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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

versão impressa ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.67 no.2 Sao Paulo  2013

 

RELATO DE CASO CLÍNICO

 

Reabilitação total de maxila com enxerto intraoral: relato de caso

 

Maxillary rehabilittion with intra oral bone graft: case report

 

 

Marcelo Silva MonnazziI; Eduardo Santana JacobII; Francesco Salvatori MannarinoIII; Valfrido Antonio Pereira FilhoIV; Mario Francisco Real GabrielliV

I Professor Voluntário da Residência de Cirurgia de Araraquara - UNESP
II Estagiário do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial da UNESP de Araraquara - Cirurgião Dentista
III Residente do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial da UNESP de Araraquara - Cirurgião Buco-Maxilo-Facial
IV Professor Assistente Doutor do Departamento de Diagnóstico e Cirurgia da Faculdade de Odontologia de Araraquara - UNESP
V Professor Titular Doutor do Departamento de Diagnóstico e Cirurgia da Faculdade de Odontologia de Araraquara - UNESP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A perda dentária e a doença periodontal frequentemente levam a um volume ósseo insuficiente para a instalação de implantes osseointegráveis. O enxerto com osso autógeno é considerado o padrão ouro para reconstrução dos defeitos ósseos residuais desses processos deletérios. Algumas técnicas cirúrgicas se utilizam de áreas doadoras extraorais ou intrabucais, dependendo da quantidade de tecido ósseo necessário, do respectivo planejamento cirúrgico protético e das condições sistêmicas do paciente. Os enxertos ósseos intrabucais são uma opção segura para devolver o volume ósseo em reabilitações menos extensas, apresentando baixa morbidade e mínimo desconforto pós-operatório. Dentre as áreas doadoras possíveis, destacam-se o ramo e corpo mandibular com osso predominantemente cortical; e o mento, que oferece tecido ósseo córticomedular. Os enxertos autógenos apresentam capacidade de osteogênese, osteocondução e osteoindução, o que os diferenciam de outros biomateriais. O objetivo deste estudo foi relatar um caso, no qual se fez o uso do enxerto de ramo mandibular para a reconstrução total da maxila de uma paciente edêntula, mostrando que mesmo áreas extensas podem ser reconstruídas com enxertos de origem intrabucal. Todos os passos que permitiram a reconstrução total da maxila com osso proveniente de área doadora intrabucal são elencados no decorrer do trabalho, culminando com um resultado extremamente satisfatório.

Descritores: Transplante Ósseo; Reabilitação Bucal; Cirurgia Bucal; Implantes Dentários.


ABSTRACT

The early tooth loss and periodontal disease often leave inadequate bone volume for installation of osseointegrated implants. The autogenous bone graft is considered the gold standard for reconstruction of residual bone defects. Some surgical techniques can be performed, including extra or intraoral donor sites depending on the degree of bone loss, depending on surgical-prosthetic planning and general condition of the patient. The intraoral bone grafts offer a safe option to rebuilt bone volume in smaller rehabilitations, with low morbidity and minimal postoperative discomfort. Among the possible donor sites, the mandibular ramus and body, which offer predominantly cortical bone, and the chin area, which offers corticomedullary bone tissue, can be harvested. The graft will be suitable both in quantity and quality, preserving the capacity of osteogenesis, osteoinduction and osteoconduction, which differentiate autogenous grafts from other biomaterials. The aim of this study was to report a clinical case in which the mandibular ramus graft was used for total reconstruction of an edentulous maxilla, showing that even large areas can be reconstructed with grafts from intraoral origin. All the steps that allowed the complete reconstruction of the maxilla done by an intraoral donor area are listed in the text, culminating in an extremely satisfactory clinical result.

Descriptors: Dental Implants; Alveolar Bone Loss; Bone Transplantation; Oral Surgical Procedures.


 

 

RELEVÂNCIA CLÍNICA

Este trabalho mostra uma reabilitação total de maxila feita em paciente edêntulo total com atrofia maxilar, utilizando apenas enxerto ósseo de região doadora intraoral, mostrando que reabilitações extensas podem ser realizadas sem a necessidade de áreas doadoras extraorais, diminuindo a morbidade e, principalmente, o custo do procedimento.

 

INTRODUÇÃO

Diversas são as etiologias relacionadas às perdas ósseas na região maxilofacial, desde uma resposta a um processo infeccioso ou patológico até a uma reabsorção fisiológica pós-exodontia. Esta reabsorção óssea ocorre principalmente em decorrência da perda de função do processo alveolar, que tende a reabsorver de forma gradual1,2. O processo se caracteriza por ser progressivo, crônico e irreversível, com maior perda nos primeiros seis meses após a perda do elemento dental, porém, continua durante toda a vida de forma mais lenta, seguindo um padrão individual3.

