Serviços Personalizados
Artigo
Links relacionados
Compartilhar
RGO.Revista Gaúcha de Odontologia (Online)
versão On-line ISSN 1981-8637
RGO, Rev. gaúch. odontol. (Online) vol.58 no.1 Porto Alegre Jan./Mar. 2010
CLÍNICO CLINICAL
Cisto dentígero: características clínicas, radiográficas e critérios para o plano de tratamento
Dentigerous cyst: clinical and radiographic characteristics and criteria for treatment planning
Luiz Guilherme Matiazi Vaz; Moacyr Tadeu Vicente Rodrigues1; Osny Ferreira Júnior
Universidade de São Paulo, Faculdade de Odontologia, Departamento de Estomatologia. Al. Octávio Pinheiro Brisola, 9-75, 17012-901, Bauru, SP, Brasil
RESUMO
O cisto dentígero é o segundo cisto odontogênico mais frequente nos maxilares. São sempre radiolúcidos e mais comumente uniloculares. Geralmente são observados em exames de rotina ou quando do não irrompimento de um dente permanente. Os terceiros molares inferiores seguidos dos caninos superiores e ocasionalmente dentes supranumerários e odontomas podem estar envolvidos com a formação do cisto dentígero, porém, sua etiopatogenia ainda não é totalmente conhecida. O cisto dentígero ocorre principalmente nas três primeiras décadas de vida, seu crescimento é lento e assintomático, contudo pode atingir dimensões consideráveis causando deformação facial, impactação e deslocamento de dentes e/ou estruturas adjacentes. A descompressão, marsupialização e a enucleação são as formas de tratamento mais empregadas, porém alguns critérios importantes devem ser considerados para o plano de tratamento como, tamanho do cisto, idade, proximidade com estruturas anatômicas e importância clínica do dente envolvido. Apesar das peculiaridades clínicas de cada caso e do método de tratamento escolhido, o prognóstico destas lesões é favorável.
Termos de indexação: arco dental; cisto dentígero; cistos odontogênicos.
ABSTRACT
The dentigerous cyst is the second most frequent odontogenic cyst in jaws. They are always radiolucent and commonly unilocular. They are usually found in routine exams or when a permanent tooth does not erupt. The third molars followed by maxillary canines and occasionally supernumerary teeth and odontomas may be involved with the formation of the dentigerous cyst, but its etiology is not yet completely known. The dentigerous cyst occurs mainly in the first three decades of life, and its growth is slow and asymptomatic, however, it may reach considerable dimensions causing facial deformity, impaction and displacement of teeth and/or adjacent structures. Decompression, marsupialization and enucleation are the most frequent forms of treatment used, nevertheless, some important criteria must be considered for the treatment plan such as cyst size, age, proximity to anatomical structures and clinical importance of the tooth involved. Despite the clinical peculiarities of each case and the treatment method chosen, prognosis of these lesions is favorable.
Indexing terms: dental arch; dentigerous cyst; odontogenic cysts.
INTRODUÇÃO
O cisto dentígero é um cisto odontogênico associado à coroa de um dente permanente não irrompido1. É o segundo cisto dos maxilares mais frequente (14% - 20%), depois dos cistos radiculares periapicais. Geralmente é unilocular e de maior ocorrência na mandíbula e no sexo masculino2. Este cisto é descoberto, usualmente, em exames radiográficos realizados com outra finalidade, especialmente ao se investigar o não irrompimento de um dente permanente. São sempre radiolúcidos e mais comumente uniloculares, embora grandes lesões possam apresentar um padrão multilocular2-7.
Os terceiros molares inferiores, seguidos dos caninos superiores, ocasionalmente dentes supranumerários e odontomas, podem estar envolvidos com a formação do cisto dentígero, porém, sua etiopatogenia ainda não é totalmente conhecida. Acredita-se que a proliferação epitelial em torno de uma cavidade preenchida por líquido, cresça continuamente por pressão osmótica durante um extenso período de tempo, enquanto o dente não irromper8-9. Caso esta pressão seja eliminada e o dente irrompa, o cisto dentígero deixa de ser uma entidade patológica. Seu crescimento ocorre principalmente nas três primeiras décadas de vida, lento e assintomático, porém pode atingir dimensões consideráveis, causando deformação facial, impactação e deslocamento de dentes e/ou estruturas adjacentes, necessitando de intervenção cirúrgica para o diagnóstico e tratamento desta lesão10-11. O índice de recidiva é baixo (3,7%), assim possui um prognóstico favorável9.
Os métodos empregados no tratamento incluem a descompressão, a marsupialização e a enucleação. No entanto, os critérios para a escolha de uma destas modalidades não são claramente definidos pela falta de estudos exaustivos e de controles adequados11.
