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Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial

versão On-line ISSN 1808-5210

Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. vol.16 no.4 Camaragibe Out./Dez. 2016

 

 

Extensa Fibromatose Gengival Idiopática: Relato de caso

 

Extensive Idiopathic Gingival Fibromatosis: A Case Report

 

 

Thalles Moreira SuassunaI; Andressa Bezerra De AlmeidaII; Fabrício De Souza LandimIII;Marcelo Farias De MedeirosIV; Danyel Elias Da Cruz PerezsV

 

I Cirurgião Buco-Maxilo-Facial pelo Hospital Getúlio Vargas – PE. Cirurgião- Dentista pela Universidade Federal da Paraíba
II Cirurgiã-dentista pela Universidade Federal de Pernambuco
III Cirurgião-dentista, Especialista e Mestrando em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial pela Faculdade de Odontologia de Pernambuco – UPE. Professor Substituto da Universidade Federal de Pernambuco
IV Cirurgião Buco-Maxilo-Facial do Hospital da Restauração – PE e Hospital da Face - HGA
V Mestre e Doutor em Estomatopatologia pela Universidade Estadual de Campinas. Professor Adjunto I da disciplina de Patologia Oral da Universidade Federal de Pernambuco

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A Fibromatose Gengival (FG) é descrita como uma condição bucal rara, clinicamente manifestada por um crescimento lento, progressivo, difuso e benigno dos tecidos gengivais. Essa condição pode se manifestar de forma isolada, em associação a outras doenças sistêmicas ou como componente de síndromes. A FG pode ter uma etiologia identificável ou ser idiopática. Em função da severidade de cada caso, pode acarretar transtornos funcionais e estéticos significativos, sobretudo relacionado à dificuldade de higienização, fala e deglutição, devido à formação de grandes massas teciduais na gengiva. O presente trabalho propõe a revisão dos aspectos clínicos, diagnósticos e terapêuticos da Fibromatose Gengival e relata um caso severo desta doença que foi tratada cirurgicamente.

Palavras-chave: Fibromatose Gengival; Cirurgia; Hiperplasia Gengival.


ABSTRACT

The Gingival Fibromatosis (GF) is described as a rare oral condition, clinically manifested by a slow, progressive, diffuse, and benign growth of gingival tissues. This condition can manifest itself in isolation, in combination with other systemic diseases or as a component of syndromes. GF may have an identifiable etiology or be idiopathic. Depending on the severity of each case, GF may result in significant functional and aesthetic disorders, mainly related to the difficulty of cleaning, speech and swallowing due to formation of large gingival tissue masses. This paper proposes a review of the clinical features, diagnosis and treatment of gingival fibromatosis and reports a severe case of this condition that was surgically treated.

Key Words: Fibromatosis, Gingival; Surgery; Gingival Hyperplasia.


 

 

INTRODUÇÃO

Primeiramente descrita por Gross em 1856, a Fibromatose Gengival (FG) é um crescimento gengival lento e progressivo, decorrente do acúmulo excessivo de colágeno e da proliferação acentuada de fibroblastos no tecido conjuntivo fibroso gengival1,2,3,4,5. É considerada uma doença bucal rara, na qual mulheres e homens são igualmente afetados com frequência de 1:175.000 indivíduos1,4. De acordo com sua natureza e etiologia, pode ser classificada em medicamentosa, idiopática, inflamatória, hereditária e anatômica4. Entretanto, como uma condição de etiologia indeterminada, a FG idiopática pode apresentar-se de forma isolada ou em associação a síndromes genéticas, diferindo da FG hereditária apenas pelo fato de nesta última haver histórico familiar da doença6,7.

O tecido acometido tem aspecto rosado, firme, indolor, não-hemorrágico e coberto por uma superfície lisa ou pontilhada e normalmente distribuída de forma simétrica no arco. O aumento do volume gengival pode ser generalizado, quando envolver todos os dentes de ambos os arcos ou, localizado, quando envolver somente um arco ou parte dele, podendo ser, a maxila e a mandíbula afetadas de forma semelhante1,2,4,5.

A gravidade da FG é variável, produzindo desde um defeito estético, até casos mais graves como deformidades no contorno do palato, alterando a fonação, deglutição e mastigação, diastemas, mau posicionamento dos dentes, halitose, prolongamento e retenção de dentição decídua, erupção atrasada, mordidas invertidas e abertas, lábios proeminentes e postura de lábio aberto. Embora a hipertrofia na região gengival não afete diretamente o osso alveolar, o inchaço pode aumentar e predispor o acúmulo de placa bacteriana, induzir à periodontite e à reabsorção óssea1,2,3,8.

