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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

versão impressa ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.67 no.3 Sao Paulo  2013

 

RELATO DE CASO CLÍNICO

 

Reflexão sobre o comportamento dos bebês durante atendimento odontológico: relato de caso clínico

 

Reflection on the behavior of infants during dental care: clinical case report

 

 

Lucila Basto CamargoI; Kamila Gerês BorbaII; Camila BonaldoIII; Cassio José Fornazari AlencarIV; Daniela Prócida RaggioV; Anna Carolina Volpi Mello de MouraVI

I Doutora - Professora do curso de graduação na Disciplina de Odontopediatria da Universidade Paulista (Unip) de Campinas e Sorocaba e curso de especialização em Odontopediatria na Unip São Paulo – Brasil
II Especialista - Clínica
III Especialista - Clínica
IV Doutorado - Professor
V Livre Docente - Professora
VI Doutorado – Professora

Termo de consentimento livre e esclarecido assinado e enviado à Revista

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente trabalho teve como objetivo realizar uma discussão sobre o comportamento dos bebês durante o atendimento odontológico e relatar o caso clínico de um bebê que teve seu comportamento monitorado por meio de uma escala comportamental durante o atendimento. Um paciente de três anos, portador de cárie, teve seu tratamento monitorado utilizando o índice modificado de Venham, em três momentos distintos da sessão. O paciente obteve os seguintes escores de Venham: 4 e 5 na primeira e segunda sessão, 1 e 2 na terceira e quinta sessão, 5 na quarta e sexta sessão. O comportamento do bebê frente ao atendimento odontológico tende a melhorar conforme o tratamento avança, entretanto, algumas vezes, o bebê tem reações inesperadas, intercalando bons e maus momentos, que não são justificados pelo nível de complexidade dos procedimentos clínicos aos quais está sendo submetido. O uso do índice modificado de Venham para o monitoramento do comportamento durante o atendimento odontológico de bebês tem sua efetividade limitada em função das reações conflitantes dos bebês e subjetividade do avaliador. Sendo assim, é fundamental que o profissional domine as questões técnicas para atender de forma eficaz e rápida e que mantenha a tranquilidade independentemente do comportamento apresentado pelo paciente.

Descritores: dente decíduo; cárie dentária; ansiedade.


ABSTRACT

This study aimed to review the literature regarding the babies' behavior during dental treatment and report a case of a baby who had his behavior monitored during the treatment through a behavioral scale. A patient three years and seven months old, with caries had his treatment monitored using the modified Venham Index in three different moments of the session. The patient received the following scores: 4 and 5 in the first and second sessions, 1 and 2 in the third and fifth sessions, 5 in the fourth session. The baby's behavior during dental care tends to improve as the treatment progresses, however, sometimes the baby has unexpected reactions, alternating good and bad moments, which are not justified by the level of complexity of clinical procedures which are being submitted. The use of the modified Venham Index to monitoring babies' behavior during treatment has limited effectiveness due to the babies conflicting reactions and the evaluator subjectivity. Therefore, it is essential that the professional knows how to properly perform the techniques to care safely and and being able to maintain tranquility regardless of the behavior exhibited by the patient.

Descriptors: tooth, deciduous; dental caries susceptibility; dental anxiety.


 

 

RELEVÂNCIA CLÍNICA

A reflexão sobre este tema auxilia o profissional a compreender melhor o comportamento de seus pacientes e, esta compreensão, gera confiança que resulta em atendimento de melhor qualidade.

 

INTRODUÇÃO

O Odontopediatra usa, de maneira rotineira, técnicas de manejo comportamental que associam conhecimentos de psicologia infantil e das fases de desenvolvimento da criança a fim de tornar o paciente mais cooperativo. Dentre essas técnicas é possível citar o "reforço positivo", a "modelagem", a técnica "falar-mostrar-fazer", a "distração" e o "controle do tom de voz"1,2.

