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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

versão impressa ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.67 no.4 Sao Paulo  2013

 

AUTOR CONVIDADO

 

Biomateriais na Odontologia: panorama atual e perspectivas futuras

 

Biomaterials in Dentistry: current view and future perspectives

 

 

Mário Alexandre Coelho SinhoretiI; Rafael Pino VittiII; Lourenço Correr-SobrinhoIII

I Mestre e Doutor em Materiais Dentários e Professor titular da área de Materiais Dentários da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP) da Unicamp
II Doutor em Materiais Dentários e pósdoutorando na área Materiais Dentários pela FOP/Unicamp
III Mestre em Materiais Dentários, Doutor em Reabilitação Oral e Professor titular da área de Materiais Dentários da FOP/ Unicamp

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A estrutura dental é um tecido mineralizado onde são realizados diversos procedimentos clínicos com o objetivo de reparar os defeitos de origem congênita ou causados por traumas e doenças, como a cárie. A utilização de materiais naturais, artificiais ou sintéticos, para substituição total ou parcial, restauração ou aumento dos tecidos biológicos, sempre foi uma grande preocupação na Odontologia. Os materiais utilizados para a substituição e regeneração da estrutura óssea enquadram-se na classe de materiais denominados biomateriais. Esses materiais têm contribuído significativamente para o avanço da Odontologia Moderna. Para desempenhar a função desejada e estimular uma resposta adequada dos tecidos vivos por meio de reparo histológico, os biomateriais devem apresentar um conjunto satisfatório de propriedades físicas, químicas e biológicas. Diante da realização de constantes pesquisas científicas e do aumento significante do uso clínico dos biomateriais, além da grande concorrência existente entre as empresas de tecnologia responsáveis pelo desenvolvimento dos materiais, um rápido progresso vem ocorrendo dentro dessa área, resultando na síntese de novos biomateriais e no conhecimento sobre as interações entre biomateriais e tecidos biológicos. Dessa forma, este estudo teve como objetivo analisar, por meio de extensa revisão bibliográfica, o atual estado no qual se encontram os biomateriais na Odontologia, além de tentar traçar as perspectivas futuras, examinando principalmente os biomateriais sintéticos.

Descritores: materiais dentários; histocompatibilidade; ligas dentárias; polímeros; fosfatos de cálcio.


ABSTRACT

The tooth structure is a mineralized tissue which are realized several clinical procedures with the aim to repair the congenital defects or problems caused by trauma and diseases such as caries. The use of natural, artificial or synthetic materials, for total or partial replacement, restoration or growth of biological tissues was always a major concern in dentistry. The materials used for the replacement and regeneration of bone structure belong to the materials class called biomaterials. These materials have contributed significantly to the advance of Modern Dentistry. To perform the desired function and to stimulate an adequate response of biological tissues by histological repair, the biomaterials need to show a group of satisfactory physical, chemical and biological properties. Before the realization of constant scientific research and of the significant increase in clinical use of biomaterials, besides of great competition between technology companies responsible for the development of materials, a quick progress has occurred in this area, resulting in the synthesis of new biomaterials and knowledge about the interactions between biomaterials and biological tissues. Thus, the aim of this study was to analyze, through extensive literature review, the current state of the biomaterials in dentistry, besides to attempt to delineate future perspectives, looking mainly the synthetic biomaterials.

Descriptors: dental materials; histocompatibility; dental alloys; polymers; calcium phosphates.


 

 

INTRODUÇÃO

Biomateriais são materiais naturais ou sintéticos utilizados em contato com sistemas biológicos cuja finalidade é reparar ou substituir tecidos, órgãos ou funções do organismo, com o objetivo de manter ou melhorar a qualidade de vida do paciente.1

