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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

versão impressa ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.67 no.2 Sao Paulo  2013

 

RELATO DE CASO CLÍNICO

 

Tratamento de Brida Lateral Anômala na Síndrome de Pierre Robin: Relato de Caso

 

Abnormal Lateral Frenulum Treatment in the Pierre Robin Syndrome: Case Report

 

 

Sueli Lobo DevidesI; Gabriela Letícia NatalícioII; Márcia Ribeiro GomideIII; Ana Cristina de Godoi ZingraIV

I Doutora - Cirurgiã-dentista no setor de Periodontia do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais
II Cirurgiã-Dentista especialista em Periodontia pelo Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais
III Doutora - Cirurgiã-dentista no setor de Odontopediatria do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais
IV Cirurgiã-Dentista especialista em Periodontia pelo Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Apesar da controvérsia existente na literatura a respeito da necessidade de uma faixa mínima de mucosa ceratinizada ao redor de dentes naturais, muitos autores concordam que pelo menos 2mm desse tecido é um pré-requisito essencial para a saúde periodontal, aumentando a resistência do periodonto a danos externos e contribuindo para a estabilização da posição da margem gengival, além de auxiliar na dissipação de forças fisiológicas. O enxerto gengival autógeno livre continua a ser o método mais previsível para se obter aumento da dimensão ápico-coronal de mucosa ceratinizada. Outro fator que conduz à saúde periodontal é a eliminação de inserções musculares como freios ou bridas considerados anormais ou patológicos. Nesse contexto, descreve-se, nesse trabalho, um relato de caso de freio anormal e patológico em uma paciente com 13 anos de idade portadora de fissura pós-forame incisivo e Síndrome de Pierre Robin. O caso foi solucionado. O freio foi eliminado e uma grande quantidade de mucosa ceratinizada foi obtida. Não houve recorrência do freio e não houve perda de mucosa ceratinizada em um ano de acompanhamento. A partir desse caso, pode-se concluir que técnicas simples da Periodontia básica (como enxerto gengival livre autógeno e frenectomia) podem ser usadas com sucesso na solução de casos complexos.

Descritores: Periodontia;Fenda Labial;Síndrome de Pierre Robin.


ABSTRACT

Despite the polemic about the need of a minimum quantity of attached gingiva around natural teeth, many authors agree that at least 2mm of this tissue is essential to achieve periodontal health. The attached gingiva increases the periodontal resistance to external damage, contributes to the stabilization of the gingival margin, and helps in the physiologic strength dissipation. The free gingival autograft is the most predictable method to gain attached gingiva. Another factor that leads to periodontal health is the elimination of muscle attachments, like frenulum, when they are considered abnormal or pathological. A case report of an abnormal and pathologic frenulum is described in a 13-year-old patient with post foramen cleft and Pierre-Robin Syndrome removed by using frenulectomy, free gingival autograft and deepening of the vestibular trough (vestibuloplasty). The case was solved. The frenulum was eliminated and a great amount of attached gingiva was obtained. There has been no recurrence of the frenulum and no attached gingiva has been lost in 1 year of follow-up. From this case it may be concluded that simple techniques of basic periodontology (like free gingival graft and frenulectomy) may be used with success in order to solve complex cases.

Descriptors: Periodontics; Cleft Lip; Pierre Robin Syndrome.


 

 

RELEVÂNCIA CLÍNICA

É destacada a importância do planejamento e a eleição da técnica cirúrgica adequada para o tratamento da Brida Lateral Anômala com o objetivo de proporcionar o sucesso e a estabilização da condição periodontal. É um exemplo válido de como procedimentos clássicos da Periodontia podem contribuir fundamentalmente para atingir o sucesso em uma reabilitação odontológica.

 

INTRODUÇÃO

A polêmica a respeito da necessidade de um comprimento adequado de mucosa ceratinizada para promover saúde periodontal ainda persiste na literatura. Lang and Löe1 sugeriram que pelo menos 2mm são essenciais, enquanto que Miyasato et al.2 demonstraram que, em condições apropriadas de higiene oral e controle de biofilme,é possível ter uma gengiva saudável com pouca ou nenhuma mucosa ceratinizada.

