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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

versão impressa ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.67 no.3 Sao Paulo  2013

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Análise dos hábitos parafuncionais e associação com Disfunção das Articulações Temporomandibulares

 

Analyses parafunctional habits and association with Temporomandibular Disorder

 

 

Paula Próspero Borelli BortolletoI; Ana Paula Sereni Manfredi MoreiraII; Paulo Roberto de MadureiraIII

I Cirurgião-Dentista - Mestre pela Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Campinas/SP - Brasil
II Cirurgião-Dentista - Mestre pela FCM/ Unicamp, Campinas/SP - Brasil
III Médico - Professor Doutor do Departamento de Medicina Preventiva e Social (DMPS) da FCM/Unicamp, Campinas/SP – Brasil

CEP/FCM/Unicamp nº 1255/2010

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Objetivos: Um dos fatores etiológicos associados à disfunção temporomandibular (DTM) são os hábitos parafuncionais. O objetivo deste estudo foi verificar a prevalência dos hábitos parafuncionais mais comuns encontrados entre os alunos e servidores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), São Paulo, Brasil e analisar sua associação com as DTM nesta população. Materiais e Método: Trata-se de um estudo transversal e após os critérios de escolha, participaram da pesquisa 172 sujeitos. Resultados: Dos participantes selecionados, 31% eram do gênero masculino e 69% do feminino, com idade entre 17 a 78 anos. Os hábitos parafuncionais mais frequentemente relatados foram o de ranger/apertar os dentes durante o dia (61%), seguido pelo de ranger/apertar os dentes durante a noite (47%) e o de morder unha/cutícula (37,2%). Conclusão: Encontramos associação estatística entre DTM e os hábitos de ranger/apertar os dentes durante a noite e durante o dia. Não houve a mesma associação em relação aos outros hábitos como o de morder unha, cutícula, objetos, lábios e mascar chicletes.

Descritores: articulação temporomandibular; síndrome da disfunção da articulação temporomandibular; transtornos da articulação temporomandibular.


ABSTRACT

Aim: Parafunctional habits are one of the etiological factors associated with temporomandibular disorders (TMD). The aim of this study was to determine the prevalence of the most frequently parafunctional habits found among employees and students from the University of Campinas (Unicamp), Sao Paulo, Brazil, and analyze their association with TMD in this population. Methods: This is a transversal study and after the selection criteria, 172 subjects participated in the survey. Results: The selected participants were: 31% men and 69% women aged, 17 to 78 years. The parafunctional habits were frequently reported from grinding and/or clenching during the day (61%), followed by grinding and/or clenching during the night (47%), and biting nail and/or cuticle (37.2%). Conclusions: We observed that was statistical association between TMD and habits of grinding/clenching during the day and during the night. There wasn't the same association in relation to other habits such as biting nail, cuticle, objects, lips and chewing gum.

Descriptors: temporomandibular joint; temporomandibular joint disorders; temporomandibular joint dysfunction syndrome.


 

 

RELEVÂNCIA CLÍNICA

Baseado no fato de que os hábitos parafuncionais podem produzir diversos sinais e sintomas associados às DTM e, portanto, prejudiciais à saúde bucal dos pacientes, o objetivo desta pesquisa foi analisar os hábitos parafuncionais com maior prevalência na população estudada e a associação desses com as DTM.

 

INTRODUÇÃO

O termo disfunção temporomandibular (DTM) é usado para descrever o conjunto de sinais e sintomas clínicos associados com os músculos da mastigação, músculos da cabeça, pescoço e nas articulações temporomandibulares (ATM). Estas DTM são a maior causa de dor não dental na região orofacial1.

Os principais sinais e sintomas são: presença de dor na região da face, ruídos nas articulações e limitação dos movimentos considerados funcionais da boca2.

Okeson, em 2005, enfatiza o caráter multifatorial da etiologia das DTM, no qual inúmeros fatores etiológicos podem contribuir para o aparecimento dos sinais e sintomas relacionados ao sistema estomatognático, devido à alteração da função natural deste sistema. Os fatores sistêmicos são aqueles capazes de diminuir a tolerância fisiológica do indivíduo a uma lesão ou à dor. Como exemplo, as interferências emocionais e afetivas na interpretação da dor e da disfunção, baixo condicionamento físico, má qualidade nutricional e do sono. Dentre os fatores locais estão a interferência oclusal, o traumatismo muscular ou articular e os hábitos parafuncionais3.