Há mais de um século, guiados por estudos clínicos e experimentais, os pesquisadores procuram desenvolver materiais com características adequadas para substituição total ou parcial dos tecidos biológicos presentes no corpo humano por ocasião de alguma patologia ou traumatismos diversos, visando assim uma recomposição mais próxima possível da ideal para anatomia e a função da região comprometida. Os primeiros registros da utilização de biomateriais datam de 4.000 A.C.2; entretanto, o uso desses materiais estavam fadados ao insucesso, uma vez que eram desconhecidos os conceitos relativos aos materiais, a infecção e as reações biológicas.3 Os biomateriais devem apresentar propriedades físicas e biológicas compatíveis com os tecidos biológicos do hospedeiro, de modo a estimular uma resposta adequada dos mesmos. Sendo assim, para se utilizar um biomaterial com segurança, o mesmo deve apresentar três características básicas: (1) biocompatibilidade, não induzindo respostas biológicas adversas, como reações alérgicas e inflamatórias não toleráveis pelo organismo; (2) alta osteocondutividade, estimulando o crescimento de células ósseas; e (3) bioatividade, que é a capacidade do material em se unir com tecido biológico.1

Os dois grandes marcos no desenvolvimento dos biomateriais foram as duas grandes guerras mundiais. Na tentativa de evitar a amputação ou promover a recuperação dos membros que tiveram suas funções comprometidas, ocorreu uma busca incessante por materiais que não fossem nocivos e não induzissem rejeição. Até meados da I Guerra Mundial, apesar de avanços consideráveis na ciência dos biomateriais, nenhum dos materiais aplicados apresentava biocompatibilidade com o hospedeiro. Os maiores avanços nesse campo ocorreram após a II Guerra Mundial, com importante papel da Odontologia, principalmente após o advento da osseointegração, conceito introduzido por pesquisadores liderados pelo médico ortopedista sueco Per-Ingvar Brånemark.4 Com isso, as pesquisas passaram a se concentrar em materiais que visam acelerar a osseointegração, ou seja, diminuir o tempo necessário para a aposição óssea.

A ciência dos biomateriais tem apresentado grande evolução, graças ao desenvolvimento científico e tecnológico multidisciplinar de diversas áreas como Medicina, Odontologia, Biologia, Engenharia, Física e Química. No decorrer das últimas décadas observa-se um significante aumento na utilização dos biomateriais, justificado pelo aumento da expectativa de vida da população e, consequentemente, ao elevado índice de traumas e doenças que demandam a necessidade de se realizar tratamentos cada vez mais eficazes.1,5 Isso tudo está aliado a grande concorrência entre as corporações industriais de inovação tecnológica, principalmente no campo da nanotecnologia, a qual tem promovido rápido progresso na área de biomateriais, proporcionando o desenvolvimento de novos materiais e dispositivos para aplicações biomédicas, além de maior conhecimento sobre a interação entre biomateriais e tecidos biológicos.5

1. Classificação e evolução

Os biomateriais podem ser classificados de acordo com a sua origem, sendo biológicos (autógenos – paciente; alógenos – doador; ou xenógenos - animal) ou sintéticos/aloplásticos (metais, cerâmicos e polímeros), ou através da resposta induzida ao meio biológico (bioinertes, bioabsorvíveis e bioativos). Os materiais bioativos possuem a capacidade de interagir intimamente com o tecido biológico (bioadesão), diferentemente dos materiais bioinertes e bioabsorvíveis, onde a resposta induzida por esses materiais se dá por meio da formação de uma camada de tecido fibroso entre o material e o tecido biológico, impossibilitando assim, a interação direta entre material e tecido, o que poderá acarretar em instabilidades e falhas.1

A evolução dos biomateriais é caracterizada por três diferentes gerações. A primeira geração corresponde aos materiais bioinertes, cujo foco é o de não provocar reação de corpo estranho no organismo. Já a segunda geração engloba os materiais bioativos e biodegradáveis e a terceira geração os materiais responsáveis por estimular respostas celulares em níveis moleculares (biomimética e engenharia tecidual). É importante ter em mente que essas gerações são interpretadas de forma conceitual e não cronológica, uma vez que cada uma delas representa evolução nas propriedades dos materiais, ou seja, os biomateriais desenvolvidos atualmente não necessariamente pertencem a terceira geração.6

2. Biomateriais na Odontologia

Na Odontologia, novos produtos são lançados constantemente no mercado. Tais produtos são utilizados em íntimo contato com tecidos biológicos como polpa, dentina, tecido periodontal e osso alveolar. Dessa forma, os biomateriais devem ser utilizados com cautela. Sua indicação nas diversas situações clínicas deve ser sempre bem avaliada, levando em consideração critérios clínicos e éticos quanto aos riscos e benefícios do tratamento. Para isso, há a necessidade de o Cirurgião-Dentista conhecer as características e propriedades dos biomateriais.