Várias formas de tratamento podem ser instituídas, a depender, principalmente, da gravidade de cada caso. Em casos mais brandos, o tratamento conservador é o mais utilizado. Esta modalidade é a combinação de excisão cirúrgica do excesso de tecido gengival com um rigoroso controle de higiene oral. No entanto, é preconizada aos casos severos, além de excisão cirúrgica, a extração seletiva dos dentes envolvidos na lesão, pois nestes casos os dentes normalmente estão associados a cáries extensas e doença periodontal.1 Outros métodos de remoção de grandes quantidades de tecido gengival também têm sido utilizados, tais como laser de dióxido de carbono e eletrocautério.4

A ocorrência da FG sem causa aparente é incomum6,7. O presente artigo tem o propósito de revisar os aspectos clínicos e diagnósticos da FG, bem como discutir as formas de tratamento da mesma, ilustrando através de um caso clínico.

 

RELATO DO CASO

Paciente CAC, gênero masculino, melanoderma, 40 anos, compareceu ao ambulatório de Cirurgia Buco-Maxilo-Facial do Hospital Getúlio Vargas, Recife/PE, com queixa de inchaço gengival e dificuldade de higienização, com tempo de evolução de aproximadamente 30 anos. A história médica e familiar não revelou nada digno de nota. Ao exame clínico extra-bucal era visível lábios elevados e com dificuldade de selamento passivo. O exame clínico intra-bucal revelou extenso aumento de volume em toda a extensão da gengiva e mucosa alveolar vestibular e lingual/palatina tanto na mandíbula como na maxila. O inchaço se apresentava com textura predominantemente rugosa, de coloração rósea e consistência fibrosa, associada a áreas de pigmentação, além de discretas áreas hiperemiadas na região vestibular anterior. Na região palatina estendia-se em direção à linha média, obliterando quase totalmente a profundidade do palato. Os dentes se apresentavam deslocados, com coroas parcialmente encobertas ou como restos radiculares totalmente imersos no tecido (Fig. 1A e 1B).

 

 

 

Radiograficamente era visível um velamento sobre o contorno de todo o alvéolo maxilar e mandibular, porém sem indícios de calcificação. Havia indícios de cálculos dentais e de reabsorção alveolar (Fig. 2A). Devido aos achados clínicos intra-bucais, o paciente foi novamente questionado quanto à presença de alterações sistêmicas e uso crônico de medicamentos, mas foi negado veementemente. Além disso, não foi encontrada histórico familiar de alteração gengival semelhante. Assim, a principal hipótese de diagnóstico foi de Fibromatose Gengival idiopática.

O tratamento instituído foi a excisão cirúrgica das massas fibrosas maxilares, com incisões nas bases dos pedículos, visando preservar a gengiva ceratinizada e profundidade de vestíbulo. Foi realizada exodontias múltiplas com regularização de rebordo alveolar (Fig. 2B). O material foi enviado para o exame anatomopatológico que revelou tecido conjuntivo fibroso denso, recoberto por epitélio hiperplásico íntegro, confirmando o diagnóstico de Fibromatose Gengival (Fig. 2C).

 

 

 

O paciente ainda foi submetido a mais um procedimento para refinar os resultados periodontais e atualmente encontra-se em acompanhamento pós-operatório de um ano desde a última intervenção e já se encontra reabilitado proteticamente (Fig 3A e 3B).

 

 

 

DISCUSSÃO

De acordo com relatos da literatura, a expressão da Fibromatose Gengival pode variar de leve a grave e a presença de dentes é essencial para que esta condição aconteça e se perpetue. O aumento gengival geralmente inicia-se no tempo da erupção da dentição permanente, mas pode desenvolver-se com a erupção da dentição decídua e raramente está presente ao nascimento1,2,4,8.

Acredita-se que os dentes têm uma forte influência no desenvolvimento do quadro clínico de FG. A erupção ativa o metabolismo, além de outros fatores do meio, e determinam o potencial genético a iniciar a anormalidade clínica8. A condição torna-se evidente com a erupção dos dentes (principalmente na infância e juventude) e desaparece com sua perda. Uma vez instalada na juventude, esta condição pode provocar falha ou atraso na erupção de elementos dentários8,9.

No caso apresentado, encontramos que em uma área edêntula na mandíbula o paciente não apresentava a fibromatose, corroborando as informações da literatura citada.