Os hábitos parafuncionais: apertar e/ou ranger os dentes durante o dia e/ou à noite, mascar chicletes, morder bochecha, lábios e língua, pressionar a língua contra os dentes, morder unhas/cutícula, roer objetos como lápis/canetas ou outros, e colocar a mão embaixo do queixo entre outros, estão entre os principais fatores etiológicos para as DTM4, pois promovem um aumento da atividade muscular acima da necessária (hiperatividade muscular)5.

Estas parafunções alteram o fluxo sanguíneo normal dos tecidos musculares, ocasionando acúmulo de produtos metabólicos nas células destes tecidos, desencadeando sintomas de fadiga, dor e espasmo6.

Alguns autores fazem distinção para o termo bruxismo, usando apertamento para episódios únicos, diurno ou noturno, e bruxismo, atritamento ou ranger dos dentes para contrações rítmicas durante a noite ou o dia. A Academia Americana de Dor Orofacial (AAOP) definiu bruxismo como uma atividade parafuncional diurna ou noturna, incluindo os hábitos inconscientes de apertar ou ranger os dentes7.

O Bruxismo do Sono (BS) é definido pela Classificação Internacional de Desordens do Sono como uma doença caracterizada pelo movimento prejudicial de apertar e ranger os dentes durante o sono8.

Os hábitos orofaciais parafuncionais são extremamente prevalentes na população, com estimativa para o bruxismo entre 5 e 95%, resultando claramente em contração dos músculos da mastigação e sobrecarga também das ATM. Os hábitos mais comuns são o apertamento dental e o bruxismo9, tornando-se a maior preocupação para os Cirurgiões-Dentistas10.

A etiologia mais aceita para o hábito de ranger/apertar os dentes durante a noite é multifatorial e os fatores contribuintes para esta etiologia podem ser genéticos, estrutura do sono, ambientais, estresse emocional, ansiedade e outros fatores psicológicos, aumento do nível das catecolaminas, ativação do sistema neural autônomo com origem no Sistema Nervoso Central (SNC) onde os músculos da mastigação são ativados11, algumas drogas (álcool, tabaco, cafeína etc.) e medicamentos.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), na Unicamp em 14/01/2011, com parecer do CEP nº 1255/2010.

Este estudo é do tipo transversal12. Este método é utilizado para o estudo de prevalência, e sua aplicação mais frequente está ligada à necessidade de conhecer de que maneira uma ou mais características, tanto individuais quanto coletivas, distribuem-se em uma determinada população.

Através de análises, foi possível medir a associação de variáveis nas amostras de indivíduos examinados e os instrumentos utilizados, para este estudo documental, foram o questionário e a anamnese.

O estudo foi realizado nos Institutos e Faculdades da Universidade Estadual de Campinas. Foram selecionados 205 sujeitos, pois relataram DTM através do questionário utilizado e após os critérios de exclusão 172 voluntários atenderam à convocação para participar dessa pesquisa compondo a amostra do presente estudo.

Foram excluídos:

- pacientes que apresentavam qualquer tipo de dor orofacial que não a dor facial relacionada aos músculos e às ATM;
- pacientes em tratamento das DTM;
- pacientes portadores de aparelho ortodôntico ou ortopédico.

Questionário

Existem vários métodos para avaliar a presença dos hábitos parafuncionais, mas o questionário ainda é o mais largamente utilizado13-14.

O questionário utilizado para a presente pesquisa foi o recomendado pela AAOP. Este questionário é reconhecido e consagrado na literatura nacional e internacional como válido e confiável. O pré-teste deste foi realizado em 2001, em uma pesquisa de dissertação de Mestrado em DTM na Unicamp, com sensibilidade de 85,37% e especificidade de 80%15.

Este instrumento é do tipo autoaplicativo (sem interferência do pesquisador) e composto por nove questões utilizando a Visual Analog Scale (VAS) com graduação de zero para nenhuma dor a nove para dor máxima. Os sujeitos selecionados foram os que assinalaram o escore a partir do número três, em ao menos uma das questões: um a sete e positivamente nas questões: oito e nove ou em ambas (Quadro 1).

