24 a 48 horas após a exposição.8

Em seu estudo, os autores constataram que poucos profissionais relataram a existência de protocolo escrito com as condutas após uma exposição ocupacional em seu local de trabalho, havendo necessidade de maior esclarecimento e conscientização dos dentistas, principalmente dos auxiliares.Devem ser direcionados esforços para que, em todos os locais onde sejam realizados atendimentos odontológicos, sejam criados protocolos pós-exposição escritos que incluam: Descrição de tipo de exposição que representam risco de infecção; Descrição dos procedimentos para notificação imediata e avaliação das exposições; Identificação de um profissional qualificado para realizar todos os procedimentos recomendados para o caso (avaliação médica, prescrição de exames, quimioprofilaxia quando indicada e aconselhamento), de acordo com as recomendações mais atualizadas.20

Nenhuma medida pós-exposição é totalmente eficaz e não existe quimioprofilaxia para reduzir o risco de transmissão do HCV após exposição ocupacional. Assim, são fundamentais ações educativas permanentes e medidas de proteção individual e coletiva, visando à prevenção das exposições ocupacionais a material biológico. A prevenção é a principal e mais eficaz medida para evitar a transmissão ocupacional de doenças na prática odontológica.2,20

 

METODOLOGIA

A população da pesquisa foi composta por 15 cirurgiões-dentistas e 15 auxiliares de saúde bucal do centro de saúde desembargador Ângelo Jordão de Vasconcelos Filho na cidade do Recife-PE, perfazendo um total de 30 profissionais.

A coleta de dados deste estudo do tipo descritivo, de caráter retrospectivo foi realizada no mês de agosto de 2009, por meio da aplicação de questionário auto aplicável, abordando informações gerais dos cirurgiões-dentistas e auxiliares de saúde bucal; a ocorrência de acidentes pérfuro-cortantes durante toda sua vida profissional; identificação do instrumento utilizado durante o acidente; condutas adotadas pós-acidentes pérfuro-cortantes; verificação do uso de equipamentos de proteção individual (EPI) e verificar o conhecimento e a existência de protocolo escrito e de fácil acesso, com as condutas a serem seguidas após a exposição com instrumentos pérfuro-cortantes no seu local de trabalho.

O programa utilizado para a digitação dos dados e obtenção dos cálculos estatísticos foi o SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) na versão 15. A análise dos dados utilizou técnicas de estatística descritiva por meio de distribuições absolutas e percentuais e técnicas de estatística inferencial por meio do Qui-quadrado de Pearson ou o teste Exato de Fisher quando as condições para utilização do teste Qui-quadrado não foram verificadas. A margem de erro utilizada na decisão dos testes estatísticos foi de 5,0%.

 

RESULTADOS

Dos 30 pesquisados, 7 (23,3%) tinham idade até 39 anos, 12 (40,0%) de 40 a 59 anos, e 11 (36,7%) tinham 60 anos ou mais e 25 desses eram do sexo feminino. Quanto ao tempo de experiência profissional, 43,3% tinham mais de 25 anos de profissão, 30% tinham de 11 a 25 anos, e 26,7% tinham até 10 anos (26,7%).

Em relação ao grupo total, a maioria (83,3%) já tinha sofrido algum acidente com instrumento pérfuro-cortante na vida profissional, ao passo que, no ano de 2009, foram registrados tais acidentes em 40% dos entrevistados, enquanto 20,0% não lembravam (Tabela 1).

 

 

 

Dentre os principais instrumentais causadores de acidentes ocupacionais, destaca-se a sonda exploradora, responsável por 54,2% dos acidentes, agulha (45,8%), broca (29,2%) e lima endodôntica (20,8%).

Questionados se no local que trabalhavam existia um "Protocolo escrito" com fácil acesso a respeito das condutas pós-acidentes com material pérfuro-cortante, a maioria respondeu negativamente, com exceção de três Auxiliares que responderam afirmativamente e dois Cirurgiões-Dentistas (CD) e um Auxiliar que não lembravam.

Na análise, entre as profissões, foi possível observar que a maioria em cada grupo afirmou que já tinha tido algum acidente com material pérfuro-cortante na vida profissional (80,0% entre os CD e 86,7% entre os Auxiliares); em relação a acidentes com material pérfuro-cortante em 2009, o percentual que respondeu afirmativamente a questão foi mais elevado entre os Auxiliares que entre os CDs (53,3% x 26,7%). Entretanto, para a margem de erro fixada (5,0%), não se comprovou diferença significativa entre os grupos (p > 0,05) em nenhuma das duas variáveis analisadas.