A ciência dos materiais dentários visa pesquisar e desenvolver biomateriais sintéticos a serem empregados na cavidade bucal. A utilização de biomateriais sintéticos, ao invés dos naturais, apresenta algumas vantagens, tais como: evitar a coleta de materiais autógenos ou o uso de materiais alógenos a partir de um banco de tecidos; redução de tempo clínico no tratamento; diminuição da extensão da ferida cirúrgica, evitando complicações como danos nos nervos e vasos sanguíneos, formação de hematoma ou desenvolvimento de um processo inflamatório, proporcionando maior conforto para o paciente; e o fato dos materiais sintéticos serem sintetizados sob condições controladas, sendo suas composições químicas e propriedades físicas e químicas conhecidas, além de estarem disponíveis em qualquer tempo e quantidade.7,8

Dessa forma, especial atenção tem sido dada à pesquisa e síntese de novos biomateriais sintéticos. Atualmente, três tipos de biomateriais são comumente utilizados em aplicações na Odontologia: metais, polímeros e cerâmicas (Tabela 1). Estes biomateriais podem ser classificados de acordo com suas propriedades físico-químicas e mecânicas.

2.1. Metais

Os biomateriais metálicos são considerados os menos biocompatíveis de todos os biomateriais sintéticos.9 Poucos materiais metálicos utilizados na indústria são biocompatíveis e possíveis de serem usados no corpo humano.10 Eles são propensos a apresentar corrosão em meio fisiológico. Mesmo se utilizando metais mais resistentes à corrosão, como o aço inoxidável e as ligas de cobalto- cromo e de titânio, ainda assim esses materiais são corroídos. Assim, devido à corrosão, possíveis efeitos sistêmicos dos produtos de degradação dessas ligas metálicas devem ser considerados. Outras desvantagens das ligas metálicas são suas altas densidades e elevados módulos de elasticidade, quando comparados com os dentes e outros tecidos da cavidade bucal. Entretanto, embora os biomateriais metálicos apresentem esses inconvenientes, eles possuem propriedades mecânicas superiores aos outros biomateriais,9 como a capacidade em suportar estresse sob tensão, podendo certas ligas atingir valores muito elevados, apresentando dessa forma natureza dinâmica.10 Por isso, biomateriais metálicos resistentes o suficiente para suportar altas cargas sem fraturar por fadiga são amplamente utilizados para reconstruções parciais ou totais de dentes e outras estruturas ósseas da cavidade bucal.10

 

 

 

Em razão das propriedades mecânicas, da resistência à corrosão e da biocompatibilidade, o titânio puro e suas ligas figuram hoje entre os biomateriais metálicos mais utilizado na Odontologia,11 sejam nos implantes osseointegrados ou em estruturas metálicas de prótese sobre implantes, eliminando, dessa forma, possíveis efeitos biológicos adversos entre as diferentes ligas metálicas empregadas nas mais diversas situações clínicas.12 Dentre as propriedades favoráveis intrínsecas ao titânio, pode-se citar seu baixo peso específico, que o torna um material muito mais leve que as ligas metálicas usuais; sua boa relação entre peso e resistência mecânica, oferecendo assim a possibilidade de fabricação de materiais leves e ao mesmo tempo resistentes; seu módulo de elasticidade mais próximo ao do osso que o de outros biomateriais metálicos, permitindo melhor distribuição das cargas mastigatórias; e sua excelente biocompatibilidade, além de elevada resistência à corrosão.10,13 A despeito da existência de vários tipos e marcas de biomateriais à base de titânio para uso na Odontologia, diversos estudos in vitro e in vivo mostram maior formação de tecido ósseo ao redor de quaisquer implantes feitos de titânio em contraste a fixações feitas por outros materiais metálicos, favorecendo assim a osseointegração e reforçando a ideia de que os implantes de titânio possuem maior capacidade de interagir com os tecidos biológicos do hospedeiro do que implantes fabricados a partir de outros materiais.14,15 Deve-se levar em consideração as características superficiais dos implantes de titânio no processo de osseointegração, pois o contato inicial dos fluidos corpóreos com o biomaterial se dá por meio de sua superfície, onde irão ocorrer as interações moleculares que desencadeiam uma gama de reações entre o biomaterial, os fluidos e as células teciduais, responsáveis pelo crescimento de tecido ósseo ao longo da superfície do implante.14