Para tabular os dados dos 172 participantes foi utilizada uma anamnese.

Anamnese

A anamnese utilizada para o presente estudo foi elaborada por duas especialistas em DTM e DOF e foi composta com perguntas sobre:

1) Queixa principal dos sinais e sintomas das DTM;

2) Dor na face:

- Quando esta se manifesta: ao acordar, ao mastigar, ao abrir muito a boca ou final da tarde;
- Localização: ATM ou músculos;
- Intensidade: com escala de zero para nenhuma dor e dez para dor máxima;
- Tipo: pressão, pulsátil, cansaço e pontada; - Frequência: nunca, uma vez por semana, duas vezes por semana, três vezes por semana ou acima de três vezes por semana; - Duração: minutos, horas, um dia e mais de um dia;

3) O Relato do sujeito sobre a presença ou ausência de hábitos parafuncionais: bruxismo, morder unhas/cutícula, morder tampa caneta/lápis, mascar chicletes e morder lábios/ bochecha;

4) Incluiu o exame clínico intraoral para observar a presença de desgaste em dentes anteriores: somente em esmalte ou em esmalte e dentina e desgaste em dentes posteriores: somente em esmalte ou em e esmalte e dentina;

5) Palpação das ATM: para a identificação da presença ou não de ruídos nas ATM à movimentação, foi realizado o exame físico posicionando os dedos indicadores e dedo médio na região das ATM sem realizar pressão digital;

6) Palpação muscular: foi realizado o exame de palpação através da pressão digital firme com as pontas dos dedos indicador e médio ao longo das fibras musculares dos músculos: masseteres, temporais e região retrocondilares para observar a presença ou não de dor em uma escala de zero para o relato de nenhuma dor, um para dor leve, dois para dor moderada e três para dor forte.

Para realizar o teste do calibre da palpação, as duas especialistas em DTM e DOF fizeram a palpação nestes dois músculos, assim como na região retrocondilar, em 31 pacientes. Estes foram palpados em um único momento por ambas e os pacientes relataram a presença de dor em graduação zero, para nenhuma dor, em graduação um para dor leve, dois, para dor moderada, e três, para dor forte. Os resultados colhidos, depois inseridos no programa Excel, foram analisados através do Índice Kappa, verificando valores acima de 0,75 (alta concordância) entre os avaliadores para os três itens em questão.

Metodologia estatística

Para descrever o perfil da amostra (n=172) segundo as variáveis em estudo, foram feitas tabelas de frequência das variáveis categóricas, com valores de frequência absoluta (n) e percentual (%), e estatísticas descritivas (com medidas de posição e dispersão - média, desvio-padrão, valores mínimo, máximo, mediana e quartis) das variáveis contínuas. Para comparar as variáveis categóricas entre os grupos foram utilizados os testes Qui-Quadrado ou exato de Fisher (para valores esperados menores que 5).

Para comparar as variáveis numéricas entre dois grupos foi utilizado o teste de Mann-Whitney, devido à ausência de distribuição Normal das variáveis.

O nível de significância adotado para os testes estatísticos foi de 5% (p<0.05).

Análise dos dados

Foi elaborada uma máscara no programa Epi-Info (versão 6.0.4) para tabular os dados das anamneses dos 172 participantes selecionados. Posteriormente as análises foram realizadas através do programa SAS (versão 9.1.3).

As variáveis descritivas foram estudadas através das frequências absoluta e relativa. Para a comparação das variáveis categóricas, foi utilizado o teste do Qui-quadrado.

A análise de regressão logística univariada e a multivariada (com o critério Stepwise para seleção das variáveis) foram utilizadas para avaliar os fatores associados à dor muscular, dor articular, estalidos e desgastes dentais, com estimação da razão de risco (odds ratio-OR) e intervalo de 95% de confiança (IC).

Para as análises, foram consideradas variáveis estatisticamente significativas as com p<0,05 (5%).

 

RESULTADOS

Dentre os 172 participantes, 69,19% eram do sexo feminino e 30,81% do masculino. Destes 132 eram servidores e 40 alunos.

