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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

versão impressa ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.66 no.1 Sao Paulo Jan./Mar. 2012

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Epidemiologia das infecções maxilofaciais tratadas num hospital público da cidade de São Paulo

 

Epidemiology of maxillofacial infections treated in a public hospital in the city of Sao Paulo

 

 

Marcelo Zillo MartiniI; Dante Antonio MigliariII

IDoutor - Cirurgião-Dentista Bucomaxilofacial do Conjunto Hospitalar do Mandaqui e ex-aluno de pós-graduação em Diagnóstico Bucal da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (Fousp) - Brasil
IILivre-docente – Professor titular do Departamento de Estomatologia Clínica - Diagnóstico Bucal da Fousp – Brasil

Autor para correspondência:

 

 


 

RESUMO

As infecções maxilofaciais são condições clínicas graves, de ocorrência relativamente comum, caracterizadas pela rápida disseminação do processo infeccioso aos tecidos adjacentes e espaços faciais da região de cabeça e pescoço. Sua causa é geralmente odontogênica. O objetivo deste estudo foi avaliar dados referentes às causas, características clínicas, manifestações clínicas e eficácia do tratamento realizado em 42 pacientes admitidos com infecção maxilofacial no Departamento de Cirurgia Bucomaxilofacial do Hospital Tatuapé, São Paulo, no período de março de 2005 a fevereiro de 2006. As infecções odontogênicas (83,3%), com predomínio das infecções periapicais, foram as principais causas das infecções maxilofaciais. As manifestações clínicas mais comuns encontradas nos registros foram o edema acentuado (97,6%), trismo (52,4%) e prostração (47,6%). Os pacientes diabéticos não compensados apresentaram tempo de internação maior quando comparados ao dos pacientes não diabéticos (P = 0,001). Em 76,2% dos casos, o tratamento instituído foi a drenagem cirúrgica complementada por antibioticoterapia endovenosa e remoção da causa . De acordo com o estudo realizado, pudemos concluir que houve predomínio de infecções maxilofaciais em adultos jovens, sendo as infecções odontogênicas as principais causas. O tratamento empregado foi efetivo na grande maioria dos casos.

Descritores: epidemiologia; infecção focal dentária; cirurgia bucal; tratamento avançado; abscesso


 

ABSTRACT

Maxillofacial infections are severe clinical processes of relative occurrence characterized by a rapid spreading of the infection into the neighboring tissues and to the fascial spaces of the head and neck region. Its cause is predominantly odontogenic. This study aimed to assess, retrospectively, data concern to the causes, clinical characteristics, clinical manifestations and treatment efficacy in 42 in-patients with maxillofacial infection at the Department of Oral and Maxillofacial Surgery of Hospital Tatuapé, São Paulo, from March 2005 to February 2006. The odontogenic infections (mainly the periapical infections) accounted for 83.3% of the maxillofacial infections. The most common clinical manifestations were exuberant edema (97.6%), trismus (52.4%) and prostration (47.6%). Uncontrolled diabetic patients showed a longer-recovering period at the hospital when compared with that of nondiabetic patients (P = 0.001). In 76.2% of the cases, the treatment proceeding was surgical drainage coupled with antibiotic intravenous therapy and cause resolution. Summarizing the main findings, this study showed that maxillofacial infections occurred mostly in young-adults, with the odontogenic infections being their principal cause. The providing treatment was effective in the great majority of the cases.

Descriptors: epidemiology; focal infection, dental; oral surgical procedures; advanced treatment; abscess


 

 

RELEVÂNCIA CLÍNICA

A literatura odontológica no Brasil é escassa em relação aos estudos de infecções odontogênicas. O tema é de suma importância, uma vez que coloca o Cirurgião-Dentista frente a quadros de grande morbidade e eventualmente mortalidade.

 

INTRODUÇÃO

Infecções maxilofaciais graves são caracterizadas pela disseminação do processo infeccioso aos tecidos adjacentes e espaços faciais da região de cabeça e pescoço. Sua principal natureza é odontogênica, que tem início por meio da infecção periapical e doença periodontal. Outras causas incluem lacerações, fraturas, injeção anestésica e após cirurgias1,2. Embora a maioria dos processos infecciosos em seus estágios iniciais seja bem controlada com intervenção cirúrgica e antibioticoterapia, eles têm potencial para se disseminar por meio dos planos faciais da cabeça e do pescoço e acometer estruturas como órbita, seio cavernoso e mediastino3,6, podendo causar o comprometimento de vias aéreas, resultando em septicemia e morte2,3,5,7.

