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RSBO (Online)

versão On-line ISSN 1984-5685

RSBO (Online) vol.7 no.2 Joinville Jun. 2010

 

ARTIGOS DE RELATO DE CASO CASE REPORT ARTICLE

 

Proservação pós-operatória de paciente com Síndrome de Gorlin-Goltz – relato de caso

 

Follow-up of patient with Gorlin-Goltz Syndrome – a case report

 

 

Alexsandra da Silva Botezeli StolzI; Marcia Oliva de OliveiraII; Fabiana Vargas FerreiraIII; Celina Maria UggeriIV

IProfessora adjunta da disciplina de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial (CTBMF) do curso de Odontologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM – RS). Doutora em CTBMF pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS)
IIProfessora assistente da disciplina de CTBMF do curso de Odontologia da UFSM – RS. Mestre em Distúrbios da Comunicação Humana pela UFSM – RS
IIIAluna do Programa de Pós-Graduação, Mestrado, Ciências Odontológicas da Universidade Federal de Santa Maria / Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFSM/UFRGS)
IVCirurgiã-dentista graduada pela UFSM

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: A Síndrome de Gorlin-Goltz, também conhecida como Síndrome do Carcinoma Basocelular Nevoide, é um transtorno hereditário autossômico dominante que se caracteriza pela presença de ceratocistos múltiplos nos maxilares e carcinomas basocelulares, além de alterações musculoesqueléticas, neurológicas, dermatológicas e endócrinas.
RELATO DE CASO: O presente trabalho relata o caso de um paciente de 15 anos de idade, atendido na Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Santa Maria (RS), que apresentava ceratocistos múltiplos nos ossos maxilares, os quais foram removidos cirurgicamente em várias etapas. O paciente encontra-se em proservação de 48 meses, incluindo avaliações clínicas e radiográficas.
CONCLUSÃO: Conclui-se que acompanhamento periódico e sistemático pode evitar consequências danosas ao paciente.

Palavras-chave: Síndrome de Gorlin-Goltz; carcinoma basocelular; cistos odontogênicos.


ABSTRACT

INTRODUCTION: The Gorlin-Goltz Syndrome, also known as Nevoid Basal Cell Carcinoma Syndrome, is a dominant autosomal hereditary disorder which is characterized by the presence of multiple jaw keratocysts and basal cell carcinomas, besides musculoskeletal, neurological, dermatological and endocrine abnormalities.
CASE REPORT: This paper reports the case of a fifteen-year-old patient who was referred to the Faculty of Dentistry of the Federal University of Santa Maria (RS, Brazil) and presented multiple jaw keratocysts, which were surgically removed in several steps. The patient is under observation for 48 months, including clinical and radiographic evaluations.
CONCLUSION: It can be concluded that systematic and regular monitoring may avoid possible harmful consequences to the patient.

Keywords: Gorlin-Goltz Syndrome; basal cell carcinoma; odontogenic cysts.


 

 

Introdução

A Síndrome de Gorlin-Goltz (SGG), também conhecida como Síndrome do Carcinoma Basocelular Nevoide, é um transtorno raro, com hereditariedade autossômica dominante, e caracteriza-se pela presença de ceratocistos múltiplos nos maxilares, carcinomas basocelulares e costela bífida [1, 2, 4, 6, 7, 8, 10, 13, 14]. Recentemente o termo ceratocisto foi substituído por tumor odontogênico ceratocístico (TOC) [3].

A literatura reporta prevalência variável da SGG, estimada entre 1 em cada 57.000 e 1 em cada 164.000 indivíduos [10]. A SGG provavelmente aparece em todos os grupos étnicos, mas tem sido mais relatada em indivíduos da raça branca [10]. Achados da literatura mostram que homens e mulheres são igualmente afetados, e suas características clínicas surgem durante a primeira, a segunda ou a terceira década de vida [2, 11].

