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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas
versão impressa ISSN 0004-5276
Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.66 no.3 Sao Paulo Jul./Set. 2012
RELATO DE CASO CLÍNICO
Inter-relação entre alterações otológicas e DTM em paciente fibromiálgico: caso clínico
Relationship between otological symptoms and tmd in pacient with fibromyalgia: case report
Letícia Ladeira BonatoI; Luciano Ambrosio FerreiraII; Raphaela de Mello LopesIII; Josemar Parreira GuimarãesIV
IGraduanda do Curso de Odontologia - Faculdade de Odontologia/ Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) - Aluna do Serviço ATM/UFJF – Brasil
IIMestre em Clínica Odontológica - FO/UFJF, especialista em Radiologia Odontológica (FO/UFJF) e Acupuntura (INCISA-IMAM), membro da equipe interdisciplinar do Serviço de Diagnóstico e Orientação a Pacientes com Desordens Temporomandibulares - FO/UFJF – Brasil
IIIPós-graduanda em Ortodontia Pós Odonto Suprema, membro da equipe interdisciplinar do Serviço de Diagnóstico e Orientação a Pacientes com Desordens Temporomandibulares - FO/UFJF – Brasil
IVDoutor em Odontologia - Ortodontia - FO/UFRJ, mestre em Ciências Odontológicas - Ortodontia - FO/UFRJ, professor Pesquisador Pró-Reitoria de Pesquisa (PROPESQ) – UFJF, coordenador do Serviço de Diagnóstico e Orientação a Pacientes com Desordens Temporomandibulares - FO/UFJF – Brasil
RESUMO
Para a correta condução de um tratamento de DTM é necessário que o Cirurgião-Dentista tenha conhecimento sobre doenças relacionadas a quadros álgicos difusos, como a fibromialgia e a otalgia, para que com isso seja capaz de formular o diagnóstico diferencial e estabelecer a conduta terapêutica adequada. O presente artigo relata o caso clínico de uma paciente de 42 anos, portadora de fibromialgia, que procurou o Serviço ATM (FO/UFJF) com queixa principal de tontura intensa, otalgia e zumbido, associada a dores orofaciais. O diagnóstico foi sugestivo de desordem temporomandibular associada à fibromialgia, tendo como fatores relacionados hábitos parafuncionais (bruxismo, apertamento e hábitos posturais inadequados), estresse emocional, ansiedade e quadros depressivos. A proposta terapêutica adotada baseou-se no tratamento odontológico de suporte com uso da placa neuromiorrelaxante e manutenção da terapia medicamentosa que proporcionou diminuição e estabilidade da sintomatologia, mesmo após seis meses de acompanhamento.
Descritores: síndrome da disfunção da articulação temporomandibular; fibromialgia; dor de orelha; terapêutica
ABSTRACT
For the correct conduct of a treatment of TMD is important that the dentist has knowledge about diseases related about diffuse painful picture, such as ear pain and fibromyalgia, to be able to formulate a differential diagnosis and establish the appropriate therapeutic approach. This article reports a case of a patient 42 years old, with fibromyalgia, who sought the ATM Service (FO/UFJF) complaining of severe dizziness, ear pain and tinnitus associated with orofacial pain. The diagnosis was suggestive of temporomandibular disorders associated with fibromyalgia, and related factors such as parafunctional habits (bruxism, clenching and improper postural habits), emotional stress, anxiety and depression. Therapeutic proposal adopted was based on the dental treatment with use of the support plate neuromiorrelaxante and drug therapy that provide compensation if reduction and stability of symptoms, even after six months of follow-up.
Descriptors: temporomandibular joint dysfunction syndrome; fibromyalgia; earache; therapeutics
RELEVÂNCIA CLÍNICA
A causa dos sintomas aurais relacionados à DTM não está completamente elucidada e muitas vezes se confunde com os de síndromes dolorosas sistêmicas como a fibromialgia. A conduta odontológica no caso descrito representa a importância da terapia oclusal reversível no diagnóstico diferencial de síndromes com sintomas sobrepostos.
INTRODUÇÃO
As desordens temporomandibulares (DTM) são caracterizadas por um conjunto de condições médicas e dentárias1,2 que afetam a articulação temporomandibular (ATM), músculos mastigatórios e tecidos adjacentes1,3-5, sendo a condição de dor orofacial crônica mais enfrentada por Cirurgiões-Dentistas e outros profissionais da saúde6.