Fatores que incluem a demora na procura do atendimento especializado, antibioticoterapia inicial inadequada, condições sistêmicas imunossupressoras e virulência do microrganismo podem contribuir para a rápida disseminação do processo infeccioso6,8. Sendo assim, o conhecimento de condições que favorecem a progressão da doença é necessário ao profissional com a finalidade de diagnóstico de um quadro de potencial gravidade.

Dados da literatura científica mostram que a infecção maxilofacial pode ser considerada um grave problema de saúde pública em diversos países do mundo, envolvendo serviços de Medicina Bucal e Estomatologia, Cirurgia Bucomaxilofacial, Otorrinolaringologia, Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Cirurgia Torácica, Oftalmologia, Microbiologia e Infectologia8-15.

A literatura no Brasil é escassa em relação aos estudos de infecções em região de cabeça e pescoço, sendo normalmente apresentada em forma de relatos de casos16-21, com poucos trabalhos epidemiológicos8,22-24. Estudo recente realizado por Suehara et al.8 no Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo/SP, em 80 pacientes com infecção cervical profunda, mostrou alto índice de morbidade e mortalidade associadas às infecções. Ainda nesse estudo, os autores enfatizaram a prioridade de manutenção de vias aéreas e tratamento agressivo por meio de intervenção cirúrgica e antibioticoterapia.

O presente estudo tem como objetivos avaliar os dados referentes às causas, as características clínicas, as manifestações clínicas e a eficácia do tratamento realizado em pacientes com infecção maxilofacial admitidos no hospital Municipal do Tatuapé, na cidade de São Paulo.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

O projeto de pesquisa para a realização deste trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Municipal do Tatuapé (CEP/HMCC) e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (CEP/Fousp).

Este trabalho é um estudo epidemiológico descritivo transversal baseado em dados obtidos de prontuários de pacientes admitidos devido à infecção dos ossos e tecidos moles do complexo maxilofacial, no Departamento de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Hospital Municipal do Tatuapé, São Paulo, no período de março de 2005 a fevereiro de 2006.

Foram selecionados para este estudo pacientes com prontuários completos contendo evolução clínica (características clínicas, tratamento empregado e evolução) e exames complementares necessários durante o período de admissão hospitalar (hematológicos, bioquímicos, imaginológicos, cultura e antibiograma). Pacientes com prontuários incompletos referentesà evolução clínica e sem exames complementares utilizados durante o período de internação não foram utilizados para efeito de análise. Os seguintes critérios foram avaliados: idade, sexo, etiologia da infecção, condições médicas atuais e pregressas, manifestações clínicas da infecção no momento da admissão hospitalar, regiões anatômicas comprometidas, tipo de tratamento realizado, tempo de internação e complicações durante e/ou após o tratamento.

A etiologia da infecção foi classificada em odontogênica e não-odontogênica. Foram consideradas odontogênicas as infecções periapicais, doenças periodontais, infecções pós-exodontias e pericoronarites; e as não-odontogênicas, os casos de fraturas infectadas dos maxilares, lacerações cutâneas faciais, foliculites e infecções pós-operatórias não associadas às exodontias.

Fatores predisponentes investigados neste estudo foram condições de imunossupressão, diabetes melito não compensado, alcoolismo, e uso de drogas ilícitas.

Os espaços faciais comprometidos foram avaliados segundo achados clínicos, imaginológicos e cirúrgicos, e classificados em primários (os espaços canino, bucal, infratemporal, submentual, submandibular e sublingual) e secundários (os espaços massetérico, pterigomandibular, temporal superficial e profundo, lateral da faringe, retrofaríngeo e pré-vertebral).

Foram considerados dois tipos de tratamento: a drenagem cirúrgica associada à antibioticoterapia, e a drenagem cirúrgica associada à antibioticoterapia e procedimentos complementares (exodontias e fixação de fraturas). Todos os antibióticos utilizados no tratamento dos pacientes foram anotados, incluindo modificações baseadas em cultura e antibiograma. As complicações decorrentes da própria infecção e/ ou do tratamento realizado também foram analisadas.

