SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.66 número4 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

versão impressa ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.66 no.4 Sao Paulo Out./Dez. 2012

 

AUTOR CONVIDADO

 

Deslocamento coronário de retalho com tecido conjuntivo interposto para cobertura radicular

 

Coronally advanced flap with connective tissue for the Treatment of Gingival Recession

 

 

Hsu Shao FengI; Luiz Carlos Magno FilhoII; Suzana Peres PimentelIII; Márcio Zaffalon CasatiIV; Fabiano Ribeiro CiranoV

IEspecialista, mestre e doutor em Periodontia - Professor do curso de atualização e especialização em Implantodontia na Universidade Paulista (Unip) e Hospital Militar da Área de São Paulo (Hmasp)
IIEspecialista em Estomatologia e em Implantodontia - Professor assistente dos cursos de atualização e especialização em Implantodontia da Unip
IIIDoutora em Periodontia - Professora titular da Disciplina de Periodontia da Unip
IVLivre docente em Periodontia pela Universidade Estadual de Campinas - Professor titular da Disciplina de Periodontia da Unip
VDoutor em Periodontia - Professor titular da Disciplina de Periodontia da Unip

Autor para correspondência:

 

 


RESUMO

Hoje em dia é muito comum nos depararmos com pacientes que apresentam queixas estéticas e álgicas relacionadas a sequelas de uma retração gengival (RG). Dentre as diversas modalidades de tratamento propostos para a correção da RG, a associação da técnica de enxertia de tecido conjuntivo do palato e do deslocamento coronário de retalho tem apresentado resultados satisfatórios. O objetivo deste relato de caso será demostrar uma alternativa para o tratamento da recessão gengival associando a técnica de deslocamento coronário de retalho com o enxerto de tecido conjuntivo interposto. Dentro dos limites deste relato de caso clínico, podemos concluir que a cirurgia de recobrimento gengival associando enxerto de tecido conjuntivo e deslocamento coronário de retalho mostrou-se eficaz para o tratamento da recessão gengival.

Descritores: retração gengival; tecido conjuntivo; cirurgia bucal


ABSTRACT

Nowadays it is very common to come across patients who have complaints related to aesthetic and painful sequels of a gingival recession (GR). Among the various treatment modalities proposed for the correction of the RG, the combination of the technique coronally advanced flap with a subepithelial connective tissue graft as shown satisfactory results for the treatment of RG. Objective: to demonstrate, through a case, an alternative for the treatment of gingival recession technique involving coronally advanced flap with subepithelial connective tissue graft interposed. Conclusion: Within the limits of this case report, we conclude that root coverage associating gingival connective tissue graft and coronally advanced flap was effective for the treatment of gingival recession.

Descriptors: gingival recession; connective tissue; surgery, oral


 

 

RELEVÂNCIA CLÍNICA

Demonstrar que, ao se associar duas técnicas de cirurgia plástica periodontal para o tratamento da retração gengival pode se alcançar resultados estáveis e previsíveis em longo prazo.

 

INTRODUÇÃO

A retração gengival (RG) é uma condição clínica muito comum observada na prática clínica diária1,2. É uma alteração mucogengival caracterizada pelo deslocamento apical da margem gengival em relação à junção cemento-esmalte, expondo a superfície radicular, podendo levar o paciente a apresentar alterações estéticas, desenvolver cáries radiculares3 e hipersensibilidade4.

A RG apresenta etiologia multifatorial, sendo que os principais fatores relacionados são o biofilme dental5 e o trauma de escovação (escovas inadequadas e técnica e frequência de escovação deficientes)6. Além disso, outros fatores anatômicos podem pré-dispor a alterações no tecido gengival, como por exemplo, espessura gengival delgada7, deiscência óssea8, trauma de oclusão9, alteração no posicionamento dentário (dentes vestibularizados) e inserções musculares altas (freio labial e bridas)10.

Realizou-se um estudo no qual se classificou as RG em IV classes. Na classe I a retração não ultrapassa a linha mucogengival (LMG) e não há perda de tecido ósseo interproximal, na classe II a retração se localiza no nível ou ultrapassa a LMG e também não há perda de tecido ósseo interproximal, já na classe III a RG está presente em dente com perda de tecido mole e ósseo na região interproximal e por fim na classe IV a RG está presente em dentes com os tecidos interproximais situados no nível ou abaixo da linha da retração11.

Inúmeras técnicas foram propostas para o tratamento da RG. Dentre elas podemos citar: o enxerto gengival livre12, o deslocamento lateral de retalho13,14, a regeneração tecidual guiada15 e o deslocamento coronário de retalho associado16.17 ou não ao uso enxerto de tecido conjuntivo interposto18.

