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Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas

versão impressa ISSN 0004-5276

Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. vol.67 no.4 Sao Paulo  2013

 

RELATO DE CASO CLÍNICO

 

Tratamento da mucocele com a técnica da micromarsupialização modificada

 

Treatment of mucocele with the upgraded micromarsupialisation technique

 

 

Amanda Leal RochaI; Juliana Maria Braga Sclauser BasílioII; Marcio Bruno Figueiredo AmaralIII; Ricardo Alves MesquitaIV

I Especialista em Saúde do Idoso RIMS-HC/UFMG - Cirurgiã-Dentista do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais
II Especialista em Estomatologia - Estomatologista do Instituto Mário Penna
III Mestre em Estomatologia - Cirurgião Bucomaxilofacial do Hospital João XXIII
IV Doutor em Patologia Bucal - Professor Associado do Departamento de Clínica, Patologia e Cirurgia Odontológica da Faculdade de Odontologia da UFMG

Termo de consentimento livre e esclarecido assinado pelo paciente e enviado à Revista

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho é descrever o relato de um caso clínico da mucocele selecionada, tratada com a técnica da micromarsupialização modificada. Esta técnica baseia-se na transfixação da lesão com fios cirúrgicos e possui a finalidade de promover uma epitelização ao redor das suturas, formando novos canais excretores e permitindo, assim, o esvaziamento do muco e a regressão da lesão. Paciente de 36 anos, gênero feminino, compareceu à clínica de Especialização em Estomatologia da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). No exame intraoral observou-se lesão cujo diagnóstico clínico foi de mucocele e a forma de tratamento proposta foi a micromarsupialização modificada, descrita na literatura. A paciente retornou para controle de 7 em 7 dias e, após 30 dias, apresentava-se sem sinais clínicos da lesão, quando as suturas foram removidas. No caso relatado, modificações da técnica descritas na literatura foram adotadas, a saber: utilização de fio de sutura seda 3.0, realização de movimentos de "vai e vem" e remoção completa do muco. A paciente está em acompanhamento por 24 meses e sem sinais clínicos de recidiva. A partir deste relato de caso sugere-se que a técnica de micromarsupialização modificada seja eficaz no tratamento da mucocele selecionada.

Descritores: mucocele; terapêutica; glândulas salivares.


ABSTRACT

The aim of this study is to describe a case report of selected mucocele treated with the upgraded micro-marsupialisation technique. This technique is based on the puncture of the lesion with a silk suture and aims to promote epithelisation of the mucosa around the suture in turn leading to several new path tract formations, allowing the drainage of total mucus and regression of the lesion. A 36-year-old woman was referred to the Oral Medicine Clinic of the School of Dentistry at the Universidade Federal Minas Gerais (UFMG). Intraoral examination demonstrated a mucocele and the choice of the treatment was the upgraded micro-marsupialisation. The patient underwent a weekly follow-up period and after 30 days showed no clinical signs of recurrence. In this time, the sutures were removed. In this case report, the modifications of the technique describe on literature were: the use of a 3.0 silk suture, the mechanical enlargement of the pathways performed by a to-and-fro movement and the clearance of total mucus. The patient had 24 months of follow-up and it was free-disease. From this case report suggests that the upgraded micro-marsupialisation technique is effective in the treatment of selected mucocele.

Descriptors: mucocele; therapeutics; salivary glands.


 

 

RELEVÂNCIA CLÍNICA

A micromarsupialização modificada demonstrou neste relato de caso ser uma técnica simples, bem tolerada pelo paciente, pouco invasiva, de baixo custo e eficaz no tratamento da mucocele selecionada.

 

INTRODUÇÃO

A mucocele é uma lesão benigna da cavidade oral envolvendo as glândulas salivares e seus respectivos ductos. A sua incidência é alta, aproximadamente 2,5 lesões por 1000 pacientes, e apresenta-se clinicamente como uma lesão em forma de bolha, bem circunscrita, mole à palpação, com superfície lisa e brilhante, e tamanho variado. Quando localizada superficialmente, tem coloração azulada ou translúcida e, quando mais profunda, tem coloração semelhante à mucosa. Localiza-se predominantemente no lábio inferior, mas pode ser encontrada também no lábio superior, mucosa jugal, palato, região retromolar e ventre de língua.1,2,3

A patogenia da mucocele é relacionada ao trauma sobre o ducto salivar excretor ou à obstrução desse ducto.4 O diagnóstico é feito com base nos dados clínicos e na história de trauma relatada pelo paciente.5