Na FG idiopática suspeita-se de uma forte influência genética. Embora este mecanismo não seja bem compreendido, a maioria dos casos reportados tem atribuído à condição desse aumento fibroso da gengiva a fatores hereditários, apesar da ausência aparente de transmissão familiar, sendo referida como uma nova mutação7. Tradicionalmente é considerada uma doença autossômica dominante, mas alguns relatos descreveram que esta condição pode ser herdada por um gene autossômico recessivo10. Os dados descritos aqui fornecem evidências de que no paciente apresentado não há uma causa etiológica bem definida, tampouco histórico familiar, levando ao diagnóstico de FG idiopática. No entanto, tem sido relatado que indivíduos não afetados ocasionalmente podem transmitir FG hereditária em um padrão autossômico dominante de sua prole sem ter sido afetado clinicamente10.

Como proposto anteriormente, esta condição pode estar relacionada com algumas síndromes e outras anormalidades. Relatos de caso associaram a FG com a Síndrome de Zimmerman-Laband, Síndrome de Murray- Puretic-Drescher, Síndrome de Cowden, Síndrome de Cross, Síndrome de Rutherford e Síndrome da barriga de Prune1,3,11(Tabela 1). Ademais, pode existir uma relação entre deficiências em hormônios relacionados ao crescimento e aumento gengival8,9. Neste caso apresentado não havia nenhuma síndrome associada.

Várias condições que produzem aumento de volume gengival têm sido consideradas no diagnóstico diferencial, tais como: neurofibromatose, esclerose tuberosa, granulomas, hemihipertrofia facial congênita, leucemia, trauma local e uso de medicações como fenitoína, ciclosporina, barbitúricos ou bloqueadores de canais de cálcio8. Pequenas fibromatoses, podem ser confundidas com uma simples hiperplasia gengival, no entanto o crescimento progressivo e a capacidade de afetar além da gengiva marginal, permitem a diferenciação9. Durante anamnese, o paciente negou o uso de medicamentos crônicos e o exame extra-bucal não revelou nenhuma alteração adicional em que o aumento de volume gengival fizesse parte do espectro de alguma doença sistêmica. Além disso, o exame histopatológico confirmou a presença de extenso tecido conjuntivo fibroso, descartando lesões neoplásicas, como neurofibromatose ou leucemia.

A necessidade de tratamento varia de acordo com a gravidade. Quando o aumento de volume é mínimo, preconiza-se medidas de higienização bucal, tratamento periodontal e orientação ao paciente. Nos casos mais graves, como no apresentado neste artigo, contempla-se a necessidade de intervenção cirúrgica devido ao comprometimento funcional e estético, sobretudo quando a profundidade de sondagem ultrapassa 5mm. O tratamento consiste em excisão cirúrgica do excesso tecidual, muitas vezes em uma série de gengivectomias, que deve ser complementada por um programa efetivo de higiene bucal.

Alguns estudos têm documentado o uso do laser de dióxido de carbono como meio de excisar a fibromatose. Entretanto, o método mais utilizado e disponível de remoção de grandes quantidades de tecido é a excisão cirúrgica convencional do excesso tecidual. Técnicas de gengivectomia com bisel externo podem ser indicadas, particularmente quando há pseudobolsas, sem perda de inserção periodontal e com possibilidade de manter os dentes da região afetada. Um procedimento como o retalho periodontal pode ser preferível se a fibromatose é acompanhada com perda de inserção e defeitos ósseos. Sempre que possível, o tratamento deve ser realizado após a erupção completa da dentição permanente12.

O acompanhamento é necessário, pois a recorrência é frequente, principalmente, quando dentes são mantidos na cavidade bucal. É consenso que a manutenção dos dentes age como um fator perpetuador da condição, principalmente quando em associação a grande acúmulo de placa bacteriana, por uma razão ainda não totalmente identificada. Assim, a exodontia seletiva nos casos graves pode ser necessária para se obter uma morfologia tecidual normal da gengiva e prevenir recidivas8,9. Para o presente caso, o tratamento instituído foi a excisão cirúrgica das massas fibrosas maxilares, com incisões nas bases dos pedículos, visando preservar a gengiva ceratinizada e profundidade de vestíbulo, juntamente a exodontias múltiplas com regularização de rebordo alveolar, para permitir uma reabilitação protética mais eficaz.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Fibromatose Gengival é uma condição rara, e com alta heterogeneidade clínica e etiológica. A história médica e familiar do indivíduo deve ser investigada cuidadosamente. Nos casos mais extremos, além da excisão do excesso tecidual, pode ser necessário exodontia dos elementos envolvidos para minimizar o risco de recorrência e facilitar o controle da higiene e saúde bucal do paciente.

 

REFERÊNCIAS

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