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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

versão impressa ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.67 no.1 Sao Paulo Jan./Mar. 2013

 

AUTOR CONVIDADO CLÍNICO

 

Coronectomia de terceiro molar inferior

 

Inferior third molar coronectomy

 

 

Maria Cristina Zindel DeboniI; Andreia Aparecida TrainaII; Mariana Aparecida BrozoskiIII; Daniel Falbo Martins de SouzaIV; Maria da Graça Naclério-HomemV

ILivre Docente em Cirurgia Bucomaxilofacial - Professora Associada Disciplina da Cirurgia Odontológica e BucoMAxiloFacial da Faculdade de Odontologia da USP-SP
IIDoutora em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial - Professora Assistente da Disciplina de Cirurgia Odontológica e Bucomaxilofacial da FOUSP-SP
IIIMestre em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial pela FOUSP -SP - Doutoranda em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial pela FOUSP-SP
IVMestre em Ciências da Saúde pela Santa Casa de Misericórdia de São Paulo - Doutorando em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial pela FOUSP -SP Coordenador da Residencia de CTBMF do Conjunto Hospitalar do Mandaqui - SP
VLivre Docente em Cirurgia BucoMaxiloFacial - Professora Associada - Disciplina de Cirurgia Odontológica e Bucomaxilofacial da Faculdade de Odontologia da USP -SP

Autor para correspondência

 

 


RESUMO

A técnica da coronectomia, também conhecida como odontectomia parcial intencional, foi desenvolvida para minimizar o risco de lesão ao nervo alveolar inferior quando o terceiro molar incluso e impactado apresenta raízes em relação de proximidade com o canal mandibular.É uma técnica controversa e tem ganhado muito espaço na literatura contemporânea da especialidade, com estudos clínicos randomizados e revisões sistemáticas que consigam comprovar a evidência de sucesso na prevenção de traumatismos nervoso. O artigo apresenta um caso clínico que descreve o diagnóstico radiográfico e tomográfico, a técnica da coronectomia utilizada, o controle pós-operatório e uma breve discussão da literatura.

Descritores: Dente Serotino; Cirurgia Bucal; Nervo Mandibular.


ABSTRACT

Coronectomy or intentional partial odontectomy is an operatory maneuver developed to minimize traumatisms to the mandibular nerve when an impacted or non erupted third molar’s presents great proximity to the alveolar nerve. It is a controversial technique although literature has been increasing its attention in the last few years. Many randomized clinical studies and systematic reviews have been published in order to state clinical evidence on trauma prevention of the alveolar nerve. This article presents a case report describing the radiographic and tomography diagnoses, coronectomy technical details, postoperative follow-up and a brief literature discussion.

Descriptors: Molar, Third Tooth Extraction; Mandibular Nerve.


 

 

RELEVÂNCIA CLÍNICA

A coronectomia tem sido empregada como técnica alternativa na prática da cirurgia do terceiro molar inferior e tem gerado discussões importantes na literatura especializada. O motivo principal do desenvolvimento da técnica é a prevenção de lesão ao nervo alveolar inferior.

 

INTRODUÇÃO

A cirurgia de dentes inclusos e/ou impactados é uma rotina na especialidade da Cirurgia Bucomaxilofacial. Estes dentes, com grande frequência, estão associados a diversas alterações patológicas, dentre elas, cistos, tumores, reabsorções dentárias, cárie, doença periodontal e processos infecciosos que justificam a sua remoção1-4. O dente que com maior incidência apresenta quadro de não irrupção e de impactação são os terceiros molares inferiores. Dependendo da posição e do grau de impactação em que o terceiro molar inferior se encontra, sua avulsão pode se tornar bastante traumática e acarretar complicações, como lesão ao feixe vásculo-nervoso alveolar inferior, dor intensa ou infecção pós-operatória5-9. Dentre as complicações citadas, a lesão ao nervo alveolar inferior é uma das maiores preocupações devido às consequências de déficit sensorial que representa ao paciente. A lesão ao nervo pode ocorrer durante a manobra de exodontia, por compressão da própria raiz dentária ou por contato direto de instrumentos, como brocas e elevadores, com o nervo alveolar inferior. Para minimizar esse problema, foi desenvolvida a técnica da coronectomia, também conhecida como odontectomia parcial intencional, onde a coroa do dente incluso é removida e parte de suas raízes permanecem intactas, podendo assim reduzir as chances de lesão ao nervo alveolar inferior5,6,8,10-12.

A técnica não deve ser encarada como uma panaceia, assim, este artigo tem como objetivo apresentar um caso clínico de coronectomia, descrever as indicações e contraindicações precisas da técnica e discutir brevemente a literatura atualizada sobre o assunto.