As faixas etárias predominantes foram 20-29 (38,82%) e 40-49 (33,53%).

A média das idades foi de 34,82, com idade mínima de 17,70 e a máxima de 78 anos.

Os estalidos ou ruídos nas ATM foram observados em 20% dos sujeitos examinados.

O desgaste dental foi investigado através do exame clínico, e, em dentes anteriores, esteve presente em 58% dos sujeitos examinados, e, nos dentes posteriores, em 28%.

A dor na face foi encontrada em 58,72% dos sujeitos.

O local da dor facial está representado no Gráfico 1.

A queixa de dor miofascial mais frequente foi cansaço (70%), seguida por pressão (21%). Os tipos pontada e pulsátil juntos totalizaram 9% dos casos.

Quando se investigou em qual momento do dia as dores na face eram mais frequentes, 45,54% dos sujeitos disseram que era ao acordar de uma noite de sono, e 22,08% apresentavam esta dor ao final da tarde. Nos outros 32,47% dos sujeitos, esta dor foi relacionada a outros períodos do dia ao mastigar ou abrir muito a boca.

Os hábitos parafuncionais mais frequentes foram bruxismo diurno (61,05%), bruxismo durante a noite (47,09%) e morder unha ou cutícula (37,21%) (Gráfico 2).

Pessoas que relataram realizar algum hábito parafuncional e estar passando por um período de estresse emocional, ansiedade, angústias ou preocupações cotidianas, foram 63,16%.

Análise comparativa entre os hábitos

As variáveis de interesse no estudo para esta análise foram: faixa etária, sexo, vínculo (servidores e alunos) e estresse. E as variáveis categóricas em relação às DTM foram: dor na face, ruído/estalido, dor articular e desgastes em dentes anteriores e/ou posteriores.

Também foram analisados os hábitos parafuncionais mais prevalentes: bruxismo durante a noite e/ou dia e morder cutícula e/ou unha.

Para as análises, foram consideradas variáveis estatisticamente significativas as com p<0,05 (5%).

Na análise comparativa entre o hábito mais frequente e a dor articular, observou-se que, entre os sujeitos com bruxismo durante o dia, 37,14% apresentaram esta dor. Dentre os indivíduos que não relataram este hábito, 22,39% tinham dor neste mesmo local (p=0,042).

Entre os que relataram ter este mesmo hábito, 30,48% apresentaram dor à máxima abertura bucal. Dentre os individuos que não relataram o hábito do bruxismo durante o dia, 13,43% tinham dor ao realizar este movimento (p= 0,011).

Entre os sujeitos pesquisados com relato de bruxismo durante a noite, 70,37% tinham dor na face. Entre as pessoas que não relataram o hábito, 48,35% apresentaram dor na face (p=0,003).

Observou-se que entre os sujeitos que relataram este mesmo hábito, 35,80% apresentaram desgastes em dentes posteriores, e, entre os que não relataram o bruxismo durante a noite, 20,88% (p=0,029) apresentaram desgastes nestes dentes.

Ainda entre os sujeitos que relataram ter este hábito, 67,90% apresentaram desgastes em dentes anteriores. Entre os que não relataram o hábito, 49,45% (p=0,014) apresentaram desgastes nestes dentes.

Análise comparativa entre os sexos

Pessoas do sexo feminino que apresentaram dor articular foram 36,13%, enquanto que as do sexo masculino foram 20,75% (p=0,045).

Análise comparativa dos fatores associados

Para descobrir quais das variáveis - faixa etária, sexo, vínculo (servidores e alunos), estresse e os hábitos mais prevalentes - eram associadas às dores musculares, articulares, ruídos nas ATM e desgaste dental, foi realizada a análise de regressão logística.

Verificou-se que os sujeitos com o hábito do bruxismo diurno apresentaram risco 2,1 vezes maior para a dor articular que os que não relataram este hábito, com p= 0,044. (IC entre 1,02 e 4,12).

Também se verificou que os sujeitos com o hábito do bruxismo noturno apresentaram risco 2,5 vezes maior para a dor muscular que os sem este hábito, com p= 0,004. (IC entre 1,35 e 4,76).