Os dentes frequentemente envolvidos são os terceiros molares inferiores e os caninos superiores, sendo que os molares representam em alguns estudos 75% dos casos1. O diagnóstico clínico é difícil, pois tem crescimento lento e não apresenta sintomatologia dolorosa na maioria dos casos e, quando grandes, estes cistos podem produzir edema facial, devido a expansão de corticais, além de atrapalhar a erupção de dentes vizinhos ou até promover rechaçamento dos mesmos1. Em 2002 foi relatada parestesia do nervo alveolar inferior, associada a um cisto dentígero, mas foi apenas o segundo caso relatado na literatura10.
A aspiração da lesão deve ser feita em todos os casos, pois grandes lesões podem ser tumores odontogênicos e não cistos como se espera, sendo a detecção de líquido no interior da lesão um grande indicativo de cisto8,12-13. Em seguida, uma biópsia incisional antes do tratamento definitivo, é feita para diferenciar o tipo de cisto, pois outras lesões, como o tumor odontogênico queratocístico14 e o ameloblastoma unicístico, podem apresentar características clinico-radiográficas semelhantes, sendo mais agressivos localmente necessitando de tratamento mais extenso como sacrifício de estruturas neurovasculares, osso e dentes adjacentes11,12,15.
CASOS CLÍNICOS
Critérios para diagnóstico e tratamento
A descompressão, marsupialização e a enucleação são as formas de tratamento mais empregadas11,16-17. O tamanho do cisto, a idade do paciente, os dentes envolvidos e o envolvimento de outras estruturas anatômicas, são critérios básicos que devem ser considerados e utilizados na escolha da modalidade de tratamento para cada caso.
Descompressão / Marsupialização
Ambas possuem a mesma finalidade, porém apresentam pequenas diferenças técnicas. De qualquer forma, a remoção de uma área do cisto, além de levar à eliminação da pressão interna, fornece material para exame histopatológico (biópsia incisional). Além disso, em lesões maiores, que estão levando à crepitação, deformação facial, deslocamento de dentes, ou casos em que a enucleação pode ameaçar estruturas anatômicas e a vitalidade pulpar dos dentes, estas manobras são de primeira escolha para o tratamento do cisto dentígero17.
Caso 1
Homem de 48 anos de idade, apresentando área radiolúcida unilocular com rechaçamento do dente 38 para a região do ângulo mandibular e proximidade com o canal mandibular, visto radiograficamente. Devido a estas características, a marsupialização foi a primeira opção de tratamento. O exame histopatológico estabeleceu o diagnóstico de cisto dentígero. Após 4 meses de observação, houve neoformação óssea, porém sem deslocamento em direção coronal ao dente 38. Neste momento, optou-se pela exodontia do dente 38 e enucleação da lesão (Figura 1).
Enucleação do cisto e extração do dente não irrompido
Esta modalidade de tratamento é empregada em cerca de 85% dos casos. Nestes pacientes, o dente não irrompido é considerado sem maior utilidade à função mastigatória/estética ou por falta de espaço no arco para irrompimento5, 11 (Figura 2).
Caso 2
Mulher de 27 anos de idade. A radiografia panorâmica mostrou lesão radiolúcida de pequenas dimensões envolvendo a coroa do dente 48, estendendo-se para distal. O não envolvimento da lesão com estruturas importantes permitiram enucleação da lesão e a exodontia do dente 48 no mesmo momento (Figura 2).
Enucleação/ Marsupialização do cisto com preservação do dente não irrompido
O dente não irrompido associado ao cisto dentígero deve ser preservado quando for estratégico à função estética. Sua posição intra-óssea, juntamente com a preservação do espaço no arco, possibilita sua manutenção. Tratamento prévio por marsupialização ou descompressão e o uso de dispositivos de tracionamento ortodôntico, também, podem ser considerados como adjuntos, quando da escolha desta modalidade5,16 (Figura 3).
Caso 3
Homem de 20 anos de idade. O não irrompimento do dente 47 instigou o exame radiográfico, identificando o dente 47 não irrompido envolvido por lesão radiolúcida unilocular circunscrita. Após a enucleação da lesão, foi colado um acessório ortodôntico, buscando a sua verticalização e sua preservação. O exame histopatológico confirmou o diagnóstico presuntivo de cisto dentígero (Figura 3).
