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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial
versão On-line ISSN 1808-5210
Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.16 no.1 Camaragibe Jan./Mar. 2016
Artigo original
Perfil epidemiológico das vítimas de traumas faciais causados por acidentes motociclísticos
Epidemiologic features of facial trauma victims caused by motorcycle accidents
Marconi Eduardo Sousa Maciel SantosI; Édila Kayth Pereira da SilvaII; Wesla Betânia Siqueira Silva RochaIII; José Marcelo de VasconcelosIV
I Doutor em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial; Professor Adjunto da Faculdade ASCES (Associação Caruaruense de Ensino Superior), Caruaru, Pernambuco, Brasil. marconimaciel@gmail.com
II Graduada do curso de Odontologia da Faculdade ASCES (Associação Caruaruense de Ensino Superior), Caruaru, Pernambuco, Brasil. edilapereira_@hotmail.com
III Graduada do Curso de Odontologia da Faculdade ASCES (Associação Caruaruense de Ensino Superior), Caruaru, Pernambuco, Brasil. weslasiqueirarocha@hotmail.com
IV Graduando do Curso de Odontologia da Faculdade ASCES (Associação Caruaruense de Ensino Superior), Caruaru, Pernambuco, Brasil. marcelovasconcelosodonto@gmail.com
RESUMO
Objetivos: Estabelecer perfil epidemiológico das vítimas de traumas faciais causa dos por acidentes motociclísticos atendidos no Hospital Regional do Agreste (HRA), Caruaru – PE e relacionar os principais tipos de traumas com o uso e tipos de capacetes, ingestão de drogas e cilindrada da moto. Métodos: Pesquisa realizada por meio de questionário semiestruturado e acesso aos prontuários. Resultados: Dos 53 pacientes incluídos na pesquisa, houve predomínio do sexo masculino (92,5%), na terceira década de vida e baixa renda. 77,4% possuíam escolaridade até o ensino fundamental; 73,6% não possuíam habilitação para motocicletas, e 47,2% haviam ingerido bebidas alcoólicas antes do acidente. Sobre os traumas faciais, 94,3% apresentavam envolvimento de tecidos duros (algum tipo de fratura), e, em 49% desses casos houve mais de um segmento ósseo da face envolvido; 37,7% não usavam capacete e dos 62,3% que usavam, apenas 43,3% apresentavam sistema de retenção, e 26,4% não eram do tipo integral com viseira. Motocicletas entre 125 a 150cc corresponderam a 86,8% dos casos. Conclusão: Os traumas faciais, causados por acidentes motociclísticos, têm alta incidência e são predominantes em homens de renda e escolaridade baixa na terceira década de vida, tendendo fortemente a estar associados ao não uso ou uso incorreto de equipamento de proteção individual (EPI) e/ou à ingestão de álcool.
Palavras-chave: Traumatismos faciais; Face; Acidentes de trânsito; Transtornos induzidos por álcool.
ABSTRACT
Purposes: Establish the epidemiological profile of the victims of facial traumas caused by motorcycle accidents treated at Hospital Regional do Agreste (HRA), Caruaru – PE and list the main types of trauma such as the use and type of helmets, ingestion of drugs and piston displacement of the motorcycle. Methods: Search through semi-structured questionnaire and access to medical records. Results: Of the 53 patients included in the research there was a male predominance (92.5%), in their third decade of life and low income. 77.4% had education up to primary education. 73.6% had no motorcycles driver's license and 47.2% had consumed alcohol before the accident. Regarding facial trauma, 94.3% had involvement of hard tissues (some type of fracture) and in 49% of these cases there was more than one bone segment of the face involved. 37.7% did not wear helmet and 62.3% of those who wore only 43.3% had retention system and 26.4% they were not the integral type with visor. Motorcycles between 125 to 150cc accounted for 86.8% of the cases. Conclusion: Facial trauma caused by motorcycle accidents have a high incidence and are prevalent in men of low education and income in the third decade of life and tend to be strongly associated with non-use or misuse personal protective equipment (PPE) and/or alcohol intake.
Keywords: Facial trauma; Face; Traffic accidents; Alcohol-induced disorders.