E os sujeitos com este mesmo hábito, de apertar/ranger durante a noite, apresentaram risco 2,1 vezes maior para o desgaste dental que os sem este hábito, com p= 0,022. (IC entre 1,11 e 3,85).

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Alguns estudos sugerem que 40% a 60% dos indivíduos na população em geral apresentam algum tipo de DTM. Esta pode ser uma estimativa conservadora, pois muitos pacientes não apresentam queixas de algum sintoma associado às DTM. A possível explicação para este fato é a presença de sinais subclínicos que não são relatados como sintomas. Uma em cada quatro pessoas na população em geral terá consciência de algum sintoma de DTM, porém, menos que 10% da população sente que seus problemas são graves o suficiente para procurarem tratamento16.

Segundo Okeson e De Leeuw17, as disfunções dos músculos mastigatórios são, provavelmente, a queixa mais frequente relacionada às DTM em pacientes que buscam tratamento nos consultórios odontológicos. A dor muscular pode variar desde um pequeno desconforto a uma forte dor. Esta dor é frequentemente associada com a sensação de cansaço ou pressão. Concordando com os dados apresentados nesse artigo, os resultados da presente pesquisa mostram que a maior frequência das DTM foram as dores relacionadas aos músculos da face (89%) e, dentre estas, a sensação de cansaço e de pressão foram as mais prevalentes.

A etiologia das DTM, na literatura mundial, é fundamentalmente associada ao estresse e à parafunção4. Diversos estudos18-19 relatam que uma das principais causas da dor crônica facial está associada ao estresse emocional. O termo estresse, todavia é muito amplo, e seu significado é diferente para cada clínico e paciente, pois cada indivíduo responde aos desafios e preocupações da vida de forma diferente e única, trazendo assim dificuldades na metodologia do estudo deste fator.

Apesar de no presente estudo o estresse ter sido citado, não se utilizou nenhum instrumento científico para a mensuração desse e foi somente observado a sua prevalência nesta população. Provavelmente devido a isto, através das análises estatísticas, no que diz respeito ao estresse emocional e as DTM, não se verificou associação positiva.

Quanto à relação entre as DTM e sexo, no presente estudo a maior prevalência foi entre as mulheres (69,19%), semelhante aos resultados do estudo de Goyatá et al. (66%)20. Resultados também semelhantes estão presentes em vários outros estudos recentes21-22 e podem ser explicados por uma interação de fatores biológicos (diferenças na estrutura muscular e do tecido conjuntivo), hormonais, psicológicos e sociais23.

No estudo de Alves-Rezende et al.24 (2009), no qual foi avaliada a influência do gênero na prevalência de 12 hábitos parafuncionais em acadêmicos da Faculdade de Odontologia de Araçatuba, o gênero feminino apresentou o dobro da prevalência para os hábitos parafuncionais, e o hábito de mascar chiclete foi o mais prevalente, seguido pelo hábito de apoiar a mão no queixo. No presente estudo, a prevalência dos hábitos parafuncionais foi apenas 9% maior no gênero feminino. Os hábitos mais prevalentes foram os hábitos do bruxismo dia e noite, seguido pelo hábito de morder unhas ou cutículas.

Na amostra do presente estudo, através das análises estatísticas, a associação positiva entre os hábitos de ranger/apertar os dentes e o ruído nas ATM não ocorreu, diferentemente das pesquisas de Hirose et al25 e a de Kato et al.26. Os resultados da pesquisa de Hirose et al. mostram que a provável causa dos ruídos nas ATM está relacionada aos hábitos prolongados de apertar/ranger os dentes, e isto acontece devido à força contínua exercida nas ATM, causando a distribuição anormal de tensões nesta região, facilitando assim o deslocamento do disco. E os da pesquisa de Kato et al. mostram que o estalido articular pode ser um sinal indicativo de bruxismo do sono, sugerindo que esta parafunção possa ter alguma relação com o deslocamento do disco articular.