As informações foram tabuladas eletronicamente (Microsoft Excel; Microsoft Corp, Redmond, WA) e os resultados analisados por meio do teste t de Student. Significância estatística estabelecida para P < 0,05. O teste estatístico foi aplicado na comparação de duas variáveis (pacientes diabéticos e não diabéticos em relação ao tempo de admissão hospitalar), sendo os demais dados apresentados como distribuição de frequência.

 

RESULTADOS

Após a análise dos registros de pacientes com infecção maxilofacial admitidos no Hospital Municipal do Tatuapé, São Paulo, 42 prontuários continham dados completos e foram utilizados neste estudo.

As idades variaram de 4 a 74 anos, com média de 27,6 anos (média do sexo masculino 30,9 anos e do sexo feminino 24,4 anos). A distribuição de sexo foi rigorosamente igual, 21 pacientes homens (50%), e 21 mulheres (50%). Dentre os 42 pacientes admitidos, a maior incidência ocorreu na faixa etária de 21 a 30 anos (17 casos – 40,5%), seguido dos pacientes com idades entre 11 a 20 anos (8 casos – 19%), 0 a 10 anos, (6 casos – 14,3%), 51 a 60 (4 casos – 9,5%); 41 a 50 anos (3 casos – 7,1%); 31 a 40 anos (2 casos – 4,8%); 61 a 80 anos (2 casos – 4,8%). Esses dados são mostrados no gráfico 1.

A principal causa das infecções foi odontogênica (35 casos - 83,3%), com predomínio da infecção periapical (23 casos - 65,7%) (Gráfico 2). Apenas sete pacientes desenvolveram infecção maxilofacial de causas não-odontogênicas (16,7%) (Gráfico 3).

Na faixa etária entre 0 e 10 anos, 6 pacientes foram internados com infecção maxilofacial (6 com infecção periapical), no grupo de 11 a 20 anos, 8 pacientes (5 com infecção periapical), entre 21 e 30 anos, 17 pacientes (6 infecção periapical), entre 31 e 40 anos, 2 pacientes (1 com infecção periapical e 1 com infecção pós-operatória), entre 41 e 50 anos, 3 pacientes (2 com infecção periapical), entre 51 e 60, 4 pacientes (2 infecção periapical) e entre 61 e 80 anos, 2 pacientes (1 infecção periapical e 1 periodontite). Os dados são mostrados na tabela 1.

 

 

 

 

 

 

 


A região anatômica de maior frequência quanto à origem das infecções foi a mandíbula (33 pacientes – 78,6%), nos casos remanescentes, quatro envolveram a maxila (9,5%), três a região periorbitária (7,1%) e dois a região temporal (4,8%). As infecções com origem em mandíbula tiveram maior incidência nos pacientes da faixa etária dos 21 aos 30 anos, com treze casos (31%) (Tabela 2).

Em relação aos espaços faciais, os 42 pacientes apresentaram acometimento de 78 espaços faciais, com média de 1,9 espaços por paciente. O espaço submandibular foi afetado em 69% dos casos, o espaço bucal em 31%, o espaço submentual em 26,2% e o espaço sublingual em 23,8%. Em 12 pacientes (28,6%) houve comprometimento de apenas um espaço, em 17 (40,5%) dois espaços, em 7 (16,7%) três espaços e em 3 casos (7,1%) quatro ou mais espaços. Em 3 casos (7,1%) não houve comprometimento de espaço facial, mas da região periorbitária. A tabela 3 mostra a frequência dos espaços faciais envolvidos.

Dentre todos os pacientes deste estudo, apenas 5 (11,9%) apresentaram condições imunossupressoras, sendo todos os casos de diabetes não compensado. Nestes pacientes, a causa da infecção maxilofacial foi odontogênica (2 casos pós-exodôntica, 2 periapical e 1 periodontal).

No momento da admissão hospitalar, foram anotadas as características clínicas dos pacientes, sendo as principais: o edema acentuado (97,6%), trismo (52,4%), prostração (47,6%), disfagia (42,9%), febre acima de 37,5 ºC (31%), dispnéia (23,8%), alteração de voz (4,8%), além dos sinais flogísticos, comuns a todos os casos. Os dados são mostrados no gráfico 4.

Em dez pacientes (23,8%) com infecção maxilofacial resultante de exodontias, piodermite, ou ferimento cutâneo infectado, o tratamento foi realizado por meio de drenagem cirúrgica em associação com antibioticoterapia. Nos outros 32 pacientes (76,2%) a drenagem cirúrgica associada à antibioticoterapia foi complementada pela remoção da causa, envolvendo exodontias ou redução de fraturas.