2.2. Polímeros

Os biomateriais poliméricos sintéticos foram utilizados pela primeira vez na Odontologia no século 19, quando a guta-percha, material derivado do látex, foi utilizada como material de moldagem. Ainda hoje, a guta-percha é um material de extrema relevância clínica, com ampla utilização nos tratamentos endodônticos.16 O primeiro polímero rígido introduzido na Odontologia foi o polimetil metacrilato (PMMA), o qual vem sendo utilizado desde 1930 para as mais diversas situações clínicas, principalmente a confecção de dentes e próteses artificiais, além de aparelhos ortodônticos. Em 1963, foi desenvolvida a molécula de Bis-GMA (Bisfenol Glicidil Metacrilato)17, um importante passo no desenvolvimento dos biomateriais poliméricos, visto que, até hoje, o Bis-GMA e várias outras moléculas continuam sendo desenvolvidas e estudadas para serem empregadas na Odontologia Restauradora. Atualmente, grande parte das pesquisas continuam focadas na síntese de novos monômeros resinosos para fabricação de adesivos dentinários que formem polímeros cada vez mais estáveis no que diz respeito à união dente-restauração.18-20

Os polímeros abrangem uma variedade imensa de materiais odontológicos, que vão desde os materiais de moldagem até os materiais utilizados em cirurgias, como fios de sutura ou biomateriais à base de silicone usados nos procedimentos de reconstrução facial.16 Devido a baixa densidade, os polímeros são adequados para substituição de tecidos moles da cavidade bucal. Entretanto, eles não devem ser tóxicos ou apresentar resíduos monoméricos. As principais características desses polímeros são a alta ductilidade, boa compatibilidade e resiliência, além de não serem susceptíveis ao processo corrosivo. Baixas resistências mecânicas inerentes a esses materiais podem ser melhoradas reforçando-os com fibras de carbono.16

Um polímero muito utilizado em cirurgias faciais é o polietileno poroso, que possui uma estrutura linear da cadeia de carbono e serve como polímero base para outros materiais, tais como o polipropileno e o politetrafluoretileno.21 O polietileno poroso não sofre degradação e não reabsorve significativamente, além de apresentar a vantagem de permitir o crescimento vascular e de tecido mole e ósseo.22 Há também os polímeros reabsorvíveis, que podem ser utilizados nas cirurgias de fixação óssea como alternativa ao titânio e suas ligas. Esses polímeros geralmente são formados por copolímeros, compostos por substâncias como o ácido poli-L-lático (PLLA) e o ácido poligligólico (PGA).23

2.3. Cerâmicos

Biocerâmicas são definidas como biomateriais sólidos inorgânicos e inertes constituídos por uma ou mais fases cristalinas ou amorfas. Elas se destacam dos biomateriais metálicos e poliméricos por apresentarem maior estabilidade química superficial. As cerâmicas compostas de alumina, zircônia, leucita, entre outras, são exemplos de biocerâmicas utilizadas na confecção de coroas unitárias, próteses fixas, inlays, onlays e facetas estéticas. São materiais estáveis a altas temperaturas e possuem resistência à corrosão e fraturas, baixo coeficiente de fricção, grande resistência ao desgaste e dureza.24 Entretanto, esses materiais não possuem a mesma eficiência na integração com o tecido ósseo que os fosfatos biocerâmicos.