O deslocamento coronário de retalho em associação ao tecido conjuntivo interposto tem apresentado bons resultados para o tratamento da RG com aumento significativo de tecido queratinizado19,20 e com homogeneidade da coloração do tecido gengival da região21. O objetivo deste estudo será demostrar, através de um relato de caso, uma alternativa para o tratamento da recessão gengival.

 

RELATO DE CASO

A paciente, gênero feminino, leucoderma, não fumante, 46 anos compareceu a clínica odontológica relatando insatisfação com seu sorriso. Ao exame clínico, foi possível constatar uma retração Classe I de Miller na face vestibular, com extensão de 4, 2 e 3 mm, nos elementos 12, 13, 14, respectivamente (Figura 1). Não havia sinais de inflamação como vermelhidão, edema ou sangramento à sondagem. Foi sugerido, como plano de tratamento, enxerto conjuntivo subelipetial com retalho deslocado coronariamente.

Foram realizadas antissepsia intrabucal com gluconato de clorexidina a 0,12% e extrabucal com gluconato de clorexidina a 2% e, anestesia infiltrativa terminal com mepivacaína a 2% com adrenalina 1:100.000.

Foi realizado um retalho parcial (dividido), englobando os dentes adjacentes aos da retração, bem como uma raspagem e aplainamento radicular no momento da cirurgia.

O retalho foi confeccionado a partir de uma única incisão relaxante na porção mesial do elemento deixando cerca de 3 mm de mucosa remanescente para preservar a margem gengival do elemento 15 que apresentava uma prótese parcial fixa. A partir daí, uma incisão horizontal foi realizada englobando todas as papilas interdentais dos dentes com RG, removendo o epitélio das papilas depois de completada a incisão. Seguiu-se então, o descolamento dos tecidos.

A área doadora escolhida foi o palato para remoção do enxerto conjuntivo, respeitando 1 a 2 mm da margem gengival entre segundo pré-molar e primeiro molar.

O enxerto foi removido com lâmina de bisturi n°15 e posicionado, sobre a área da retração (Figura 2). Assim, as suturas foram realizadas com fios vycril na área enxertada e também no retalho reposicionado para que a camada de coágulo entre o enxerto e o leito fosse a menor possível foi realizada compressão sobre o mesmo (Figura 3).

O paciente foi orientado quanto à utilização colutório a base de gluconato de clorexidina 0,12% duas vezes ao dia por um período de sete dias22.

As suturas foram removidas sete dias após a cirurgia. O controle foi feito com sete semanas, três meses (Figura 4), seis meses (Figura 5) e 15 meses (Figura 6), tendo como resultado final um ganho em gengiva queratinizada e um excelente recobrimento radicular.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Diversos trabalhos apresentados na literatura, demostraram os benefícios de se associar o deslocamento coronário de retalho ao enxerto de tecido conjuntivo para recobrimento radicular 22, 21, 23, 19, 20.

Um estudo revelou uma porcentagem de sucesso de cobertura radicular de 88,3% após um período de observação de 12 meses em casos de classe I ou II de Miller, sem o uso de microscopia cirúrgica20. Da mesma forma que outros autores também observaram altas taxas de sucesso (96%) após seis meses de observação19.

O uso de microscópio cirúrgico para procedimentos de recobrimento radicular tem-se mostrado menos invasivo e com bons resultados em relação a recobrimento radicular, gerando um menor trauma cirúrgico e consequentemente menor dor no pós operatório20,24,25,26.

No entanto, o alto custo envolvido e a necessidade de um intenso treinamento laboratorial e clínico para manuseio do equipamento aparecem como as principais limitações no uso desta técnica20,24.

A utilização do enxerto conjuntivo aumentou não só a espessura tecidual, mas também contribuiu para o aumento da mucosa queratinizada27, proporcionando uma melhora na cobertura radicular principalmente nos casos de biótipo periodontal fino28,29.

Uma grande preocupação dos clínicos seria como o tecido conjuntivo se comportaria sendo acomodado em uma região diferente do palato e manter as mesmas características físicas, como por exemplo, coloração e textura da área receptora. No entanto, pode-se observar uma completa cicatrização na área receptora, com ganho de tecido vestibular e mantendo as mesmas características de coloração e textura da mucosa nativa da área receptora30.

Outro fator importante seria a estabilidade dos tecidos após o tratamento com tecido conjuntivo associado ao reposicionamento coronário do retalho. Um estudo mostrou que após quatro anos de acompanhamento, 94% dos casos apresentavam ainda certo grau de recobrimento e que 68% dos pacientes ainda apresentavam recobrimento completo da superfície radicular31. No entanto, fatores individuais, como biótipo periodontal fino, higiene bucaldeficiente e falta de controle clínico foram relacionados à recidiva da recessão gengival28,29.