 

 

 

 

 

 

 


O resultado das intervenções realizadas nos 42 pacientes mostrou alto índice resolutivo, com apenas três casos apresentando complicações e um óbito. Em dois casos houve necessidade de reintervenção cirúrgica (uma refixação da fratura mandibular uma nova drenagem e modificação da antibioticoterapia). Em um paciente houve necrose cutânea avascular, sendo necessário o debridamento cirúrgico local e posterior correção cirúrgica com retalho. O paciente que evoluiu para óbito apresentou complicações pulmonares resultantes da condição sistêmica: hipertensão arterial sistêmica não controlada, diabetes não compensado e obesidade.

A combinação de ampicilina com metronidazol foi a principal terapia antibiótica utilizada (31%), seguido de ampicilina (29%), penicilina G cristalina em associação com metronidazol (19%), clindamicina (11,9%), penicilina G cristalina (4,8%), ampicilina/ sulbactam (2,4%) e clindamicina em associação com imipeném (2,4%). Os dados são mostrados no gráfico 5.

O tempo de admissão dos pacientes variou de 2 a 29 dias (média de 6,2 dias). Os pacientes não diabéticos (n = 37) tiveram tempo médio de admissão hospitalar de 5,5 dias; já os pacientes diabéticos (n = 5), de 13,3 dias. A diferença neste caso foi estatisticamente significante (P = 0,001).

Relacionando etiologia das infecções maxilofaciais ao tempo de internação, os pacientes que tiveram como causa a infecção periapical ficaram em média 4,9 dias internados, infecção pós exodontia 6,5 dias, pericoronarite 5 dias, fratura de mandíbula 7,5 dias, piodermite 5 dias e infecção pós operatória (1 fratura de zigoma e 1 fratura de arco zigomático) 8,5 dias. As causas que produziram maior tempo de internação foram: periodontite com necessidade de reintervenção (1 caso) 29 dias, infecção periapical com posterior necrose cutânea (1 caso) 15 dias e ferimento cutâneo infectado (1 caso) 14 dias.

Avaliando o tempo de admissão hospitalar de acordo com a faixa etária, foram registradas as maiores médias nas faixas de 31 a 40 anos e 51 a 60 anos, com 8,5 e 7,8 dias, respectivamente. Na faixa etária de 61 a 70 anos houve apenas um paciente, internado durante 9 dias; e na faixa dos 71 a 80 anos, também um paciente, internado pelo período de 29 dias (Gráfico 6).

 

DISCUSSÃO


As infecções maxilofaciais representam uma área relevante do conhecimento médico, pois podem evoluir para quadros de alta morbidade e mortalidade. Exigem, portanto, plena capacitação profissional, tanto na prevenção quanto no seu diagnóstico, e, sobretudo, na sua resolução clínica.

O presente estudo baseou-se em dados obtidos de prontuários de 42 pacientes com infecções maxilofaciais, os quais permitiram evidenciar que a principal causa das infecções maxilofaciais foi odontogênica (83,3%), estando em conformidade com a literatura, incluindo serviços de Cirurgia Bucomaxilofacial, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço2,10,23,25. As características clínicas de maior importância encontradas nos registros dos prontuários dos pacientes com infecção maxilofacial foram o edema acentuado, trismo, prostração, disfagia, febre acima de 37,5 ºC, dispneia e alteração de voz. Esses dados indicaram processo infeccioso disseminado, com comprometimento sistêmico, necessitando a admissão hospitalar dos pacientes.

A média de idade dos pacientes foi de 27,6 anos, com maior número de casos na faixa etária entre 21 e 30 anos (40,5%), ou seja, houve predomínio de adultos jovens, dado também em conformidade com os relatados em estudos semelhantes. A predominância de infecções maxilofaciais em jovens deve-se à existência de dentição completa associada à higiene bucal deficiente, aumentado a probabilidade de infecções. Esses dados mostram que a falta de cuidados com a higiene bucal pode levar a quadros de infecção ainda na infância, com pico de incidência no adulto jovem, que ainda mantêm diversos dentes em más condições na cavidade bucal. Porém, o número de casos apresenta declínio em idades mais avançadas, provavelmente devido à diminuição de dentes na população adulta e idosa.