O tratamento das perdas ósseas requerem cirurgias para enxertia e reconstruções ósseas. Estas reconstruções são passíveis graças a técnicas cirúrgicas que evoluem a cada dia e permitem que áreas de atrofia ou perda óssea sejam reconstruídas. A escolha da área doadora deve ser determinada pela extensão do defeito ósseo (levando-se em consideração a quantidade e qualidade óssea disponível em cada sítio doador), pelo planejamento cirúrgico-protético (representado pelo número e distribuição dos implantes necessários para a reabilitação) e ainda pelas condições sistêmicas do paciente.

A utilização de áreas doadoras extraorais foram amplamente difundidas na literatura científica3,4. No entanto, a utilização destas áreas requerem cirurgias mais extensas, de maior morbidade e custo, principalmente devido à necessidade de hospitalização do paciente4.

A utilização de áreas doadoras intrabucais para reconstrução de maxilas atróficas foi proposta por diversos autores1,5,6,7,8,9, que ressaltaram a conveniência do acesso cirúrgico, e a redução na morbidade e nos custos do procedimento, o que torna este enxerto ideal para a reabilitação com implantes4,6.

Como possíveis áreas doadoras intraorais estão o arco zigomático3, o palato, o processo coronóide, a tuberosidade maxilar10, exostoses e áreas edêntulas em que o tecido ósseo removido não interferirá na reabilitação6, o ramo e o corpo mandibular7,8,9,11, bem como a sínfise mandibular7,9,12,13,14,15.

Apresentamos um caso clínico no qual a reconstrução total da maxila de uma paciente foi realizada com a utilização de enxertos provenientes exclusivamente do ramo mandibular.

 

RELATO DE CASO

Paciente L.S.C.F., sexo feminino, 68 anos, melanoderma, apresentou- se à disciplina de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial da Faculdade de Odontologia de Araraquara (Unesp) com queixa principal de edentulismo total na arcada superior (Figura 1).

Ao exame clínico, notou-se uma deficiência na espessura do osso maxilar, sendo sua altura satisfatória. O diagnóstico clínico foi confirmado pela radiografia panorâmica (Figura 2) e foi proposto para esta paciente o tratamento reabilitador através de prótese sobre implantes.

Previamente, a paciente foi submetida à anamnese inicial, que não revelou alterações sistêmicas significativas. Foi solicitado um hemograma e coagulograma completo, cujos resultados estavam dentro da normalidade.

Após a fase de avaliação da paciente, foi realizada a reconstrução alveolar com enxerto ósseo para restabelecimento de espessura óssea. A enxertia óssea total da maxila foi feita com o uso de osso autógeno em bloco proveniente de ramo mandibular bilateralmente.

Após a exposição óssea das áreas doadora e receptora, foi feita a remoção do enxerto em bloco com uma fresa em peça de mão nº 701 (Figura 3), sendo realizadas duas osteotomias perpendiculares à linha oblíqua externa e uma horizontal unindo-as. Os enxertos foram divididos em blocos e foram feitos ajustes para melhor adaptação ao leito receptor.

Após a adaptação ao leito receptor, cada bloco foi fixado através de parafusos 1,5 x 12 mm (Neodent®). Tanto a cirurgia para a enxertia óssea quanto para a instalação dos implantes foram precedidas da prescrição de antibióticos (iniciados no dia da cirurgia, com antecedência de 3 horas, do tipo amoxacilina) por 7 dias, antiinflamatórios não esteroidais por 3 dias, e analgésicos se necessário.

Após 6 meses da primeira intervenção (Figura 4), a paciente foi submetida à reabertura do sítio enxertado para remoção dos parafusos de fixação e subsequente instalação dos implantes osseointegráveis (Figuras 5 e 6). Foram instalados 6 implantes, sendo 4 deles de 3.75x11mm e os 2 restantes de 3.75x13mm (na região dos pilares caninos), todos da marca Neodent®, do tipo hexágono externo com tratamento de superfície. Após 6 meses instalou-se a prótese sobre implantes superior tipo protocolo (Figura 7), que está em uso pela paciente há 4 anos sem nenhum tipo de complicação até a presente data.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Os enxertos ósseos são amplamente indicados em reconstruções alveolares prévias ao tratamento com implantes osseointegráveis, nos quais a biomecânica do conjunto implante/prótese requer quantidade de osso suficiente para um bom posicionamento, buscando a satisfação estética e funcional de cada caso1,2,3,5,7,9.

A utilização de enxertos autógenos de origem intrabucal baseia- se no volume ósseo disponível e tamanho da área a ser reconstituída8,9. Além disso, a menor morbidade do procedimento e o fator econômico são itens que influenciam em sua utilização5, como no caso previamente descrito.