Atualmente, as biocerâmicas de fosfato de cálcio são os principais materiais pesquisados e utilizados na formulação de biomateriais empregados em casos clínicos onde há a necessidade de neoformação óssea. E isso é justificado pelo fato dos fosfatos de cálcio possuirem características mineralógicas semelhantes à estrutura dental e tecidos ósseos. Além disso, são materiais que apresentam excelente biocompatibilidade, bioatividade e variadas taxas de dissolução e adsorção, que são condições propícias aos processos de osteoindução e osseointegração.25

Existem fosfatos de cálcio em diversas fases cristalinas que são obtidos por diferentes métodos de fabricação e utilizados posteriormente na composição de cimentos odontológicos (cimentos de fosfato de cálcio). Uma forma de se classificar os fosfatos de cálcio é por meio da razão molar entre os átomos de cálcio e fósforo (relação Ca/P). A Tabela 2 mostra algumas fases cristalinas e composições de fosfatos de cálcio, representados por suas respectivas razões molares.26 (Ver tabela 2 )

Algumas pesquisas in vivo que utilizaram diferentes metodologias e composições de biocerâmicas avaliaram a formação do tecido ósseo e da osseointegração em função do tempo de aplicação do material.27 Os resultados colocam em evidência duas diferentes biocerâmicas e que são até hoje os fosfatos de cálcio mais conhecidos e estudados: hidroxiapatita (HA) e fosfato tricálcico (TCP). Estes biomateriais são naturalmente bioativos e apresentam excelente biocompatibilidade, bioatividade, diferentes taxas de dissolução, ausência de toxicidade e osteocondutividade (indicam o caminho para o crescimento ósseo), favorecendo dessa forma a osteoindução, osseointegração e a neoformação óssea quando colocados em meio biológico.1

 

 

 

2.3.1. Hidroxiapatita (HA)

O termo apatita tem origem na palavra grega "apato", que significa engano, pois esse biomaterial era frequentemente confundido com outros minerais. A HA pode ser encontrada em estruturas ósseas, sendo o principal constituinte do esmalte dentário. Além da forma natural, vários tipos de HA podem ser sintetizadas por diferentes métodos de fabricação, sendo a mais pesquisada e utilizada na odontologia a HA estequiométrica na composição Ca10(PO4)6(OH)2. A forma sintética da HA apresenta similaridade química e cristalográfica; entretanto, não idêntica à HA natural. Pode-se encontrar a HA em duas formas: densa, sendo inteiramente sintética, sem poros e fabricadas a partir de blocos ou grãos; porosa, podendo ser produzida sinteticamente ou por meio de esqueletos de corais marinhos.8

Com promissoras aplicações clínicas, a HA tem sido produzida e utilizada clinicamente desde o início dos anos 80 como biomaterial na reconstituição de tecido ósseo e em revestimento de substratos metálicos. É um material que apresenta adesão ao tecido dental, ausência de toxicidade local e sistêmica, ausência de respostas inflamatórias e excelentes propriedades de biocompatibilidade e osteocondutividade, permitindo a proliferação de células ósseas, como fibroblastos e osteoblastos.25 Entretanto, a HA possui um baixo índice de bioatividade e lenta taxa de degradação, fatores que são limitantes para sua utilização, uma vez que a reabsorção é uma característica desejada para os biomateriais, já que o processo de degradação ocorre concomitantemente a reposição do osso em formação.1

Na Odontologia, além da utilização da HA em procedimentos cirúrgicos onde há a necessidade de reparação óssea, muitas pesquisas vêm adicionando a HA na composição de cimentos endodônticos na tentativa de melhorar as propriedades físico-químicas e biológicas desses materiais.28 Comercialmente, a HA sintética pode ser encontrada como componente principal em alguns cimentos endodônticos como Bioseal (Ogna Laboratori Farmaceutici, Muggiò, Itália) e Apatite Root Sealer I, II e III (Dentsply-Sankin, Tóquio, Japão).