 

 

 

 

 

 

 


Dentre os seis casos de infecção pós-exodontia, cinco estavam na faixa etária de 21 a 30 anos, pois provavelmente é nesse período que há maior número de procedimentos de extração dentária na população, resultante dos maus cuidados desde a infância. Em relação a pericoronarite, os cinco casos deste estudo encontravam-se na faixa etária de 11 a 30 anos, compatível com a erupção do terceiros molares mandibulares.

Dados da literatura apontam para predomínio de infecções no terço médio da face (maxila e periórbita) em crianças, enquanto nos adultos elas ocorrem preferencialmente em terço inferior da face (mandíbula)2,12. Nesse estudo não encontramos essa mesma proporção, com maior número de infecções em terço inferior em todas as faixas etárias. Considerando que, neste estudo, o terço inferior foi o principal local anatômico da origem das infecções (78,6%), consequentemente houve maior comprometimento dos espaços primários mandibulares, como o submandibular, bucal, submentual e sublingual, respectivamente. O principal problema relacionado ao comprometimento desses espaços é a disseminação da infecção para os espaços faciais secundários, como o espaço massetérico, pterigomandibular, lateral da faringe, retrofaríngeo e pré-vertebral, aumentando os riscos de complicações e óbito. Nesse estudo pudemos observar o envolvimento de espaços faciais secundários, resultantes do envolvimento de espaços faciais primários mandibulares em seis pacientes (3 casos – espaço faríngeo lateral, 2 casos – espaços massetérico e terigomandibular e 1 caso – espaço massetérico). Nenhum desses pacientes teve complicações, provavelmente devido ao tratamento intervencionista proporcionado em tempo hábil.

Relacionando tempo de internação e idade dos pacientes, indivíduos mais jovens tiveram menor tempo de permanência hospitalar, ao contrário dos pacientes com idades mais avançadas, que permaneceram por mais tempo. Este dado também foi verificado em outro trabalho2 que constatou que pacientes mais idosos apresentavam condições sistêmicas adversas com maior frequência e, consequentemente, tinham maior predisposição a infecções graves, resultando em complicações e aumento no tempo do tratamento hospitalar. A única condição imunossupressora encontrada neste estudo foi o diabetes. Houve diferença estatisticamente significante (P = 0,001) comparando a média de internação hospitalar desses pacientes (13,3 dias) com a dos não diabéticos (5,5 dias). O único óbito no período avaliado ocorreu em paciente com condições sistêmicas adversas, que incluía o diabetes. Esses dados são consistentes com resultados de estudos semelhantes, que evidenciaram maior susceptibilidade desses pacientes (diabéticos) à infecção, aumentando o tempo de internação e riscos de complicações associadas26,27.

Os principais exames de imagem utilizados no auxílio diagnóstico e avaliação das condições de vias aéreas foram as radiografias ântero-posterior, perfil para tecidos moles cervicais e TC, sendo esta última, reservada para casos com evidência de comprometimento de vias aéreas e envolvimento de múltiplos espaços faciais. Os trabalhos consultados na literatura optam pelo uso da TC, que fornece dados suficientes para o diagnóstico e tratamento das infecções maxilofaciais, no entanto, a ressonância magnética (RM) é considerada o melhor método de diagnóstico por imagem das lesões de tecidos moles, mas seu emprego é baixo devido ao custo elevado e disponibilidade limitada.

A dificuldade de acesso a exames de alta complexidade, como a TC e RM é citada também como um problema no estudo de Larawin et al.5 As limitações do uso das radiografias convencionais nas infecções maxilofaciais residem na identificação da região anatômica comprometida e menor nitidez na avaliação da permeabilidade de vias aéreas. Os registros de prontuários não descrevem falhas ocasionadas pelo uso de radiografias convencionais, porém informações de diagnóstico, não reveladas por esse exame, foram obtidas durante o exame físico e na drenagem cirúrgica.

A necessidade de manutenção de vias aéreas em pacientes com infecção maxilofacial e cervical não é incomum, sendo muitas vezes necessários longos períodos de intubação ou a realização de traqueostomia ou cricotireoidotomia9,28,29. Nesse trabalho, a intubação por períodos mais prolongados foi pouco utilizada e não houve necessidade de traqueostomia ou cricotireoidotomia.