No estudo de Branco et al.27 os pacientes que buscaram tratamento na Clínica de Dor Orofacial e DTM da Faculdade de Medicina de Petrópolis, foram avaliados através de questionário e exame físico que compõem Research Diagnostic Criteria para Desordens temporomandibulares (RDC/TMD), nesse as parafunções estão divididas em noturna (ranger ou apertar os dentes enquanto dorme) e diurna (ranger ou apertar os dentes durante o dia). Os resultados foram que dos 182 pacientes com DTM, 76,9% relataram algum tipo de parafunção, que poderiam ser diurna, noturna ou a associação de ambas. A parafunção diurna foi a mais frequentemente relatada entre os subgrupos de DTM, presentes em 64,8% dos casos, contra 55,5% de casos com relato de parafunção noturna. Foi verificado em 43,4% dos pacientes com DTM o relato de ambas as parafunções.

Obtivemos resultados muito próximos aos citados acima, pois dos 129 pacientes com DTM estudados 74,4% relataram bruxismo (ranger e/ou apertar), durante o dia, à noite ou a associação de ambos. O bruxismo diurno foi o mais frequente e associado às DTM e ocorreu em 61,05% dos casos, contra 47,09% de casos relacionados ao bruxismo noturno. Foi verificado em 41,8% dos pacientes com DTM o relato de ambas as parafunções. Concluiu-se no presente estudo e no anterior que o bruxismo diurno e noturno foram mais frequentes em pacientes no grupo de dor miofascial.

No estudo de Pedroni et al.28, dentre os indivíduos com algum grau de severidade de DTM, mais de 52% apresentaram hábitos de apertar ou ranger os dentes. Entretanto, 25% dos indivíduos classificados sem DTM relataram ter estes hábitos. No presente estudo, dos 43 indivíduos classificados sem DTM, 76,7% relataram realizar algum hábito. Destes 65,1% relataram realizar bruxismo durante o dia, bruxismo durante a noite ou ambos. Estes achados indicam que, apesar de serem frequentes, esses hábitos muitas vezes não afetam as estruturas orofaciais.

Os hábitos como apertar/ranger os dentes durante dia/noite foram estatisticamente identificados no presente estudo como fatores de risco para as DTM. Alguns autores, como Rugh, Ohrbach e Austin29-30, consideram os hábitos parafuncionais um dos mais importantes fatores na etiologia das DTM.

Por ser um importante fator para o desenvolvimento das DTM, esses hábitos merecem a atenção do profissional de saúde. Muitas vezes quando os sinais e sintomas não estão claros, apenas uma consulta não é suficiente para identificá-los, sobretudo porque alguns pacientes não têm consciência de seus hábitos orais durante o dia ou à noite.

 

CONCLUSÃO

Com base na metodologia empregada e na análise estatística dos dados obtidos destacam-se as conclusões a seguir:

• A prevalência das DTM foi de 75% na população estudada. Destes 129 pacientes com DTM estudados 74,4% relataram bruxismo durante o dia, a noite ou a associação de ambos.
• O bruxismo durante o dia foi o hábito mais prevalente e associado à dor articular, seguido pelo bruxismo durante a noite associado à dor muscular e, portanto, ambos são fatores de risco para as DTM. Os outros hábitos estudados não tiveram a mesma associação.
• Dentre as pessoas com dor na face, a maior prevalência foi relacionada ao músculo masseter com proporção de 89% em relação às ATM. Em 45,54% dos sujeitos esta dor foi relatada ao acordar, e o tipo de sintoma muscular com maior prevalência foi a sensação de cansaço ou pressão.
• Tanto os desgastes em dentes anteriores quanto em posteriores tiveram associação significativa com o bruxismo noturno.
• Através da análise comparativa foi possível observar que, em relação ao gênero feminino, ocorreu associação significativa com a dor nas ATM.

 

APLICAÇÃO CLÍNICA

A anamnese desenvolvida para o estudo poderá ser utilizada na prática clínica como um dos instrumentos para o diagnóstico dos hábitos parafuncionais e das DTM; o estudo ressaltou a alta prevalência das DTM e concluiu que os hábitos como o bruxismo diurno e noturno, dentre os outros hábitos estudados, são fatores de risco para as DTM.

 

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Endereço para correspondência:
Paula Próspero Borelli Bortolleto
(CSS/CECOM-UNICAMP)
Rua Vital Brasil, 150
Cidade Universitária Zeferino Vaz – Campinas – SP
13083-888
Brasil

e-mail:
bona@usp.br

 

Recebido em: mar/2013
Aprovado em: jun/2013