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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial
versão On-line ISSN 1808-5210
Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.14 no.2 Camaragibe Abr./Jun. 2014
Perfil Epidemiológico dos Pacientes com Câncer Bucal em um CEO
Epidemiologic Profile of the Patients with Oral Cancer in a CEO
Maurício Roth VolkweisI; Matheus Coelho BloisII; Roberto ZaninIII; Rodrigo ZamboniIII
I Especialista, Mestre e Doutor, Grupo Hospitalar Conceição, Centro de Especialidades Odontológicas, Porto Alegre, RS, Brasil.
II Especialista em CTBMF pela Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.
III Residente em CTBMF da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.
RESUMO
Foi realizado um estudo retrospectivo com o objetivo de verificar o perfil epidemiológico dos pacientes com câncer bucal, diagnosticados por biópsia e exame histopatológico, registrados nos arquivos de um Centro de Especialidades Odontológicas (CEO), no período de outubro de 2006 a fevereiro de 2013. Observou-se a prevalência relacionada entre os tipos de tumores, suas localizações, relação com tabagismo, diferenças entre os sexos, doenças sistêmicas associadas, grupos etários e tempo de evolução. Foram avaliados os dados obtidos de 1816 prontuários, dos quais 73 tiveram diagnóstico histopatológico de lesões malignas da boca. O tipo histológico mais frequente de câncer bucal encontrado neste estudo foi o carcinoma espino-celular, com 76,71% dos casos, estando diretamente relacionado ao tabagismo, acometendo principalmente pacientes em uma faixa etária de 50 a 59 anos.
Descritores: Epidemiologia; Câncer bucal; Diagnóstico.
ABSTRACT
The aim of this retrospective study is to verify the epidemiological profile of patients with oral cancer, diagnosed by biopsy and histopathology exam. It was evaluated the prevalence related to tumor type, their locations, and compared with smoking, gender, systemic diseases, age groups and time elapsed, registered in the archives of a Dental Specialty Center (CEO) in the period between October 2006 to February 2013. It was evaluated the data obtained from medical records of 1816 patients, of which 73 had histopathologic diagnosis of malignant lesions of the mouth. The most frequent type of oral cancer in this study was the squamous cell carcinoma, with 76.71% of cases, which was directly related to smoking, affecting mainly patients in an age range from 50 to 59 years.
Descriptors: Epidemiology; Oral cancer; Diagnosys.
INTRODUÇÃO
O estudo das neoplasias malignas da boca e estruturas adjacentes constitui objeto relevante na odontologia devido à importância que o cirurgiãodentista representa no diagnóstico e tratamento destas lesões. Embora os cânceres não signifiquem a maioria das condições patológicas atendidas, são de grande impacto, porque colocam em risco a saúde e a vida do paciente1. Os carcinomas espinocelulares são os tipos mais freqüentes, com cerca de 90% dos casos2. A idade média dos pacientes é de 60 anos, e 95% dos casos ocorrem após os 45 anos de idade3.
No Brasil, a incidência de câncer bucal é considerada uma das mais altas do mundo, estando entre os seis tipos de câncer mais comuns que acometem o sexo masculino e entre os oito mais recorrentes no sexo feminino. Pode ser considerado o câncer mais comum da região de cabeça e pescoço, excluindose o câncer de pele2.
As localizações mais comuns do câncer de boca são terço anterior de língua, lábios, assoalho bucal e palato duro4. Os cânceres localizados na língua têm o pior prognóstico dentre todas as outras localizações da boca5.
A identificação dos fatores de risco é fundamental para que se estabeleçam medidas preventivas, de forma a reduzir a incidência desse tumor. Os fatores que reconhecidamente aumentam tal risco são: tabagismo – os indivíduos tabagistas apresentam um risco vinte vezes maior de desenvolver câncer de boca, quando comparados aos indivíduos que nunca fumaram; alcoolismo – o álcool atua como importante coadjuvante na gênese de vários cânceres; dieta – dieta pobre em vitaminas e sais minerais está relacionada a um risco aumentado de câncer de boca; fatores hereditários; imunossupressão; infecção – infecção causada por alguns tipos de vírus, como o papilomavírus humano (HPV) e o vírus Epstein-Barr (EBV) pode estar associada ao desenvolvimento do câncer bucal6,7.
O exame físico cuidadoso da boca favorece a identificação de lesões precursoras e/ou iniciais desta patologia, embora exames complementares sejam necessários, como a biópsia, para conclusão diagnóstica. No entanto, no Brasil o índice de identificação de lesões malignas iniciais na boca é muito baixo, correspondendo a menos de 10% dos casos diagnosticados8,9.
Embora a boca permita um acesso fácil ao exame visual, a maioria dos carcinomas da boca não são diagnosticados até que sejam sintomáticos. Neste momento, são maiores que 2 cm e com metástase regional para linfonodos
O tratamento do câncer bucal é uma escolha entre a cirurgia, radioterapia e quimioterapia ou associação entre eles, dependendo de fatores como o local do tumor, estágio, tratamentos prévios, histopatologia e idade do paciente12-14.