Essa disfunção geralmente envolve uma grande variedade de sinais e sintomas, como artralgia e mialgia relacionados, dor durante a execução de movimentos mandibulares, ruídos articulares7, bem como a restrição de movimentos mandibulares1,7. Os sinais e sintomas podem não estar necessariamente localizados apenas na região propriamente dita, com possibilidade de extensão a regiões limítrofes da cabeça e pescoço8,9.
A região auricular é uma dessas regiões anatômicas muitas vezes envolvidas, sendo as queixas otológicas de pacientes com DTM encontradas com frequência5,10-12, de forma que sintomas como zumbido e tontura são também relatados por pacientes fibromiálgicos13.
A fibromialgia é uma síndrome músculo-esquelética, não inflamatória, de caráter crônico, etiologia desconhecida, caracterizada por dor generalizada13,14. As investigações mais recentes acerca da sua etiologia acreditam que essa condição clínica decorre de uma alteração no eixo hipotálamo-hipofisário, o qual representa o principal caminho de resposta neuroendócrina ao estresse, de modo a alterar os níveis de cortisol, do hormônio do crescimento e de serotonina15. O diagnóstico é baseado somente em critérios clínicos devido à inexistência de exames complementares que a identifiquem, como análises laboratoriais, exames imageológicos ou exames anatomo-patológicos14. Ressalta-se que tanto na fibromialgia quanto na DTM, a dor15,16 é o principal sintoma, associando-se a alterações no processamento central do estímulo sensitivo15.
Acredita-se que a dor miofascial dos músculos da mastigação esteja relacionada com a fibromialgia, pois compartilham várias semelhanças em suas características tais como: fatores moduladores, sinais e sintomas, etiologia desconhecida, predominância no gênero feminino e outros3.
Fundamentos Teóricos
A DTM é descrita pela Associação Americana de Dor Orofacial como um termo coletivo que envolve alterações clínicas dos músculos mastigatórios, articulação temporomandibular (ATM), estruturas associadas ou ambas8, encontrando-se entre as mais comuns condições de dor orofacial de origem não dental17. Apesar de a DTM apresentar uma grande variação sintomatológica interindividual17, a sintomatologia dolorosa otológica geralmente apresenta-se como uma queixa primária do paciente com DTM7,9,18,19. Entretanto, sua origem e as possíveis relações com a DTM ainda não estão esclarecidas9,10.
A inter-relação entre sintomas otológicos e DTM é bastante antiga5,7,10,11,18 e existe diversos relatos de suas causas, consequências e supostos tratamentos5,7. Em 1920, foi relatada, pela primeira vez, a deficiência auditiva devida a defeitos da dimensão oclusal vertical20,21. Em 1934, Costen22 mencionou a Síndrome de Sintomas Aurais e Sinusais em pacientes com DTM - a Síndrome de Costen - que incluía perda auditiva subjetiva, otalgia, plenitude auricular, zumbido, vertigem e alteração da ATM5,8-12,20,21,23. Desta forma, sugeriu-se que alterações oclusais e ausências dentárias desencadeavam alterações otológicas, contribuindo para uma discussão quanto à relação entre ATM e queixas aurais, que perduram as últimas décadas5,10. O risco de sintomas otológicos é considerado maior em pacientes com dor à palpação da ATM, dos músculos mastigatórios e cervicais, bem como dor durante a abertura bucal9,24.
A otalgia pode ser ainda na realidade, dor da própria ATM sentida em posição mais posterior. A proximidade entre as estruturas articular e aurais, a herança filogenética similar e o trajeto da inervação podem confundir o paciente no momento de localizar a dor24. A dor por sua vez, é capaz de determinar mecanismos de proteção que interferem nos padrões fisiológicos das estruturas, como é o caso do ouvido e da ATM23.
