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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

versão impressa ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.66 no.3 Sao Paulo Jul./Set. 2012

 

AUTOR CONVIDADO CLÍNICO

 

Estética: o passo a passo de um novo sorriso

 

Aesthetics: step by step for a new smile

 

 

Carlos Eduardo FrancciI; Alexander Cassandri NishidaII; Edméa LodoviciIII; Marcelo Ferreira WitzelIV; José Airton de OliveiraV; Alberto CalasansVI

IMestre, Doutor e Livre Docência em Materiais Dentários pela Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (Fousp), Especialista em Dentística - Prof. Livre Docente do Depto. de Materiais Dentários - Fousp; coordenador dos cursos de Dentística ABO-Pouso Alegre e Especialização em Dentística na APCD e Presid. da Academia Bras. de Odontologia Estética
IICirurgião-Dentista - Mestrando em Materiais Dentários pela Fousp, Professor Assistente nos cursos de atualização em Dentística ABO-Pouso Alegre e Especialização em Dentística na APCD
IIICirurgiã-Dentista, Doutora em Materiais Dentários pela Fousp - Professora Assistente nos cursos de atualização em Dentística ABO-Pouso Alegre e Especialização em Dentística na APCD
IVCirurgião-Dentista, Mestre e Doutor em Materiais Dentários pela Fousp - Professor Assistente nos cursos de atualização em Dentística ABO-Pouso Alegre e Especialização em Dentística na APCD
VTécnico em Prótese Dental - Coordenador do Laboratório Airton
VITécnico em Prótese Dental - Coordenador do Laboratório Alberto

Autor para correspondência

 

 


 

RESUMO

O presente trabalho apresenta o relato de um caso clínico, no qual foi obtida a harmonia do sorriso a partir de um trabalho de reabilitação estética e funcional da paciente com o uso de restaurações cerâmicas associando laminados e coroas totais. De uma forma simples, o passo a passo de execução de um trabalho reabilitador em cerâmica é descrito, com ênfase na moldagem, nos provisórios e numa cimentação adesiva consciente, focando principalmente o transcorrer clínico e a interdependência do Cirurgião-Dentista com o técnico em prótese dental.

Descritores: cerâmica; facetas dentárias; reabilitação bucal; cimentos dentários; adesivos


 

ABSTRACT

This paper presents the report of a clinical case, in which was obtained the harmony of the smile from a work of aesthetic and functional rehabilitation of the patient with the use of ceramic restorations involving laminates and crowns. From a simple methodology, the step by step implementation of rehabilitation work in ceramics is described, with emphasis on impression, on temporary restorations and on conscious adhesive cementation, focusing primarily on the clinical course and the interdependence of clinician with the dental technician.

Descriptors: ceramics; dental veneers; mouth rehabilitation; dental cements; adhesives


 

 

RELEVÂNCIA CLÍNICA

O aumento da exigência estética da população tem levado os pacientes com comprometimento estético e funcional em diversos níveis a procurarem orientações sobre possibilidades de tratamentos e soluções junto aos Cirurgiões-Dentistas. Estes, por sua vez, devem estar familiarizados e atualizados quanto aos materiais dentários disponíveis, suas propriedades e respectivo passo a passo clínico. Em trabalhos indiretos, a cumplicidade do Cirurgião-Dentista com o técnico de prótese dentária deve ser alta, só assim é possível atingir um nível razoável de reabilitação estética e funcional do paciente.

 

INTRODUÇÃO

Os primeiros relatos do uso de facetas cerâmicas estão na década de 30, na indústria cinematográfica norte-americana. Para melhorar o aspecto dos dentes anteriores, eram fixadas finas facetas cerâmicas provisoriamente com o auxílio de adesivos para fixação temporária de próteses totais. Charles Pincus§ foi o Cirurgião-Dentista californiano que há mais de 30 anos descreveu tal técnica. Na época, devido à inexistência dos cimentos adesivos, tal procedimento era realizado de forma temporária, durando apenas algumas horas.

Os atuais moldes da Odontologia Estética têm seus alicerces fundamentados no desenvolvimento científico nas décadas de 50 e 60, com o advento da resina de Bowen (o famoso bis-GMA que até hoje ainda é praticamente a base da maioria das resinas compostas, sistemas adesivos e cimentos resinosos) e do condicionamento ácido, trazido para a Odontologia por Buonocore. A partir deste momento, os famosos laminados cerâmicos de Charles Pincus puderam, então, ser colados aos dentes de maneira definitiva.