INTRODUÇÃO
Os acidentes de trânsito são eventos complexos e estão acompanhados das dificuldades para determinar suas causas, dada a variedade de fatores contribuintes, associados às circunstâncias aleatórias. Essa problemática, relacionada ao tráfego de veículos, de uma maneira geral, envolve pelo menos, dois ou três elementos na ordem: o veículo, a via e o usuário da via. Além disso, as condições ambientais e os aspectos sociais e institucionais também são inseridos na realidade atual.1
Acidentes dessa natureza constituem a primeira causa de mortalidade de jovens até 29 anos e a terceira maior causa de morte entre pessoas de 30 a 44 anos.2 No ano de 2000, foram responsáveis por 29.640 mortes, inferior apernas às mortes causadas por doenças cardiovasculares.3 Os traumas gerados a partir desse tipo de acidente implicam cerca de 1,5% de todo o PIB (produto interno bruto), além de trazer consequências sofríveis causadas pela interrupção do exercício do trabalho.4 Todavia, os números estatísticos a respeito da morbidade são subnotificados, pois, no Brasil, muitas das vítimas do trânsito que vão a óbito não são registradas como tais.5
Os acidentes de trânsito são considerados como um dos mais sérios e desafiadores problemas na Traumatologia Bucomaxilofacial. Fatores, como aumento populacional e da frota de veículos, associados à imprudência e negligência às Leis de trânsito vigentes no país, são alguns exemplos, que fazem crescer os índices de prevalência e severidade dos traumas faciais causados por acidentes de trânsito. Quando se trata de acidentes de trânsitos envolvendo motociclistas, os dados são ainda mais alarmantes e preocupantes. Além disso, em algumas regiões do Brasil, o uso de motocicletas e motonetas é tão alto quanto os de carros de passeios e/ou outros veículos motorizados.
O Nordeste foi a região que correspondeu pela maior expansão do mercado, com 540%.6 Em Pernambuco, o crescimento da frota de motocicletas e motonetas nos últimos doze anos passou de 33.381 em 1990 para 802.825 em julho de 2012, representando um aumento de 2331%.7 Números que estão incorporados a uma população composta por 8.796.448 habitantes, o que corresponde a uma motocicleta para cada 11 habitantes.8
Concomitante ao crescimento da frota de motocicleta e motonetas, a mortalidade por acidentes de trânsito envolvendo esse tipo de veículo apresenta aumento médio anual do coeficiente de mortalidade com tendência significativa. Em Pernambuco, o risco de morrer por acidente de motocicleta, em 2006, foi quatro vezes maior que em 1997, apontando o Agreste como mesorregião que mais apresentou óbitos (6,9 para 100 mil habitantes).9 Em 2010, Pernambuco registrou 634 óbitos envolvendo vítimas de acidentes com motocicletas e motonetas.
Nesse contexto, sobre a assistência hospitalar, deve-se destacar que o Hospital Regional do Agreste (HRA) é referência no interior do Estado, sendo responsável pela cobertura de 33 municípios compreendidos pela IV GERES (Quarta Gerência Regional de Saúde), totalizando a cobertura de 1.102.252 de pessoas. Somando o número de óbitos por acidentes de motocicletas dos 33 municípios cobertos pela IV GERES, obtém-se o total de 137 óbitos em 2010.10
Entretanto, mesmo com números alarmantes em relação às mortes e aos acidentes causados por acidentes motociclísticos, poucos estudos abordam o impacto sobre os traumas faciais e, consequentemente, ainda não se tem um perfil epidemiológico bem delineado sobre esse tipo de problema. Cidades, como Caruaru – PE que apresentam grande frota de motocicletas até dispõem de órgãos públicos de fiscalização do trânsito, mas ainda é carente de informações importantes relativas ao perfil do motoqueiro acidentado e internado na principal emergência hospitalar do interior do Estado – Hospital Regional do Agreste.
Este estudo tem por objetivo analisar o perfil das vítimas de traumas faciais causados por acidentes motociclísticos atendidos no Hospital Regional do Agreste que possa contribuir tanto para o conhecimento da realidade regional quanto para a manutenção e/ou elaboração de políticas públicas voltadas para condutores desses tipos de veículos, corroborando uma maior conscientização sobre seu uso assim como para o decréscimo do número de acidentes e custos gerados para o setor público.