A mandíbula e os ossículos da orelha média têm a mesma origem embriológica (cartilagem de Meckel). Isto explica o motivo de várias malformações de orelha média estarem associadas com alterações mandibulares10,19,25, existindo uma íntima relação entre ATM, cavidade timpânica e a tuba auditiva25. As tubas auditivas são caracterizadas como um conduto de aproximadamente 4 cm de comprimento que conecta a faringe com a cavidade timpânica. Sua função principal é de deixar passar o ar que se origina das fossas nasais ou da boca, e que atingem seu orifício faríngeo. Deste modo, se ventila toda a orelha média, igualando as pressões em ambos os lados da membrana timpânica. Outra função é a de servir de drenagem de possíveis secreções que podem se formar nesta região. Habitualmente, a tuba se encontra fechada, abrindo durante a deglutição, mastigação e ao bocejar. Durante mudanças da pressão atmosférica, produz-se um ato reflexo, onde se realiza uma abertura bucal para igualar a pressão entre a orelha média e a atmosfera. Por isso, alterações na ATM, podem levar a disfunção tubária, dada a sua estreita relação, bem como eventuais alterações como tontura e zumbido25.
Em 1962, Pinto26 tenta elucidar a íntima relação entre as estruturas auriculares e a ATM, descrevendo a existência de um suposto ligamento que se estendia do processo anterior do martelo até a parte média posterior da cápsula articular. Segundo o autor, quando da presença de desordem da ATM, a posição dos ossículos e da membrana timpânica possivelmente era alterada pelos movimentos articulares, causando a diminuição da audição nos indivíduos com DTM26, embora este achado não tenha sido realizado também por outros anatomistas.
A DTM, o zumbido e a vertigem têm sido associados ainda com desordens emocionais. Uma possível explicação para a alta incidência de zumbido e vertigem em pacientes com DTM é que o estresse emocional poderia exacerbar os três sintomas21. É importante ressaltar que as vias de equilíbrio, o labirinto e a via visual, também se encontram na cabeça. Sua alteração, proveniente da hipercontratura muscular, tende a estimular a tontura, sensível a qualquer alteração de postura23.
Alguns estudos investigaram as queixas auditivas em indivíduos portadores de DTM, sendo a taxa variável11,27. Mota et al. (2007), investigou 21 voluntários portadores de otalgia e DTM, com o objetivo de verificar a frequência de possíveis sinais e sintomas associados à otalgia decorrentes de DTM. Os sintomas otológicos mais comumente associados à otalgia e DTM foram: percepção de sons articulares, zumbido e plenitude auricular5,18,27.
Estudos têm sugerido, de forma independente, que os sintomas auriculares foram minimizados ou reduzidos após a utilização de variadas formas de terapias para tratamento de DTM ou tratamento dental, tais como: biofeedback, artroscopia, utilização de placa oclusal, fisioterapia por meio de exercícios musculares, terapia cognitiva, uso de benzodiazepínicos, antidepressivos tricíclicos e acupuntura, sendo benéficas para ambos os transtornos. Com isso, na maior parte dos casos, ocorre melhora ou resolução dos sintomas otológicos em conjunto com os sintomas da DTM21,24,28. Porém, não se pode afirmar de forma consistente que os sintomas de zumbido, otalgia e tontura, por exemplo, irão se resolver28.
Há também relação positiva entre fibromialgia e presença de alterações otológicas; indivíduos fibromiálgicos possuem algum tipo de sintoma aural na grande maioria dos casos13. Já a estreita relação entre a fibromialgia e a DTM baseia-se na presença da dor crônica. Balasubramaniam et al. (2007) realizaram um estudo com 32 pacientes portadores de fibromialgia no qual foi avaliada a presença de DTM, diagnosticada de acordo com o RDC. Destes, 71% foram diagnosticados como portadores de DTM, sendo que 53% dos pacientes possuíam dor na região facial, 87% relataram ter passado por algum evento estressante e 42,3% tinham sintomas indicativos de uma desordem estressante pós-traumática. Concluíram que o alto índice de DTM em indivíduos fibromiálgicos sugere a desregulação de amplo alcance das funções autonômicas e do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal.
Analisando as informações obtidas nos estudos7,9,21, nota-se que a causa dos sintomas aurais relacionados à DTM não está completamente elucidada. O envolvimento de fatores mecânicos e vários mecanismos neurais, vasculares, musculares e até mesmo fatores psicológicos, atuando conjuntamente, tanto nas desordens como nos sintomas aurais, nos impede de obter maiores esclarecimentos21. Muitas vezes, sintomas otológicos não levam o paciente a suspeitar de DTM, tornando-se dessa forma o diagnóstico de DTM de suma importância21,23. O exame deve ser realizado levando-se em consideração a anamnese e o exame físico. Achados como sensibilidade à palpação dos músculos da face e das ATM são indicativos de que há coexistência com DTM21.