Entre os que já tinham sofrido algum acidente com material pérfuro-cortante na vida profissional, foi avaliada a relação dos materiais causadores do acidente e as condutas adotadas após a sua ocorrência, em cada profissão. As maiores diferenças percentuais foram registradas nos itens: "Sonda exploradora", quando 76,9% dos auxiliares apresentaram acidente com esse instrumento contra 27,3% dos dentistas, mostrando diferença estatisticamente comprovada; e "Alavanca" que constituiu 27,3% dos acidentes entre os CDs sendo nulo entre os Auxiliares. (Tabela 2)

Em relação às condutas adotadas após a ocorrência de acidente pérfuro-cortante no grupo total (Tabela 3), as mais citadas foram: "Lavar em água corrente e sabão" (64,0%), "Lavar com solução antisséptica" (40,0%).

Comparando os procedimentos adotados pelos Cirurgiões-Dentistas e Auxiliares logo após o acidente com material pérfuro-cortante, as duas maiores diferenças percentuais foram registradas nos procedimentos de lavagem do ferimento com solução antisséptica, que foi mais elevado entre os CDs (50,0% x 30,8%) e realização de curativo no local que foi 16,7% no grupo dos CDs e nulo entre os Auxiliares, não se comprovando diferença significativa entre as profissões para nenhuma dos procedimentos relacionados na tabela (p > 0,05). (Tabela 4)

Quanto à utilização dos EPI´s, as duas profissões demonstraram utilizá-los em sua maioria, não apresentando diferença estatística entre as profissões.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A Tabela 5 apresenta o estudo da associação entre as variáveis faixa etária, sexo e tempo de profissão com a ocorrência de acidente com instrumento pérfuro-cortante. É possível verificar que o percentual de profissionais que se acidentaram aumentou com a faixa etária, sendo 71,4% entre os que tinham até 39 anos e 90,9% entre os que tinham 60 anos ou mais; os profissionais do sexo masculino se acidentaram mais que o feminino (100,0% x 80,0%); quanto ao tempo de experiência profissional, o percentual foi mais elevado entre os que tinham mais de 25 anos de profissão (92,3%) contra 75,0%, com até 10 anos de profissão e 77,8%, com 11 a 25 anos de profissão, entretanto sem comprovação de associação (p > 0,05).

 

DISCUSSÃO

No presente estudo, foram pesquisados por meio de aplicação de questionário, 30 profissionais, sendo 15 cirurgiões dentistas (CD's) e 15 Auxiliares de Saúde Bucal (ASB's) do centro de saúde desembargador Ângelo Jordão de Vasconcelos na cidade do Recife-PE.

Estudo sobre prevalência de exposições ocupacionais de cirurgiões-dentistas e auxiliares de consultório dentário observou que a média de tempo de profissão para os CDs que se envolveram em acidentes foi de 16 anos, diferente do encontrado nesse estudo, provavelmente devido à peculiaridade dessa amostra não ter sido selecionada por concurso público e, sim, requisitada pela sua experiência e capacidade profissional, adquirida por meio dos anos de atuação na clínica odontológica.20

Em nosso estudo, a prevalência de acidentes com materiais pérfuro-cortantes ao longo da vida profissional foi ligeiramente maior entre as auxiliares de saúde bucal (86,7%) em relação aos cirurgiões-dentistas (80%). A prevalência desses acidentes foi de 83,3% para o total de profissionais pesquisados, sendo verificada a ocorrência de menos da metade de acidentes no ano anterior à pesquisa (em 2009), com um percentual de 40% de acidentes 20% dos pesquisados relataram não se lembrarem de ter sofrido algum acidente nesse ano. Esse resultado foi considerado bastante preocupante, pois se trata de uma amostra em que predominam profissionais com mais de 25 anos de profissão, com considerável experiência profissional expostos, de forma significante, à possibilidade de contaminação e a doenças que oferecem risco à vida, como as diversas formas de hepatite e a síndrome da imunodeficiência adiquirida (HIV), entre outras patologias.

Martins10 verificou, em seu estudo, que os Cirurgiões-Dentistas apresentaram prevalência de acidentes com instrumentos pérfuro-cortantes de 20%, em um intervalo de seis meses e de 75% durante a vida profissional. Nesse estudo, foi verificado que houve correlação entre o aumento de número de anos de formado e a probabilidade de ocorrência de acidentes com esses instrumentos.

A prevalência de acidentes com instrumentos pérfuro-cortantes ao longo da vida profissional, em nosso estudo, foi ligeiramente maior entre as auxiliares de saúde bucal (86,7%) quando comparado aos cirurgiões-dentistas (80%), embora essa diferença tenha sido bastante acentuada quando verificados os acidentes ocorridos no ano anterior (2009), em que foi observado um percentual de 53,3% para as auxiliares e de apenas 26,7% para os cirurgiões-dentistas. Esse achado está de acordo com os trabalhos de Kerr e Blank14, que encontraram um índice anual de lesões de 3,00 para cirurgiões-dentistas e 5,16 para as Auxiliares de Saúde Bucal.

