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RSBO (Online)
versão On-line ISSN 1984-5685
RSBO (Online) vol.7 no.1 Joinville Mar. 2010
ARTIGO ORIGINAL DE PESQUISA ORIGINAL RESEARCH ARTICLE
Cárie dentária em escolares residentes em municípios do Rio Grande do Sul, Brasil, com e sem fluoretação nas águas
Dental caries in schoolchildren living in cities of Rio Grande do Sul, Brazil, with and without water fluoridation
Lilian RigoI; Claides AbeggII; Diego Garcia BassaniIII
IProfessora da Escola de Odontologia da Faculdade Meridional Passo Fundo. Doutora em Odontologia (área de concentração Saúde Coletiva) Faculdade de Odontologia de Pernambuco FOP/UPE
IIProfessora do departamento de Odontologia Preventiva e Social e do mestrado em Odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Doutora pela University of London
IIIHealth Systems Research and Consulting Unit Centre for Addiction and Mental Health. Doutor pela Universidade de Pelotas RS
RESUMO
INTRODUÇÃO E OBJETIVO: O objetivo deste trabalho foi estudar a prevalência e a severidade da cárie dentária, analisando a influência de alguns fatores socioeconômicos e a fluoretação das águas de abastecimento público.
MATERIAL E MÉTODOS: O delineamento da pesquisa foi transversal de base escolar realizado mediante informações do Levantamento Epidemiológico do Rio Grande do Sul e abrangeu 571 escolares de 12 anos da região norte do Rio Grande do Sul, Brasil. Os resultados foram analisados por intermédio do teste de regressão logística binária.
RESULTADOS: Após o ajuste dos dados, os escolares residentes em municípios de pequeno porte tiveram três vezes mais chances de apresentar cárie do que os moradores de cidades de médio e grande porte (RC = 2,94; IC95% = 1,86-4,64).
CONCLUSÃO: O porte demográfico do município foi o principal fator associado à experiência de cárie dentária nos escolares da região norte do Rio Grande do Sul.
Palavras-chave: cárie dentária; saúde bucal; epidemiologia; fluoretação.
ABSTRACT
INTRODUCTION AND OBJECTIVES: The aim of this research was to study the prevalence and severity of dental caries, analyzing the influence of some socioeconomic factors and the fluoridation of public water supply.
MATERIAL AND METHODS: A school-based cross-sectional study was performed based on data collected through the Oral Health Epidemiological Survey of Rio Grande do Sul, which included 571 12-year-old schoolchildren from the north of Rio Grande do Sul, Brazil. Data was analyzed through binary logistic regression test.
RESULTS: After data adjustment, results showed that schoolchildren living in small-sized cities had 3 times higher odds of having dental caries than the ones who live in big and medium-sized cities (OR = 2.94; IC95% = 1.86-4.64).
CONCLUSION: The demographic size of the city was the main factor associated to the dental caries experience in schoolchildren from the north of Rio Grande do Sul, Brazil.
Keywords: dental caries; oral health; epidemiology; fluoridation.
Introdução
Tomando-se como base os estudos epidemiológicos realizados em diferentes locais do mundo, os índices de cárie dentária apresentaram valores muito elevados para a faixa etária de 12 anos entre 1960 e 1970, tanto em países desenvolvidos como em alguns países em desenvolvimento. Porém, nos últimos anos, o declínio da cárie nessa idade tem sido observado tanto em âmbito nacional como internacional. Na Europa e nos Estados Unidos, os índices declinaram a partir dos anos 1970 e, no Brasil, a partir dos anos 1990 [16].
O primeiro levantamento epidemiológico de cárie dentária em âmbito nacional foi feito em 1986 e abrangeu 16 capitais brasileiras. Nele, observou-se um índice de dentes permanentes cariados, perdidos e obturados (CPOD) de 6,65 aos 12 anos. Quando analisado somente o estado do Rio Grande do Sul (RS), o índice foi semelhante, com CPOD de 6,31. Decorridos 10 anos, em um segundo estudo também nas capitais brasileiras, o índice de CPOD foi de 3,12 no país e de 2,41 no Rio Grande do Sul, evidenciando, assim, uma diminuição da cárie dentária em mais de 50% [12]. O levantamento nacional de saúde bucal do Brasil de 2003 (Projeto SB 2000) foi realizado em 250 municípios de todas as regiões do país, mostrando uma redução de 61,6% na prevalência de cárie dentária na população de 12 anos, com um índice de 2,78. No estado do Rio Grande do Sul, o índice permaneceu inalterado, com 2,45. Dessa forma, o CPOD foi menor do que 3, seguindo a meta definida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para essa idade no ano 2000. No mesmo levantamento de âmbito nacional, foram observadas ainda várias cidades com CPOD menor do que 2,0 e até abaixo de 1,0 [21]. Entretanto a comparação dos resultados desses estudos deve ser feita com cautela, considerando-se que foram utilizadas metodologias diferentes para a sua realização.