 

RELATO DE CASO

Paciente feminino, 50 anos, apresentando terceiro molar inferior com impactação óssea e dentária, histórico de episódio de pericoronarite e bolsa periodontal na distal do segundo molar. A radiografia panorâmica apresentava imagem de terceiro molar inferior esquerdo com impactação óssea em ramo ascendente, posicionamento vertical segundo a classificação de Pell & Gregory (1933) classe II, posição B. A imagem exibia ainda estreitamento do canal mandibular e o escurecimento do ápice das raízes, especialmente a distal (Figura 1 e 2). A tomografia confirmou a continuidade anatômica de posicionamento dos ápices e da dilaceração das raízes (Figura 3). A necessidade da exodontia foi estabelecida pelo histórico de quadro de infecção anterior. O procedimento cirúrgico foi executado sob anestesia local e com rigor de manutenção de cadeia asséptica. O acesso cirúrgico foi pela face vestibular, por meio de um retalho gengival com extensão para distal e osteotomia, até a exposição coronária do terceiro molar, até o limite amelocementário. Um afastador lingual protegia os tecidos e o nervo lingual. Com uma broca de aço cirúrgica tronco cônica (no 701 XXL) posicionada aproximadamente a 45o, sob irrigação de solução salina estéril constante, realizou-se o corte completo da coroa dentária. Desgastou-se, ainda, aproximadamente 3 mm da raiz de forma a torná-la totalmente submersa e circundada por tecido ósseo. Após nova irrigação e desbridamento dos tecidos moles para remoção de remanescentes de capuz periocoronário, a ferida foi suturada com fio de Vycril3-0. As recomendações pós-operatórias incluíam as de rotina quanto à dieta e higiene bucal. As medicações prescritas compreenderam: Paracetamol 750 mg a cada 6 horas para controle da dor, Cetoprofeno 100mg a cada 12 horas por três dias para controle da inflamação e Amoxicilina 500 mg a cada 8 horas por 7 dias para minimizar o risco de infecções pós-operatórios. A remoção da sutura foi realizada após 8 dias com paciente apresentando bom estado geral, sem queixas ou complicações. O detalhe da imagem ampliada da radiografia panorâmica pós-operatória de 3 meses apresenta o remanescente das raízes resultante da técnica (Figura 4).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

A técnica de retenção de raiz do terceiro molar foi reportada há mais de 20 anos, mas só mais recentemente foi descrita de forma apropriada por coronectomia ou odontectomia parcial intencional12. A técnica correta descresve um acesso cirúrgico convencional para a exposição coronária do terceiro molar inferior incluso e/ou impactado por meio de um retalho vestibular, osteotomia na cortical vestibular e exposição coronária até o colo cirúrgico do dente e corte total da coroa, acrescido de desgaste de pelo menos 3 mm do corpo cervical das raízes de forma a manter toda a estrutura radicular submersa em tecido ósseo sadio. Todas as bordas ósseas e dentárias devem estar arredondadas, e, após irrigação abundante com solução salina estéril e aspiração abundante com solução saliva estéril, curetagem e exérese de tecido inflamatório ou remanescentes do capuz pericoronário, a ferida deve ser suturada de forma primária5,12,13.

Nos últimos 10 anos, tem crescido o número de publicações científicas e relatos de casos sobre esse assunto14. Alguns estudos clínicos randomizados e revisões sistemáticas têm apresentado a coronectomia como uma técnica viável para prevenção de lesão do nervo alveolar inferior8,15,16.

Apesar da literatura não apresentar pesquisas com homogeneidade em relação à metodologia implicada, que garanta a comparação de resultados com aqueles da técnica de exodontia convencional ou total do dente, a coronectomia é um procedimento que apresenta baixo índice de complicações. Algumas vezes é descrita a necessidade de re-intervenção cirúrgica devido à migração da raiz6,8,16,17. Acreditamos que este fato não possa ser considerado como um insucesso da técnica, visto que, com a migração da raiz dentária, a proximidade com o nervo alveolar inferior diminui e mesmo em um segundo ato operatório as chances de lesão nervosa seriam reduzidas.

As indicações precisas do emprego desta técnica foram descritas por vários autores e devem ser seguidas com rigor5,7,12,13. Esta técnica só deve ser aplicada em casos de dentes vitalizados, em pacientes com boa saúde geral e com a concordância do paciente, que deve estar ciente da possibilidade de uma cirurgia adicional cedo ou tarde para o resgate da raiz. Existem contraindicações definitivas, como a existência de infecção ativa envolvendo a raiz do dente, dentes ou raízes que apresentem mobilidade ou quando o dente apresentar-se com impactação horizontal ao longo do canal mandibular, o que aumentaria e muito o risco de uma lesão de secção de forma direta do feixe vásculo nervoso13,18.

O planejamento do caso deve se fundamentar na imagem radiográfica panorâmica, que poderá revelar o contato direto dos ápices do dente com o canal do nervo alveolar inferior7. Na maioria das vezes ocorre perda da cortical do canal e escurecimento dos ápices radiculares, e também pode ocorrer o estreitamento do canal e a formação de imagem de ápices “em ilha”. É imprescindível que todas as imagens panorâmicas sejam confirmadas por imagens tomográficas que exibirão maiores detalhes anatômicos e especificidade para o diagnóstico da proximidade (continuidade) do ápice radicular com o canal do nervo alveolar inferior14,17.

É importante salientarmos que esta técnica não deve ser utilizada para qualquer caso e também não deve ser considerada um pretexto para justificar erros de planejamento ou inabilidade técnica. As indicações e contraindicações devem ser respeitadas para que toda a efetividade e segurança sejam obtidas.

 

CONCLUSÃO

A coronectomia é uma técnica alternativa viável que pode ser empregada, quando bem indicada, com o intuito de prevenção de traumatismos ao nervo alveolar inferior nas exodontias de terceiros molares inferiores inclusos.

 

REFERÊNCIAS

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Autor para correspondência:
Maria Cristina Zindel Deboni
Depto. de Cirurgia Prótese e
Traumatologia Bucomaxilofaciais
Av. Prof. Lineu Prestes, 2227
Butantã - São Paulo - SP
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Brasill

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