Os dentes envolvidos nas lesões, após a enucleação, podem irromper normalmente, necessitando de acompanhamento. Há relatos em que os pacientes não precisaram de tracionamento ortodôntico, apenas de mantenedores de espaço após a enucleação ou marsupialização5,16. A marsupialização é uma das formas de tratamento para a preservação do dente e provedora de seu irrompimento. Quando o dente após a enucleação não irrompe, tem-se a opção de fazer o tracionamento ortodôn-tico, mas existem critérios para determinar o tracionamento ou a extração. Alguns parâmetros importantes são considerados para o tracionamento: a) profundidade do centro da cúspide do dente envolvido em relação à junção cemento-esmalte do dente adjacente; b) angulação do ápice do dente envolvido na lesão, em relação à bissetriz formada pelos ápices dos dentes adjacentes. Quanto menor for o ângulo formado, melhor o prognóstico; c) maturidade da raiz, quanto mais imatura, melhor o prognóstico, porém a metade da raiz deve estar formada; d) área cística deve ser pequena para favorecer o tratamento; e) espaço para irrompimento, verificar se a distância entre os dentes adjacentes permite o irrompimento normal da coroa do dente envolvido na lesão18.
Quando os dentes não irrompem após a enucleação e não respeitam os critérios do tracionamento ortodôntico citados, o tratamento mais indicado é a extração18.
DISCUSSÃO
Classicamente, o tratamento cirúrgico do cisto dentígero é a enucleação do cisto e remoção do dente envolvido5,7,19-20. Esse tratamento pode ser favorável nos casos que envolvem, por exemplo, um terceiro molar de um adulto, por outro lado, poderá ocorrer perda de vários dentes ou lesão importante à estruturas anatômicas nos casos de grandes cistos dentígeros11. Quando o dente envolvido com o cisto é extraído (especialmente em crianças), poderá ocorrer consequências importantes do ponto de vista funcional, estético e psicológico. Além disso, a problemática para reabilitação protética em uma criança em crescimento também deve ser considerada. Baseando-se no fato do cisto dentígero ser uma lesão benigna, alguns fatores ou critérios de avaliação poderão ditar qual opção de tratamento seria a mais indicada a cada caso11.
O tamanho do cisto é fator importante a ser considerado no planejamento do tratamento. Cistos pequenos podem ser facilmente enucleados e submetidos a exame histopatológico (biópsia excisional), enquanto se preserva o dente envolvido. Porém, um outro ponto deve ser discutido. Nos casos em que há expansão de corticais, o descolamento mucoperiostal necessário para o tratamento por enucleação pode ser contra-indicado, pois a cortical adelgaçada dificilmente se manterá viável após o rebatimento de um retalho mucoperiostal. Nestas situações, a opção por um tratamento mais conservador em um primeiro momento cirúrgico parece ser uma medida mais interessante11.
Idade e proximidade com estrutura anatômica
Em crianças com cistos extensos, os germes dentários permanentes podem ser lesados ou desvitalizados ao proceder-se com uma enucleação. Assim, uma fase inicial descompressiva da lesão (descompressão/marsupialização) diminuirá o tamanho do cisto e do defeito ósseo, podendo, caso necessário, ser indicado uma enucleação em um segundo tempo cirúrgico11.
Importância clínica do(s) dente(s) envolvido(s)
Caninos superiores ou inferiores possuem méritos suficientes quanto à estética e à oclusão para que sejam preservados. Por outro lado, terceiros molares são dentes usualmente removidos por falta de espaço no arco dentário, dentre outras razões. Descompressão ou marsupialização é uma boa opção no manejo de cisto dentígero em crianças. A cirurgia é menos traumática e o potencial de irrompimento espontâneo pós-marsupialização é grande, pelo maior metabolismo ósseo nas crianças e pela rizogênese incompleta dos dentes envolvidos11. Caso confirmado pela biópsia incisional o diagnóstico de cisto dentígero, estas condutas clínicas já funcionariam como tratamento definitivo da lesão, devido à metaplasia escamosa sofrida pelo epitélio cístico após exposição ao meio bucal. Em alguns casos, podem existir complicações como anquilose alveolodentária nos dentes rechaçados ou ainda inclinação desfavorável ao irrompimento que indicarão em um segundo momento, nova intervenção cirúrgica (enucleação) 11.
CONCLUSÃO
Como o cisto dentígero é o de segunda maior ocorrência entre os cistos dos maxilares, o cirurgião-dentista deve estar preparado para fazer o seu diagnóstico, indicar o tratamento mais adequado ou encaminhar a um especialista quando conveniente, contribuindo para o diagnóstico precoce da lesão e consequentemente para a preservação de estruturas anatômicas e dentes adjacentes.
Colaboradores
LGM VAZ foi responsável pelo levantamento bibliográfico e pela redação do artigo. MTV RODRIGUES foi responsável pelo diagnóstico e pelo tratamento dos casos clínicos, pelo preparo das imagens e pela redação final do artigo. O FERREIRA JÚNIOR orientou e fez a revisão final do artigo.