Garcia e Blank20 mostraram que as exposições ocupacionais ao longo da vida profissional foram maiores entre os cirurgiões-dentistas (94,5%) contra 80,8% de ocorrência registrada entre as auxiliares de saúde bucal. Entretanto, considerando-se as exposições ocorridas com lesões percutâneas, estas foram mais frequentes nos Auxiliares (95,2%) que nos Dentistas (60,7%). Os autores afirmam que era esperada maior prevalência de exposição ocupacional entre cirurgiões-dentistas que entre auxiliares de saúde bucal, uma vez que essas exposições são fortemente afetadas pelo tempo de trabalho dos profissionais, e a maioria dos cirurgiões-dentistas tinha uma média de 16 anos de graduação, superior ao tempo de trabalho médio das Auxiliares de consultório dentário (6,8 anos).

Cabe assinalar que as auxiliares de saúde bucal são profissionais treinados para auxiliar o cirurgião- dentista durante os procedimentos odontológicos bem como efetuar o descarte, desmonte, limpeza, acondicionamento e esterilização dos instrumentos/materiais pèrfuro-cortantes utilizados na clínica odontológica, podendo sofrer acidentes durante e após o término do procedimento odontológico.

Dentre as situações favoráveis à ocorrência de acidentes ocupacionais dos profissionais de saúde, destacam-se: realização de procedimentos, descarte de material em local impróprio, descarte de material pérfuro-cortante, auxílio a procedimentos, reencape de agulhas, entre outros. Sabe-se que o risco maior dos acidentes com materiais pérfuro-cortantes não se deve necessariamente às lesões resultantes, mas sim aos agentes biológicos veiculados pelo sangue e secreções corporais, principalmente o HIV, HBV e HCV que poderão estar presentes nos objetos causadores.17

Na literatura científica, há poucos estudos sobre acidentes com materiais pérfuro-cortantes entre auxiliares de saúde bucal e sobre a aderência às medidas de proteção individual.20

Em nossa pesquisa, os acidentes pérfuro-cortantes com sonda exploradora foram relatados com maior frequência entre as auxiliares de saúde bucal (76,9%), apresentando diferença estatística em relação aos cirurgiões-dentistas (27,3%). Acredita-se que o formato da sonda exploradora, com pontas ativas nas duas extremidades do instrumento, facilite a ocorrência do acidente pérfuro-cortante, juntamente com a desatenção, pressa e negligência no uso dos equipamentos de proteção individual, no momento da desinfecção, limpeza e lavagem desse instrumental.

No presente estudo, em relação às condutas adotadas pelos profissionais pesquisados após a ocorrência de acidentes pérfuro-cortantes, as principais condutas foram lavar o ferimento com água e sabão (58,3% dos dentistas e 69,2% dos auxiliares de saúde bucal) e lavar o ferimento com solução antisséptica (50% dos dentistas e 30,8% dos auxiliares). As duas maiores diferenças percentuais foram registradas nos procedimentos de lavar o ferimento com solução antisséptica, que foi mais elevado entre os cds e fazer curativo no local, que foi observado em 16,7% no grupo dos cd´s e nulo entre as auxiliares, não se comprovando, entretanto, diferença significativa entre as profissões para nenhum dos procedimentos relacionados na tabela (p > 0,05).

Apenas um cirurgião-dentista e um auxiliar de saúde bucal (8,0% dos acidentes), nesta pesquisa, relataram ter procurado o serviço médico especializado para submeter-se às medidas de prevenção pós-exposição, revelando a falta de conhecimento por parte desses profissionais a respeito das medidas corretas e mais seguras a serem adotadas após a ocorrência de acidentes com materiais pérfuro-cortantes. Garcia e Blank20 relatam que o profissional pode sentir-se acanhado em submeter o paciente às medidas pós-acidente e ao relato da ocorrência de um acidente em questão. A conscientização de todos os profissionais de saúde é um passo extremamente importante nesse sentido, pois com a atividade clínica, ao longo dos anos, há uma maior probabilidade de ocorrência de acidente.