Nas últimas décadas, as cerâmicas evoluíram principalmente em dois sentidos: o estético e o funcional. O primeiro permitiu uma aparência estética melhor, com maiores nuances de cores, texturas e translucidez, o que impulsionou o aprimoramento dos profissionais de laboratório, que se tornaram verdadeiros artistas em mimetizar com precisão a natureza. O segundo, no tocanteà resistência mecânica, surgiu a partir das infraestruturas de zircônia, menos opacas, com maior capacidade de suportar os estresses mastigatórios da cerâmica de cobertura, permitindo, inclusive, a construção de próteses fixas relativamente extensas sem metal.

Por outro lado, o Cirurgião-Dentista, associado ao técnico em prótese dental, precisa estar atualizado para poder oferecer soluções estéticas e, principalmente, saber executar os procedimentos clínicos.

 

RELATO DE UM CASO CLÍNICO

Neste caso apresentado, a paciente de 55 anos, há anos almejava por uma estética do sorriso melhor. Devido à diminuição de dimensão vertical por perda de alguns dentes posteriores, há mais de dez anos a paciente foi submetida a um tratamento reabilitador, onde foi corrigida a altura de oclusão, bem como foram reanatomizados os dentes anteriores, com fechamento de diastemas e proporcionamento dental com o uso de resina composta.

Com o passar dos anos as restaurações de resina composta foram se desgastando, culminando agora com a necessidade de troca. Optou-se por laminados cerâmicos, num total de sete (compreendendo os dentes 13, 12, 11, 21, 23, 24, e 25), e coroas totais cerâmicas nos dentes e 14 e 22.

Inicialmente se deve criteriosamente analisar o conjunto "sorriso" da paciente. Isso compreende o exame de altura e amplitude do sorriso, corredores bucais, posicionamento labial e linha média dos dentes. Cabe salientar a importância do protocolo fotográfico registrando o sorriso natural da paciente (Figura 1), e sorriso amplo. Desta forma, foi possível verificar que mesmo forçando um amplo sorriso, a paciente sequer mostrava os zeniths gengivais, o que facilita em muito o processo reabilitador, pois mesmo que o contorno gengival dos dentes não seja harmônico, não influenciará no resultado final. Do contrário, inclusive podem ser necessárias intervenções cirúrgicas periodontais para corrigir a "estética vermelha".

Com o afastar dos lábios, é possível verificar a extensão das restaurações de compósito (Figura 2).

Uma vez preparados os dentes para laminados convencionais, devido à extensão das restaurações de resina composta nos dentes 14 e 22 optou-se por preparos de coroas totais nestes dentes.

A técnica de afastamento gengival de duplo fio1,2 foi realizada conforme a figura 3. Para a moldagem foi realizado o afastamento gengival com fios retratores (Pro Retract, FGM) de diferentes diâmetros, de acordo com a necessidade clínica (fios 0000, e 00). No momento da moldagem, o segundo fio inserido, mais grosso (fio 00), será removido, ficando o fio mais fino (fio 0000) para manter o afastamento gengival. É importante salientar que a escolha do fio retrator é de acordo com a espessura gengival e profundidade de sulco. É importante que, uma vez inserido o fio retrator, este seja visto em toda a circunferência do dente, deixando nítido o afastamento gengival. Não houve a necessidade de se associar um hemostático. Antes do procedimento de moldagem propriamente dito foi realizado o registro de mordida. Uma lâmina de acrílico no estado plástico foi envolta de filme plástico e posicionada entre as arcadas cerradas até o pico de exotermia do material, garantindo a fidelidade do registro oclusal (Figura 4)3.

O sistema de silicone de adição de alta hidrofilia (Flexitime, Heraeus) foi utilizado com a técnica de única moldagem, onde o material na consistência pesada foi dispensado diretamente na moldeira, sendo o material fluido, na forma de cartucho, dispensado com ponta auto-mix nos preparos dentais. Pode-se verificar na figura 5 a moldagem da região de sulcos gengivais, evidenciando o término dos preparos.

Previamente a esta etapa de preparo dos dentes em questão, foi feita uma moldagem de estudo com silicona de condensação (Optosil/Xantoprem, Heraeus) com o intuito de se obter os modelos de estudo articulados. Nestes modelos foi realizado em laboratório um enceramento diagnóstico4. A partir do enceramento diagnóstico foram confeccionadas facetas e coroas totais em resina acrílica (figura 6) para serem reembasadas com resina acrílica autopolimerizável de presa rápida (Refine Bright, Kota) após os preparos dentais em boca.