As fontes usuais para a obtenção de dados da morbidade por câncer são os inquéritos epidemiológicos, os registros hospitalares de câncer (RHC) e os registros de câncer de base populacional (RCBP). Diante disto, o propósito deste trabalho foi avaliar o perfil epidemiológico dos pacientes com câncer bucal atendidos no período de outubro de 2006 a fevereiro de 2013, pela especialidade de Estomatologia em um Centro de Especialidades Odontológicas (CEO), inserido em um hospital público que atende exclusivamente pacientes do Sistema Único de Saúde, em Porto Alegre.
MÉTODOS
A amostra deste estudo retrospectivo descritivo foi constituída após a revisão de 1816 prontuários de pacientes que pertenciam ao arquivo de pacientes da especialidade de Estomatologia deste CEO, a partir do início do atendimento especializado, em outubro de 2006. Deste universo, 73 pacientes de ambos os sexos obtiveram diagnóstico histopatológico de câncer bucal após a biópsia realizada neste serviço. O estudo compreende a base de dados do CEO do Grupo Hospitalar Conceição, na cidade de Porto Alegre. O estudo foi realizado através da coleta de dados destes prontuários, revisados individualmente e laudos histopatológicos dos pacientes. Todos os laudos foram fornecidos pelo Laboratório de Patologia da instituição.
Todos os pacientes são oriundos da rede de atenção primária do Sistema Único de Saúde (SUS), não havendo demanda espontânea, ou seja, todos os indivíduos consultaram previamente em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) e foram avaliados por um cirurgião-dentista ou por um médico que realizou o encaminhamento para a especialidade de de Estomatologia após este exame inicial, obedecendo às recomendações para Referência e Contra-Referência aos CEOs, do Ministério da Saúde15.
O presente estudo teve seu projeto de pesquisa aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Grupo Hospitalar Conceição, sob o nº 007/08 e não há conflito de interesses.
Foram coletados a partir dos registros presentes nos prontuários, os seguintes dados: idade, sexo, doenças sistêmicas associadas, tabagismo, localização do tumor, tempo de evolução e o tipo histológico de câncer de boca. Estes dados foram compilados para uma ficha específica (instrumento de coleta de dados) e depois transferidos para uma planilha no programa Excel.
Em seguida, foram analisados e tratados estatisticamente, onde se realizou uma análise descritiva dos dados, calculando frequência e percentual para as variáveis categóricas. Para as variáveis quantitativas foi calculado a média e o desvio padrão. Com o objetivo de identificar fatores que estejam associados com o local do câncer, se realizou um ANOVA com comparações múltiplas de Tukey, para as variáveis quantitativas e Teste qui-quadrado e Teste Exato de Fisher para as variáveis categóricas.
Os dados foram analisados no software SPSS 12.0 e o nível mínimo de significância adotado foi de 5%.
RESULTADOS
Os tipos histológicos de câncer de boca encontrados neste trabalho foram carcinoma espino-celular (56), linfoma não-Hodgkin (3), carcinoma de células basais de glândulas salivares (1), linfoma difuso de grandes células (1), sarcoma de Kaposi (5), carcinoma verrucoso (2), carcinoma adenóide cístico (2), carcinoma basocelular (1), adenocarcinoma (1) e neoplasia de origem vascular (1), onde carcinoma espino-celular, linfoma não-Hogdkin e sarcoma de Kaposi foram avaliados estatisticamente estatisticamente separados e o restante dos tipos histológicos encontrados nesta pesquisa entraram na categoria "outros" (Gráfico 1).
Conforme os dados obtidos, observou-se que 78,08% dos indivíduos acometidos por câncer bucal eram do sexo masculino e 21,92% do feminino. A faixa etária variou dos 27 aos 84 anos, onde 68,49% situavam-se acima dos 50 anos de idade, cuja média foi de 56,2 anos com desvio padrão de ±10,8 (Gráfico 2).
Ao analisar a prevalência de tabagistas, 61,64% (45) dos pacientes que desenvolveram câncer de boca eram tabagistas e 32,87% (24) dos pacientes afirmaram não fumar atualmente, mas dezesseis pacientes eram ex-tabagistas. Em 5,47% (4) não havia nenhuma informação registrada no prontuário referente a este dado. A relação do tabagismo com o câncer bucal foi estatisticamente significante (p<0,02).
Em relação à localização dos tumores, a região mais acometida foi a língua com 31,46% (28), seguido pelo assoalho bucal com 20,22% (18), palato mole com 15,73% (14), palato duro com 10,11% (9), mandíbula apresentando 7,86% (7), mucosa jugal com 4,48% (4). Lábio inferior e maxila apresentaram ambas, 3,37% (3), amigdala, lábio superior e rebordo alveolar foram afetados em 1,12% (1) dos casos cada, não foi encontrada diferença estatisticamente relevante (p<0,08). A soma das localizações é superior ao número de pacientes porque alguns pacientes apresentavam lesões em mais de uma região da boca.