O contato com sangue pode ser responsável pela transmissão do HIV e do vírus da Hepatite. Apesar do risco baixo de transmissão, devem ser avaliadas todas as exposições ocupacionais a sangue ou a outro material potencialmente infectante, incluindo saliva, independentemente da presença de sangue visível.10

Os resultados em relação ao uso do "gorro" e "Fsapato fechado" revelaram diferenças percentuais maiores entre as profissões, entretanto não se comprova diferença significativa para nenhum dos itens de proteção. Um dado preocupante refere-se ao fato de que 1/3 dos cirurgiões dentistas responderam que nunca/pouca vezes utilizavam o gorro em suas atividades profissionais. Embora o gorro não previna diretamente os acidentes, é essencial para impedir a deposição de gotículas e partículas no cabelo e evitar a contaminação cruzada.20

Sem dúvida, os equipamentos de proteção, especialmente, os equipamentos de proteção individual (EPI), são fundamentais para o trabalho dos profissionais de saúde, garantido-lhes, padrões mínimos de segurança dentro dos estabelecimentos de saúde, visando à prevenção dos acidentes ocupacionais envolvendo material biológico. Entretanto, pesquisas têm demonstrado que muitos profissionais de diferentes categorias demonstram grande resistência em adotar adequadamente as medidas recomendadas, e dentre elas estão os EPI, que são utilizados de maneira inapropriada.1

Neste estudo, apesar de não se evidenciar associação significativa entre as variáveis faixa etária, sexo e tempo de profissão, foi verificado que a ocorrência de acidentes pérfuro-cortantes aumentou com a faixa etária: 71,4% dos que apresentaram acidente tinham até 39 anos e 90,9%, tinham 60 anos ou mais. Esses acidentes ocorreram mais no sexo masculino que no sexo feminino (100,0% x 80,0%), corroborando o estudo de Garcia e Blank20 e discordando do trabalho de Martins10; Ribeiro, Hayashida, Moriya4; Caixeita e Branco13; Oreste-Cardoso et al15 . Em relação ao tempo de profissão, houve um percentual maior entre os que tinham mais de 25 anos de formado (92,3%), concordando com o estudo de Garcia e Blank20, que verificou a existência de uma correlação direta entre o aumento do número de anos de formado e a probabilidade de ocorrência de acidentes com instrumentos pérfuro-cortantes.

Quanto à existência de protocolo a respeito das condutas pós-acidentes com materiais pérfuro-cortantes no local de trabalho, é muito preocupante a constatação de que 73,3% dos profissionais pesquisados afirmaram a não existência de um, e 20,0% não sabiam ou não se lembravam, concordando com o trabalho de Garcia e Blank20,que verificaram a existência de protocolo indicando condutas pós-exposição ocupacional por apenas 5,3% dos dentistas e 14,6% dos auxiliares de consultório dentário.

Foi verificado que aproximadamente metade dos dentistas pesquisados (52,4%) relatou desconhecer a existência de protocolos pós-exposição ocupacional. Estes devem ser disponibilizados em manuais pelo Ministério da Saúde do Brasil e devem ser divulgados entre os profissionais e adotados em estabelecimentos de saúde, incluindo consultórios e clínicas odontológicas, reduzindo, assim, as chances de infecção.10

Em sua pesquisa com alunos de odontologia, Orestes-Cardoso et al.15 verificaram a agravante relação entre a ocorrência de acidentes pérfuro-cortantes e o não conhecimento de protocolos a serem seguidos nas instituições de ensino.

Normas de biossegurança são procedimentos que funcionam como um conjunto, no qual a realização incorreta de algum deles compromete a biossegurança como um todo. Dessa maneira, o desconhecimento dos procedimentos de proteção profissional bem como dos cuidados gerais e locais tomados quando da exposição a material biológico, traz um risco à saúde do profissional.

Mais estudos sobre esse tema são necessários para oferecerem uma melhor visão a respeito da prevenção dos acidentes com instrumentais/materiais pérfuro-cortantes a fim de melhorarem o desempenho da equipe odontológica durante os procedimentos operatórios e aumentarem a tranquilidade e a confiança dos profissionais em relação às condutas que deverão ser seguidas após a ocorrência de um acidente.

 

CONCLUSÕES

• A significativa frequência de acidentes com materiais pérfuro-cortantes envolvendo cirurgiões dentistas e auxiliares de saúde bucal revela ser extremamente importante a divulgação e orientação a respeito das condutas a serem adotadas após esses acidentes;

• Medidas preventivas devem ser aplicadas para a redução dos acidentes com instrumentais pérfuro-cortantes por meio de palestras, seminários e treinamentos com os profissionais de saúde, para aumentar a conscientização e o nível de esclarecimento a respeito desses, além de instruções sobre a melhor forma de agir frente a essas situações;

• A maioria dos profissionais desconhece a existência de protocolo pós-exposição ocupacional, devendo-se direcionar esforços para que em todos os locais onde são realizados atendimentos odontológicos, sejam criados e/ou intensamente divulgados os protocolos pós-acidente com materiais pérfuro-cortantes.

 

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