A reconstrução e posterior reabilitação somente foram possíveis graças ao enxerto ter sido feito em ambiente ambulatorial (Departamento de Cirurgia da Faculdade de Odontologia - Unesp), o que diminuiu muito os custos para a paciente e viabilizou o procedimento, que, de outra forma, estaria fora do alcance financeiro da paciente. Fator econômico este que também não viabilizou a realização de uma tomografia volumétrica previamente ao planejamento cirúrgico; meio de diagnóstico por imagem, que a nosso ver é atualmente o mais completo e preciso para estes casos, mas que infelizmente ainda é oneroso e grande parte dos pacientes atendidos em instituições de ensino não podem arcar com seus custos.

Um autor9 comparou os enxertos ósseos em bloco, provenientes de sínfise e ramo mandibular, em 50 pacientes submetidos à reconstrução óssea, e concluiu que a constituição óssea do enxerto de sínfise era córticomedular e apresentava um volume maior (1,74 cm³), enquanto que o enxerto do ramo mandibular era puramente cortical e apresentava um volume menor (0,9 cm³). Tendo em vista que, apesar da deficiência de espessura encontrada no caso, um enxerto com a espessura previamente descritas na literatura para a região do ramo mandibular seria suficiente para a reconstrução maxilar desta paciente em particular; sendo essa uma das razões para a seleção do ramo como área doadora.

Por outro lado, a principal desvantagem do uso de áreas doadoras intrabucais é a quantidade limitada de tecido ósseo disponível4. Em algumas situações clínicas é necessária à abordagem de mais de uma área doadora6,8,9; como no caso apresentado, no qual foi necessária remoção bilateral de enxerto dos ramos mandibulares.

Deiscências de sutura, alterações sensoriais dos tecidos moles e dos incisivos inferiores e alteração de contorno facial são todos aspectos desvantajosos relacionados à remoção do enxerto da região mentoniana. Em contrapartida, a remoção de enxertos provenientes do ramo mandibular são menos mórbidos em relação ao mento. Sendo assim, os benefícios desta técnica superam as possíveis complicações, que se resumem à parestesia transitória do nervo alveolar inferior9,12,15, sendo esta outra razão para a escolha desta área doadora no caso apresentado.

Outros autores15 realizaram um estudo para medir a reabsorção óssea sofrida por enxertos ósseos autógenos de ramo e sínfise mandibular, com medições no trans e pós-operatório em 20 pacientes e concluíram que os índices médios de reabsorção dos grupos foram de 7,46% e 12%, respectivamente. Esses autores15 confirmaram que ambos os enxertos apresentaram boa quantidade e qualidade óssea durante a instalação dos implantes, apesar dos diferentes níveis de reabsorção. Tendo em mente a maior taxa de reabsorção do osso de sínfise, e as demais vantagens descritas anteriormente para o enxerto de osso proveniente do ramo mandibular, optamos definitivamente pelo ramo como área doadora.

Nos últimos anos, os enxertos autógenos intraorais têm sido amplamente utilizados pela implantodontia. É imprescindível ressaltar que o sucesso da técnica baseia-se na fundamentação dos princípios biológicos e experiência clínica. Além de relembrar que cada caso apresenta suas particularidades e deve ser encarado de forma particular; sendo o diferencial do caso apresentado à reconstrução de uma área de certa forma extensa com osso proveniente do ramo mandibular, reconstrução esta que, até certo tempo atrás, teria indicação de área doadora extraoral, devido a sua dimensão.

 

CONCLUSÃO

O uso da técnica de enxertos ósseos autógenos intraorais possibilita em muitos casos a reconstrução de áreas extensas, tornando possível a reabilitação por meio de implantes e diminuindo em muito os custos operacionais aos pacientes, bem como a morbidade cirúrgica.

 

APLICAÇÃO CLÍNICA

A enxertia óssea com área doadora intraoral permite que o procedimento seja realizado em ambiente ambulatorial, diminuindo em muito os custos para os pacientes. Sendo assim, além de ser uma técnica menos mórbida, é também mais acessível, principalmente aos pacientes sem condições financeiras, que são a maioria dos que procuram os atendimentos nas Faculdades e Instituições de Ensino.

O aproveitamento dos enxertos de origem intraoral para a reconstrução de grandes áreas abre um novo leque de possibilidades aos pacientes de baixa renda.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Marcelo Silva Monnazzi
Rua Voluntarios Da Patria, 2777 – Apto. 1001
Centro - Araraquara - SP
14801320
Brasil

e-mail:
monnazzi@ig.com.br

 

Recebido em: Março/13
Aprovado em: Maio/13