Nadanowsky [16], analisando os fatores que influenciaram a redução da cárie dentária, concluiu que o flúor, especialmente a fluoretação das águas de abastecimento público e dos cremes dentais, é o principal determinante do declínio da cárie dentária nos últimos 30 anos. Várias pesquisas mostraram a redução da prevalência de cárie aos 12 anos e do índice CPOD em razão da adição de flúor na água de abastecimento. No Rio Grande do Sul, a experiência de cárie foi investigada em seis cidades com diferentes níveis de flúor nas águas, tendo como resultado a baixa prevalência de cárie nos municípios abastecidos com água fluoretada e maior vulnerabilidade da população escolar nas cidades com ausência de flúor na água [10]. Estudos realizados no Paraná [4], em Santa Catarina [5], na Paraíba [23] e em São Paulo [9, 24] demonstraram que as cidades com fluoretação nas águas tiveram menores índices de CPOD e maior proporção de crianças livres de cárie.
Porém, segundo Locker [13], há um consenso em relação ao declínio da cárie dentária e ao aumento do uso de produtos que empregam flúor na sua composição pela população. O autor afirma ainda que a eficiência da fluoretação das águas tem diminuído nos últimos anos, não se observando diferenças consideráveis entre os índices de cárie nas comunidades com e sem flúor nas águas. Narvai [17], ao discutir a importância do flúor na água de abastecimento, afirma que os principais beneficiados com a fluoretação das águas de abastecimento público no Brasil são as pessoas pertencentes ao nível socioeconômico mais baixo, pois o benefício é proporcionalmente maior nas categorias de renda mais baixa, que não têm acesso a outros fatores de proteção.
Algumas pesquisas observaram a relação entre a prevalência e severidade da cárie e o local de residência. Um estudo comparativo com crianças residentes em diversas localizações geográficas de um município de São Paulo mostrou que a ocorrência de cárie foi mais elevada na área rural do que na urbana, obtendo o componente cariado grande porcentagem no índice CPOD [15]. Trabalhos recentes investigaram a ligação entre a cárie dentária e o porte demográfico dos municípios, observando uma predominância de cárie dentária nos municípios pequenos [20]. Tagliaferro et al. [24] sugerem que as cidades de pequeno porte recebem menos suporte financeiro do governo federal do que as de médio e grande porte. Além disso, mencionam a dificuldade de acesso da população a cuidados de saúde bucal e o baixo poder socioeconômico como fatores que influenciaram em uma alta prevalência de cárie nesses municípios, independentemente da fluoretação das águas de abastecimento público. Alguns autores argumentam que os indicadores socioeconômicos de uma localidade explicam grande parte da desigualdade em saúde de sua população [2, 18].
Considerando-se a pouca existência de estudos anteriores em âmbito estadual e regional do Rio Grande do Sul, o propósito deste trabalho é conhecer a prevalência e a severidade da cárie dentária em escolares de 12 anos de idade da região norte do Rio Grande do Sul e analisar a influência de fatores socioeconômicos e da fluoretação das águas de abastecimento público.
Material e métodos
O delineamento do presente estudo foi transversal de base escolar e recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Luterana do Brasil (Processo n.º 2005018H).
Nesta investigação foram analisados os dados individuais referentes ao sexo e à localização geográfica de moradia, bem como os exames clínicos de cárie dentária, dos 571 escolares de 12 anos residentes em 20 municípios da região norte do Rio Grande do Sul. Esses dados são oriundos do levantamento das condições de saúde bucal da população do estado [21], realizado entre 2002 e 2003 pela Secretaria do Rio Grande do Sul, decorrente do levantamento nacional de saúde bucal do Brasil (Projeto SB 2000), do Ministério da Saúde, tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (Processo Conep n.º 581/2000).
Além desses, foram analisados alguns dados quanto ao município da criança: porte demográfico, presença e tempo de fluoretação das águas de abastecimento público, índice de desenvolvimento humano municipal (IDH-M, medido por meio de indicadores de educação, longevidade e renda) e coeficiente de Gini (indicador de desigualdade na distribuição de renda).