METODOLOGIA
Esta pesquisa foi realizada no Curso de Odontologia da Faculdade ASCES (Associação Caruaruense de Ensino Superior) utilizando como amostra os pacientes vítimas de acidentes motociclísticos, atendidos e internados no Hospital Regional do Agreste – HRA, na cidade de Caruaru, Pernambuco, Brasil. Ela pode ser classificada como um estudo observacional, analítico, prospectivo, transversal do tipo inquérito.11
A população foi constituída por pacientes de ambos os sexos, idades variadas, diferentes aspectos sócio-econômico-culturais, internados no Hospital Regional do Agreste, no setor de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial com diagnóstico de traumas e/ou fraturas faciais causados por acidentes motociclísticos. Os critérios de inclusão envolveram os pacientes devidamente internados com diagnóstico de trauma facial (lesões de tecidos moles e/ou fraturas faciais), pacientes conscientes, sob responsabilidade ou sob acompanhamento da equipe de cirurgia e traumatologia bucomaxilofacial do hospital, que concordaram em participar da pesquisa e, após terem recebidos todas as informações, assinaram o termo de consentimento esclarecido. Não foram incluídos aqueles que desistiram de participar da pesquisa e/ou não souberam responder às perguntas adequadamente; além dos que não responderam adequadamente à ficha de avaliação.
O diagnóstico dos traumas faciais causados por acidentes motociclísticos foi realizado a partir das manobras semiotécnicas e exames convencionais utilizados na rotina do serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Hospital Regional do Agreste. Dessa forma, o processo de diagnóstico de um trauma facial dependeu de dados relativos à anamnese e ao exame físico com manobras de inspeção extra e intrabucal, palpação extra e intrabucal, avaliação da oclusão dentária, sinais e sintomas clínicos e exames complementares como as radiografias extrabucais e tomografias computadorizadas. Todo o processo de diagnóstico foi realizado pela própria equipe do referido hospital (cirurgiões e/ou residentes) como forma habitual de suas rotinas de trabalho. Casos em que houve dúvidas no diagnóstico ou que porventura mudaram ao longo do período de internamento não foram incluídos na amostra até que estivessem com o diagnóstico correto e/ou definido pela equipe de cirurgiões.
Os traumas faciais foram classificados em duas categorias principais: traumas em tecidos moles; traumas em tecidos duros com fraturas dento-faciais. Para o primeiro grupo, foram incluídos aqueles pacientes que sofreram acidentes motociclísticos com lesões de tecidos moles por abrasão, contusão, avulsão, laceração ou outros tipos de ferimentos frequentes nesse tipo de acidente. Por outro lado, para aqueles traumas com envolvimentos de fraturas faciais, foram levados em consideração a localização da fratura, o tipo de fratura e a quantidade de ossos faciais envolvidos.
A coleta de dados foi realizada por meio de uma ficha clínica padronizada que contou inicialmente com perguntas sobre a identificação e dados demográficos dos entrevistados e, em seguida, o diagnóstico conclusivo do trauma facial e o questionário sobre o uso e tipos de capacetes, ingestão de álcool e características da motocicleta. Para isso, foram programadas visitas à enfermaria de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial pelo menos duas vezes na semana em momentos de reuniões e discussões sobre os casos clínicos.
Os dados foram analisados por meio de técnicas de estatística descritiva mediante de percentuais e medidas: média, desvio-padrão e mediana e técnicas de estatística inferencial através do teste Qui-quadrado de Pearson ou o teste Exato de Fisher, quando as condições para utilização do teste Qui-quadrado não foram verificadas. A margem de erro utilizada nas decisões dos testes estatísticos foi de 5%. Os dados foram digitados na planilha EXCEL, e o programa estatístico utilizado para obtenção dos cálculos estatísticos foi o SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) na versão 21.
Esta pesquisa teve seu delineamento e metodologia em consonância com os princípios bioéticos e teve início após a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Plataforma Brasil sob nº 272.031.