Apesar da divergência de opiniões, muitos autores concordam que a mucosa ceratinizada aumenta a resistência a danos externos, contribui para a estabilidade da margem gengival e para a dissipação de forças fisiológicas que são exercidas por fibras musculares da mucosa alveolar sobre os tecidos gengivais. Por isso, acredita-se que a mucosa ceratinizada seja fundamental para a saúde periodontal1,3 e sua ausência ou pequena dimensão aumentam os riscos de recessão gengival em casos onde existe acúmulo de biofilme e/ou escovação traumática, principalmente quando ocorrem simultaneamente ao tratamento ortodôntico4.

Muitas técnicas para aumentar mucosa ceratinizada são utilizadas na terapia periodontal, como enxertos livres de tecido epitelial ou de conjuntivo subepitelial. Essas técnicas são consideradas procedimentos padrão para criar uma mucosa ceratinizada estável, e, às vezes, são necessárias para reconstruir tecido periodontal quando há uma anomalia facial ou trauma, ou quando existem defeitos na crista óssea. Tecidos autógenos são úteis para se evitar rejeição ou resposta inflamatória exagerada pelo receptor e são facilmente obtidos por técnicas livres ou pediculadas5,6. O enxerto gengival autógeno é ainda o método mais previsível para obter aumento de mucosa ceratinizada7.

Outro fator que pode levar à migração da margem gengival, recessão gengival e inflamação periodontal é a presença de freios anormais ou patológicos8. O freio é uma estrutura anatômica formada por uma dobra da mucosa e do tecido conjuntivo e pode incluir, algumas vezes, fibras musculares. Bridas são estruturas que apresentam a mesma definição de freio, porém, por estarem localizadas deslocadas da linha média, usualmente recebem essa nomenclatura diferenciada, estando também correto chamá-las de freio9.

Dependendo da localização de sua inserção, o freio pode ser classificado como10:

1) Mucoso: insere-se na junção muco-gengival;
2) Gengival: insere-se na mucosa ceratinizada;
3) Papilar: insere-se papila interdental;
4) Interpapilar: atravessa o processo alveolar e estendese até a papila palatina.

Clinicamente, os freios papilares e interpapilares são considerados patológicos e têm sido associados à perda de papila interdental, recessão gengival, diastemas, dificuldade de higiene, desalinhamento dos dentes e distúrbios psicológicos8.

Freios patológicos são visualmente detectados através da aplicação de tensão sobre eles e da observação da movimentação da papila ou presença de isquemia11. Miller12 também recomenda que o freio deva ser caracterizado como patológico quando apresentar espessura não-usual, quando não há mucosa ceratinizada na sua inserção ou quando há movimentação da papila interdental em caso de pressão. Nesses casos, deve-se realizar frenectomia por razoes estéticas, psicológicas ou funcionais11,12.

Anormalidades como micrognatia, glossoptose e, em alguns pacientes, fissura palatina são comumente referidas como Síndrome de Pierre Robin13,14. A incidência dessa síndrome foi demonstrada em um estudo britânico controlado como sendo de 1:8500 nascidos vivos15. As principais complicações da Síndrome de Pierre Robin são a dificuldade de se alimentar e respirar devido à obstrução das vias aéreas superiores, o que pode ser corrigido através de cirurgia ou correção postural no início da vida desses pacientes16.

Este relato de caso descreve a eliminação de uma brida anormal e patológica, aprofundamento de vestíbulo e enxerto gengival autógeno livre na área dos dentes 23 e 25.

 

RELATO DE CASO

Apresentação

Uma paciente de 13 anos, caucasiana, portadora da Síndrome de Pierre Robin e Fissura pós-forame apresentou-se ao Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo, na cidade de Bauru-SP, Brasil, procurando por tratamento odontológico.

Em 2010, a paciente foi encaminhada pelo departamento de Ortodontia ao departamento de Periodontia para a otimização do tratamento odontológico. A paciente apresentava brida patológica e anormal, do tipo papilar, com mobilidade da margem gengival e ausência de mucosa ceratinizada na região do segundo pré-molar e caninos superiores esquerdos. Notou-se, ainda, transposição do primeiro pré-molar e presença do canino decíduo na mesma região (Figura 1). O caso foi planejado conjuntamente por profissionais do departamento de periodontia e de ortodontia do Hospital.