O plano amostral foi desenvolvido com base na técnica da amostragem probabilística por conglomerado em três estágios, a fim de permitir a produção de inferência para cada uma das sete macrorregiões do estado, para cada porte demográfico de município, sendo baseado no número de habitantes (até 5.000 habitantes; de 5.001 a 10.000 habitantes; de 10.001 a 50.000 habitantes; mais de 50.000 habitantes), e para cada idade ou grupo etário (de 18 a 36 meses, 5 anos, 12 anos e de 15 a 19 anos), conforme preconizado pela OMS. O desenho do plano amostral teve por base as definições do Projeto SB 2000. Para o levantamento no Rio Grande do Sul foram sorteados 95 municípios das sete regiões. A população deste estudo foi composta por indivíduos representados por 20 cidades da região norte do estado, escolhidos em um processo de sorteio ponderado. Foi utilizada a fórmula de cálculo de tamanho de amostra aleatória simples para cada idade, com nível de confiança de 95% e erro amostral de 4%, tendo sido adotada para o cálculo do tamanho da amostra em cada idade a variável cárie dentária medida pelo índice CPOD aos 12 anos. A meta era de, no mínimo, 491 crianças [21].
De acordo com os critérios estabelecidos para o levantamento das condições de saúde bucal da população do Rio Grande do Sul, o processo de sorteio dos municípios deu-se de forma ponderada; cada local possuía uma probabilidade associada de participar da amostra. O sorteio ponderado também foi realizado nas escolas, em função do número total de alunos em cada instituição, de modo que as que tivessem mais alunos teriam mais chances de participar, sendo fixado o número de 20 estabelecimentos da rede pública e privada das áreas urbanas e rurais. O sorteio dos elementos amostrais (escolares) ocorreu mediante amostragem casual sistemática [21].
Para assegurar uma interpretação uniforme e consistente dos critérios padronizados para a coleta dos dados, profissionais foram treinados para atuar como instrutores de calibração. Esses instrutores desenvolveram oficinas de calibração em cada local do estado, com o propósito de calibrar as equipes de campo, minimizando as variações entre os diferentes examinadores. O processo de calibração foi planejado para os examinadores de cada município e abrangeu, ao todo, em torno de 20 horas de trabalho. Os resultados do processo de calibração, medidos conforme porcentuais de concordância e coeficiente Kappa, estiveram de acordo com os parâmetros aceitáveis (> 95% e K > 0,75).
A coleta de dados realizada por meio de exames clínicos intrabucais em escolas foi feita por 33 cirurgiões-dentistas de todos os municípios, utilizando um conjunto composto por um espelho bucal plano e uma sonda específica, desenvolvida pela Organização Mundial de Saúde (CPI) para levantamentos epidemiológicos sob luz natural, com o examinador e o examinado sentados, seguindo as normas de biossegurança. O controle de qualidade dos dados da digitação foi verificado após cada turno de trabalho, conferindo cautelosamente 20% dos dados digitados [21].
A variável dependente cárie dentária foi dicotomizada em: sem cárie (crianças com CPOD igual a 0) e com cárie (valores do CPOD iguais ou maiores do que 1). As variáveis independentes estudadas foram: sexo; localização geográfica da residência (urbana e rural); tempo de fluoretação nas águas de abastecimento (nenhum ou até 5 anos e de 10 a 30 anos); IDH dos municípios (varia de 0 para localidade com nenhum desenvolvimento humano até 1 para locais com desenvolvimento humano total. Valores de IDH de 0 a 0,499 são considerados de desenvolvimento humano baixo; valores entre 0,500 e 0,799 são considerados de médio desenvolvimento humano; e um IDH superior a 0,800 é considerado alto), agrupados neste estudo em médio (valores até 0,799) e alto (acima de 0,800); coeficiente de Gini, agrupado em duas categorias segundo a média dos índices da região norte, tendo como ponto de corte o valor de 0,53 (menor desigualdade 0,46-0,53 e maior desigualdade 0,54-0,68); e porte demográfico do município, que, seguindo um critério de homogeneidade e levando em consideração a distribuição das frequências, foi dicotomizado em duas categorias (médio e grande porte: municípios de 5.000 até mais de 100.000 habitantes; e pequeno porte: municípios com até 5.000 habitantes).