Entretanto, quando se trata de bebês, nem sempre o emprego das técnicas de manejo alcança a efetividade esperada, pois a capacidade de assimilar as informações nesta faixa etária é limitada. É esperado que durante o atendimento esses pacientes chorem, se irritem, se mostrem nervosos e impacientes, pois é através da variação de humor que demonstram medo e ansiedade3. Zaze et al. (2009)4 acreditam que a idade no momento do atendimento odontológico é o fator determinante para o comportamento dessas crianças e que a situação dentária influencia a resposta comportamental, em especial, quando estas sofreram algum episódio de trauma.

Sendo assim, na maioria das vezes o tratamento odontológico em bebês é realizado sob contenção física do paciente, a fim de limitar seus movimentos para garantir sua segurança e viabilizar o atendimento2. Este procedimento pode ser realizado com a ajuda dos pais e/ou assistentes da clínica, dispositivos manufaturados como faixas com velcro e macas especiais. Entretanto, é fundamental que o profissional e equipe estabeleçam uma relação de afeto com os bebês para que o estresse inerente à contenção física e a dificuldade de comunicação sejam minimizados.

Com o uso das técnicas de condicionamento comportamental associado às consultas sequenciadas, o bebê se adapta a situação, reconhece o ambiente e tende a melhorar seu comportamento gradativamente5. É importante ressaltar que o profissional deve ter habilidade para atender crianças, controle emocional da situação e conhecimento técnico e científico para reduzir ao máximo seu tempo de trabalho sem afetar a qualidade do atendimento6.

Este é um tema pouco abordado na literatura, uma vez que é um tratamento de difícil execução que exige conhecimento específico e, principalmente dom de lidar com situações inusitadas e complicadas. Sendo assim, o presente estudo teve como objetivo realizar uma reflexão sobre o comportamento dos bebês durante o atendimento odontológico e relatar o caso clínico de um bebê que teve seu comportamento monitorado por meio de uma escala comportamental durante o tratamento.

 

OBJETIVO

O presente trabalho teve como objetivo realizar uma discussão a respeito do comportamento dos bebês durante atendimento odontológico e relatar o caso clínico de um bebê que teve seu comportamento monitorado durante o atendimento por meio de uma escala comportamental.

 

RELATO DE CASO

Paciente saudável do sexo masculino, três anos de idade, acompanhado de seu pai apresentou-se na clínica de especialização em Odontopediatria da Universidade Paulista (Unip/SP) para tratamento de cárie dentária. O responsável legal assinou o "Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para Menor de Idade".

Após exames clínico e radiográfico foram constatas lesões cariosas rasas e médias em quase todos os dentes. O paciente apresentava deficiências importantes no hábito de higiene geral e bucal e era notória a mesma situação no seu pai. Foi solicitado o diário alimentar e constatado consumo de alimentos cariogênicos em alta frequência. O responsável recebeu orientação com relação à dieta e técnica de escovação associada ao uso de dentifrício fluoretado (1000 ppm F).

A seguir deu-se início ao tratamento do paciente que foi realizado de acordo com a filosofia do Tratamento Restaurador Atraumático (ART). Esta escolha foi embasada no fato do ART ser um tratamento contra a cárie que apresenta evidência científica de sua efetividade, preserva estrutura dental e reduz o nível de ansiedade7,8,9. Sendo assim, a diminuição do estresse durante o atendimento poderia favorecer o comportamento do paciente que apresentou reações exacerbadas e, muitas vezes, agressivas desde o início.

Para facilitar a observação do comportamento, o paciente teve seu tratamento monitorado ao longo do tempo. A extensão do desconforto foi avaliada registrando o comportamento geral do bebê de acordo com o índice modificado de Venham10 (Quadro 1).

Esses registros foram realizados por uma única pessoa previamente treinada, que não atuou como operadora, em três momentos distintos: (1) início do atendimento (ao sentar na cadeira), (2) na metade da sessão e (3) final do atendimento (antes de sair da cadeira). Os registros ocorreram nas primeiras cinco sessões.