2.3.2. Fosfato tricálcico (TCP)

TCP é um biomaterial de fácil dissolução em meio biológico, uma vez que ele não é estável em solução aquosa ou na presença de umidade. Sua capacidade de dissolução e adsorção nos tecidos biológicos chega a ser 12 vezes maior que a HA. Naturalmente, encontramos TCP em calcificações patológicas, como cálculos dentários e urinários, além de ser o principal constituinte inorgânico nas lesões de cárie dentária.1 Sinteticamente, esse tipo de fosfato pode ser encontrado nas formas de pó (grânulos microporosos) e gel, sendo a forma de pó a mais utilizada na Odontologia por favorecer a microporosidade entre os grânulos, estimulando a proliferação das células osteogenitoras e contribuindo, dessa forma, com os processos de osteoindução, osseointegração e formação de novo tecido ósseo. Devido ao seu comportamento biodegradável, o TCP nas formas alotrópicas α e β tem se tornado objeto de interesse na área de biomateriais, sendo utilizado na Odontologia como material de preenchimento em cavidades, regiões com defeitos ósseos e fixação de tecidos moles.1,25

2.3.3. Agregado de trióxido mineral (MTA)

Outro biomaterial cerâmico com grande destaque nas pesquisas científicas e de ampla utilização na Odontologia é o MTA. Cimentos à base de MTA são materiais bioativos e biocompatíveis que tomam presa em contato com a água, sangue ou outros fluidos, formando hidróxido de cálcio. O hidróxido de cálcio eleva o pH do meio promovendo a ativação da fosfatase alcalina e, consequentemente, iniciando o processo de mineralização. E mais, em contato com fluidos teciduais esse hidróxido de cálcio se dissocia em íons cálcio e hidroxila.28 Os íons cálcio, quando em contato com o tecido conjuntivo, determinam uma área de necrose formando o dióxido de carbono. Este, junto com o hidróxido de cálcio, formam cristais de calcita (carbonato de cálcio) que servem de núcleo de calcificação. A alcalinidade do meio estimula o tecido conjuntivo a secretar uma glicoproteína, chamada fibronectina, que, juntamente com os cristais de calcita, estimulam a formação de colágeno tipo I, o qual, com o cálcio, induz a mineralização.29

A literatura nos mostra diversos estudos avaliando as propriedades físico-químicas e biológicas de materiais à base de MTA, principalmente cimentos endodônticos experimentais e comerciais (MTA Fillapex, Angelus, Londrina, Brasil).30 Entretanto, o emprego de MTA na composição desses cimentos, principalmente quando utilizados nos procedimentos de retro-obturação, trazem algumas limitações clínicas por apresentarem difícil manipulação e longo tempo de presa. Mas, a composição dos cimentos à base de MTA pode ser modificada com o intuito de melhorar suas propriedades biológicas e físico-químicas. Alguns estudos mostram que a adição de outras fontes de cálcio na composição de cimentos à base de MTA pode reduzir o tempo de presa e induzir a formação de apatita.28

 

CONCLUSÃO

A utilização de biomateriais na Odontologia ocorre em escala cada vez mais ampla. Diversas pesquisas têm demonstrado a síntese de novos biomateriais aplicados em todas as áreas da Odontologia com promissores resultados. O uso dos biomateriais clinicamente deve passar essencialmente por análises em todo seu percurso de avaliação científica englobando, desde os ensaios laboratoriais in vitro, até os estudos clínicos longitudinais in vivo. Dessa forma, o desenvolvimento de biocerâmicas e de próteses constituídas por esses materiais deve ocorrer sob as mesmas condições de interdisciplinaridade que determinam o desenvolvimento de qualquer outro material odontológico. Além disso, há a necessidade do conhecimento de todas as propriedades aqui citadas por parte do Cirurgião-Dentista, para que exista uma discussão crítica sobre a utilização dos biomateriais, evitando ficar somente com as informações comerciais, que muitas vezes são incompletas e superficiais. A oportunidade de se discutir a utilização dos biomateriais na Odontologia, por meio da ciência dos materiais dentários, amplia o conhecimento deste tema para os profissionais e pesquisadores. A diversidade de aplicações dos biomateriais, assim como suas diferenças químicas, físicas, biológicas e morfológicas, faz da pesquisa nesta área do conhecimento um trabalho com características eminentemente interdisciplinares. Dentro deste contexto, os profissionais da área de Engenharia de Materiais podem contribuir de forma significativa para a evolução desta área e para o aumento do leque de sua aplicabilidade, por meio do desenvolvimento de novos e eficazes biomateriais e também na elucidação dos mecanismos que governam a regeneração óssea.

 

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Endereço para correspondência:
Mário Alexandre Coelho Sinhoreti
Depto. Materiais Dentários
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