Na análise dos dados, inicialmente, foram verificadas as frequências absolutas e relativas das variáveis. Utilizou-se o teste do qui-quadrado para averiguar a associação entre cárie dentária e as variáveis independentes, no pacote estatístico SPSS para Windows versão 15.0. Para avaliar o efeito das variáveis independentes sobre a variável de desfecho objetivando calcular como cada variável explicativa afeta a chance de a criança ter cárie dentária, foi empregada a análise de regressão logística binária, que estima os valores das razões de chance (RC) e respectivos intervalos de 95% de confiança (IC95%), com a finalidade de ajustar os resultados para potenciais confundidores. Na primeira etapa, foi realizada a regressão logística (bivariada), obtendo-se os valores da RC bruta. Em uma segunda etapa, foi feita a regressão logística múltipla, introduzindo-se simultaneamente no modelo as variáveis com p < 0,20.
As estimativas de RC e IC95% de cada variável foram ajustadas para o efeito das demais variáveis estudadas no modelo. Realizou-se exclusão backward stepwise conditional das variáveis com p > 0,05, iniciando-se pelas variáveis com valor de p mais elevado, até que o modelo estivesse ajustado, incluindo apenas variáveis com p < 0,05.
Resultados
Descrição da amostra
O total da amostra estudada foi de 571 escolares de 12 anos de idade distribuídos em 20 municípios da região norte do Rio Grande do Sul, sendo 268 do sexo masculino e 303 do sexo feminino (tabela I).
A análise do perfil epidemiológico de cárie dentária seguiu a seguinte distribuição: 19,8% do total das crianças estavam livres de cárie (113 crianças) e 80,2% (458 crianças) apresentavam experiência de cárie dentária. De todas as crianças com cárie, 44,98% (206) tiveram valores de CPOD de 1 a 3, e 55,02% (252), de 4 ou mais. O índice médio de CPOD foi de 3,66, com prevalência moderada de cárie (definida pela OMS/FDI, 19821) e valores mínimos de 0 e máximos de 23; a mediana foi 3. Observou-se que a distribuição dos valores de CPOD não formou uma curva normal e simétrica, o que significa que a maior parte da população estudada não está distribuída em torno da média de CPOD.
Em relação à meta proposta pela OMS para o ano de 2000, 55,9% das crianças (319) atingiram essa meta, pois apresentaram um CPOD de 0 até 3. O restante (44,1%) obteve um índice CPOD de 4 a 23 (252 crianças).
Fatores associados ao nível de cárie dentária
Na análise multivariada optou-se pela utilização somente das variáveis contextuais relativas aos 20 municípios que tiveram valor de p < 0,20 na análise bivariada. Conforme a tabela I, pôde-se verificar que as variáveis tempo de fluoretação da água, IDH e porte do município apresentaram associação estatística, permanecendo assim no modelo final para análise multivariada. Contudo a variável coeficiente de Gini não obteve associação com cárie dentária (p > 0,05), não entrando portanto no modelo final.
Os escolares que residem nas cidades sem fluoretação ou que possuem tal benefício há no máximo cinco anos tiveram 1,91 vez mais chances de ter cárie do que os que possuem fluoretação nas águas de abastecimento público entre 10 e 30 anos. Os que moram em municípios com IDH médio tiveram duas vezes mais chances de ter cárie dentária, quando comparados aos escolares de localidades com IDH alto. Os residentes em municípios de pequeno porte tiveram 2,94 vezes mais chances de apresentar cárie dentária do que os que vivem em cidades de médio e grande porte.
Após o ajuste no modelo final, a única variável que manteve associação estatisticamente significativa com cárie dentária foi porte do município, tendo seus valores da associação inalterados para os escolares que moram em cidades de pequeno porte (RC = 2,941).
Discussão e conclusão
A análise do perfil epidemiológico da população estudada demonstra uma proporção baixa de crianças livres de cárie (19,8%) e um índice CPOD com experiência moderada de cárie, permitindo afirmar que a situação da cárie dentária na idade analisada não está controlada na região. Em outros estudos brasileiros, realizados em municípios de Santa Catarina [11] e de São Paulo [7], a proporção de crianças livres de cárie aos 12 anos mostrou-se mais elevada do que na região pesquisada. Dados finais do Relatório SB Nacional constam de um porcentual de quase 70% de cárie dentária na dentição permanente das crianças brasileiras de 12 anos, embora regiões com número de habitantes diferente, como Norte, Nordeste e Centro-Oeste, tenham apresentado um porcentual mais alto do que no Sul e no Sudeste. Observa-se, dessa forma, que a região norte do estado pesquisado neste estudo obteve frequências acima das do país [7].