RELATO DE CASO CLÍNICO
A paciente E. T. S., 42 anos, gênero feminino, apresentou-se ao Serviço de Diagnóstico e Orientação a Pacientes com Desordens Temporomandibulares da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (Serviço ATM - FO/UFJF), em abril de 2010, com queixa principal de tontura intensa, otalgia, zumbido, além de dores faciais. Foi relatado que a sintomatologia dolorosa apresentava localização bilateral, caráter difuso, latejante e constante, com início há cinco anos, perdurando até o momento. Como hábitos parafuncionais, foram relatados e identificados o bruxismo noturno, o apertamento e os hábitos posturais inadequados. Durante a anamnese a paciente relatou ser muito ansiosa, estressada e depressiva, além de ser portadora de fibromialgia (diagnosticada há oito anos após avaliação clínica médica), para qual fazia tratamento com as medicações Nortriptilina (25mg/noite) e Paroxetina (25mg/noite), a uso há oito anos.
Durante o exame físico foi observada sintomatologia severa à palpação dos pterigoideos laterais, mediais e masseter; mediana para os músculos temporais, e leve para o músculo esternocleidomastóideo.
Na avaliação articular foi constatada a presença de dor mediana bilateral durante exame lateral e leve bilateral durante exame intra-conduto. A abertura máxima sem desconforto foi de 32 mm e com desconforto de 36 mm. Foi verificada ausência de desvios ou deflexões durante a trajetória de abertura, assim como de estalidos, saltos ou crepitações. A imagem da planigrafia pode ser observada na Figura 3.
A paciente não possuía os elementos dentários 17, 18, 46, 47 e 48 (mutilada segundo a classificação de Angle). A discrepância de RC para OC era de 3 mm, com contato prematuro nos elementos 13 e 43. Apresentava tanto overjet como overbite de 3 mm, e curva de Spee acentuada, como é possível observar nas Figuras 1 e 2.
Durante a entrevista, a paciente foi questionada sobre a distribuição dos pontos álgicos sistêmicos relacionados à fibromialgia, previamente diagnosticada por um médico reumatologista. Constatou-se a identificação e queixa de 12 áreas sintomáticas, distribuídas nas regiões lombar, glútea e cervical, articulações de membros superiores e inferiores, associadas a espasmos musculares e sensação de fadiga constante, além de irritabilidade, do relato de depressão e dificuldades de sono, que caracterizavam tal diagnóstico.
A avaliação otorrinolaringológica descartou a associação dos sintomas auriculares com quaisquer patologias otológicas.
Através do exame de palpação, chegou-se ao diagnóstico sugestivo de DTM, caracterizada por artralgia e dor miofascial com limitação de abertura bucal associada à fibromialgia, e presença secundária de hábitos parafuncionais (bruxismo noturno, apertamento, e hábitos posturais inadequados) e estresse emocional. A palpação muscular foi realizada imprimindo-se uma pressão firme com a ponta dos dedos indicador e/ou médio, realizando pequenos movimentos circulares, onde a própria paciente relatava o grau de dor sentida, sendo 0 - ausência de dor ou desconforto, 1 - leve desconforto, 2 - desconforto ou dor e grau 3 - dor acompanhada de pulo, movimento de retirar a cabeça e/ou reflexo palpebral29. O diagnóstico foi baseado no RDC, pela aplicação do exame utilizando 1 kgf na musculatura extrabucal e ½ kgf na musculatura intrabucal30, quando foram identificadas 10 áreas musculares dolorosas, que quando palpadas se referiam às áreas de queixa original da paciente. Desta forma, e a mialgia expressava a condição de dor miofascial com (ou sem) limitação de abertura.
Tratamentos propostos e evolução terapêutica
A conduta terapêutica inicial proposta buscou alterar os fatores etiológicos oclusais de forma reversível, objetivando a diminuição da hiperatividade muscular por meio da utilização da PNMR, orientações sobre autocuidados, assim como percepção e controle de hábitos parafuncionais deletérios. De forma adjuvante, indicou-se a realização de exercícios físicos (como caminhada e hidroginástica) e a manutenção da terapia farmacológica (Nortriptilina e Paroxetina).