O Departamento de Cirurgia Bucomaxilofacial do Hospital do Tatuapé segue os princípios clássicos de tratamento das infecções maxilofaciais, que compreende a remoção da causa, drenagem cirúrgica e antibioticoterapia endovenosa. A drenagem cirúrgica e antibioticoterapia foram realizadas em todos os casos, mesmo nos processos infecciosos em fase de celulite. Segundo dados da literatura, a drenagem cirúrgica precoce permite resolução mais rápida, com menor período de internação30. A remoção do foco infeccioso dentário foi efetuada durante o procedimento cirúrgico nos casos tratados sob anestesia geral, e o mais breve possível nos casos submetidos à drenagem com anestesia local, havendo limitação à intervenção devido ao trismo e dificuldade de analgesia.

Considerando que a principal causa das infecções foi odontogênica, a antibioticoterapia utilizada seguiu a literatura, sendo a penicilina o antibiótico de escolha. O uso da penicilina exclusivamente (ampicilina ou penicilina G cristalina) ou associada ao metronidazol foi utilizada em 83,8% dos casos. A opção por outros antibióticos foi baseada na disponibilidade de drogas no hospital, no histórico de alergia, na evolução clínica do quadro infeccioso ou no resultado da cultura e antibiograma. A adição do metronidazol é realizada em casos de suspeita da presença de microrganismos anaeróbios na infecção, como nos casos de pericoronarites e processos infecciosos crônicos.

Exames de cultura e antibiograma não foram realizados em todos os casos, sendo utilizados apenas em pacientes com envolvimento de múltiplos espaços faciais ou com doenças imunossupressoras associadas, ou quando não houve resposta adequada a antibioticoterapia inicial. Em apenas um caso houve necessidade de substituição do antibiótico devido à cultura positiva para S. aureus, que é sensível ao imipeném – antibiótico de largo espectro da classe carbapenens.

Foi observado nos registros o uso de ampicilina/ sulbactam no protocolo de tratamento de um paciente com ferimento cutâneo facial infectado. Este antibiótico é indicado para os casos em que há suspeita da presença de microrganismos resistentes aos antibióticos β-lactâmicos, que incluem as penicilinas. Sendo assim, a escolha do antibiótico foi baseada na forte suspeita da presença de S. aureus na infecção, microrganismo presente na microbiota bacteriana da pele, porém sem a comprovação por meio de exames de cultura e antibiograma.

 

CONCLUSÃO

De acordo com o estudo realizado, podemos concluir que houve predomínio de infecções maxilofaciais em adultos jovens, afetando ambos os sexos com igual frequência. As infecções odontogênicas foram as principais causas das infecções maxilofaciais, com predominância das infecções periapicais. Edema maxilofacial acentuado, trismo, prostração, disfagia, febre, dispneia e alteração de voz foram características clínicas indicativas de processo infeccioso grave. Houve predomínio das infecções em terço inferior de face (mandíbula), afetando principalmente espaços mandibulares primários. O protocolo de tratamento seguido, composto por drenagem cirúrgica precoce, antibioticoterapia endovenosa e remoção da causa, foi efetivo na grande maioria dos casos, com baixo índice de complicações.

O atendimento de pacientes acometidos por infecções maxilofaciais requer do profissional o conhecimento adequado para a condução do caso, visto que as complicações decorrentes do quadro instalado podem se tornar graves. Nessa perspectiva, a prevenção da instalação do processo infeccioso ou a erradicação de suas causas em estágios precoces ainda são as melhores formas de evitar a disseminação da infecção para a região de cabeça e pescoço. O Cirurgião-Dentista exerce papel fundamental não apenas no tratamento das infecções maxilofaciais, mas principalmente no atendimento preventivo e curativo em etapas que precedem os quadros de maior gravidade.

 

AGRADECIMENTOS

Baseado em Tese submetida à Faculdade de Odontologia da USP (Fousp) como parte dos requisitos para obtenção do Título de Doutor em Ciências, área de Diagnóstico Bucal.

Agradeço aos professores e amigos Prof. Dr. Elio Hitoshi Shinohara, Prof. Dr. Haroldo Arid Soares, Prof. Dr. Antônio Silvio Fontão Procópio, Prof. Dr. André Caroli Rocha, Prof. Dr. Celso Augusto Lemos Júnior e a Dra. Daniela Rueda Machado pelas contribuições ao trabalho.

 

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Autor para correspondência:
Marcelo Zillo Martini
Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo
Av. Profo Lineu Prestes, 2227
Cidade Universitária - São Paulo - SP
CEP: 05508-000
Brasi
l
e-mail: martini@usp.br

Recebido em: out/2011
Aprovado em: jan/2012

ACEP/HMCC Tatuapé nº 001/08