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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

versão impressa ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.67 no.3 Sao Paulo  2013

 

RELATO DE CASO CLÍNICO

 

Raro caso de osteolipoma na cavidade oral

 

Rare case of osteolipoma in the oral cavity

 

 

Paulo Alexandre SilvaI; Maria Teresa de Fátima FernandesII; Fernando Silva FreireIII

I Mestre e Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, coordenador do Serviço de Cirurgia Bucomaxilofacial - Centro Médico Hospital Vivalle de São José dos Campos/SP, coordenador da Especialização em CTBMF - IECS/ Ciodonto - São Sebastião/SP - Brasil
II Cirurgiã-Dentista - Médica - Aluna de Especialização em CTBMF - IECS/ CIODONTO - São Sebastião/SP - Brasil
III Cirurgião-Dentista - Aluno de Residência/ Especialização em CTBMF - IECS/ CIODONTO - São Sebastião/SP – Brasil

CEP/IECS nº011/2013

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Osteolipomas são subtipos de lipomas com metaplasia óssea, em sua maioria com tecido ósseo em seu interior e de ocorrência extremamente rara na cavidade bucal, tanto que na literatura mundial, até a presente data, existem apenas 12 publicações. Sua etiologia ainda não é bem esclarecida, sendo descritas várias teorias. Histológicamente apresentam tecido adiposo maduro circundado por tecido ósseo ou com tecido ósseo em seu interior. Apresentamos um raro caso de osteolipoma na cavidade oral localizado no fórnix mandibular de um paciente do sexo feminino, totalmente envolto por tecido ósseo maduro e completamente independente do tecido ósseo adjacente. Após a remoção cirúrgica, durante seis anos de acompanhamento, não houve sinal clínico de recidiva.

Descritores: lipoma; cirurgia bucal; metaplasia.


ABSTRACT

Osteolipomas are subtypes of lipoma with osseous metaplasia, mostly with bone inside and extremely rare occurrence in the oral cavity, so that in the literature, at time, there are only 12 papers. Its etiology is not well understood, several theories being described. Histologically feature mature adipose tissue surrounded by bone tissue or bone tissue inside. We present a rare case of osteolipoma oral cavity located in the mandibular fornix of a female patient, totally surrounded by mature bone tissue and completely independent of the adjacent bone tissue. After surgical removal, during six years of follow-up, there were no clinical signs of recurrence.

Descriptors: lipoma; surgery oral; metaplasia.


 

 

RELEVÂNCIA CLÍNICA

Devido à raríssima ocorrência de osteolipomas na cavidade oral, se faz importante o conhecimento desta lesão por parte dos Cirurgiões-Dentistas.

 

INTRODUÇÃO

Lipomas são os tumores de tecido mole mais comuns em adultos, podendo ocorrer em qualquer parte do corpo1. Entretanto, são incomuns na região de cabeça e pescoço2. Na cavidade oral representam entre 1 a 4% de todos os tumores benignos3. Apresentam diversos subtipos como: angiolipoma, leiomiolipoma, fibrolipoma, mixolipoma entre outros. Apesar de pouco frequentes, os subtipos contendo metaplasia óssea, os osteolipomas, tem sido relatados em diversos locais dos corpo2, incluindo escápula, espinha dorsal, pescoço, crânio, região supraselar e tuber cinério4. Na cavidade oral, os osteolipomas são extremamente raros ocorrendo principalmente em lipomas de longa evolução5. Sua etiologia ainda não é bem esclarecida, sendo descritas várias teorias. Histológicamente apresentam tecido adiposo maduro circundado por tecido ósseo. Atualmente, na literatura mundial, encontram-se 12 publicações com ocorrências na cavidade oral e orofaringe6-14. Apresentamos um raro caso de osteolipoma na cavidade oral, localizado na mucosa vestibular da mandíbula, completamente independente do tecido ósseo numa mulher de 17 anos, com cinco anos de evolução. Diante da raridade do osteolipoma na cavidade oral, apresentamos um caso clinico e realizamos uma revisão da literatura, com o objetivo de contribuir cientificamente, principalmente sobre existência, o diagnóstico e o tratamento da referida lesão.

 

RELATO DE CASO CLÍNICO

Paciente, J.B. 17 anos, leucoderma, sexo femino, apresentou-se ao Departamento de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Hospital de Clínicas de São Sebastião, com queixas de aumento de volume na mucosa vestibular da mandíbula, na região do canino inferior direito e aumento de volume extraoral em mento à direita. (Figura 1). À anamnese, negou doenças ou alterações sistêmicas. Relatou histórico de trauma na região aproximadamente há cinco anos. Ao exame clínico tanto intra como extraoral, apresentava lesão nodular de consistência dura, de aproximadamente 1,0 cm de diâmetro. À palpação, a paciente relatou discreto desconforto álgico na região. Foram solicitados exames pré-operatórios de rotina, para realização de biópsia excisional sob sedação, devido quadro de extrema ansiedade da paciente. Após sedação com midazolan 15mg Ev, anti sepsia intra e extraoral com clorexidina aquosa 0,2% e colocação de campos operatórios, foi realizada anestesia local, através de bloqueio de campo, utilizando dois tubetes de citocaína com felipressina 3% montados em seringa para carpule com agulha 30 G. Realizou-se então, incisão com ponta Colorado Needle® (Stryker-Leibinger, Freiburg, Germany), montada em bisturí elétrico, em fornix vestibular na região do canino inferior direito divulsão e excisão da lesão (Figura 2). A sutura foi realizada com fio reabsorvível Vicryl® 4.0 (Ethicon Inc) sendo realizado curativo compressivo extraoral. O material de consistência dura medindo aproximadamente 1,0 cm (Figura 3), foi acondicionado em formol à 10% e encaminhado ao exame histopatológico. Foi prescrito anti-inflamatório, Nimesulida 100mg 1 comprimido de 12/12h por cinco dias e cuidados locais. O pós-operatório transcorreu dentro da normalidade. O laudo histopatológico, diante dos achados microscópicos, diagnosticou a lesão como osteolipoma. As fotomicrografias em aumentos de 25, 50 e 100 X (Figuras 4, 5 e 6), evidenciam a formação óssea difusa, circundando tecido adiposo maduro. A paciente encontra-se em acompanhamento de seis anos sem sinais de recidivas ou alterações locais.