RESULTADOS
A tabela 1 mostra os resultados relativos à caracterização dos pesquisados. Dela, destacase que a grande maioria pertencia ao sexo masculino (92,5%), sendo mais prevalente nos jovens com idade entre 14 e 29 anos (64,2%). Em relação à escolaridade, 77,4% possuíam o ensino fundamental e, com exceção de um pesquisado que tinha renda de 03 a 06 salários mínimos, todos os demais tinham renda de até três salários mínimos. Em relação à procedência (onde ocorreu o acidente), a cidade mais citada (18,9%) foi a de Caruaru.
Dos resultados relacionados às características do condutor e sua motocicleta, contidos na Tabela 2, destaca-se que 26,4% possuíam habilitação, todavia, apenas 22,7% estavam habilitados para a categoria de motocicleta (Tipo A). Para a maioria (69,8%) a motocicleta era própria, entretanto 47,2% haviam ingerido algum tipo de bebida alcoólica antes do acidente, muito embora nenhum paciente tenha admitido ter utilizado outras drogas, além de bebida alcoólica. A maioria (62,3%) fazia uso de EPI mínimo necessário (capacete) no momento do acidente, no entanto, dos que faziam uso, apenas 35,8% utilizavam capacete integral com viseira; 13,2% faziam uso de capacete aberto com viseira, 7,5% faziam uso de capacete aberto sem viseira, e os demais utilizavam capacete integral sem viseira ou capacete modular. Além disso, o uso de sistema de retenção do capacete foi de 43,6%. Em relação às motocicletas, as duas potências mais frequentes foram 125cc (45,3%) e 150cc (41,5%), respectivamente.
Na Tabela 3, observa-se que 75,5% dos envolvidos sofreram trauma de tecidos moles, e os tipos que ocorreram com maior frequência foram: abrasão (67,5%), contusão (57,5%) e avulsão (40,0%). Com exceção de três pesquisados, os demais pacientes (94,3%) tiveram trauma em tecidos duros com algum tipo de fratura de osso facial, sendo os mais frequentes zigomático (38,0%), corpo de mandíbula unilateral (32,0%), parassinfisária da mandíbula (28,0%) e dentoalveolar (24,0%). Ressalva que um mesmo acidentado pode ter sofrido trauma em tecidos moles e duros e pode ter sofrido mais de um tipo em cada uma das formas citadas.
Os resultados da associação entre o uso de EPI com cada uma das outras variáveis do estudo encontram-se nas Tabelas 4 e 5. Nenhuma associação significativa foi evidenciada na Tabela 4, enquanto que dos resultados contidos na Tabela 5 a fratura de zigomático foi a única variável com associação significativa com o uso de EPI (p < 0,05) e para essa variável se destaca que o percentual com a citada fratura foi mais elevado entre os pesquisados que não utilizavam EPI do que entre os que utilizavam EPI (57,9% x 25,8%).
DISCUSSÃO
Os traumas, mortes e sequelas causadas por acidentes motociclísticos constituem um sério problema de saúde pública que acarreta inúmeros danos biológicos, financeiros e sociais a suas vítimas e ao Estado. No que tange aos traumas faciais causados por esse tipo de veículo, poucos estudos e dados são fornecidos para que políticas públicas sejam adotadas. No sentido de que a prevenção dos acidentes de trânsito é o meio mais importante para evitar a morbidade e mortalidade por causas externas, ações voltadas à prevenção primária podem romper, em seu momento inicial, a cadeia de eventos que resultarão em acidentes.12
A motocicleta, como meio de transporte rápido, de fácil acesso e de custo baixo, justifica o grande número desses veículos e de condutores em várias cidades e regiões do Brasil. Associado a isso, em algumas regiões, o hábito de utilizar as motocicletas como lazer e/ou ferramenta de trabalho, muitas vezes sem regulamentações legais, aumenta ainda mais a procura por esse veículo e predispõe ao aumento nos índices de acidentes. Em Caruaru, cidade polo do Agreste de Pernambuco, há uma frota de motocicletas já grande e ainda crescente. Além disso, possui ainda a profissão recentemente regulamentada de "moto táxi". Isso enfatiza a necessidade de dados epidemiológicos concretos para a fiscalização, prevenção de acidentes e mortes. Entretanto, apesar de haver órgãos regulamentadores e fiscalizadores e ser um exemplo para outras cidades, ainda há carência de dados relativos ao perfil dos condutores e dos acidentados por meio do uso de motocicletas. Dessa maneira, estudos detalhados acerca desse quadro podem contribuir para suprir essa carência e estabelecer parâmetros para uma política de prevenção voltada especificamente aos problemas mais importantes.