A meta proposta pela OMS para o ano 2000, de crianças aos 12 anos com CPOD < 3, foi conseguida somente por 55,9% das crianças da região norte do Rio Grande do Sul. Melhores resultados nos níveis de CPOD foram encontrados em Blumenau, Santa Catarina, onde 83% das crianças apresentaram CPOD entre 0 e 3 [25].
Observou-se que as crianças residentes nos municípios de menor porte demográfico apresentaram quase três vezes mais chances de ter cárie dentária. Dados semelhantes foram encontrados em estudos nos estados de São Paulo [9, 24] e do Paraná [4], onde a média do índice CPOD aumentava à medida que o porte dos municípios diminuía. Em um estudo sobre prevalência de cárie dentária realizado em cidades de São Paulo, constatou-se que os municípios grandes registraram mais da metade da população nas categorias de prevalência de cárie baixa e moderada, ao passo que nos pequenos a maioria da população correspondeu à faixa de alta e muito alta [20]. Possíveis explicações para uma melhor condição de saúde bucal das crianças que vivem em municípios de grande porte podem estar associadas à disponibilidade de acesso a serviços e produtos fluorados, bem como ao maior aporte financeiro do governo federal, às menores dificuldades com o cuidado da saúde bucal e ao maior desenvolvimento social e econômico [24].
No presente estudo, após o ajuste, não houve associação entre cárie dentária e a presença e o tempo de flúor nas águas de abastecimento público. Esses resultados são corroborados com o estudo de Gushi et al. [12], realizado no estado de São Paulo com adolescentes na faixa etária entre 15 e 19 anos, no qual não foram encontradas diferenças entre a média do índice CPOD dos municípios com e sem água fluoretada. Resultados semelhantes também foram obtidos por Sales-Peres e Bastos [22] ao desenvolverem pesquisa em municípios da região centro-oeste de São Paulo com crianças de 12 anos. Para os autores, o que ocorreu foi o efeito interativo de diferentes métodos de flúor e a presença do efeito halo (produtos produzidos em regiões fluoretadas e consumidos em regiões não fluoretadas), não sendo possível estabelecer diferenças significativas com a presença ou a ausência de flúor nas águas das cidades. Outros autores concordam com essa explicação para a redução da prevalência da cárie ao longo dos anos, assim como acreditam na existência de programas de intervenção, incluindo prevenção à cárie dentária, e não somente na fluoretação das águas de abastecimento público [6]. Contudo o papel da fluoretação das águas tem sido observado em diferentes trabalhos descritos na literatura, em que o acesso da população à água fluoretada se firmou como um fator importante na variação dos valores do índice CPOD. Os estudos feitos nos estados do Paraná [21, 3], de São Paulo [9, 24] e da Paraíba [23] demonstraram haver diferenças significativas entre os índices CPOD e a proporção da população que recebe água fluoretada. Em municípios de Minas Gerais também foi verificada a importância do tempo de fluoretação na redução dos índices de cárie; as crianças residentes em municípios do estado com fornecimento de água fluoretada há mais de cinco anos apresentaram mais chances de ter um índice CPOD baixo [14]. Os autores sugerem que essa estratégia preventiva seja estendida a comunidades que não contêm fluoretação das águas, permitindo melhores condições de saúde bucal e levando em consideração a relação custo e benefício, principalmente nos municípios onde as desigualdades sociais são mais evidentes e, portanto, o benefício é maior.
Embora diferentes pesquisadores questionem a real atuação dos anos de fluoretação nas águas de abastecimento público, considerando a redução da prevalência da cárie dentária mesmo em locais onde a água não é fluoretada [9, 19], neste estudo a ausência de associação entre fluoretação das águas e a variável cárie possivelmente está relacionada ao fenômeno de convergência entre os municípios, isto é, os resultados tenderam para um ponto comum, em virtude da exposição da população aos diversos métodos de utilização do flúor e do efeito halo, mencionado anteriormente. A investigação da adequação dos teores de flúor na água e nas demais fontes, bem como a continuidade na adição de flúor, faz-se necessária para melhorar a compreensão do efeito dos anos de fluoretação nos municípios.
Quando se estudou a localização geográfica onde residem as crianças, apesar de não se verificar associação significativa entre as que vivem em zona rural e as que vivem em zona urbana e experiência de cárie dentária, observaram-se resultados semelhantes na cidade de Itatiba, São Paulo, mesmo tendo sido relatadas piores condições de saúde bucal na zona rural [8]. Tais resultados podem ser explicados em razão da maior incorporação das crianças aos serviços odontológicos nesses locais e da implementação de alguns programas preventivos realizados tanto nas escolas urbanas como nas rurais. Entretanto, em Itapetininga, São Paulo, a ocorrência de cárie foi mais alta na zona rural quando comparada com a zona urbana, indicando possíveis privações sociais [15].