A PNMR foi confeccionada em resina acrílica quimicamente ativada, incolor, com aproximadamente 2 mm de espessura, recobrindo as superfícies incisais e/ou oclusais dos dentes da arcada superior, na tentativa de que uma oclusão dita "ideal" fosse restabelecida (com contatos oclusais adequados com os dentes antagonistas e presença de guias incisal e canino). A PNMR era ajustada na posição de relação cêntrica, a cada 15 dias. Sua indicação inicial foi por 24hs/dia nas duas primeiras semanas, retirando-a apenas para alimentação e higienização, o que resultou em uma melhora de 60% da sintomatologia dolorosa neste primeiro momento. Com o acompanhamento clínico nos dois meses seguintes, o uso da PNMR foi progressivamente diminuído em decorrência da redução (também progressiva) da sintomatologia dolorosa. Quando relatada a remissão sintomatológica (com aproximadamente 3 meses de utilização da PNMR), recomendou-se o uso da PNMR por 8h/dia, durante o sono noturno.
Após quatro meses de uso da PNMR, houve estabilização dos sintomas orofaciais e fibromiálgicos, assim como da qualidade do sono nas semanas seguintes e a remissão das alterações otológicas (zumbido e tontura), culminando na assinatura do termo de finalização do tratamento sintomático e em instruções de autocuidados preventivos direcionados à DTM. Orientou-se sobre a utilização da PNMR apenas para dormir e da necessidade de visitas regulares ao Reumatologista para controle da fibromialgia (neste período os sintomas da fibromialgia permaneceram estáveis). Um encaminhamento para a terapia de reabilitação oclusal (devido à ausência de contato posterior do lado direito) foi realizado. A terapia farmacológica (Nortriptilina e Paroxetina) foi mantida, tal como os exercícios físicos já assimilados.
A condução e publicação do caso clínico apresentado foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Juiz de Fora, sob parecer número 080/2011, sendo conduzido dentro dos padrões exigidos pela resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.
DISCUSSÃO
De acordo com a literatura consultada, há grande incidência de queixas auditivas em pacientes com DTM2,7,10,11,20,21,28. Indivíduos fibromiálgicos possuem alterações otológicas na grande maioria dos casos13. O caso clínico descrito corrobora com ambas as afirmações. A paciente era portadora de fibromialgia associada à DTM e possuía alterações otológicas.
A estreita relação entre a fibromialgia e a DTM baseia-se na presença da dor crônica. É este o principal fator que leva o paciente a procurar tratamento23. A paciente relatou que as dores eram constantes e iniciaram há cinco anos. Sentia dores bilateralmente, sendo a mesma de caráter difuso e latejante.
A dor crônica e a sintomatologia variada presente na fibromialgia dificultam o tratamento e justificam a busca por informações que ajudem a esclarecer a fisiopatologia e o quadro geral da doença a fim de melhorar e direcionar o seu tratamento14, haja vista que uma função imperfeita ou dolorosa, atua como um fator perturbador significante. O tratamento das DTM se relaciona diretamente à melhoria da qualidade de vida do paciente.
Foi observada melhora dos sintomas otológicos em indivíduos submetidos ao tratamento com PNMR27. O estímulo de dor somática, profunda e constante pode causar no paciente a hiperexcitabilidade dos neurônios de segunda ordem (sensitização central). Assim, a PNMR (apesar de não cessar os episódios de bruxismo e apertamento) pode atuar positivamente no alívio da dor pelo relaxamento da musculatura, diminuindo a liberação constante de neurotransmissores27. Portanto, a utilização da PNMR, o aconselhamento quanto à prática de exercícios físicos, importância da terapia medicamentosa e as mudanças de hábitos podem ter atuado positivamente no alívio da dor pelo relaxamento da musculatura, diminuindo a liberação constante de neurotransmissores e, consequentemente, cessando o estímulo determinante do zumbido27, como foi relatado pela paciente, que não mais apresentava episódios de zumbido.
Há autores que acreditam que a dor pode ser produzida por hipercontração e hiperestiramento do músculo pterigóideo lateral, que leva à hipertonia do músculo tensor do tímpano9,18,19, sendo essa dor quase sempre referida em uma região diferente e distante do local de origem9,19. No caso clínico reportado, a paciente apresentava sintomatologia severa à palpação do músculo pterigóideo lateral.