Em relação ao sexo e à faixa etária, o envolvimento predominante de jovens do sexo masculino nesse tipo de acidente retrata um dado consensual na maioria dos resultados encontrados dentro da literatura.13 Do mesmo modo, esses dados podem ser explicados pelo fato de a grande maioria da população economicamente ativa que faz uso desse tipo de veículo ser composta de jovens do sexo masculino na terceira década de vida.14 Além disso, a motocicleta como veículo aberto, rápido e versátil, exerce certo fascínio, especialmente sobre os jovens que desafiam alguns riscos em sua prática. Por outro lado, a grande procura por esse tipo de veículo como meio de transporte por parte dos jovens economicamente ativos em regiões interioranas do Nordeste pode refletir e justificarse pela ausência de transportes públicos de massa eficazes e de custo baixo, como ônibus, metrô e trens.
Um fato alarmante observado nessa pesquisa foi que 73,6% das vítimas de acidentes motociclísticos não possuíam habilitação legal para conduzir esse tipo de veículo. Dessa forma, observase que há um grande número de vítimas que não poderiam estar conduzindo esse veículo por não possuírem treinamento, formação e habilitação, o que caracteriza crime pelas leis brasileiras.
Os custos e os entraves burocráticos para aquisição de carteira de habilitação, como o tempo e cursos, contribuem para os dados acerca da falta de habilitação desses condutores. Para que a pessoa possa ser considerada apta a conduzir motocicletas ,é necessário um investimento médio de R$ 750,00 para obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) tipo A e um tempo médio de 19 dias de aulas teóricas e práticas.15
No tocante à ingestão de bebida alcoólica os dados apontaram que 47,2% estavam sob efeito dessa droga lícita. Além de igualmente preocupante, esses dados revelam, mais uma vez, a ausência de fiscalização e punição aos condutores infratores uma vez que o condutor que for autuado comete uma infração gravíssima, recebendo uma multa de R$ 1.915,40, tendo a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) recolhida, o direito de dirigir suspenso por 12 meses, além da apreensão da motocicleta. Se o teste com o emprego do etilômetro apontar concentração de álcool igual ou superior a 0,34 miligramas, a infração passa a ser considerada crime. Com isso, o condutor pode ser condenado a uma pena de seis meses a três anos de detenção.16 Concomitante a isso, sabe-se que o condutor, uma vez sob o efeito desse tipo de droga, muitas vezes se apresenta em estado sonolento, com dificuldade de se equilibrar na motocicleta e tem sua capacidade de reflexo diminuída, além de apresentar comportamentos destrutivos como a euforia, fúria, autoconfiança, depressão ou desatenção, corroborando como fator agravante tanto em número quanto em gravidade para os acidentes.17
A procedência dos traumas revela o local onde houve ou está havendo mais acidentes, e, nesse contexto, os dados sugerem que Caruaru com 18,9% foi a cidade mais prevalente. De fato, era esperado que, de forma isolada, a maior parte dos entrevistados fosse mesmo oriunda da cidade onde funciona o hospital de trauma referência na região e onde foram coletados os dados. Entretanto, quando somado o total de vítimas das demais cidades circunvizinhas a Caruaru, percebe-se que a grande maioria dos acidentados (81,1%) sofreram seus traumas motociclísticos fora da cidade e vieram apenas para atendimento especializado. Com isso, percebe-se que, talvez em cidades menores, a fiscalização e a própria conscientização dos motoqueiros sejam bem aquém do esperado, refletindo em maiores números de acidentados e, ainda, que nessas mesmas cidades não haja centros de atendimento especializado, sendo necessário seu encaminhamento para o Hospital Regional do Agreste (HRA).