Conduta do Caso

O tratamento periodontal escolhido consistiu em adequação do meio oral e controle de placa. Antes do procedimento cirúrgico, um enxaguatório bucal à base de clorexidina foi dado à paciente por um minuto. A cirurgia teve início com a exodontia do canino decíduo superior esquerdo, seguida pela remoção cirúrgica da brida papilar patológica, que apresentava uma inserção curiosa e rara (Figura 1). Foi decidido também realizar um aprofundamento de vestíbulo na região, que apresentava vestíbulo raso, e ainda enxerto gengival autógeno livre obtido do palato para tentativade aumento da dimensão de mucosa ceratinizada na área e a fim diminuir as chances de recidiva tanto da brida como do vestíbulo raso (Figura 2). Foram prescritos antiinflamatório e enxaguatórioà base de clorexidina durante o período pós-operatório. Todos os pacientes do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais recebem um termo de consentimento livre e esclarecido que é assinado pelo paciente ou pela pessoa responsável pelo mesmo, autorizando a publicação de sua história clínica e fotografias.

 

 

 

 

 

 

 

Resultado Clínico

No acompanhamento de um ano de pós-operatório, observou-se que ocorreu aumento da dimensão da mucosa ceratinizada na área e que não houve reincidência da brida removida (Figura 3). A profundidade de sondagem ao redor desses dentes apresenta normalidade. Esses fatos evidenciam o sucesso dos procedimentos cirúrgicos eleitos no planejamento do caso. Como a estabilidade periodontal foi obtida e a paciente foi capaz de manter uma higiene oral satisfatória, o caso foi então reencaminhado para o tratamento ortodôntico.

 

DISCUSSÃO

O enxerto gengival autógeno livre é, muitas vezes, necessário para o restabelecimento dos tecidos periodontais e é considerado um procedimento padrão para criar uma mucosa ceratinizada estável5,6. Esse método é o mais previsível para esse propósito, inclusive mais do que enxertos de tecido conjuntivo e alógenos7. Isso é compatível com o que foi observado nesse caso, em que o enxerto gengival autógeno livre apresentou resultado satisfatório no aumento de tecido ceratinizado.

A frenectomia é também um procedimento bem conhecido na Periodontia e deve ser usada em casos em que um freio patológico ou anormal é encontrado, assim como a brida relatada nesse caso clínico. Esse procedimento pode, muitas vezes, ser executado em associação com o enxerto gengival autógeno livre para maior estabilidade do resultado obtido17.

É possível encontrar, na periodontia moderna, muitas inovações nas técnicas de tratamento, assim como Terapia Fotodinâmica18, Terapia a Laser19, entre muitas outras técnicas que podem ser executadas isoladamente ou em associação com outros tratamentos. No entanto, nem sempre é necessário lançar mão de tais técnicas. Algumas vezes, mesmo em casos raros, podem ser resolvidos com sucesso através de procedimentos que são clássicos, antigos e bem estabelecidos na Periodontia.

 

CONCLUSÃO

Apesar da polêmica quanto à necessidade de mucosa ceratinizada ainda existir na literatura, procedimentos cirúrgicos mucogengivais são frequentes na prática periodontal e muitas técnicas são descritas na literatura para esse propósito. Mesmo com o advento de técnicas novas e modernas, as técnicas básicas, já reconhecidas por obterem ótimos resultados, como o enxerto gengival autógeno livre e a frenectomia, são capazes de resolver a maioria dos casos, incluindo os mais complicados, quando bem indicados.

 

APLICAÇÃO CLÍNICA

Esse caso clínico demonstra como resolver um caso raro de brida patológica com frenectomia, além de evidenciar a importância clínica de conhecer as corretas indicações das diferentes técnicas cirúrgicas existentes na Periodontia. Serve, ainda, como exemplo de como o enxerto gengival livre é uma opção confiável para solucionar casos de ausência de mucosa ceratinizada e possibilita formação de mucosa ceratinizada estável com o passar do tempo em um controle pós-operatório de um ano.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Ana Cristina de Godoi Zingra
Rua Galvão de Castro, 13-40
Jardim Marambá-Bauru - SP
17039-026
Brasil

e-mail:
anazingra@yahoo.com.br

 

Recebido em: Nov/12
Aprovado em: Maio/13