Descrição das consultas

• Primeira consulta: Durante a anamnese a criança surpreendeu positivamente e interagiu com os profissionais. Ao ser solicitado para início do procedimento (profilaxia), o paciente não colaborou e reagiu com choro, movimento de corpo, gritos e chutes. A contensão física foi realizada pelo pai e uma auxiliar. Ao final do procedimento o paciente estava cansado e agitado. Técnica de manejo comportamental adotada: Falar-mostrar-fazer.

• Segunda consulta: Paciente chegou tenso e seu comportamento piorou no decorrer da consulta (exame radiográfico) tornando a comunicação profissional-paciente inviável. Técnicas de manejo comportamental adotadas: Modelagem com boneco, elogios e controle do tom de voz.

• Terceira consulta: Paciente entrou na clínica calmo, familiarizado e acessível aos profissionais. Foi finalizado o exame clínico e radiográfico, elaborado o plano de tratamento e aplicado de verniz com flúor. Ao final do atendimento encontrava- se calmo e dócil. Técnicas de manejo comportamental adotadas: Falar-mostrar-fazer, música e elogios.

• Quarta consulta: Em razão da consulta anterior, esperava- se que o paciente estivesse calmo e receptivo, entretanto a criança regrediu no comportamento com protestos verbais e choro. Foi realizada restauração atraumática no dente 84 sob contenção física. Técnicas de manejo comportamental adotadas: falar-mostrar-fazer, controle do tom de voz, elogios.

• Quinta consulta: Foi realizada restauração atraumática no dente 74 e o paciente encontrava-se calmo, receptivo e colaborador. Sendo assim, não foi necessária a contenção física. Ao final da consulta o paciente teve seu bom comportamento recompensado, com um presente. Até então, as recompensas aconteciam por meio de elogios e gestos de carinho. Técnicas de manejo comportamental adotadas: falar-mostrar-fazer, elogios e recompensa.

• Sexta consulta: O paciente voltou a apresentar comportamento inadequado com protestos verbais e choro. Foi realizada restauração atraumática no elemento 51 sob contenção física e, durante o atendimento, a criança foi relaxando caracterizando ausência de medo ou ansiedade. Técnicas de manejo comportamental adotadas: controle do tom de voz, elogios e recompensa. Os procedimentos e seus escores estão apresentados no Quadro 2.

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Infelizmente a resposta dos bebês frente às técnicas de manejo comportamental é reduzida quando comparada à resposta das crianças acima de 4 anos de idade. Mesmo assim, as técnicas devem ser utilizadas pois qualquer ganho na qualidade da relação profissional-paciente é importante. As técnicas mais comumente utilizadas nesta faixa etária são falar-mostrar-fazer, elogios, reforço positivo e músicas. Entretanto, a contenção física geralmente é necessária a fim de viabilizar a execução segura dos procedimentos clínicos. O esperado é que aconteça uma melhora gradativa no comportamento desses bebês com o decorrer do tempo5.

Neste estudo, o paciente iniciou o tratamento com comportamento negativo traduzido pelos altos escores de Venham (escores 4 e 5 – primeira e segunda sessões) como o esperado porém, no decorrer do tempo, a criança mostrou muita instabilidade emocional e intercalou sessões de cooperação (escores 1 e 2 – terceira e quinta sessões) e total falta de colaboração (escore 5 – quarta e sexta sessões).

Notou-se que as reações não eram justificadas pelo nível de complexidade dos procedimentos clínicos, já que foram atribuídos escores completamente diferentes para o mesmo procedimento clínico. Além disso, procedimentos mais invasivos que estão mais fortemente associados a comportamentos negativos dos pacientes como, por exemplo, anestesia local11, terapia pulpar ou exodontia não faziam parte do plano de tratamento deste paciente.

Vale ressaltar que, em muitos momentos, a criança parecia estar contrariada, porém não havia traços claros de medo. O pai realizava a contenção física como havia sido solicitado, porém era extremamente passivo, e não manifestou qualquer atitude que fosse para confortar ou argumentar com o filho. Sendo assim, é possível supor que as reações demasiadamente exacerbadas desta criança na clínica odontológica possam ser apenas reflexo do comportamento em casa. A falta de cumplicidade entre pai e filho e o descuido dos responsáveis com a higiene geral e bucal da criança podem ser indicativos de uma relação familiar inadequada.