Os TOCs aparecem em mais de 75% dos pacientes que possuem a síndrome, podendo ser uma das primeiras características a serem diagnosticadas por meio de achados radiográficos ou de manifestações clínicas [1, 2, 3, 8, 11, 14]. Esse fato torna imprescindível o diagnóstico precoce, em virtude de possíveis complicações, entre elas a ocorrência de tumores malignos cerebrais e epiteliais [5, 6, 13].

A maioria dos TOCs acontece na porção posterior do corpo da mandíbula e da região do ramo. As lesões no arco superior são notadas principalmente na área de terceiro molar, sendo seguida, em frequência de ocorrência, pela região de canino [8, 14]. Esses cistos apresentam índice de recorrência de mais de 62%, principalmente nos primeiros cinco anos após o tratamento cirúrgico [2, 4, 10].

De acordo com a literatura, a recorrência pode ser explicada pelo tipo de revestimento e/ou presença do cisto satélite dentro de sua cápsula [8, 9, 14] e pela possibilidade de perfurar e expandir a cortical óssea [12], assim como de penetrar na base óssea [1, 12, 15].

A terapêutica dos tumores odontogênicos ceratocísticos pode variar de enucleação com curetagem, enucleação com osteotomia periférica ou ressecção óssea em bloco [3, 6, 13].

Com base nas informações supracitadas, o objetivo deste trabalho é apresentar um caso clínico de paciente com SGG, o qual foi submetido a intervenções cirúrgicas para remoção de TOCs, sendo acompanhado há 48 meses. Portanto, por meio deste estudo é possível demonstrar a importância da avaliação longitudinal de síndromes que podem vir a comprometer o bem-estar e a qualidade de vida do paciente.

 

Relato de caso

O paciente A. A. W., sexo masculino, 15 anos de idade, leucoderma, estudante, compareceu ao setor ligado à disciplina de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do curso de Odontologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS, Brasil), encaminhado por uma cirurgiã-dentista que, ao analisar os exames radiográficos para a colocação de aparelho ortodôntico, verificou lesões radiolúcidas nos ossos maxilares.

As radiografias panorâmicas e o perfil de face evidenciaram retenção dos elementos dentários 18, 28, 38, 43 e 44, além de múltiplas lesões radiolúcidas, tanto na maxila quanto na mandíbula, circunscritas por linha radiopaca, e algumas estavam associadas aos dentes 38, 43 e 48 (figura 1).

 

 

As características faciais do paciente (ponte nasal larga, hipertelorismo, estrabismo divergente, circunferência do crânio aumentada e leve prognatismo mandibular) indicaram o diagnóstico presuntivo de SGG (figura 2), embora o exame radiográfico torácico não evidenciasse presença de costela bífida. Durante o exame clínico, observou-se o deslocamento de alguns dentes, por causa do desenvolvimento de tumores odontogênicos ceratocísticos.

 

 

O tratamento cirúrgico foi realizado em três etapas para que não houvesse fragilização generalizada das tábuas ósseas. Na primeira fase, efetuou-se enucleação do cisto da região do mento (região anteroinferior) implicando exodontia do dente 43. Na segunda etapa, após 14 meses da primeira, procedeu-se à enucleação dos cistos da região dos dentes 38 e 48. Por fim, após 16 meses da segunda intervenção, fez-se a enucleação do cisto no seio maxilar direito e do cisto entre os elementos 12 e 14.

Em todas essas regiões foram realizadas curetagens rigorosas nas lojas cirúrgicas após as enucleações. Os procedimentos cirúrgicos foram feitos sob anestesia geral, e prescreveram-se no pós-operatório os seguintes medicamentos: cefalexina 500 mg (a cada oito horas), diclofenaco de sódio 50 mg (a cada oito horas) e paracetamol 750 mg (a cada seis horas). As peças removidas foram enviadas para exame histopatológico, que confirmou o diagnóstico presuntivo das lesões (figura 3).

 

 

Durante o acompanhamento do caso, verificou-se em radiografia panorâmica realizada após um ano e sete meses da primeira intervenção a presença de dois cistos: um em região adjacente a esta, distal do elemento 32, estendendo-se até a mesial do elemento 45 (figura 4), e outro localizado no ramo ascendente direito da mandíbula (figura 5).