REFERÊNCIAS
1. Thosaporn W, Iamaroon A, Pongsiriwet S. A comparative cell proliferation between the odontogenic keratocyst, orthokeratinized odontogenic cyst, dentigerous cyst and ameloblastoma. Oral Dis. 2004;10(1):22-6. [ Links ]
2. Ustner E, Fitoz S, Atasoy C, Erden I, Akyar S. Bilateral maxillary dentigerous cysts: a case report. Oral Surg Oral Med Pathol Oral Radiol Endod. 2003;95(5):632-5. [ Links ]
3. Aguiló L, Gandía JL. Dentigerous cyst of mandibular second premolar in a five-year-old girl, related to a non vital primary molar removed one year earlier: a case report. J Clin Pediatr Dent. 1998;22(2):155-8. [ Links ]
4. Dammer R, Niederdellmann H, Dammer P, Nuebler-Moritz M. Conservative or radical treatment of keratocysts: a retrospective view. Br J Oral Maxillofac Surg. 1997;35(1):46-8. [ Links ]
5. Martínez-Pérez D, Varela-Morales M. Conservative treatment of dentigerous cysts in children: report of four cases. J Oral Maxillofac Surg. 2001;59(3):331-4. [ Links ]
6. Meningau JP, Oprean N, Pitak-Arnnop P, Bertrand JC. Odontogenic cysts: a clinical study of 695 cases. J Oral Sci. 2006;48(2):59-62. [ Links ]
7. Smith JL, Kellman RM. Dentigerous cyst presenting as a head and neck infections. Otolaryngol Head Neck Surg. 2005;133(2):715-7. [ Links ]
8. Gulbranson SH, Wolfery JD, Raines JM, Macnally BP. Squamous cell carcinoma arising in a dentigerous cyst in a 16-months-old girl. Othoryngol Head Neck Surg. 2002;127(5):463-4. [ Links ]
9. Neville BW. Odontogenic cysts and tumors. In: Neville BW, Damm DD, Allen CM, Bouquot JE. Oral and Maxillofacial Pathology. 2a. ed. Philadelphia: WB Saunders; 2004. p.493-6. [ Links ]
10. Aziz SR, Pulse C, Dourmas MA, Roser SM. Inferior alveolar nerve paresthesia associated with a mandibular dentigerous cyst. J Oral Maxilofac Surg. 2002;60(4):457-79. [ Links ]
11. Motamedi MHK, Talesh KT. Management of extensive dentigerous cysts. Br Dental J. 2005;198(4):203-6. [ Links ]
12. Edamatsu M, Kumamoto H, Ooya K, Echigo S. Apoptosis-related factors in the epithelial components of dental follicles and dentigerous cysts associated with impacted third molars of the mandible. Oral Surg Oral Med Pathol Oral Radiol Endod. 2005;99(1):17-23. [ Links ]
13. Bravo M, White D, Miles L, Cotton R. Adenomatoid odontogenic tumor mimicking a dentigerous cyst. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2005;69(12):1685-8. [ Links ]
14. Barnes L, Eveson JW, Reichart P, Sidransky D. World Health Organization. Classification of tumours. Pathology and genetics of head and neck tumours. Lyon: IARC Press; 2005. [ Links ]
15. Tsukamoto G, Sasaki A, Akiyama T, Ishikawa T, Kishimoto K, Nishiyama A, et al. A radiologic analysis of dentigerous cysts and odontogenic keratocysts associated with a mandibular third molar. Oral Surg Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2001;91(6):743-7. [ Links ]
16. Ertas U, Yavuz S. Interesting eruption of 4 teeth associated with with a large dentigerous cyst in mandible by only marsupialization. J Oral Maxilofac Surg. 2003;61(6):728-32. [ Links ]
17. Mintz S, Allard M, Nour R. Extraoral removal of mandibular odontogenic dentigerous cysts: a report of 2 cases. J Oral Maxilofac Surg. 2001;59(9):1094-6. [ Links ]
18. Hyomoto M, Kawakami M, Inoue M, Kirota T. Clinical conditions for eruptions of maxillary canines and mandibular premolars associated with dentigerous cysts. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 2003;124(5):515-20. [ Links ]
19. Assael LA. Surgical management of odontogenic cysts and tumors. In: Peterson LJ, Indresano TA, Marciani RD, Roser SM. Principles of oral and maxillofacial surgery. Philadelphia: JB Lippincott; 1992. p.685-8. [ Links ]
20. Regezi JA. Cyst and cyst-like lesions. In: Regezi JA, Sciubba J, Pogrel MA. Atlas of oral and maxillofacial pahtology. 3a. ed. Philadelphia: WB Saunders; 2000. p.88. [ Links ]
Recebido em: 29/8/2008
Aprovado em: 15/5/2009
1 Correspondência para / Correspondence to: MTV RODRIGUES. E-mail: <mtadeuvr@usp.br>.