Em certos casos, considera-se também que uma configuração plana da eminência articular levaria ao deslizamento do côndilo articular contra o ligamento esfenomandibular, desencadeando a disfunção do sistema neuromuscular e provocando alterações no reflexo protetor durante a deglutição, o que inibiria a abertura da tuba auditiva e reduziria a ventilação na orelha média9. Já para Costen22, a DTM pode causar a irritação do nervo aurículo-temporal, ou conduzir uma inadequada regulação da pressão intratimpânica11,28 através do bloqueio da tuba auditiva, produzindo assim os sintomas otológicos28.
A DTM, o zumbido e a vertigem têm sido associados ainda com desordens emocionais; os fatores psicológicos e o estresse podem agir como "gatilhos" ou "fatores facilitadores", fazendo com que os pacientes com otalgia tenham aumentada a percepção do zumbido10. Tais afirmações vão de encontro com o caso apresentado.
O equilíbrio corporal depende da integridade do sistema vestibular, labirinto, nervo vestibulococlear, núcleos, vias e inter-relações do Sistema Nervoso Central, do sistema somatossensorial e da visão. Tonturas e/ou desequilíbrio surgem quando algo interfere no funcionamento normal do sistema de equilíbrio corporal13. A paciente realizava bruxismo noturno, apertamento e possuía hábitos posturais incorretos, fatos que podem contribuir para o desequilíbrio corporal.
A fibromialgia é uma condição que suscita grande dificuldade diagnóstica, devido à falta de recursos e profissionais aptos para este fim. Tanto a DTM como a fibromialgia compartilham de sintomas como fadiga, dores musculares e uma aparente associação com fatores psicológicos3, onde o estado emocional do paciente é influenciado e influencia cronicamente o processamento neurofisiológico da dor e as atitudes comportamentais dos pacientes, e em virtude disso necessita de um tratamento multiprofissional22. Muitos pacientes que apresentam fibromialgia têm DTM e não sabem. Se houver um melhor entendimento da sintomatologia da DTM, da fibromialgia e das condições clínicas associadas, a abordagem destes indivíduos e o consequente plano terapêutico serão mais eficientes proporcionando assim, uma melhor qualidade de vida3.
CONCLUSÃO
Para a correta condução de um tratamento de DTM é necessário que o Cirurgião-Dentista tenha conhecimento sobre doenças relacionadas a quadros álgicos difusos, como a fibromialgia e a otalgia, e com isso formular o diagnóstico diferencial e estabelecer a conduta terapêutica adequada, sendo esta muitas vezes interdisciplinar.
Fica ressaltada a importância do conhecimento sobre a fibromialgia e a necessidade de controle medicamentoso desta patologia pelo médico Reumatologista, principalmente por apresentar características de cronicidade que interferem nos sintomas de DTM. Lembrando-se ainda sobre a importância de um exame detalhado que deverá ser realizado tanto pelo otorrinolaringologista como pelo Cirurgião-Dentista para que um adequado diagnóstico seja estabelecido, sobre o qual a terapia deverá ser fundamentada15,28.
APLICAÇÃO CLÍNICA
Pacientes multiqueixosos frequentemente apresentam manifestações sintomatológicas de patologias que relacionadas a quadros álgicos difusos e muitas vezes sobrepostos aos da região orofacial. Os sintomas relacionados à DTM, por sua vez, podem não estar necessariamente localizados na região facial propriamente dita, com possibilidade de extensão a regiões limítrofes da cabeça e pescoço.
Ao lidar com os distúrbios temporomandibulares, o Cirurgião-Dentista deve ter conhecimento de seus principais sintomas além daqueles relacionados a doenças sistêmicas, como a fibromialgia e quadros sintomatológicos de áreas anexas, como a otalgia.
Dessa forma, o presente caso ilustra a aplicação clínica do diagnóstico diferencial de um paciente portador de fibromialgia e alterações otológicas, que interferiam nos sintomas orofaciais de DTM. A conduta diagnóstica descrita tem como objetivo atentar ao profissional sobre as manifestações sistêmicas comuns da dor crônica para que o mesmo seja capaz de formular o diagnóstico diferencial e estabelecer a conduta terapêutica adequada, sendo esta muitas vezes interdisciplinar.
CEP/UFJF nº 080/11
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Autor para correspondência:
Letícia Ladeira Bonato
Rua dos Inconfidentes, 385
Manoel Honório - Juiz de Fora – MG
36045-070
Brasil
e-mail: leticialbonato@hotmail.com
Recebido em: mar/2012
Aprovado em: jun/2012