A comunicação limitada com os bebês nos impede de compreender completamente quais são as emoções envolvidas nas situações odontológicas. O uso das escalas de classificação de comportamento pode ser bastante efetivo para crianças acima de 4 anos porém, com os bebês, os resultados podem ser conflitantes. O fato de um bebê receber um escore alto pode não significar que ele esteja sentindo medo ou dor, que são dois motivos de preocupação constante dos Odontopediatras. Estes escores altos podem estar simplesmente relacionados a um sentimento de profunda contrariedade por estar sendo contido fisicamente e, além disso, a intensidade da reação varia muito com o tipo de personalidade de cada criança. A medição da frequência cardíaca durante o atendimento odontológico pode ser outro critério interessante para se avaliar o estresse do paciente, por gerar um dado quantitativo e, portanto, mais objetivo do que o uso do índice de Venham que está sujeito à subjetividade do avaliador11.

Muitos Cirurgiões-Dentistas e, até mesmo Odontopediatras, fogem do atendimento de bebês por considerarem um trabalho complexo, desgastante e que envolve questões emocionais intensas. Em função disso, responsáveis angustiados buscam atendimento em cursos de especialização em Odontopediatria, a fim de aliviar o desconforto sofrido pelos seus bebês por dias ou semanas. É importante ressaltar que o atendimento odontológico em uma faixa etária tão especial como essa pode ser extremamente gratificante. Para isso, o profissional precisa estar preparado técnica e cientificamente para oferecer tratamento eficaz e rápido e, principalmente, estar apto a compreender e aceitar os limites dos pacientes e também seus próprios limites.

 

CONCLUSÃO

O comportamento do bebê frente ao atendimento odontológico tende a melhorar conforme o tratamento avança, entretanto, algumas vezes, o bebê tem reações inesperadas, intercalando bons e maus momentos, que não são justificados pelo nível de complexidade dos procedimentos clínicos aos quais está sendo submetido. Sendo assim, é fundamental que o profissional domine as questões técnicas para atender de forma eficaz e rápida e mantenha a tranquilidade independentemente do comportamento apresentado pelo paciente.

 

APLICAÇÃO CLÍNICA

O trabalho apresenta técnicas de manejo comportamental para aplicação em bebês e pretende encorajar um maior número de profissionais a atuarem nesta faixa etária.

 

REFERÊNCIAS

1. Elango I, Baweja DK, Shivaprakash PK. Parental acceptance of pediatric behavior management techniques: A comparative study Year. J Indian Soc Pedod Prev Dent 2012; 30(3):195-200.         [ Links ]

2. Correa MSNP. Sucesso no Atendimento Odontopediátrico – Aspectos Psicológicos. 1a ed. São Paulo: Santos, 2002.

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4. Zaze ACSF, Fraga RCMS, Cunha RF. Evaluation of children's behavior aged 0-3 years during dental care: A longitudinal analysis. J Indian Soc Pedod Prev Dent 2009; 27(3):145-150.         [ Links ]

5. Correa MSNP. Odontopediatria na Primeira Infância. 2a ed. São Paulo: Santos, 2005.         [ Links ]

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10. Wright GZ, Starkey PE, Gardner DE. Managing children's behavior in the dental office. St. Louis: Mosby, 1983: 218-31.         [ Links ]

11. Camargo LB, Mafra E, Aldrigui JM, Braga MM, Imparato JCP, Raggio DP. Aspecto emocional em bebês envolvidos no tratamento restaurador atraumático: estudo clínico piloto. J Health Sci Inst 2010;28:109-111Links ] Arial, Helvetica, sans-serif">.

 

 

Endereço para correspondência:
Lucila Basto Camargo
Alameda Ministro Rocha Azevedo, 384 - 6º andar
Cerqueira César - São Paulo - SP
01410-000
Brasil

e-mail:
lucilaca@usp.br

 

Recebido em: Jul/13
Aprovado em: Jul/13