As formas de tratamento para a mucocele são: a completa excisão com bisturi ou laser, a micromarsupialização, a criocirurgia ou a injeção de OK-432.2,3,4,6,7 A micromarsupialização é uma forma de tratamento principalmente indicada para pacientes pediátricos ou adultos com alteração sistêmica, quando é contraindicado um procedimento cirúrgico. Isso se deve por ser uma técnica pouco traumática, não necessitando de anestesia infiltrativa local e por ser bem tolerada pelo paciente.4,8,9 A realização dessa técnica é contraindicada quando não se tem certeza do diagnóstico clínico, pois não fornece material para exame anatomopatológico.10,11

Amaral et al.9, em 2012, propuseram, em seu estudo, modificações na técnica da micromarsupialização previamente relatada e, a partir da técnica descrita por estes autores, o presente estudo tem como objetivo descrever um caso clínico de tratamento da mucocele selecionada através da micromarsupialização modificada.

 

RELATO DE CASO CLÍNICO

Paciente de 36 anos de idade, gênero feminino, feoderma, compareceu à clínica de Especialização em Estomatologia da Faculdade de Odontologia da UFMG encaminhada por um Cirurgião-Dentista devido a uma lesão na boca. A história médica, social e econômica não foi contribuitória. O exame físico extraoral não demonstrou alterações dignas de nota. No exame intraoral observou-se uma bolha, bem circunscrita, de consistência mole, medindo 14 mm de diâmetro, de superfície lisa e brilhante, com coloração azulada e localizada na mucosa labial, próxima aos dentes 44 e 45 (Figura 1). A lesão era assintomática e com surgimento há 14 dias. Mesmo na ausência de história de trauma na região, o diagnóstico clínico foi de mucocele. A forma de tratamento proposta foi a micromarsupialização modificada.

O pré-operatório foi iniciado com a paciente realizando bochecho com solução antisséptica de gluconato de clorexidina 0,12% (Periogard® - Colgate/Palmolive Comercial LTDA, São Paulo, Brasil). Posteriormente, foi feita anestesia tópica com EMLA® (Lidocaína 25mg/g e Prilocaína 25mg/g-AstraZeneca do Brasil LTDA, São Paulo, Brasil).

A seguir, realizou-se a transfixação de um fio de sutura de seda 3.0 (Procare®, Medico Industries & Trade Co-Shijiazhuang, China) ao longo eixo da lesão. Após a transfixação foi executado um movimento de "vai e vem" com o fio (Figura 2).

O nó cirúrgico ficou afastado da mucosa e, para isso, usou-se uma pinça hemostática entre o primeiro seminó e a mucosa. Foram realizadas quatro transfixações na lesão. Todo o conteúdo de muco foi removido através de aspiração e pressão manual da lesão (Figuras 3 e 4).

A paciente foi orientada a manter uma boa higienização oral, com uso do gluconato de clorexidina 0,12% duas vezes ao dia por sete dias, com 10 ml, após a escovação. A paciente retornou para controle de 7 em 7 dias e, após 30 dias, apresentava-se sem sinais clínicos da lesão, quando as suturas foram removidas. A paciente retornou para acompanhamento 2 meses e 3 meses (Figura 5) após o tratamento, sem sinais clínicos de recidiva e muito satisfeita com o tratamento realizado, relatando ter sido um tratamento rápido e sem dor durante e após o procedimento. A paciente encontra-se em acompanhamento e sem sinais clínicos de recidiva após 24 meses.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

As mucoceles de extravasamento de muco são encontradas com frequência tanto em crianças como em adolescentes e adultos e localizam-se predominantemente em lábio inferior, sendo que 75% a 80% dos casos descritos estão associados à história de trauma. Já as mucoceles de retenção acometem mais frequentemente os pacientes com idade avançada, por estarem relacionadas a uma obstrução do ducto e não à ruptura do mesmo por trauma.2,3,4,6,10,12

No caso relatado, a idade da paciente, as características clínicas e a localização da lesão coincidem com as características descritas na literatura. Em vista disso, foi estabelecido o diagnóstico de mucocele e tornou-se possível pressupor que represente uma mucocele de retenção. É importante realizar diagnóstico diferencial da mucocele com outras lesões bucais como o hemangioma ou má formação vascular, lipoma, fibroma e carcinoma mucoepidermoide. 3,6 As características clínicas da lesão, o tempo de evolução e a história relatada pelo paciente são critérios para o diagnóstico clínico da mucocele.3

A anamnese e as características clínicas da mucocele são critérios também utilizados na escolha do tratamento. Dentre as alternativas de tratamento, a técnica de excisão da lesão e remoção da glândula é frequentemente utilizada, mas é um procedimento cirúrgico invasivo.2 As técnicas cirúrgicas com laser ou com sistema fechado de criocirurgia requerem aparelhos de alto custo, não sendo sempre acessíveis.13 Outras opções de tratamento menos invasivos podem ser indicados, dentre eles se destaca a técnica da micromarsupialização.