Após os preparos, registro de oclusão, moldagens e reembasamento das facetas e coroas provisórias, estas foram cimentadas provisoriamente (figuras 7A e B). As coroas foram cimentadas com cimento temporário (Provicol, Voco) e as facetas com resina composta flowable (Opallis Flow, FGM) aderida aos preparos com sistema adesivo (Ambar, FGM), aplicado apenas com condicionamento ácido (Condac 37, FGM) pontual no centro de cada preparo.

É muito importante neste momento a comunicação entre o Cirurgião-Dentista e o técnico em prótese dental, especialmente o ceramista. É importante salientar que quando simplesmente se manda um molde ou um modelo de gesso monocromático para o laboratório, o técnico não tem a menor informação a respeito de cor. Nos dias de hoje temos uma série de recursos importantes. O mais simples é fotografar o paciente, sempre com uma escala de cor in loco. Podemos mandar fotografias para o laboratório via e-mail, mas é importante lembrar que tal e-mail deve ter duas fotos pelo menos, uma sem os provisórios, e outra com eles em posição. Melhor ainda se houver a possibilidade de ter o protético ao lado da cadeira, estaé a melhor alternativa. Esta comunicação tem que ser ampla, entre os profissionais, base para um excelente trabalho de reabilitação.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

As coroas totais cerâmicas foram confeccionadas com infraestrutura em zircônia, obtida por processo de usinagem utilizando um sistema Cad-Cam,(LAVA, 3M ESPE). Estes sistemas permitem confeccionar copings altamente resistentes com encaixes precisos, permitindo uma fina camada de cimentação. Estes sistemas se propõem substituir as coroas metalocerâmicas, uma vez que eliminam a necessidade do coping metálico. Como cerâmica de cobertura foi utilizado o sistema IPS E max (Ivoclar). As facetas foram confeccionadas com porcelana a base de dissilicato de lítio (IPS E.max, Ivoclar), que é um sistema de cerâmica injetada. As nuances estéticas foram obtidas por maquiagem (Figuras 8A e B).

Embora os cimentos resinosos utilizados na fixação das facetas tenham pastas de teste (pasta try-in), estas não foram utilizadas, pois as facetas estavam mais opacas, não influenciando o resultado final com a cor do cimento resinoso.

O controle da umidade deve ser feito rigorosamente, com isolamento absoluto, ou com um afastamento eficiente de lábios e bochechas e uso de fio retrator em todos os dentes que serão submetidos à cimentação. É importante que o fio retrator seja fino o suficiente para entrar no sulco gengival e seja posicionado com delicadeza, controlando assim a umidade do sulco gengival (Pro-Retract 0000, FGM) (Figuras 9A, B e C). A seguir o condicionamento ácido foi feito nos dentes com preparo de faceta, pois as coroas totais serão depois cimentadas com cimento resinoso autoadesivo, começando-se por porções de esmalte, pelo tempo de 30s e, a seguir em dentina por 15s (Figuras 10A, B e C). Os dentes foram lavados abundantemente e secos sem, no entanto, serem desidratados, especialmente a dentina. Sugere-se o uso de papel absorvente. A seguir foi aplicado o sistema adesivo (Figuras 11A, B e C), de preferência fotopolimerizável. É questionável a fotopolimerização antes do assentamento das peças protéticas. Este procedimento, se não for feito com critério, pode resultar em falha no assentamento das peças protéticas. Alguns autores recomendam a fotopolimerização apenas após o assentamento da peça protética5,6,7.

Quanto à preparação da cerâmica (Figuras 12, 13, 14, 15, 16 e 17),é muito importante que o Cirurgião-Dentista saiba exatamente que tipo de cerâmica foi utilizado na construção da peça protética. Não só pelo fato que ele deve saber o que irá cimentar sobre o dente ou implante do paciente, bem como por que as cerâmicas são classificadas em dois grandes grupos: as condicionáveis e as não-condicionáveis. Entre as condicionáveis, há aquelas que o tempo de ataque ácido não deve passar de 20s, e outras que tal tempo é bem maior. No caso clínico em questão foi utilizada a pastilha IPS e-max Press LT nas facetas, para depois aplicar a cerâmica de cobertura. Esta pastilha é de dissilicato de lítio, que é uma cerâmica condicionável por 20s. O procedimento de condicionamento com ácido fluorídrico 10% (Condac Porcelana, FGM) (Figura 13) foi realizado apenas nas facetas, pois as duas coroas (dos dentes 14 e 22) tiveram os copings frezados em zircônia (Lava, 3M ESPE). Esses copings não são condicionáveis, mas há alguns primers para zircônia no mercado. Neste caso utilizamos o Signum Zircônia Bond (Heraeus), que mostrou um ótimo resultado em um recente estudo8. Cada uma das coroas foi cimentada com um cimento autocondicionante/autoadesivo (SeT PP, SDI; Smart Cem 2, Dentsply) (Figuras 18A e 18B), devido à simplicidade e velocidade de cimentação deles. É importante que se faça a cimentação sempre com excesso (Figura 19), evitando falhas de preenchimento. A remoção do excesso é facilitada por uma breve polimerização por 1s, permitindo que o excesso de cimento se solte facilmente (Figura 20). É importante que após a remoção do excesso de cimento, se veja o fio de afastamento gengival (Figura 21), e este será facilmente removido.