Da amostra total, 50,68% (37) dos indivíduos relataram alguma doença associada, sendo mais informada a hipertensão arterial sistêmica com 42,85% (21), seguido por diabetes e o HIV com 12,24% (6) cada, o acidente vascular cerebral (AVC) foi relatado em 10,20% (5) dos casos, as cardiopatias estiveram presentes em 8,16% (4) dos casos, a tuberculose em 4,08% (2), já a angina, a artrose, o glaucoma, o líquen plano e a osteoporose em 2,04% (1) cada.
DISCUSSÃO
Durante o período de outubro de 2006 a fevereiro de 2013 totalizaram-se 1816 laudos diagnósticos no CEO do Grupo Hospitalar Conceição, dos quais 73 casos (4,02%) correspondiam a tumores malignos da boca, tratados como câncer de boca ou bucal. (Gráfico 3).
De acordo com os dados obtidos, observou-se que 78,08% dos indivíduos acometidos por câncer bucal eram do sexo masculino e 21,92% do feminino, estabelecendo uma proporção de 3,56:1, respectivamente. Os resultados assemelham-se aos achados de Funk G.F. et al. e Vidal A.K.L. et al. 13,14. , que apontam o acometimento da doença preferencialmente pelos homens e apresenta uma predileção pelas 5a, 6a e 7a décadas, o que também é visível nesta pesquisa, pois considerando-se as idades, 68,49% da amostra total situavam-se acima dos 50 anos de idade, cuja média foi de 56,2 anos (Gráfico 2). Llewellyn C.D. et al.16 revelam que para haver risco aumentado de câncer de boca em jovens deve ocorrer exposição ao álcool e ao cigarro por mais de 21 anos.
Analisando-se a localização topográfica referente aos dados registrados no estudo, a região anatômica mais acometida foi a língua (38,35%) (Figura 1), seguido do assoalho bucal (25,65%). A distribuição dos casos de câncer bucal de acordo com a anatomia difere nas diversas populações estudadas. Corroborando Dib L.L.17 e Anjos Hora IA et al.18 que relatam língua, lábio e assoalho bucal como sendo as áreas de maior ocorrência. No Brasil, em homens e mulheres, são estimados 14.120 novos casos de câncer em cavidade bucal, sendo que no Rio Grande do Sul esta estimativa é de 1.050.
aumentado no mundo nas últimas décadas, acompanhando o aumento no consumo de tabaco e de bebidas alcoólicas. Ao observar-se a prevalência de hábitos viciosos, 61,64% (n=45) dos pacientes que desenvolveram câncer de boca eram tabagistas e 32,87% (n=24) dos pacientes afirmaram não fumar atualmente. Perfazendo um total de 61 indivíduos com experiência de tabagismo, no total da amostra. Dedivitis et al.19 verificaram em estudo epidemiológico alta porcentagem de tabagistas, correspondendo a 76,8% da amostra estudada. Além disso, o sinergismo entre tabaco e álcool eleva a probabilidade para o surgimento do câncer bucal2,4-7.
O tipo histológico mais freqüente de câncer bucal encontrado neste estudo foi o carcinoma espino-celular (76,71%) (Figura 2), o que já foi extensivamente comprovado pela literatura14-20. A faixa etária mais acometida por este tipo de câncer foi de 50 a 59 anos, correspondendo a 27,39% da amostra. Uma variação encontrada neste estudo foi o Sarcoma de Kaposi com 80% de prevalência em pacientes com menos de 40 anos de idade, assim como o Linfoma Não-Hodgkin com 66,7% (Figura 3).
Neste estudo pôde-se evidenciar que os levantamentos epidemiológicos são de fundamental importância para se traçar medidas mais efetivas de combate ao câncer bucal, adequadas a realidade regionalizada de cada serviço. Por atender uma população exclusivamente do SUS, inserida no esquema de atenção básica regionalizada, os resultados apresentam o perfil da doença encontrada na região norte de Porto-Alegre, área de abrangência da rede do Grupo Hospitalar Conceição.
CONCLUSÕES
1. O Carcinoma espino-celular foi o tipo histológico de maior prevalência e acometeu mais indivíduos do sexo masculino.
2. Houve predomínio das 5ª, 6ª décadas de vida.
3. A língua e o assoalho bucal foram às localizações mais acometidas. Figura 1- Carcinoma espino-celular na língua
4. O tabagismo esteve diretamente relacionado ao aparecimento do câncer bucal.
5. Sarcoma de Kaposi foi o tipo histológico de câncer bucal mais prevalente em pacientes com menos de 40 anos de idade.
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Maurício Roth Volkweis
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