A técnica foi denominada de micromarsupialização por Cardoso14 (1974) que obteve bons resultados no tratamento da mucocele. Posteriormente foi descrita por Delbem et al.1 em 2001, que utilizaram uma única sutura 4.0 com tempo de permanência de 7 dias. Sandrini et al.15 (2007) modificaram a técnica, aumentando o número de suturas 4.0 e o tempo de permanência dos fios para 30 dias. Em 2012, Amaral et al.9 propuseram uma atualização da técnica anteriormente descrita e as modificações sugeridas foram adotadas para a realização do presente relato de caso.

O procedimento é simples, rápido, pouco traumático, bem tolerado pelo paciente, e de baixo custo. De acordo com a técnica modificada por Amaral et al.9 (2012) é importante que, após a transfixação do fio de sutura, seja feito o movimento de "vai e vem" com o fio, pois ocasionará um alargamento mecânico do novo conduto que será formado e facilitará a drenagem do muco. Outras modificações da técnica realizadas foram a utilização do fio de sutura mais espesso (3.0) e a remoção de todo o muco da lesão por sucção convencional e discreta pressão manual.9 Como os fios de sutura são mantidos por 30 dias na mucosa bucal, uma boa higiene oral é necessária. Acredita-se que esse tempo de permanência dos fios garante a epitelização dos novos ductos formados.15 No presente caso descrito, a técnica foi facilmente realizada, utilizou-se somente anestésico tópico. A paciente não relatou nenhum desconforto no trans ou pós-cirúrgico. Não foi descrito na literatura o intervalo de tempo de acompanhamento do paciente até os 30 dias finais. Entretanto, neste estudo foi realizado um acompanhamento de 7 em 7 dias, e informações adicionais sobre esta questão devem ser pesquisadas e apresentadas na literatura.

A micromarsupialização é principalmente indicada para pacientes pediátricos ou adultos com alterações sistêmicas. A mucocele deve ser maior que 10 mm, superficial, flutuante à palpação, séssil, de coloração translúcida e com pouco tempo de evolução sendo, portanto, não-fibrosada.1 Para o sucesso do procedimento, é importante que a mucocele não esteja localizada em palato ou mucosa jugal, por serem áreas mais frequentemente acometidas por lesões neoplásicas.4,10,11 Essas características da lesão devem ser criteriosamente avaliadas para a indicação do tratamento, portanto, a técnica de micromarsupialização modificada é indicada para o tratamento de casos de mucocele selecionada.

Na presente descrição de caso clínico o controle pós-cirúrgico da paciente foi de 24 meses e não houve complicações cirúrgicas ou recidivas. Esses dados demonstram o sucesso do tratamento. A drenagem completa do muco da lesão, o aumento da espessura do fio de sutura utilizado e o alargamento mecânico dos orifícios são modificações que possivelmente aumentam a eficácia da técnica de micromarsupialização.9

Quanto à avaliação da recidiva da mucocele são poucos os trabalhos na literatura sobre a técnica da micromarsupialização.8 Entretanto, os estudos demonstram que não existem recidivas.8,9,11,12 É imprescindível que o Cirurgião-Dentista, ao escolher a técnica para o tratamento da mucocele, considere as características clínicas da lesão, a idade do paciente e verifique se há alguma alteração sistêmica. Como não há necessidade de anestesia infiltrativa e se trata de um procedimento de rápida execução, a técnica da micromarsupialização modificada representa uma excelente opção de tratamento para a mucocele selecionada.

 

CONCLUSÃO

A partir deste relato de caso sugere-se que a técnica de micromarsupialização modificada seja eficaz no tratamento da mucocele selecionada.

 

APLICAÇÃO CLÍNICA

Sugere-se a utilização da técnica da micromarsupialização modificada para o tratamento da mucocele selecionada em quaisquer pacientes, mas bem específica para pacientes pediátricos ou adultos com alterações sistêmicas que impossibilitem a realização de procedimentos mais invasivos.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Amanda Leal Rocha
Rua Doutor Gordiano, 216/301
Prado - Belo Horizonte - MG
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e-mail:
amandaauharek@yahoo.com.br

 

Recebido em: jun/2013
Aprovado em: ago/2013