Já na preparação da cerâmica condicionável a base de dissilicato de lítio, como já dito, aplicou-se o ácido fluorídrico 10% (Condac Porcelana, FGM) (Figura 13), e comparando-se as figuras 12 e 14, pode-se notar claramente o quanto a faceta ficou fosca internamente, indicando o aumento de rugosidade superficial da mesma. Na sequência aplicou-se o vinil-silano (Prosil, FGM) (Figura 15) por um minuto, seguido de secagem com ar quente9, que tem mostrado resultados melhores que simplesmente o ar frio. Para tal utiliza-se um secador de cabelos. Após a silanização aplica-se o sistema adesivo (Ambar, FGM) (Figura 16), por 15s. Com jato de ar se removem os excessos. Uma fina e contínua camada do cimento resinoso fotoativado foi aplicada para cada faceta cimentada. Foram utilizados dois cimentos resinosos (Choice 2, Bisco; Rely X Veneer, 3M ESPE) (Figura 22A e B). O assentamento da peça é feito por vestibular, sendo o excesso fotopolimerizado também por um segundo, facilitando a remoção do excesso de cimento da cervical do dente.

O aspecto final deste caso clínico (Figuras 24A, B e C; e 25A, B e C) traduz muito bem o nível que a Odontologia conseguiu chegar quanto a mimetizar os dentes naturais.

 

AGRADECIMENTOS

Aos laboratórios de prótese Airton, que fez o enceramento diagnóstico e restaurações provisórias em resina acrílica, e Alberto, que executou as infraestruturas em zircônia e os laminados em dissilicato de lítio.

 

REFERÊNCIAS

1. Wöstmann B, Rehmann P, Trost D, Balkenhol M. Effect of different retraction and impression techniques on the marginal fit of crowns.J Dent. 2008 Jul;36(7):508-12. Epub 2008 May 13.         [ Links ]

2. Al Hamad KQ, Azar WZ, Alwaeli HA, Said KN. A clinical study on the effects of cordless and conventional retraction techniques on the gingival and periodontal health.J Clin Periodontol. 2008 Dec;35(12):1053-8.         [ Links ]

3. Stamoulis K. Intraoral acrylic resin coping fabrication for making interocclusal records. J Prosthodont. 2009 Feb;18(2):184-7        [ Links ]

4. Magne P, Belser U. Restaurações adesivas de porcelana na dentição anterior: uma abordagem biomimética. 1aed. São Paulo: Quintessence; 2003.         [ Links ]

5. Equilibrium: cerâmicas adesivas case book. 1aed. São Paulo: Artes Médicas; 2009.         [ Links ]

6. Peumans M, Kanumilli P, De Munck J, Van Landuyt K, Lambrechts P, Van Meerbeek B. Clinical effectiveness of contemporary adhesives: a systematic review of current clinical trials. Dent Mater. 2005 Sep;21(9):864-81.         [ Links ]

7. Cardoso MV, de Almeida Neves A, Mine A, Coutinho E, Van Landuyt K, De Munck J, Van Meerbeek B. Current aspects on bonding effectiveness and stability in adhesive dentistry. Aust Dent J. 2011 Jun;56 Suppl 1:31-44        [ Links ]

8. Ural C, Külünk T, Külünk S, Kurt M, Baba S. Determination of resin bond strength to zirconia ceramic surface using different primers. Acta Odontol Scand. 2011 Jan;69(1):48-53.         [ Links ]

9. Papacchini F, Monticelli F, Hasa I, Radovic I, Fabianelli A, Polimeni A, Ferrari M. Effect of air-drying temperature on the effectiveness of silane primers and coupling blends in the repair of a microhybrid resin composite. J Adhes Dent. 2007 Aug;9(4):391-7. § Pincus CL."Building mouth personality" A paper presented at: California State Dental Association; 1937: San Jose, California.         [ Links ]

 

Autor para correspondência:
Carlos Francci
Depto. de Materiais Dentários
Av. Prof. Lineu Prestes, 2227
Cidade Universitária - São Paulo - SP
05508-000
Brasil

e-mail: francci@usp.br