 

DISCUSSÃO

Em 1961, Godby et al.9, publicaram o primeiro relato de caso de osteolipoma na cavidade oral em região sublingual. Desde então foram descritos outros casos localizados em diversos sítios da cavidade oral: língua5, mucosa bucal6,7,10,13 e fissura palatina15. Devido à raridade da lesão e ausência de estudos científicos, diferentes teorias foram relatadas na literatura para explicar as alterações ósseas em lipomas. Alguns autores tem sugerido que um osteolipoma é um mesenquimoma benigno e que tanto o tecido adiposo quanto o tecido ósseo que o circunda tem origem de células mesenquimais indiferenciadas16. Outros acreditam em alterações neoplásicas que podem ocorrer em uma das células de gordura preexistente no lipoma e então o osso é formado pela metaplasia de fibroblastos em osteoblastos17,18. Esta transformação é mediada por fatores de crescimento presentes no sangue, que são liberados pelos monócitos no tecido adiposo19. Beranek20 sugere que em tumores de origem vascular, como no caso de lipomas, podem ocorrer crescimentos de dois ou três tipos de células, através das células endoteliais indiferenciadas. Aberrações cromossômicas, como a translocação na 11q13 também têm sido relatadas em osteolipomas7. Weiss e Goldblum16 acreditam que fatores sistêmicos e/ou locais, tais como permanente estresse mecânico, microtrauma, suprimento sanguíneo reduzido podem agir como fatores indutores osseometaplasia dentro de um lipoma. No caso aqui relatado houve relato de trauma no local durante a infância, o que pode ter contribuído para a formação da lesão. Ohno et al.12, sugeriram que este tipo de ossificação é provavelmente a principal etiologia de tumores presentes em tecidos moles. Quanto à localização, o osteolipoma pode ser intraósseo, como nos ossos longos ou paraosteais, aderidos ao osso21. Este último tipo está situado sobre o córtex, abaixo do periósteo e apresenta hiperostose ou alterações patológicas no osso adjacente1. Os subtipos completamente independentes do osso são extremamente raros, sendo pouco descritos, ocorrendo principalmente na região de cabeça e pescoço21. No presente caso, durante o transcirúrgico foi notado a independência da lesão do tecido ósseo adjacente. Em 2008 na revisão da literatura apresentada por Sagahafi et al.13, não se observou predileção por sexo e, a faixa etária apresentou uma média de 51,9 anos. No presente caso, a lesão ocorreu numa adolescente de 17 anos do sexo feminino. O tratamento indicado é a excisão cirúrgica e o prognóstico é favorável não havendo relatos de recidiva dentre os casos presentes na literatura até o momento6. Entretanto, devido a falta de acompanhamentos em longo prazo, os dados relativos à recorrência de osteolipomas da cavidade oral ainda não são conclusivos1. Observamos este detalhe na literatura e assim, realizamos um acompanhamento de seis anos, sendo o maior controle dentre os descritos. O diagnóstico diferencial da lesão depende principalmente de sua localização13. Dentre os tumores citados para diagnóstico diferencial estão tórus, exostoses, granuloma periférico de células gigantes, papilomas, hiperplasia fibrosa, fibroma com calcificações, teratoma, cisto dermóide, osteoma, fibroma ossificante, miosite ossificante e calcinose21. Piatelli et al.5, no relato de caso do osteolipoma em língua, citam também, coristoma osteocartilaginoso, condrosarcoma metastático, osteosarcoma e liposarcoma , como diagnóstico diferencial. Por outro lado, devido ao aspecto histopalógico da lesão, caracterizada por ossificação difusa circundando tecido adiposo maduro, o diagnóstico é facilitado22.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CONCLUSÃO

O osteolipoma localizado na cavidade oral é uma lesão extremamen te rara, principalmente quando paraosteais. Não há predileção por sexo e quanto a faixa etária, ocorre mais comumente em adultos acima de 50 anos. Sua etiologia ainda não está bem estabelecida, principalmente pela raridade da lesão, o que limita o seu estudo. As características histopatológicas são bem definidas, o que facilita seu diagnóstico. A excisão cirúrgica é o tratamento definitivo não apresentando relatos de recidiva.

 

APLICAÇÃO CLÍNICA

• Conhecimento da existência desta lesão;
• Conhecimento científico para diagnóstico de osteolipoma, diante de lesões com a mesma característica; e
• Conduta clínico-cirúrgica diante de lesões sugestivas de osteolipoma.

 

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Endereço para correspondência:
Paulo Alexandre Silva
Av. Guarda Mor Lobo Viana, 435 - Bloco C - sala 2-6
Centro - São Sebastião – SP
11600-000
Brasil

e-mail:
drpauloalexandre@terra.com.br

 

Recebido em: mar/2013
Aprovado em: mai/2013