Quanto à cirurgia de remoção de enxerto conjuntivo, o profissional deve estar atento a possíveis complicações que podem ocorrer tanto no trans como no pós-operatório, principalmente na área doadora21.

As complicações mais comuns, relatadas na literatura, que podem ocorrer nas cirurgias de remoção de tecido conjuntivo do palato são a dor pós-operatória, necrose e atraso de cicatrização na área doadora e alterações de sensibilidade. No entanto, o acidente mais contundente é sem dúvida a lesão ao feixe vásculo-nervoso palatino maior, podendo levar a um processo hemorrágico na região e propiciando a formação de hematomas e, consequentemente, aumentando o risco de infeção no local18,1,27.

É muito importante que o profissional esteja familiarizado com a anatomia topográfica do palato e realize um meticuloso estudo da relação dos tecidos moles com os tecidos duros da região. Vale lembrar que no palato existem áreas consideradas de risco, variando conforme a espessura da fibromucosa. Essas variações são individuais e podem variar conforme a idade do paciente19.

Embora o enxerto de tecido conjuntivo seja considerado "gold standard" para utilização nas cirurgias de recobrimento radicular23, uma alternativa ao uso do conjuntivo seria sua substituição por uma matriz dérmica acelular (MDA)32.

Estudos têm mostrado que quando se compara o sucesso entre ambas as técnicas para o recobrimento radicular, não existem diferenças no resultado final do caso. No entanto, o custo do material e a não aceitação por alguns pacientes são fatores determinantes para a realização desta técnica23,32.

Os resultados clínicos observados após o recobrimento gengival, principalmente em casos de classe I e II de Miller, tem-se mostrado promissores e com aparente estabilidade da margem gengival a longo prazo22,28,19,20.

Observou-se que os melhores resultados em termos de porcentagem de cobertura radicular e de estabilidade da margem gengival ocorram em indivíduos que apresentaram melhor controle do biofilme dental e que realizaram acompanhamentos periódicos25,22,26, bem como observado no caso clínico descrito acima.

 

CONCLUSÃO

Dentro dos limites deste relato de caso clínico, podemos concluir que a cirurgia de recobrimento gengival associando enxerto de tecido conjuntivo e deslocamento coronário de retalho mostrou-se eficaz para o tratamento da recessão gengival.

 

REFERÊNCIAS

1. Albandar JM, Kingman A. Gingival recession, gingival bleeding, and dental calculus in adults 30 years of age and older in the United States, 1988-1994. J Periodontol 1999;70:30-43.         [ Links ]

2. Susin C, Haas AN, Oppermann RV, Haugejorden O, Albandar JM. Gingival recession: Epidemiology and risk indicators in a representative urban Brazilian population. J Periodontol 2004;75:1377-1386.         [ Links ]

3. Lawrence HP, Hunt RJ, Beck JD. Three-year root caries incidence and risk modeling in older adults in North Carolina. J Public Health Dent 1995;55:69-78.         [ Links ]

4. Al-Wahadni A, Linden GJ. Dentine hypersensitivity in Jordanian dental attenders. A case control study. J Clin Periodontol 2002;29:688-693.         [ Links ]

5. Ericsson I, Lindhe J. Recession in sites with inadequate width of the keratinized gingiva. An experimental study in the dog. J Clin Periodontol 1984; 11(2):95-103.         [ Links ]

6. Checchi L, Daprile G, Gatto MRA, Pelliccioni A. Gingival recession and toothbrushing in an Italian School of Dentristy: a pilot study. J Clin Periodontol 1999; 26(5):276-80.         [ Links ]

7. Kennedy JE, Bird WC, Palcanis KG, Dorfman HS. A longitudinal evaluation of varying widths of attached gingiva. J Clin Periodontol 1985; 12(8):667-75.         [ Links ]

8. Löst C. Depth of alveolar bone dehiscences in relation to gingival recessions. J Clin Periodontol 1984; 11(9):583-589.         [ Links ]

9. Trott JR, Love B. An analysis of localized gingival recession in 766 winnipeg high school students. Dent Pract Dent Rec 1966; 16(6):209-13        [ Links ]

10. Gorman WJ. Prevalence and etiology of gingival recession. J Periodontol 1967;38(4):50/316-22.1        [ Links ]

11. Miller PD Jr. A classification of marginal tissue recession Int J Periodontics Restorative Dent 1985;5(2):8-13.

12. Miller PD Jr., Binkley LH Jr. Root coverage and ridge augmentation in Class IV recession using a coronally positioned free gingival graft. J Periodontol 1986;57: 360-363.