Nesta pesquisa não houve diferença significativa entre a variável sexo das crianças e cárie dentária na análise bivariada. Achados semelhantes foram encontrados em estudo na cidade de Florianópolis, Santa Catarina [5]. Entretanto, em trabalhos no estado de São Paulo, a maior prevalência de cárie foi no sexo masculino, quando comparado ao feminino, havendo diferenças no índice CPOD [12, 22]. Para uma melhor compreensão das possíveis associações entre os níveis do CPOD dos meninos e das meninas, seria necessário investigar as frequências dos componentes obturado e cariado do índice CPOD na população estudada.
Sendo o Brasil um país marcado por intensos contrastes geográficos, podem-se verificar as diversi-dades nos indicadores e índices socioeconômicos. Enquanto as regiões Sul e Sudeste reúnem as cidades com melhores indicadores de desenvolvimento social (IDH-M), as regiões Norte e Nordeste apresentam os piores valores desse indicador [1]. Ao investigar a associação entre cárie e IDH-M no presente estudo, não se observou diferença entre os escolares dos municípios da região analisada. Esses resultados diferem de trabalho de âmbito nacional com 250 municípios, em que os autores encontraram correlação entre menor IDH dos municípios e maior proporção de dentes cariados, contribuindo para explicar o pior perfil de necessidade de tratamento odontológico em áreas mais carentes, isto é, de menor IDH municipal [2]. A falta de associação neste artigo pode ser explicada pela ausência de municípios com IDH baixo, não mostrando grandes diferenças nos valores entre médio e alto IDH. Neste estudo também não foi constatada diferença entre cárie dentária e coeficiente de Gini. Tais resultados são diferentes daqueles encontrados em pesquisa feita para investigar a relação entre a redução dos índices de cárie dentária e os fatores socioeconômicos com crianças de 12 anos de idade nas capitais brasileiras, em que se percebeu que as capitais com menores desigualdades na distribuição de renda (coeficiente de Gini) obtiveram menores índices CPOD e maior porcentagem de crianças livres de cárie [2].
Uma das limitações deste estudo é não poder oferecer inferências sobre os resultados obtidos para os municípios, mas somente para a região norte do estado, já que o cálculo da amostra da investigação original foi feito com essa finalidade. Também se desconhecem variáveis socioeconômicas, como tipo de escola, renda familiar e escolaridade dos pais, que podem influenciar os resultados em relação à cárie dentária. Além disso, trata-se de um estudo transversal, o que impede o estabelecimento de relações de causa e efeito, considerando-se que os dados sobre a exposição e o desfecho foram coletados simultaneamente.
Entretanto os resultados do presente estudo permitem concluir que o porcentual de crianças com experiência de cárie foi alto e o índice médio de CPOD foi de 3,66, tendo o porte demográfico dos municípios contribuído significativamente para esses resultados. Embora não se tenha observado associação estatística entre cárie dentária e fluoretação das águas de abastecimento público, verifica-se a importância do tempo de fluoretação dessas águas, visto que a proporção das crianças livres de cárie foi maior nos municípios que contam com a fluoretação entre 10 e 30 anos.
Sugere-se a implementação de estratégias coletivas em saúde bucal direcionadas à idade investigada, e é aconselhável instituir um processo de vigilância das condições de saúde bucal nesses escolares, tendo em vista que a experiência passada a respeito da cárie é uma importante medida para avaliar o risco de cárie no futuro. Além disso, considera-se fundamental o direcionamento de futuros estudos para verificar com mais detalhes a distribuição da cárie dentária nos municípios analisados e sua relação com outras variáveis.
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Endereço para correspondência:
Lilian Rigo
Avenida Major João Schell, n.º 1.121 Vila Fátima
CEP 99020-010 Passo Fundo RS
E-mail: lilianrigo@via-rs.net
Recebido em 6/7/2009.
Aceito em 2/9/2009.
Received on July 6, 2009.
Accepted on September 2, 2009.
1 A OMS considera que quando o valor do CPOD está entre 2,7 e 4,4 a prevalência de cárie é "moderada". Fonte: Federation Dentaire Internationale. Global goals for oral health in the year 2000. International Dental Journal. 1982;1: 74-7.