Quanto ao tipo de lesão facial, verificou-se um alto percentual de traumas dos tecidos duros com acometimento de fraturas de ossos faciais (94,3%) e, em várias situações, mais de um osso da face foi acometido. Esses dados estão em consonância com outras pesquisas similares e expõem o impacto e a energia com que o trauma motociclístico gera nos tecidos faciais.18 A alta incidência nas fraturas de zigomático e mandíbula é justificada pelo fato de estarem posicionados sem locais da face bastante sujeito a impactos, especialmente se não estiverem sob proteção adequada.
Especialmente sobre esse ponto, vale a pena destacar que apesar de 62,3% dos acidentados estarem usando o capacete no momento do acidente, 20,7% eram do tipo aberto, sendo notório que esse tipo de capacete não oferece proteção adequada à face, predispondo-a a traumas mais intensos. Capacetes desse tipo são escolhidos sob argumento de protegerem o crânio, serem mais baratos, acessíveis e proporcionarem uma melhor visibilidade ao motociclista. Todavia, não oferecem proteção adequada e, o que é mais grave, expõem a face às fraturas do terço médio e inferior, como visto nos resultados. Além disso, 56,6% dos pacientes não usavam sistema de retenção do capacete, responsável por mantê-lo fixado e estabilizado à cabeça durante um acidente motociclístico. Dessa forma, julga-se desprezível o uso de um capacete sem as devidas proteções e recomendações uma vez que em caso de acidente, esse mesmo item de proteção será provavelmente arremessado fora da cabeça expondo o indivíduo a inúmeros traumas. O uso do capacete reduz sequelas, custos hospitalares e óbitos, se o equipamento for utilizado de forma adequada, com proteção facial, viseira, ajuste e dentro do prazo de validade.19
Entretanto, além do uso correto do capacete, a velocidade e a energia do trauma importantes nesse tipo de investigação, e por isso incluímos a potência da motocicleta como uma das variáveis. Havia uma expectativa de que as motocicletas mais potentes seriam responsáveis pelos traumas mais intensos devido ao fato de serem mais velozes, pesadas e exigirem mais habilidades para pilotagem. Todavia, percebeu-se que motocicletas mais potentes (acima de 300cc) são normalmente mais caras e por sua vez, menos acessíveis; que seus pilotos sejam, em geral, mais conscientes quanto ao uso de EPIs; e por fim, que donos de motocicletas dessa categoria, por pertencerem às classes média e média alta, dificilmente procuram algum serviço público em caso de acidente, contrastando com o perfil dos usuários entrevistados. Dessa forma, 86,8% foram motos com 125 ou 150cc, justamente aquelas com potências menores. Justifica-se o percentual pela facilidade em adquirir esses tipos de motocicletas, quer seja via consórcios, quer seja por meio de outros tipos de financiamentos. Atrelado a isso, está o seu custo-benefício, pois são veículos fáceis de manter e consomem pouco combustível, ou seja, se enquadram perfeitamente dentro do perfil de renda de até 03 salários mínimos dos entrevistados.
Com pequenas exceções, os testes estatísticos não apresentaram associação significativa entre o uso de EPI (capacetes) e a potência das motos com as demais variáveis. Esses resultados talvez exponham algumas das fragilidades de nosso estudo que foi o número amostral baixo, sugerindo que mais investigações sejam realizadas, com metodologias mais abrangentes, além da inclusão de mais centros hospitalares públicos e privados. Mesmo assim, conseguiu-se evidenciar um perfil das vítimas de traumas faciais causados por acidentes motociclísticos atendidos na cidade de Caruaru/ PE, o que pode servir como parâmetro para melhorias nas ações de fiscalização e prevenção de acidentes da referida cidade.
CONCLUSÃO
O perfil dos pacientes vítimas de traumas faciais causados por acidentes motociclísticos em Caruaru PE, em geral, é composto de jovens do sexo masculino, de renda e escolaridade baixa que não usavam adequadamente o capacete e tinham ingerido bebidas alcoólicas no momento do acidente. Os ossos zigomáticos e a mandíbula foram os mais acometidos por fraturas.
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Endereço para correspondência:
Prof. Dr. Marconi Eduardo Sousa Maciel Santos
Faculdade ASCES
Avenida Portugal, 584, Bairro Universitário
Caruaru – PE – Brasil
e-mail: marconimaciel@gmail.com
Recebido: 14/09/2015
Aceito: 06/10/2015