 

 

 

 

O tratamento desses cistos consistiu em enucleações cirúrgicas sob anestesia local, em virtude do pequeno tamanho deles, e as peças cirúrgicas foram encaminhadas para análise histopatológica, sendo confirmado novamente o diagnóstico de ceratocistos odontogênicos. A proservação continua semestralmente, e a última foi realizada sete meses após a última intervenção cirúrgica, evidenciando cicatrização e neoformação óssea.

 

Discussão

Os TOCs representam de 10 a 12% de todos os cistos maxilares, e cerca de 5% se associam à SGG [9]. Os ceratocistos aparecem em 75% dos pacientes sindrômicos e geralmente são os primeiros sinais evidentes [5, 10]. Comumente são múltiplos e assintomáticos, podendo estar presentes em qualquer região dos ossos maxilares [3, 14, 15]. Tais aspectos estão de acordo com o caso reportado neste estudo, uma vez que durante o exame clínico e radiográfico o paciente apresentou características relacionadas à presença dessa síndrome.

Existem múltiplas técnicas de tratamento que compreendem a enucleação com curetagem, a enucleação com osteotomia periférica e a ressecção óssea em bloco [1, 10], entre as quais a última técnica é vista como agressiva [5]. Há outras técnicas consideradas conservadoras, como uso de crioterapia, marsupialização do cisto ou descompressão seguida de enucleação secundária [10]. A escolha pela terapêutica está na dependência de tamanho, localização e extensão da lesão, bem como no aspecto idade e no fato de a lesão ser primária ou recorrente [1, 4, 5, 15]. No presente caso, a técnica de enucleação com curetagem foi eleita, pois tem sido sugerida pela literatura como eficiente e não muito agressiva [1, 11, 12].

O caráter recorrente do cisto é enfatizado por diversos estudos [2, 4, 10]. No entanto Blanas et al. [4] questionam essa afirmação, relatando que a recorrência desses cistos odontogênicos em pacientes sindrômicos poderia significar novas formações de cistos, o que aumenta artificialmente a relação de recorrência em um determinado tratamento. Concordando com esses autores, no caso que relatamos, não podemos afirmar se os dois últimos procedimentos cirúrgicos (figuras 4 e 5) foram enucleações de cistos recorrentes ou novos cistos. O exame radiográfico realizado 14 meses após a primeira intervenção revelou uma lesão radiolúcida em área adjacente a um dos ceratocistos removidos primariamente, porém a última intervenção foi feita em uma nova localização, no ramo ascendente direito da mandíbula.

Os achados radiográficos dos cistos ocorreram durante os primeiros 48 meses após o procedimento cirúrgico inicial, o que indica uma recorrência desse cisto nos primeiros cinco anos [2, 13]. Publicações prévias têm relatado recorrências de até 41 anos após o primeiro tratamento [15].

O mérito do relato do presente caso clínico refere-se à avaliação longitudinal de um paciente com a SGG, uma vez que essa condição pode ser diagnosticada precocemente pelo cirurgião-dentista quando da presença de lesões císticas múltiplas nos ossos maxilares, do mesmo modo que a frequência e/ou o tratamento precoce de carcinomas basocelulares associados a tal condição patológica.

 

Conclusão

O acompanhamento semestral nos primeiros cinco anos e anualmente após esse período é de grande importância para os pacientes acometidos pela SGG, considerando sempre, além dos ceratocistos, a avaliação clínica com inspeção visual para diagnóstico precoce de carcinomas basocelulares e alterações oftalmológicas. Por meio de avaliações periódicas pode-se prevenir a possível ocorrência de carcinomas basocelulares associados a essa síndrome.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Fabiana Vargas Ferreira
Rua Visconde de Pelotas, 517
CEP 97010-440 – Santa Maria – RS
E-mail: fabivfer@yahoo.com.br

Recebido em 2/7/2009
Aceito em 24/9/2009
Received on July 2, 2009
Accepted on September 24, 2009