13. Patur B. The rotation flap for covering denuded root surfaces – A closed wound technique. J Periodontol 1977;48:41-44.

14. Grupe HE, Warren RF Jr. Repair of gingival defects by a sliding flap operation. J Periodontol 1956;27:92-95.

15. Trombelli L, Schincaglia GP, Scapoli C, Calura G. Healing response of human buccal gingival recessions treated with expanded polytetrafluoroethylene membranes. A retrospective report. J Periodontol 1995;66: 14-22.         [ Links ]

16. Bernimoulin JP, Luscher B, Muhlemann HR. Coronally repositioned periodontal flap. Clinical evaluation after one year. J Clin Periodontol 1975;2:1-13.         [ Links ]

17. Tenenbaum H, Klewansky P, Roth JJ. Clinical evaluation of gingival recession treated by coronally repositioned flap technique. J Periodontol 1980;51: 686-690.         [ Links ]

18. Langer B, Langer L. Subepithelial connective tissue graft technique for root coverage. J Periodontol 1985; 56:715-720.         [ Links ]

19. Mazzocco F, Comuzzi L, Stefani R, Milan Y, Favero G, Stellini E. Coronally advanced flap combined with a subepithelial connective tissue graft using full- or partial-thickness flap reflection. J Periodontol. 2011;82(11):1524-9.         [ Links ]

20. Bittencourt S, Del Peloso Ribeiro E, Sallum EA, Nociti FH Jr, Casati MZ. Surgical microscope may enhance root coverage with subepithelial connective tissue graft: a randomized-controlled clinical trial. J Periodontol. 2012;83(6):721-30.

21. Oates TW, Robinson M, Gunsolley JC. Surgical therapies for the treatment of gingival recession. A systematic review. Ann Periodontol 2003;8:303-320.         [ Links ]

22. Paolantonio M. Treatment of giginval recessions by combined periodontal regenerative technique, guided tissue regeneration and subpedicle connective tissue graft. A comparative clinical study. J Periodontol 2002; 73(1):5362.         [ Links ]

23. Chambrone L, Sukekava F, Arau´ jo MG, Pustiglioni FE, Chambrone LA, Lima LA. Root-coverage procedures for the treatment of localized recession-type defects: A Cochrane systematic review. J Periodontol 2010;81:452-478.         [ Links ]

24. Burkhardt R, Lang NP. Coverage of localized gingival recessions: Comparison of micro- and macrosurgical techniques. J Clin Periodontol 2005;32:287-293.         [ Links ]

25. de Campos GV, Bittencourt S, Sallum AW, Nociti FH Jr., Sallum EA, Casati MZ. Achieving primary closure and enhancing aesthetics with periodontal microsurgery. Pract Proced Aesthet Dent 2006;18:449-454.

26. Burkhardt R, Hu¨rzeler MB. Utilization of the surgical microscope for advanced plastic periodontal surgery. Pract Periodontics Aesthet Dent 2000;12:171-180.         [ Links ]

27. Harris RJ. Connective tissue grafts combined with either double pedicle grafts or coronally positioned pedicle grafts: Results of 266 consecutively treated defects in 200 patients. Int J Periodontics Restorative Dent 2002;22:463-471.         [ Links ]

28. Baldi C, Pini-Prato G, Pagliaro U, et al. Coronally advanced flap procedure for root coverage.Is flap thickness a relevant predictor to achieve root coverage? A 19-case series. J Periodontol 1999;70:1077-1084.         [ Links ]

29. Hwang D, Wang HL. Flap thickness as a predictor of root coverage: A systematic review. J Periodontol 2006;77:1625-1634.         [ Links ]

30. Lindhe J, Karring T, Lang NP. Tratado de Periodontia Clínica e Implantologia Oral. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan; 2005.         [ Links ]

31. Zucchelli G, De Sanctis M. Long-term outcome following treatment of multiple Miller class I and II recession defects in esthetic areas of the mouth. J Periodontol. 2005 Dec; 76(12):2286-92.         [ Links ]

32. Moslemi N, Jazi MM, Haghighati F, Morovati SP, Jamali R. Acellular dermalmatrix allograft versus subepithelial connective tissue graft in treatment of gingival recessions: a 5-year randomized clinical study. J Clin Periodontol 2011; 38: 1122-1129.         [ Links ]

 

 

Autor para correspondência:
Hsu Shao Feng
Rua Apeninos, 930 - Cj. 172 - Paraíso
04104-020 - São Paulo – SP - Brasil


e-mail: robertohsu@yahoo.com.br
e-mail: robertohsu@hotmail.com